Das montanhas de Timor-Leste às estepes da Mongólia, os novos e velhos cardeais do continente “são preciosos”, porque estão habituados a viver em “sociedades plurirreligiosas”, diz-me o teólogo e antropólogo Michel Chambon. O mundo deles “não é binário: Catolicismo vs Protestantismo (América); Cristianismo vs Secularismo (Europa); Cristandade vs Islão (África)”. Ao promover nas suas escolas “uma educação moderna e não sectária, como nenhuma outra religião o faz”, o Catolicismo asiático “não pode ser reduzido a uma comunidade confessional, que só cuida de si mesma”. (Ler mais | Read more…)

Investigador na Universidade Nacional de Singapura, Michel Chambon é também um dos coordenadores da Initiative for the Study of Asian Catholics, um projecto colaborativo do Asia Research Institute criado para “promover a investigação científica social sobre os católicos asiáticos nas sociedades contemporâneas”.
Teólogo e antropólogo francês, Chambon tem estudado as várias comunidades católicas e protestantes na China, Taiwan e Hong Kong. Autor do livro Making Christ Present in China: Actor-Network Theory and the Anthropology of Christianity, os seus mais recentes projectos centram-se na expansão da Ordem Militar Soberana de Malta na região Ásia-Pacífico, e na prática do Cristianismo nos lares chineses. Falei com ele, numa troca de correspondência por e-mail, para perceber a ênfase asiática das escolhas cardinalícias do Papa Francisco.
No dia 27 de agosto, o número de cardeais nascidos ou escolhidos para o seu ministério na Ásia subiu para 21 entre os 132 cardeais eleitores que poderão ser chamados a participar no conclave que elegerá o próximo papa. Na Ásia, 18 países têm agora um ou mais cardeais e 15 são cardeais eleitores. Até que ponto podem eles influenciar a direcção futura da Igreja e as suas prioridades?
Segundo Gerard O’Connell [autor da obra The Election of Pope Francis: An Inside Account of the Conclave That Changed History], os cardeais asiáticos desempenharam um papel importante na eleição do Papa Francisco. Juntos, tinham uma visão clara do que queriam: teria de ser um não eurocêntrico, alguém profundamente pastoral, capaz de reformar a Cúria Romana e dar atenção à periferia, etc.
Após a primeira volta da votação, o pequeno grupo asiático apresentou [o argentino Jorge Maria] Bergoglio como segundo candidato e, com isso, chamou a atenção dos outros [purpurados]; as votações seguintes fizeram o resto. Isto significa que a influência [do grupo asiático] não se limita ao seu número. Talvez seja o contrário.
Um pequeno grupo pode ser mais unido, os seus membros conhecem-se uns aos outros, e a sua visão terá maior probabilidade de ser ouvida fora do seu círculo. Por isso, o que importa é saber se os cardeais asiáticos podem produzir e partilhar uma visão comum capaz de se destacar entre muitas outras opções, afiliações, prioridades e preferências que os cardeais de todo o mundo tenham. Se os asiáticos forem mais numerosos, mas menos unidos, a sua influência será menor e não necessariamente “asiática”.
Francisco visitou até agora mais países na Ásia do que em qualquer outro continente – de bastiões do Catolicismo, como as Filipinas e a Coreia do Sul, até às comunidades minoritárias no Sri Lanka, na Birmânia, no Bangladesh, na Tailândia e no Japão. Ignorou convenções para nomear cardeais em nações periféricas como o Brunei (embora o escolhido em 2020, tenha morrido em 2021, de ataque cardíaco, sete meses depois de designado por Francisco). Também proclamou cardeais asiáticos para postos importantes no Vaticano. Concorda com os que dizem que o papa “está a mudar o eixo da Cristandade do até agora dominante Ocidente para o Sul Global”?
Creio que o Papa Francisco está simplesmente a pôr em prática o [Concílio] Vaticano II [1961-1965] – a fazer com que a liderança da Igreja se mantenha alinhada com o resto do Catolicismo; está a transformar a Cúria Romana e o Colégio dos Cardeais numa instituição verdadeiramente global (já não italiana nem europeia). O Vaticano II é isto. No entanto, não creio que haja uma oposição Ocidente-Sul.
Vejamos as estatísticas referentes ao Colégio dos Cardeais: o segundo país mais representado depois da Itália é os Estados Unidos da América. Em termos de geopolítica, isso é normal. A Igreja sempre integrou um número suficiente de pessoas do país mais poderoso da Terra, para ter a certeza de que a sua liderança global estará à altura da superpotência do momento.
Precisamos de cardeais norte-americanos para garantir que o Catolicismo Global pode lidar com a América. E, enquanto os EUA permanecerem a superpotência, a presença de cardeais norte-americanos continuará a ser forte – o mesmo aconteceu antes com a França e a Espanha. Então, o que me parece interessante é que, se olharmos para as estatísticas (número de católicos por continente e número de cardeais), só dois continentes estão sobrerrepresentados no Colégio dos Cardeais: a Europa (principalmente a Itália – o quintal seguro do Vaticano) e a Ásia.
As Américas e África estão largamente subrepresentadas – sobretudo se olharmos para o número de católicos [637 milhões e 236 milhões, respetivamente]. Na Ásia, vemos a mesma dinâmica a nível regional. As Filipinas [85,4 milhões] têm menos cardeais do que a Índia, onde há apenas 19 milhões de católicos.
Acho mesmo que o Papa Francisco está simplesmente a aplicar o Vaticano II. Este concílio foi claro: as outras religiões não são produto do demónio nem um erro a erradicar. Têm algo de bom e precisamos de as ouvir com atenção.
Não podemos assumir, implicitamente, que a missão da Igreja é converter toda a gente e recriar uma quase Cristandade. Sociedades multirreligiosas são a norma. São uma dádiva de Deus, e precisamos de aprender a valorizar outras tradições e crenças.
Neste contexto, os cardeais asiáticos (excepto nas Filipinas) são preciosos, porque estão habituados a viver em sociedades e sistemas políticos que, do ponto de vista religioso, são verdadeiramente diversos. Eles não vivem num mundo binário: Catolicismo vs Protestantismo (Américas); Cristianismo vs Secularismo (Europa); Cristandade vs Islão (África).
Ao tornar os cardeais asiáticos proporcionalmente mais importantes, o papa assegura que a visão teológica e eclesiológica do Vaticano II está verdadeiramente enraizada no topo da liderança da Igreja.
Para algumas pessoas, o papa escolheu mais cardeais asiáticos na esperança de conseguir mais convertidos/as na Ásia (um continente em que os católicos são raros). Eu recuso esta leitura. Nunca vi provas de que a nomeação de um cardeal aumentasse as conversões e o recrutamento. Esta abordagem do género “teoria de mercado” é ridícula.
Pelo contrário, precisamos de procurar outras razões que expliquem a sobrerrepresentação da Ásia no Colégio dos Cardeais. Para mim, a principal razão destas nomeações está na importância das sociedades plurirreligiosas. Isto tem de ser visto como a “normalidade” em que a Igreja precisa de se exprimir. E os cardeais asiáticos são os mais bem equipados para o fazer.
Na Ásia, importado durante o período colonial, o Catolicismo ainda é considerado uma religião “estrangeira” ou a Igreja é hoje mais local e indígena? Como define os católicos nativos, os papéis que desempenham nas suas sociedades e a coexistência com outros crentes?
O Catolicismo na Ásia não foi importado durante o período colonial. O Cristianismo estava presente na Índia nos primeiros séculos (com os dicípulos de São Tomé) – e nunca desapareceu. Também esteve presente na China, no século VII (Igreja Siríaca) – e só depois desapareceu.
O papa enviou delegados à China no século XIII. Chegaram depois mais missionários com os mercadores portugueses que andavam pela Ásia –, mas isto não fazia ainda parte do processo colonial (o dos séculos XVIII-XX de que todos falamos).
Por outras palavras, não podemos dizer que o Catolicismo chegou com o colonialismo. Talvez o Catolicismo asiático tenha sido “alimentado” pelo colonialismo, mas nem isso significa que as populações locais tivessem sido subjugadas ou que sofreram uma lavagem cerebral.
Outro exemplo é o Vietname. Aqui, o Cristianismo foi perseguido pelos governos de Dai Viet e Annam, no século XVII, porque era [visto como] uma ameaça à piedade filial e à família tradicional (cruciais para a ordem social).
Na península vietnamita, só no século XIX é que o Cristianismo começou a ser acusado de ser “estrangeiro” – isto no contexto de uma intensa colonização francesa e de uma nacionalismo moderno que associava o Catolicismo à hegemonia ocidental.
De volta à sua questão, sim, é claro que a Igreja na Ásia é local e indígena: 99% dos seus fiéis e líderes nasceram aqui. Mas, mais uma vez, a situação difere de país para país. Em Estados como a Tailândia e o Camboja, os católicos são muitas vezes parte de minorias étnicas marginalizadas (Karen, Viet, Chineses, etc..) e, por isso, acusados de “não pertencer” ali. Quem tem o poder de definir uma “verdadeira pertença” e a “identidade nacional”?
Na Índia, a situação é diferente, mas comparável: a maioria dos católicos da Igreja Latina [não os da Igreja Siro-Malabar ou da Igreja Ortodoxa Síria Malankara] são Dalits [outrora conhecidos pela designação pejorativa de ‘intocáveis’] – e são discriminados em termos de casta e económicos. Mas, é essencial ser hindu para ser indiano? Estas são hoje questões controversas – em todo o continente.
Quanto ao papel que desempenham, dou apenas um exemplo: à excepção da China e da Coreia do Norte, os católicos administram escolas primárias e secundárias em todo o continente. E, de um modo geral, só 5% dos alunos destas escolas católicas são católicos.
Ou seja, o Catolicismo asiático ensina centenas de milhares de crianças não-católicas sem, de modo algum, as obrigar a converterem-se.
Através de milhares de escolas, muitas delas excelentes, o Catolicismo asiático promove uma educação moderna e não sectária, como nenhuma outra religião o faz. O Catolicismo na Ásia não pode, portanto, ser reduzido a uma comunidade confessional, que só cuida de si mesma. As coisas são mais subtis e estão mais entrelaçadas.
Muitos católicos na Ásia, sobretudo no Sul e Sudeste, não são apenas indigentes. Também se queixam de “não ter poder nem voz”. Será que a hierarquia da Igreja segue as recomendações do Papa Francisco para ser “protectora dos mais pobres, fracos e vulneráveis” ou é uma liderança “fechada numa fortaleza”, como alguns lastimam?
É preciso cuidado com estas generalizações. Em muitas partes da Ásia, temos grupos de católicos ricos e influentes ao lado de menos afortunados – e até num mesmo país (como a Tailândia, a Índia ou o Sri Lanka). Não há nada homogéneo ou fácil de apresentar.
Se dermos atenção à hierarquia e à sua atitude em relação aos vulneráveis, encontramos de tudo: padres e bispos muito comprometidos com os pobres; os que são a favor de desafiar as autoridades locais; os que não consideram o confronto a posição mais sensata; os que acreditam genuinamente que a Igreja não deve negligenciar outras questões e missões. Temos todo um espectro de atitudes motivadas por uma vasta diversidade de razões.
Isto não significa, naturalmente, que uns são bons e outros maus. A Igreja tem várias maneiras de lidar com as autoridades locais e promover mudanças sociais. Por exemplo, sabemos que o cardeal [Malcom Ranjith] do Sri Lanka nunca foi um crítico do governo corrupto do país.
Foi mesmo um apoiante durante muito tempo – até aos não resolvidos ataques bombistas da Páscoa [de 2019, cujos autores nunca foram detidos] e à recente crise política [que obrigou a família Rajapaksa a abandonar o poder, em julho].
Só então é que ele começou a contestar os líderes governamentais e se tornou um forte opositor político. Como se vê, uma única pessoa pode incorporar diferentes abordagens, dependendo da época e das circunstâncias.
Num artigo no site The Diplomat, o senhor destaca que, embora os católicos representem menos de 5% da população da maioria dos países asiáticos, “o significado” do Catolicismo na região “não se pode limitar a uma contagem do número de fiéis”. Timor-Leste tem agora o primeiro cardeal, tal como a Mongólia, com a sua pequena comunidade de 1300-1500 almas. O arcebispo indiano de Hyderabad vai ser o primeiro cardeal Dalit. Pode ajudar-nos a compreender a importância de cada uma destas escolhas?
Cada uma delas tem múltiplos significados e várias implicações. Não as posso considerar mono-dimensionais, nem tenho a pretensão de me considerar um perito nestas três situações (conheço melhor o caso de Singapura). No entanto, posso realçar alguns elementos que acho importantes.
Timor-Leste é o país mais católico da Ásia – há 40 anos que é católico e há 22 que é independente. Actualmente, o país ainda está num processo de construção nacional, com enormes problemas económicos, e no meio de grandes tensões internacionais e ganância.
A igreja local também enfrenta os seus próprios desafios – encontrar o caminho certo para combinar cultura tradicional (e modos de autoridade) com o Catolicismo – numa altura em que duas em cada três dioceses não têm uma liderança clara.
Assim, o cardeal é a única figura estável de autoridade no país, reconhecido e apreciado pela maioria das pessoas, que talvez possam ajudar a igreja local e o país a não implodirem. Elevar [Virgílio do Carmo da Silva] a cardeal é uma maneira de reforçar o seu peso político e ajudar na transformação de um país muito jovem e subdesenvolvido.
A Mongólia é um caso muito diferente: Uma pequena população católica num vasto território multirreligioso (maioritariamente budista) – encravado entre dois regimes autoritários. A igreja local é muito jovem e humilde.
A escolha de um jovem missionário italiano [Giorgio Marengo] é ousada: o papa não seguiu um certo nacionalismo moderno, para o qual só membros do clero local podem ser líderes de topo da igreja local (filipinos nas Filipinas, vietnamitas no Vietname, etc).
Depois de um século de respeito católico por esta ideologia “nacionalista”, o papa recorda-nos que a Igreja continua soberana e está acima deste nacionalismo de vistas curtas. Numa era de nacionalismo asiático ascendente – esta é uma mensagem interessante da Igreja Católica (Universal) às sociedades asiáticas (bastante diversas) e a estados-nações invejosos.
Imaginem um missionário vietnamita ser nomeado cardeal de Singapura ou um missionário filipino ser nomeado cardeal de Tóquio (e o mesmo se aplicando a um vietnamita para cardeal de Paris…)? Penso que a Mongólia é um dos raros países asiáticos capaz de aceitar este convite com abertura universal.
No caso do arcebispo [Anthony Poola] de Hyderabad, continuamos numa dinâmica totalmente diferente. A questão Dalit na Índia é extremamente profunda e sensível, mas precisa de ser enfrentada – desde que a Igreja na Índia não seja reformulada/reformatada dentro do sistema de castas do Hinduísmo.
Ainda que o rito católico da Índia conte um grande número de fiéis Dalit, os seus líderes não são Dalits. Isso poderia introduzir o sistema de castas na Igreja e levantar questões em termos da igualdade universal cristã.
Embora a Igreja tente não responder às provocações e aos ataques de hindus extremistas, é preciso encontrar meios para demonstrar que ela não apoia – nem sequer implicitamente – o sistema de castas, o que perturba imenso alguns nacionalistas hindus e até suscita violência.
Portanto, ao escolher alguém de origem Dalit para cardeal – uma personalidade gentil, calorosa e amigável – o papa envia um sinal. Não vai resolver tudo, porque esta questão é maior do que a própria Igreja – mas, pelo menos, não se pode acusar a Santa Sé de ter fechado os olhos ao problema ou – no outro extremo – de ser conflituosa. Ela usa as suas próprias ferramentas para encarar o problema e, com sorte, ajudar a Igreja na Índia.
Diz que conhece melhor o caso de Singapura. Como analisa a escolha de William Goh, arcebispo desde 2013 e agora o primeiro cardeal do país – o primeiro de origem chinesa entre os cardeais eleitores – num país onde os católicos representam 360 mil pessoas numa população de 5,6 milhões?
Embora Singapura seja um importante centro asiático com uma comunidade católica vibrante, a cidade-Estado nunca teve um cardeal. Em comparação com outros na região, isto era claramente uma anomalia. A principal razão é a experiência traumática da Operação Espectro.
Em Maio de 1987, foi organizada uma operação policial em larga escala para, segundo a versão oficial, impedir um golpe comunista contra o Estado. Porém, muitos viram isto como uma tentativa de impedir o envolvimento sócio-político de vários católicos de Singapura, e um aviso a todos os grupos religiosos. Após esta operação, a Igreja retirou-se para o interior dos seus santuários.
As mega-igrejas evangélicas tornaram-se na principal força do Cristianismo em Singapura, e o Vaticano decidiu esperar antes de dar maior proeminência eclesial a um arcebispo altamente controlado [pelas autoridades].
No entanto, 35 anos depois, a situação mudou. Singapura evoluiu e o Vaticano há muito que trabalha pela integração das forças de Singapura na liderança regional e global da Igreja. Singapura tem muito para partilhar.
Os seus modelos de coesão social, estabilidade política e capacidade de superação económica são fontes valiosas de inspiração. E, uma vez que Hong Kong não pode, de momento, desempenhar o seu papel regional [devido à repressão por parte de Pequim], o Vaticano pretende que as dimensões multirreligiosa e internacional de Singapura possam contribuir mais para as igrejas asiáticas.
E quanto às Filipinas, país com a terceira maior população católica do mundo (depois do Brasil e do México)? Em 1986, foi um cardeal poderoso, Jaime Sin, que inspirou a chamada “Revolução Popular”, a qual ajudou a derrubar Ferdinand Marcos. Agora que o filho do defunto ditador inicia o seu próprio caminho presidencial (graças aos votos de muitos católicos), depois do mandato hostil de Rodrigo Duterte, alguns analistas especulam que a Igreja “está a perder a sua influência social e política”. Concorda?
Não tenho a certeza de que o cardeal Sin tenha “inspirado” a revolução. A ideia que tenho é a de que foi capaz de, cuidadosamente, avaliar a situação e compreendeu ter chegado a hora de o ditador partir. Na minha opinião, ele agiu mais como um coordenador e árbitro entre as várias forças do que como um iniciador. Sobre a situação atual nas Filipinas, convido a que ouçam a gravação da nossa mesa-redonda de Junho (https://www.isac-research.org/roundtable), uma conversa muito rica e cheia de nuances.
Se tivermos de simplificar, concordo consigo: sim, a Igreja (sobretudo os bispos filipinos) está a perder a sua influência social e política.
Nas últimas eleições [em Maio, que deram a vitória aos filhos de duas dinastias: Ferdinand Marcos Jr. e Sara Duterte], vimos os bispos a dar lições à população e aos pobres sobre como deveriam votar [a ex-vice-presidente Loni Lobredo seria a candidata favorita] –, mas os resultados foram noutra direcção.
O senhor há muito que estuda os católicos na China. Qual o impacto do poder crescente de Xi Jinping e do Partido Comunista sobre a vida e a missão da Igreja na Ásia?
Com Xi Jinping, o sistema político chinês tornou-se mais intrusivo em todos os sectores da sociedade. XI, e com ele o partido, está obcecado em controlar os cidadãos. Até um grupo de dança ou uma associação de idosos tem de provar a sua lealdade ao partido. E o seu controlo também se sente, cada vez mais, entre os grupos religiosos e círculos católicos.
Todavia, embora os católicos sejam muito escrutinados pelo Estado ateu e ‘suspeitos’ de seguir uma potência estrangeira arcaica – o papado –, o partido tem vindo a matizar a sua abordagem. Primeiro, porque, hoje em dia, o partido já não é bem “anti-religioso”. Só quer controlar cada aspecto da sociedade e, na realidade, deixou de promover uma ideologia religiosa (ateísta).
As religiões podem existir na China e até ser úteis para fornecer, como terceiros, serviços sociais onerosos (cuidados com as pessoas mais velhas, etc). Além disso, o acordo provisório assinado entre a Santa Sé e Pequim [em Setembro de 2018] deu garantias ao partido de que os católicos são leais e, até certa medida, estão controlados (o que é menos verdade em relação aos protestantes, e as suspeições do partido viram-se agora para este ramo do Cristianismo, considerado demasiado próximo dos EUA).
Por fim, quais são, para si, os principais desafios que as igrejas asiáticas enfrentarão no futuro?
Precisaria de um livro inteiro para responder a esta pergunta. Devemos ter em mente que não há muito em comum entre o rico Japão, o atormentado Afeganistão e a diversificada Indonésia [onde, apesar de o país ser predominantemente muçulmano, tem maiorias católicas na Ilha das Flores e em algumas partes da Papua – “minorias que contribuem para a coesão nacional e a integridade territorial” do Estado, como atesta Chambon].
Não podemos caracterizar a Ásia nem a Igreja na Ásia como realidades homogéneas. Em todo o continente, são vários os desafios: pobreza crescente, secularização, envelhecimento das populações, regimes autoritários, nacionalismo agressivo… Mas tudo depende de região para região.

© Cortesia de | Courtesy of Michel Chambon
Francisco vira-se para o “Oriente”
São da Ásia-Oceania 22% dos 83 bispos a quem o Papa Francisco entregou o anel de sinete e o barrete vermelho desde o início do seu pontificado. E serão eles a maioria dos 132 eleitores entre os 227 membros (com e sem direito a voto) do Colégio de Cardeais que, num conclave, escolherão o próximo chefe da Igreja Católica.
Dos 16 purpurados eleitores apresentados no último consistório, em Agosto, 6 são de uma região que já tem 31 cardeais em 18 países, do Bangladesh ao Tonga. O que mais surpreendeu alguns dos analistas não foi sequer o número – o maior, em comparação com 4 da Europa, 3 da América Latina e Caraíbas, 2 da África Subsariana e um da América do Norte -, mas sim os lugares de onde vieram. Vejamos quem são os seis e as suas comunidades.
Virgílio do Carmo Silva
Nascido há 54 anos em Venilale, que antigamente se chamava “Vila Viçosa”, uma povoação conhecida pelas cavernas construídas pelos invasores japoneses durante a II Guerra Mundial e que mais tarde serviriam de esconderijo aos guerrilheiros da Fretilin na luta contra os ocupantes indonésios, o arcebispo de Díli, Virgílio do Carmo Silva, nem queria acreditar quando, em 29 de Maio, recebeu um telefonema da Santa Sé informando-o de que seria o primeiro cardeal de Timor-Leste, nação que festejou recentemente duas décadas de independência e onde a Igreja Católica celebrou 500 anos de existência.
“Foi um presente de Deus”, congratulou-se, em entrevista ao site Vatican News, o prelado a quem os missionários Salesianos de Dom Bosco abriram as portas na adolescência, para ele estudar e onde descobriu a vocação sacerdotal. O novo cardeal concluiu os estudos em Manila (Filipinas); foi ordenado padre em 1998 após uma licenciatura em Roma; seria depois superior provincial dos salesianos em Timor-Leste e, em 2016, nomearam-no bispo de Díli.
Situado no Sudeste Asiático, Timor-Leste é, em termos de percentagem, “o maior país católico da Ásia”: 97% de fiéis versus 83% nas Filipinas. “Muitos acham que a prevalência do Catolicismo se deve ao seu passado de colónia portuguesa, mas quando Portugal se retirou, em Novembro de 1975, menos de 20% dos timorenses eram católicos”, explicam os investigadores Bernardo Brown e Michel Chambon num ensaio publicado na plataforma digital The Diplomat.
“Foi só durante a brutal ocupação indonésia (1975-1999) que os timorenses se converteram em massa. Portanto, o Catolicismo em Timor-Leste não é um produto da colonização ocidental, mas algo mais recente e ligado às dinâmicas inter-asiáticas”.

© The Missionaries of the Poor
O Catolicismo, adiantam Brown e Chambon, “ajudou a atrair a atenção internacional para a violenta colonização indonésia”. E, quando esta terminou com a independência, foi a fé católica que ajudou os timorenses a “reconciliarem-se com o inimigo”. Aos que tentam desvalorizar Timor-Leste como “uma ilha pequena e periférica”, Brown e Chambon relembram que o país “tem um território 20 vezes maior do que o de Singapura, e está localizado no nexo de importantes tensões geopolíticas, entre a Austrália e a China.”
O grande problema, reconhecido pelo novo cardeal, é que Timor-Leste se mantém um Estado onde, apesar da riqueza do petróleo e por causa da corrupção, a maioria dos seus 1,4 milhões de habitantes vive em pobreza extrema. O desemprego afecta 75% das pessoas com menos de 35 anos.
Dependente da agricultura de subsistência, uma grande parte da população passa anualmente “uma época de fome”. Pelo menos 50% das crianças sofre de desnutrição. Em Díli e noutras cidades, faltam serviços básicos, como água potável, saneamento, saúde e educação (só metade dos habitantes é alfabetizada).
A Covid-19 agravou ainda mais a situação. O cardeal Virgílio Silva promete que uma das suas prioridades será impedir que, em busca de um futuro melhor no estrangeiro, os jovens abandonem o país que precisa deles.
Giorgio Marengo
Não é fácil a missão de Giorgio Marengo, arcebispo de Ulan Bator, capital da Mongólia, um país da Ásia Central fronteiriço com a China, onde as temperaturas nos longos invernos, de Setembro a Abril, são muitas vezes de 40ºC negativos, e onde os seus 1300-1500 fiéis são uma minúscula minoria entre mais de três milhões de habitantes, metade dos quais segue o Budismo Tibetano e outra metade não tem religião.
Ser escolhido pelo Papa Francisco para, aos 48 anos, se tornar o mais jovem membro (eleitor) do Conselho de Cardeais, foi primeiro “uma surpresa” e depois “o sentimento de que o Santo Padre se preocupa, admira e reconhece uma Igreja em minoria absoluta, em contexto de marginalidade e pequenez”, afirmou Marengo.
Nascido em Cuneo, uma comuna da região de Piemonte, no Norte de Itália, Marengo é missionário da Consolata desde 2000, depois de estudos em Filosofia e um doutoramento em Missiologia em Roma. Foi ordenado sacerdote em 2001 e é prefeito apostólico desde 2020, sucessor do filipino Wenceslau Padilla, o primeiro bispo, que serviu durante duas décadas.
A política do Império Mongol no que toca às religiões sempre foi a de “promover a tolerância”, característica já demonstrada pelo anterior império Kara Khitai (1131-1218), lembra Timothy May, historiador do Império Mongol, sobre o qual escreveu seis livros, um deles uma enciclopédia.
“No início do séc. XI, contactos entre mercadores e missionários facilitaram a conversão da [tribo] Kereit, na Mongólia Central, ao Cristianismo Nestoriano ou Igreja do Oriente. Em 1009, numa carta enviada ao patriarca da Igreja do Oriente, em Bagdad, os Kereit pediam padres e diáconos para os baptizarem. “Não há números exactos, mas crê-se que 20.000 Kereit se converteram – um exemplo seguido pelos Naiman, Merkit e Onggut.”

© DeAgostini | Getty Images | The New York Times
Todas estas tribos viriam a integrar o Estado Mongol unificado por Gengis Cã em 1206, e muitas princesas e rainhas da linhagem daquele guerreiro continuaram a praticar os rituais da Igreja do Oriente, refere May. Porque os nestorianos, apesar de não serem uma maioria, assumiram papéis importantes no aparelho administrativo do império, as suas esposas cristãs eram vistas pelo papa como “o caminho para converter o Cã”.
Predominantemente xamanistas, os Mongóis não tinham um cânone religioso nem uma mitologia específica. Valorizavam apenas questões espirituais com impacto na vida mundana. Para eles, não existia salvação da alma, excepto quando “a alma era roubada por um espírito maligno”. É certo que veneravam alguns deuses, como Koke Mongke Tenggeri (O Eterno Céu Azul), mas estes eram divindades distantes. Como salienta Timothy May, “um Cã na Terra seria sempre um Cã no Céu”.
Se eram tolerantes com outras crenças – poupavam as estruturas religiosas dos territórios que invadiam, não se intrometiam em disputas religiosas, não impunham os seus valores espirituais e até pediam aos povos subjugados que rezassem por eles –, os Mongóis também traçaram uma “linha vermelha”: ninguém podia “ameaçar a estabilidade e a supremacia do seu império”.
No séc. XIII, depois de vários esforços fracassados para atrair os Mongóis, o Papa Inocêncio IV reconheceu que “era necessária alguma flexibilidade”: em 1245, emitiu uma bula papal que concedia aos missionários privilégios especiais para facilitar conversões rápidas, designadamente “o direito de ouvir confissões em toda a parte (e não só em terreno sagrado), de absolver os excomungados e de dispensar os convertidos de várias irregularidades nos rituais”, explica May.
Ou seja, o Papa encorajou “não apenas uma aculturação selectiva, em que os Mongóis e outros poderiam adoptar o Cristianismo, mas também a manutenção da sua própria cultura”. A lista do papa visava “18 diferentes grupos étnicos e seitas religiosas”.
Seja como for, os missionários não exerceram grande influência sobre os Mongóis, que não apreciavam o seu “complexo de superioridade ocidental” e, de um modo geral, “mantiveram-se leais aos seus fundamentos pagãos, mesmo entre que haviam incorporado a doutrina nestoriana”, segundo Timothy May.
“O optimismo renasceu com a divisão do Império Mongol”, quando o Ilcanato da Pérsia, “em busca de aliados contra os Estados muçulmanos que o cercavam”, decidiu contactar Roma”, revela May. “Em 1274, enviados do Ilcã Abaqa levantaram o primeiro obstáculo ao firmarem uma aliança e receberem o baptismo. Ao fazê-lo, estes diplomatas já não eram infiéis e podiam negociar em nome de Abaqa.”
Determinado a converter os Mongóis, o Papa ofereceu-lhes como contrapartida uma aliança militar, incluindo uma ofensiva contra os Mamelucos do Egipto, mas acabou por não cumprir as suas promessas, e os Mongóis perderam o incentivo da conversão. Se tal não impediu o envio de missionários que terão convertido “cerca de 30 mil indivíduos”, a maioria nestorianos e não-cristãos, o seu êxito “foi efémero, porque não conseguiram atrair para o clero ninguém das fileiras do império”.
Até à divisão deste império, conclui Timothy May, os Mongóis resistiram sempre à conversão porque acreditavam, segundo o seu conceito de Tengerismo ou Xamanismo, que tinham “o direito divino de conquistar o mundo”. Neste contexto, “por que haveriam eles de se converter, ao Cristianismo ou ao Islão, se todos adoram o mesmo Deus?”
Essa era também a razão por que não perseguiam ninguém por motivos religiosos, além de que, em seu entender as religiões monoteístas “não lhes ofereciam ganhos estratégicos”.
Só quando a unidade mongol se desintegrou é que a religião começou a ter importância para os Cãs, “à medida que procuravam vantagens sobre os seus opositores”. Com os descendentes de Gengis Cã em guerra uns com os outros em vez de conquistarem o mundo, “muitos procuraram conforto na fé, primeiro por interesse próprio, depois por devoção sincera”.
Expulso nos anos 1300, o Catolicismo reapareceu na Mongólia em 1922, para voltar a falhar devido ao controlo soviético da região. Após a revolução de 1990, subsequente ao colapso da URSS, missionários católicos chegaram para reconstruir a Igreja “do zero”, anota Ray Cavanaugh, no site Catholic World Report.
“As primeiras missas realizaram-se num hotel. A comunicação era difícil porque não havia católicos mongóis nem textos em mongol, nem missionários que falassem a língua” – o que já não acontece com o cardeal Marengo, que é fluente em mongol. O primeiro padre mongol, Joseph Enkh Baatar, foi ordenado em 2016, aos 29 anos, e o segundo em 2021. O Vaticano estabeleceu relações diplomáticas com Ulan Bator há 30 anos.
A Igreja, que conseguiu implantar-se na região ainda que com dimensão apenas para uma prefeitura apostólica, e não uma diocese, está ausente da maioria das províncias, as quais, à excepção de alguns centros urbanos, são das regiões mais escassamente povoadas do mundo.
Mas está presente em escolas, bibliotecas, clínicas, centros de ajuda a alcoólicos [o país tem uma das maiores taxas de alcoolismo] e outros de apoio a crianças portadoras de deficiência. Segundo dados de 2017, não há seminários na Mongólia. Há seis igrejas, três em Ulan Bator, onde os serviços religiosos, em mongol, inglês ou coreano, são conduzidos por 33 padres e 44 freiras.
A vida entre os nómadas das estepes da Mongólia “não é para fracos”, diz o padre salesiano polaco Jaroslav Vracovsky, citado por Ray Cavanaugh. “Mas este é um dos melhores lugares para os missionários serem pastores, com o cheiro das verdadeiras ovelhas, partilhando a vida do seu rebanho.”
Anthony Poola
Arcebispo de Hyderabad desde 2020, Anthony Poola, de 61 anos, é agora o primeiro cardeal Dalit – a mais marginalizada e oprimida casta na Índia, a que pertencem dois terços (65%) dos 18 milhões de católicos do país. É também o primeiro cardeal do povo dravídico Telugo, ou seja, mais de 75 milhões de pessoas que habitam os estados de Andhra Pradesh (onde ele nasceu, na aldeia de Chindhukur, distrito de Kurnool) e de Telangana.
Se hoje se evita o termo pejorativo “intocáveis” (resquício do colonialismo britânico) e se a discriminação com base no sistema de castas foi abolida pela Constituição indiana há mais de 70 anos, a realidade é que os Dalits continuam a ser perseguidos e relegados a trabalhos braçais, como constata o site católico Aleteia.
No dia 29 de maio, quando amigos em Itália o informaram de que, na Praça de São Pedro, o Papa Francisco o havia nomeado cardeal, Anthony Poola pensou que era uma “notícia falsa”, porque se via apenas como “um simples padre e missionário”. Quem o conhece descreve-o como “um cavalheiro culto, gentil e generoso com todos, com um amor especial pelos pobres”.
Formado no seminário indiano de Bangalore, Anthony Poola foi ordenado padre em 1992, servindo várias paróquias da diocese de Cuddapah até 2001. A sua vocação, disse ao website Vatican News, deve-a à generosidade dos missionários jesuítas que financiaram os seus estudos. “Eles cuidaram de mim, ajudaram-me a ir à escola e reconheceram o meu valor.”

© ActionAid | alliancemagazine.org
Em 2003, após concluir um mestrado em pastoral da saúde na Universidade de Loyola, em Chicago/EUA, o novo cardeal regressou à pátria para dirigir, durante quatro anos, a Fundação Cristã para as Crianças e os Idosos.
Em 2008, foi nomeado bispo de Kurnool, onde se manteve 12 anos. No mesmo período, foi presidente da Sociedade de Serviço Social de Andhra Pradesh. Foi ainda secretário-geral do Conselho de Bispos Católicos Telugo, de 2014 até 2020, ano em que Francisco o nomeou Bispo de Hyderabad, no vizinho estado de Telangana.
A elevação de Anthony Poola a “Príncipe da Igreja” é significativa porque há muito tempo que activistas exigiam a presença dos Dalits na hierarquia. No estado de Tamil Nadu, por exemplo, só uma das 18 dioceses tem um prelado Dalit. Dos 215 bispos da Índia, apenas 11 são Dalits, tal como são apenas dois entre 31 arcebispos.
Filipe Neri Ferrão
O arcebispo de Goa, colónia portuguesa durante quatro séculos e um estado indiano desde 1961, é o primeiro cardeal de uma arquidiocese com 265 anos. Presidente da Conferência Episcopal da Índia (CCBI, que representa o rito latino da Igreja Católica), Filipe Neri António Sebastião do Rosário Ferrão, de 69 anos, é também membro da comissão central da Federação de Conferências Episcopais da Ásia.
Natural da aldeia goesa de Aldona, estudou num seminário em Poona, cidade do estado de Maharashtra, e foi ordenado padre diocesano em 1979. Formou-se em teologia bíblica, em Roma, e em teologia pastoral, na Bélgica.
Em 1993, tornou-se bispo auxiliar de Goa e arcebispo de Goa e Damão em 2003, com o título, atribuído por João Paulo II, de “Patriarca das Índias Orientais”. Agora, além de arcebispo, será também cardeal-patriarca de Goa (mas não de Damão).
A elevação de Ferrão é significativa. A arquidiocese de Goa e Damão só teve o seu primeiro bispo goês em 1978, apesar de o antecessor, o açoriano José Vieira Alvernaz, que era arcebispo e cardeal-patriarca, ter saído do território em 1961 e resignado em 1975.

© David Parker | Alamy | The Washington Post
Na Índia, que tem o maior número de cardeais na Ásia (seis, cinco deles eleitores), estão registados mais de 20 milhões de católicos (a maior igreja denominação cristã do país), constituindo cerca de 1,55% dos 1380 milhões de habitantes, de maioria hindu. Das suas 174 dioceses, organizadas em 29 províncias eclesiásticas, 132 pertencem ao rito latino, 31 à Igreja Siro-Malabar e 11 à Igreja Ortodoxa Síria Malankara.
Goa, onde ainda se fala português, é o mais pequeno dos estados indianos, em território e o quarto menor em população (1,8 milhões), mas o mais rico em PIB per capita da Índia. Muitas das suas igrejas e conventos foram classificadas Património da Humanidade pela Unesco.
O Cristianismo entrou na Índia em 52 d.C. com o apóstolo Tomé que evangelizou a costa de Malabar. Os seus discípulos ficaram conhecidos como “Nasrani”, ou “Seguidor de Jesus de Nazaré”, na língua siríaca (dialecto do aramaico). No séc. XVI, com os portugueses, chegaram vagas de missionários que deram ao Catolicismo a forma que ainda hoje assume.
Promovida em 1557 a Sé Metropolitana das dioceses de Moçambique, Ormuz, Cochim, Melliapor, Malaca, Nanquim, Pequim (China) e Funay (Japão), Goa era considerada a “Roma do Oriente”.
Além da evangelização, os portugueses investiram também na construção de escolas, liceus, institutos técnicos e profissionais. Hoje, com 25% de fiéis (os hindus, com 66%, são o maior grupo religioso), Goa mantém-se “o coração católico da Índia”.
William Goh
Arcebispo de Singapura desde 2013, William Goh Sen Chye, 64 anos, é também o primeiro prelado de etnia chinesa entre os cardeais eleitores que serão chamados a escolher o sucessor de Francisco.
Ordenado padre em 1985, depois de estudos no seu país e em Roma, desempenhou vários cargos, designadamente os de reitor do Seminário Maior de Singapura, director do Centro Arquidiocesano de Espiritualidade Católica e presidente da Conferência de Bispos da Malásia, Singapura e Brunei (MSB) para o Apostolado do Mar.
Líder de uma comunidade de “mais de 373 mil” fiéis, apoiados por “160 padres em 32 paróquias, comissões, conselhos e outras organizações”, segundo a Catholic Foundation of Singapore, William Goh diz que a sua elevação ao Conselho de Cardeais reflecte “o papel pequeno, mas activo” que a sua igreja tem desempenhado num país onde os católicos permanecem uma minoria, embora “muito envolvida com as comunidades locais e imigrantes”.
Um recenseamento conduzido em 2020 indicou que 18,9% dos 5,6 milhões habitantes da cidade-Estado se identificam como cristãos – 37,1% dos quais católicos e 62,9% “outros” (sobretudo protestantes).
Os católicos são muito participativos no campo da educação, com 51 escolas frequentadas por 45 mil alunos, “independentemente da raça, língua ou religião”. Todos os anos, “uma média de 80 jovens obtêm licenciaturas ou bacharelatos em Teologia”.

© newliturgicalmovement.org
No campo social, a Arquidiocese de Singapura, que em 2021 comemorou 200 anos, gere 40 associações e outros grupos de caridade que beneficiam mais de 50 mil pessoas, católicas ou não. Entre os que usufruem desta assistência humanitária estão “mais de 4700 migrantes” e “mais de 7700 trabalhadores estrangeiros”, que recebem refeições e cursos de formação profissional gratuitos.
As origens do Cristianismo em Singapura remontam à presença portuguesa na Ásia, mais especificamente à diocese de Malaca, estabelecida logo após a conquista deste território por Afonso de Albuquerque, em 1511.
Numa missa de acção de graças pela sua elevação, em 8 de Setembro, o novo cardeal Goh lamentou “a polarização do mundo” e identificou a sua missão: “Se quisermos construir uma sociedade coesa, como igreja e comunidade, teremos de ser líderes na promoção da harmonia e da solidariedade entre todos os seres humanos”
Lazzaro You Heoung-sik
Arcebispo-bispo emérito de Daejeon, o recém-proclamado cardeal sul-coreano Lazzaro You Heoung-sik é prefeito do Dicastério do Clero, um dos postos-chave da Cúria Romana.
Nasceu em Nonsan, província de Chungcheongnan-do, em 1957. Ordenado padre em 1979, foi presidente da Comissão Justiça e Paz da Conferência Episcopal da Coreia. Também presidiu à Cáritas regional, que ajuda cerca de cinco milhões de pobres na Coreia do Norte, onde já esteve quatro vezes, convicto de que a reconciliação é possível na península dividida.
Igualmente escolhido por Francisco, a Coreia do Sul tem um segundo cardeal, Andrew Yeom-Soo-jung, arcebispo metropolitano emérito de Seul, membro dos dicastérios da Evangelização e do Clero, nascido em 1943, em Suwon, numa família de cinco gerações de católicos.
No país a que um imperador da dinastia Ming, fascinado com a serenidade da paisagem, deu o nome de “Terra da Manhã Calma”, o número de católicos mais do que duplicou nos últimos vinte anos: são hoje 5,8 milhões, ou 11% da população. A Igreja sul-coreana não foi criada por missionários, como aconteceu noutras regiões da Ásia. Foram coreanos que, inspirados pela doutrina cristã propagada na China, levaram a Bíblia para a Coreia.

© Foreign Policy
“Os ensinamentos do Catolicismo desafiaram muitas normas sociais coreanas e a filosofia de Confúcio”, explicou-me, numa recente entrevista, Kirsteen Kim, professora de Teologia e Cristianismo Global no Seminário Fuller, em Pasadena (Califórnia) e autora de A History of Korean Christianity.
“O país abriu-se a uma prática ritual heterodoxa e à modernidade, sobretudo à promoção da língua coreana e à alfabetização para as mulheres e o cidadão comum.”
Entre os primeiros cristãos estava Yi Seung-hun, baptizado por um jesuíta francês numa igreja de Pequim, em 1784. Quando regressou à pátria, Yi baptizou outros coreanos, e juntos formaram a primeira comunidade cristã local – um caso único no mundo, que precedeu o Decreto Apostolicam Actuositatem, sobre o Apostolado dos Leigos, promulgado pelo Papa Paulo VI em 1965.
Embora os primeiros cristãos fossem aristocratas, a Igreja rapidamente se abriu a todas as classes. O primeiro padre coreano foi Kim Dae-geon, conhecido como Santo André Kim, ordenado em 1845 em Xangai, após ter estudado num seminário em Macau, para onde foi aos 15 anos e onde ainda hoje se reza uma missa semanal em coreano em sua honra.
O preço a pagar pelas conversões na Coreia foi “uma severa perseguição, durante quase um século até aos anos 1870”, lembra Kirsteen Kim. Um dos primeiros perseguidos foi André Kim. Quando as autoridades descobriram que ele tinha em sua posse textos e imagens cristãos, e se preparava para fazer entrar no país sacerdotes franceses, foi preso e decapitado, em 1846.
Alarmado com as notícias de incursões estrangeiras, o Governo intensificou a repressão em 1866: entre 8000 e dez mil pessoas, “metade da comunidade católica”, terão sido mortas.
André e outros 102 mártires foram canonizados por João Paulo II na sua visita à Coreia do Sul em 1984. Em 2014, quando esteve em Seul, também Francisco beatificou outros 124 mártires.

© padrepauloricardo.org
A Igreja Católica (sobretudo a dos EUA), adianta Kirsteen Kim, foi crucial no apoio ao líder sul-coreano Syngman Rhee (casado com uma católica) e à causa de uma Coreia do Sul separada do Norte. “No contexto de uma perceptível ameaça comunista global, a Santa Sé foi a primeira a reconhecer a nova república em 1948.”
Na década de 1980, a Igreja “desempenhou igualmente “um papel importante no movimento de democratização que pôs fim a 30 anos de poder militar”. O cardeal Kim Su-hwan, em particular, foi uma “figura destemida que desafiou o regime em nome dos oprimidos”.
Hoje, com uma “abundância de vocações” (10.170 freiras e 1560 frades), a Igreja assume um papel missionário global, enviando padres e irmãos para vários países, de Moçambique à Nova Zelândia. Este movimento contemporâneo “é o resultado da expansão da própria Igreja e do crescimento da economia”, avalia Kirsteen Kim.
“A riqueza e elevados níveis de educação permitiram aos coreanos explorarem o mundo e deixar nele a sua marca. A grande diáspora coreana (fruto de anos de conflito na península) facilita este movimento missionário. Desde os anos 1990 que o Vaticano tem encorajado a Coreia do Sul a afirmar-se como centro nevrálgico católico para a Ásia do Leste.”
Estes artigos foram publicados originalmente na edição de Outubro de 2022 da revista ALÉM-MAR | These articles were originally published in the Portuguese news magazine ALÉM-MAR, October 2022 edition.