Durante 7 dias, os quase 7 milhões de bahá’ís em todo o mundo homenagearam os 7 líderes da sua assembleia espiritual no Irão presos desde há 7 anos. Ao tributo juntaram-se os mais de 2000 fiéis em Angola, país que ofereceu à comunidade global o seu primeiro mártir africano. (Ler mais | Read more…)
Já é livre um pássaro, quando entende que é mais do que a sua jaula
(Saeb Tabrizi, poeta persa do século XVII)

Bahá’ís das Lundas reunidos na província angolana da Zâmbia, em Julho de 2015, para celebrar a sua história e o contributo para o desenvolvimento do seu país
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Foi no início de 1952, sob poder colonial, que Angola recebeu os primeiros “pioneiros” de uma nova fé nascida na Pérsia em 1844. Não foi fácil já que a PIDE perseguiu até à Revolução de Abril de 1974 o “movimento religioso” que Eça de Queirós, em A Correspondência de Fradique Mendes, admitia “poder atacar as velhas fortalezas do muçulmanismo dogmático”, por ter “autoridade teológica e ser literariamente polido”.
Um dos primeiros líderes da comunidade em Portugal, Mário Mota Marques (1942-2009), costumava evocar um episódio em que a antiga polícia política interceptou, por ter confundido “Bach” com “Bahá’í”, uma carta que lhe havia sido enviada por um amigo músico em Nova Iorque.
Hoje, bahá’ís angolanos (“um total de 2051”, segundo a Association of Religion Data Archives) e portugueses juntam-se aos seus irmãos de fé – quase sete milhões em todo o mundo – no último de 7 dias de homenagem aos 7 líderes da comunidade iraniana presos desde há 7 anos na República Islâmica. O seu crime? Acreditarem que Maomé não é o último profeta e que Bahá’u’lláh é “o Mensageiro de Deus para a nossa era”.
Quem são os sete Yaran [“Amigos que ajudam”] – como é conhecida a liderança bahá’í, defendidos pela Prémio Nobel da Paz Shirin Ebadi, a primeira juíza iraniana, “despromovida” a advogada pelo regime teocrático, que, depois de várias ameaças de morte, também a obrigou a procurar refúgio, em 2009, no Reino Unido?

O angolano Joaquim Sampaio, de Malanje, morreu na prisão, na Baía dos Tigres, no Namibe – foi o primeiro mártir bahá’í africano.
Mahvash Sabet, de 62 anos, era professora e directora de uma escola. Foi afastada da Função Pública por “heresia”. Durante 15 anos foi responsável pelo entretanto encerrado Instituto Bahá’í do Ensino Superior, onde leccionava Psicologia e Gestão.
O BIHE (sigla inglesa) oferecia uma alternativa académica aos jovens bahá’ís proibidos de frequentar universidades nacionais. A 5 de Março de 2008, foi convocada pelo Ministério da Segurança, na cidade de Mashad, para “responder a questões relacionados com um funeral bahá’í”.
Foi o início de uma campanha que levaria para a infame penitenciária de Evin, em Teerão, todos os Yaran. Os restantes seis foram detidos nas suas casas, na capital, a 14 de Maio.
A Mahvash Sabet juntaram-se a psicóloga Fariba Kamalabadi, 52 anos e três filhos; o empresário Jamaloddin Khanjani, 81 anos (a sua mulher morreu em 2011, mas ele não foi autorizado a assistir ao enterro) e quatro filhos; o industrial a quem foi negado o sonho de ser médico Afif Naeimi, 53 anos e dois filhos; o engenheiro agrónomo Saeid Rezaie, 57 anos e três filhos; o assistente social forçado a ser carpinteiro Behrouz Tavakkoli, 63 anos e dois filhos; e o optometrista Vahid Tizfahm, 42 anos e um filho.
Após longos meses de isolamento, só em 2009 é que os sete dirigentes da maior minoria religiosa do Irão (cerca de 300 mil pessoas) ficaram a conhecer acusações formais: “Espionagem a favor de Israel, insulto a santidades religiosas, propaganda contra a República Islâmica e corrupção na Terra”.
A lei prevê a pena de morte para espionagem e “corrupção na Terra”, mas o Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Irão, presidido por Shirin Ebadi, garante que não há provas para os condenar. Quando Fariba foi colocada na “cela 209”, reservada a prisioneiros políticos, o seu irmão Iraj Kamalabadi confessou-me, numa entrevista telefónica, que receia para os actuais Yaran o mesmo destino que as primeiras assembleias espirituais bahá’ís (conselhos consultivos eleitos pelos crentes e que regem a vida de comunidades sem clero) tiveram após a queda do último Shahanshah (“rei dos reis”).

Bahá’ís angolanos cantam e dançam num dia de celebração da sua fé, na província da Zâmbia
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Em 21 de Agosto de 1980, os então nove membros da assembleia foram raptados. “Nunca mais ninguém os viu, estarão mortos”, afirmou Kamalabadi, que foi estudar para Boston (EUA), em 1977, e não mais pôde regressar a casa.
A 27 de Dezembro de 1981, na segunda assembleia, só um dos nove sobreviveu ao pelotão de fuzilamento: Jamaloddin Khanjani, agora um dos sete detidos. Em 1984, da terceira assembleia, quatro dos nove foram executados.
Por que são atormentados os bahá’ís, não apenas no Irão, de maioria persa e xiita, mas noutros países do Médio Oriente, árabes e sunitas? As perseguições começaram com Báb, o primeiro profeta, várias vezes preso até ser fuzilado, em 1850.
O sucessor, Bahá’u’lláh, foi preso e forçado ao exílio: morreu na Palestina Otomana, em 1892. Para os muçulmanos do Irão crentes em 12 imãs, um deles o “messias escondido” ou Mahdi, a ideia de que poderia haver “mensageiros de Deus” depois de Maomé era uma “blasfémia”.
Se os bahá’ís foram responsáveis por revoltas contra a dinastia Qajar, incluindo uma tentativa de assassínio do xá Nasir al-Din Shah, em 1852, com Bahá’u’lláh, adoptaram uma filosofia de obediência e lealdade aos governos. A nova religião continuou, porém, a ser vista como uma ameaça teológica (e política) ao xiismo.
De 1917 a 1979, sob o reinado do primeiro Xá Pahlavi, Reza Khan, os bahá’ís não eram autorizados a ter as suas escolas e os funcionários públicos foram despromovidos ou despedidos.
Os casamentos dos bahá’ís não eram reconhecidos – os casais podiam ser presos por adultério e os filhos considerados “ilegítimos”. Com a chegada de Khomeini, os bahá’ís foram acusados de “associação à monarquia, colaboração com a polícia secreta SAVAK, oposição à Revolução Islâmica e espionagem a favor de Israel.”
À acusação de serem “inimigos do islão”, os bahá’ís lembram que a sua fé é reconhecida como religião independente, até por juristas muçulmanos.
Quanto a serem “agentes do sionismo”, insistem que ela se baseia no facto de o seu profeta, Bahá’u’lláh, estar sepultado no Monte Carmelo, onde morreu em exílio forçado – quando Israel ainda não existia -, e de a sede internacional (Casa Universal da Justiça) funcionar em Haifa.
Face à acusação de estarem “envolvidos em prostituição”, lembram que os seus rituais de casamento não são reconhecidos e por isso as mulheres bahá’ís são tratadas, pelo governo, como “prostitutas”. Quanto à acusação de “adultério e imoralidade”, vêem-na como a recusa em aceitar uma religião que defende a igualdade entre homens e mulheres e não aceita a segregação.

Eduardo Duarte Vieira, o guineense que se pensou até há pouco ser o primeiro mártir africano dos baha’i
Desde a Revolução Islâmica de 1979, pelo menos 200 bahá’ís foram mortos ou executados no Irão, elevando para mais de 20 mil as vítimas das perseguições iniciadas há cerca de 150 anos.
Como é que uma religião perseguida na Ásia consegue converter parte de um outro continente, onde predominava o Cristianismo, o Islão, o animismo e outros ritos locais? Responde-me, por email, Anthony A. Lee, professor na Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles, autor de um dos raros livros sobre este tema, The Baha’i Faith in Africa – Establishing a New Religious Movement, 1952-1962 (Ed. Brill, 2011).
“A recente expansão da Fé Bahá’í na África Subsariana foi iniciada em 1952 a partir da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, onde a religião já se havia estabelecido mais de meio século antes”, explica o historiador e cientista político.
“Isto significa que a Fé Bahá’í tinha convivido bem com o Cristianismo e conseguira muitas conversões”, adianta Lee. “Os bahá’ís no Irão também participaram nesta expansão. Os esforços mais bem sucedidos de propagar os ensinamentos bahá’ís foram feitos pelos primeiros convertidos à fé, porque se mostraram capazes de adaptar a nova religião às suas culturas.”
Quais foram os ganhos mútuos para a comunidade bahá’í global e para os conversos? A nova fé incorporou elementos africanos? E como é que a doutrina de Baha’u’lláh em defesa da igualdade racial e da educação das mulheres tem sido posta em prática em regiões ainda patriarcais e onde abundam ditadores?
“A comunidade bahá’í global elevou muito o seu prestígio quando milhares de africanos aceitaram a fé entre as décadas de 1950 e 1960”, salienta Anthony Lee.
“Estas conversões convenceram os bahá’ís da universalidade da sua mensagem e da capacidade de estabelecerem uma comunidade global. Actualmente, todas as crianças bahá’ís conhecem a versão africana de Allah-u-Abha, que se tornou num hino mundial.”
“A comunidade bahá’í aceita e aprecia todas as variantes da prática da fé nas comunidades africanas, tal como acontece noutros lugares do mundo”, garante Lee. “A conversão à Fé Bahá’í é um processo, não sendo uma exigência instantânea a observância de todas as leis e princípios da religião.”
“A propagação da Fé Bahá’í em África é semelhante à do Islão neste continente – a conversão a um novo modo de vida é um processo que pode durar gerações. Mas os bahá’ís em África não são especialmente protegidos. Dependendo dos países e das circunstâncias, têm de ser extremamente cautelosos, sobretudo nos Estados de maioria muçulmana.”

Bahá’ís angolanos reunidos na província da Zâmbia
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Moojan Momen, um dos autores da monumental Encyclopedia Iranica, mas também de outros livros como Introduction to Shi’i Islam) e The Babi and Baha’i Faiths 1844-1944, atribui “aos ensinamentos de unidade e igualdade” a “grande atracção dos africanos” por uma fé perseguida – “em particular entre os que sofreram os efeitos nefastos do nacionalismo, tribalismo ou conflitos religiosos.”
Em resposta a uma questão sobre as comunidades bahá’ís nos PALOP, Moojan Momen, que é Fellow da Royal Asiatic Society e membro da British Society for Middle Eastern Studies, da Society of Iranian Studies, da British Association for the Study of Religion e da Association for Baha’i Studies, elabora:
– “No passado, as colónias portuguesas em África foram as áreas mais difíceis para os bahá’ís trabalharem. Porque a Igreja Católica [Romana] detinha um controlo rigoroso sobre todas as acções sociais e na maior parte dos territórios – podemos dizer que a Fé Bahá’í foi aqui perseguida, até certo ponto.”
“Eduardo Duarte Vieira (1921-1966), na Guiné-Bissau [o único dos PALOP membro da Organização da Conferência Islâmica] é considerado o primeiro mártir africano da Fé Bahá’í”, realça Moojan Momen, que nasceu no Irão mas foi educado em Inglaterra, onde se formou na Universidade de Cambridge. “Na realidade, o primeiro mártir foi o angolano Joaquim Sampaio.”
“Um importante ponto de viragem na história da Fé Bahá’í em Angola foi uma viagem de estudo a Luanda efectuada por Rodolfo e Angelica Duna, um casal de Moçambique, em 1956 (Janeiro)-1957”, revela o académico iraniano-britânico.
“Rodolfo Duna deu uma palestra na Igreja Evangélica em Luanda e isto contribuiu para que António Francisco Ebo se tornasse bahá’í.”
“Ebo escreveu ao seu tio Joaquim Sampaio, em Malanje, onde este era respeitado como místico entre parentes e amigos, proclamando o aparecimento de uma nova religião. Obteve respostas às dúvidas que tinha e a sua casa tornou-se um centro de actividade bahá’í, entre Fevereiro e Março de 1956, juntando 300 a 400 pessoas que aceitaram converter-se.”
“Em Abril, formou-se uma assembleia espiritual em Luanda, com a ajuda de Rodolfo Duna e de Angelica. Um ano depois, seria criada outra em Malanje, com assistência de Ebo.”
Adianta Moojan Momen: “No Verão de 1956, Hilda Summers Rodrigues e o seu marido José Caetano Xavier Rodrigues, pioneiros bahá’ís provenientes de Portugal e com os títulos de ‘Cavaleiros de Bahá’u’lláh para a Guiné Portuguesa’, chegaram a Angola, para pôr em prática os ensinamentos da nova religião, em Luanda e Malanje, que já eram centros activos.”

Mulheres bahá’ís angolanas num grupo de reflexão na província da Zâmbia
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Em 1960, a convulsão política que assolava os países africanos ansiosos pela independência “teve grande impacto numa comunidade bahá’í crescente”, refere Momen.
“O clero católico romano decidiu aproveitar-se dos medos das autoridades portuguesas e acusaram os bahá’ís de serem terroristas. Muitos crentes foram detidos e interrogados. Entre as principais vítimas estava Joaquim Sampaio.”
“Foi levado a meio da noite e nunca mais o viram. Crê-se que terá sido executado ou morrido num campo prisional – por isso, foi ele o primeiro mártir bahá’í e não, como se diz, o guineense Duarte Vieira.”
Mais tarde, em 1963, António Francisco Ebo e sete outros bahá’ís foram também encarcerados numa colónia penal, na costa sul de Angola, onde permaneceram oito anos. Apesar de todos os dramas da guerra pela libertação, a comunidade bahá’í não deixou de crescer, e uma Assembleia Espiritual Nacional foi eleita em 1992.
Quanto aos restantes PALOP, Moçambique recebeu a Fé Bahá’í em 1920, mas em 1954 só ali residia um crente. Alguns dos primeiros convertidos foram presos nos anos 1950. Em 1985, porém, a comunidade já tinha cerca de 700 membros. No mesmo ano, foi eleita a Assembleia Espiritual Nacional.
Em Cabo Verde, os primeiros bahá’ís chegaram ao arquipélago em 1954, mas na década de 1950 foram perseguidos e permaneceram na clandestinidade durante cerca de 20 anos. Voltaram à vida activa nos anos 1980, criando a primeira Assembleia Espiritual Nacional em 1984. Em São Tomé e Príncipe , há uma comunidade bahá’í desde 1954, mas os primeiros crentes enfrentaram detenções.
Na Guiné-Bissau, onde nasceu o mártir Eduardo Duarte Vieira, a comunidade expandiu-se a partir de 1974 e elegeu a sua Assembleia Espiritual Nacional em 1989.
A história de Vieira vale a pena ser contada. Católico fervoroso, teve conhecimento dos ensinamentos de Bahá’u’lláh durante uma visita a Lisboa. A sua mulher foi a primeira convertida. Ele abandonou o cristianismo e ajudou a formar a primeira comunidade bahá’í, de 15 membros, nos arredores de Bissau.

Bahá’ís angolanos e congoleses numa conferência nacional em Lubumbashi, RDC (ex-Zaire)
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A Igreja de Roma foi implacável, pode ler-se na biografia The Baha’i World, vol. 14 (1963-1968). Vieira foi demitido das suas funções no governo local. Abriu uma agência de viagens, mas a sua vida foi transformada num inferno: confinado a casa, não tinha liberdade de reunir amigos nem de sair à rua.
A sua correspondência era violada. Frequentemente detido e maltratado fisicamente, o seu destino ficou selado em 11 de Março de 1966 quando o acusaram de subversão política.
Morreu na prisão em circunstâncias nunca esclarecidas, a 31 do mesmo mês e ano. No dia do funeral, a mulher notou que ele tinha em todo o corpo, mas sobretudo na cabeça, sinais de tortura. Ela não desistiu de lhe oferecer um funeral segundo os rituais bahá’ís.
Numa caixa onde lhe serviam as refeições, Vieira gravou, com um instrumento de metal, mensagens para a viúva e os filhos: “Sejam amigos de todos e não odeiem ninguém. A vida é eterna e nunca termina. Acaba um ciclo e começa outro.”
Moojan Momen, que forneceu estes dados sobre os PALOP, não tem números concretos sobre os membros de cada uma destas comunidades bahá’ís. Sublinha apenas que “a Fé Bahá’í é atractiva porque está impregnada de elementos positivos e construtivos de todas as culturas, apoiando-as e desenvolvendo-as.”
“Por outro lado, desencoraja firmemente atitudes e práticas que causam desunião e conflito – seja o sistema de castas na Índia, o racismo nos Estados Unidos, o [antigo sistema de] apartheid na África do Sul ou o degradante estatuto das mulheres em várias partes do mundo.”
“Os bahá’ís não combatem aqueles males através da acção política ou sublevações”, concluiu o académico de Cambridge. “Preferem gerar mudança através da unidade, fomentando pontes entre os dois lados de um conflito, educando e adoptando medidas construtivas que beneficiem todos numa sociedade.”
“Nenhuma religião pode aceitar a guerra”
O coronel na reforma José Domingos da Gama sentiu-se atraído pela Fé Bahá’í “quando a paz começou a chegar em 1993”, e as Forças Armadas Angolanas (FAA) o desmobilizaram “numa redução de efectivos”. Não o aflige o passado como militar numa devastadora guerra civil que durou 27 anos, até 2002, e causou mais de 500 mil mortos e quase um milhão deslocados internos.
“Na conversão, o passado não tem retroactividade – é um elemento histórico”, explica-me Domingos da Gama, num telefonema a partir de Luanda, onde é um dos nove líderes da Assembleia Espiritual Nacional Bahá’í, eleitos para dirigir uma comunidade sem clero que ele estima “em mais de 2000 membros activos”.
“Na tropa, eu era mais comissário político do que combatente nas frentes de batalha”, adianta o ex-oficial nascido há 55 anos em Calulo-Libolo, província do Kwanza-Sul. “A minha luta não era pela violência e sim pela justiça. O serviço militar é obrigatório em Angola e, embora a Fé Bahá’í encoraje a objecção de consciência, é complicado obter este estatuto.”
“A guerra ficou para trás”, acredita Gama. “Confio em que a paz permanecerá connosco, porque a paz mundial é o primeiro estádio da felicidade humana”. E este foi um dos princípios que o fascinou quando decidiu trocar o Catolicismo (“sem renunciar a Cristo”) pelos ensinamentos de Bahá’u’lláh, o profeta dos Bahá’ís, influenciado por um professor do Gana que lhe dava aulas de Inglês.
“A defesa da paz universal e o combate ao racismo fizeram de mim um despertador de consciências”, declara Gama. “O mundo seria muito monótono e sem beleza se todos tivéssemos a mesma cor de pele. O que eu faço agora é sensibilizar outras pessoas para estes valores da Humanidade.”
Iluminar espíritos depois de um conflito sangrento que dizimou grande parte das estruturas da sociedade civil não é tarefa fácil.
“Em Angola, o Cristianismo, nas suas muitas designações, é ainda preponderante e a ignorância faz com que se confunda religiões com igrejas”, deplora o coronel reformado, lembrando que “foi apenas por ser bahá’í” que Joaquim Sampaio, natural de Malanje, se tornou primeiro mártir africano da fé nascida na Pérsia no século XIX. Foi morto na Baía dos Tigres (no Namibe), nos anos 1960.
“Num país que continua machista não é de estranhar a resistência em aceitar uma fé que valoriza as mulheres e as mães, reconhecendo-lhes até primazia no acesso à educação”, continua Gama. Regozija-se também pelo facto de os bahá’ís estarem entre os primeiros que adoptaram a Carta de Direitos Humanos das Nações Unidas, quando foi aprovada em 1945.

Conferência Regional Baha’í em Lubumbashi, na República Democrática do Congo (ex-Zaire), onde participaram fiéis angolanos
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Na dedicação à Fé Bahá’í, o antigo oficial não poupa esforços. “Batemos a todas as portas em busca de reconhecimento. A religião entrou em Angola em 1957, mas em 1961, na guerra pela independência, foi proibida. Em 1975, numa das priores fases da guerra civil, muitos bahá’ís fugiram para Portugal. Em 1992, finalmente, o Governo decretou, em Diário da República, o direito à liberdade religiosa.”
“Somos convidados para todas as cerimónias ecuménicas, e os livros escolares mencionam a nossa existência”, exulta Gama. Se os bahá’ís ganharam legitimidade, o islão passou a ser olhado com desconfiança.
“Há alguns muçulmanos e algumas mesquitas, mas as autoridades exercem um grande controlo, porque temem a ascensão de extremistas”, observa Gama, frisando que a sua fé considera a religião de Maomé “verdadeira mas não absoluta”.
No Irão, muçulmano xiita, a situação é oposta: os sete líderes da comunidade bahá’í, a maior minoria religiosa do país, estão há sete anos na cadeia sem culpa formada. Domingos da Gama lamenta que Angola não seja mais assertiva quando se votam resoluções internacionais criticando as violações de direitos humanos e apelando à libertação dos bahá’ís naquela República Islâmica. Em to o caso, ressalva: “É preferível que se abstenha do que vote contra, tendo em consideração os laços diplomáticos estreitos entre Luanda e Teerão.”
Quanto à comunidade bahá’í angolana, Domingos da Gama refere que a semana de 14 a 20 de Maio, de tributo aos sete líderes presos no Irão, foi marcada por orações. “É triste o sofrimento daqueles humildes servos de Deus. Deviam ser libertados imediatamente. Inconcebível, esta situação no século XXI. Os bahá’ís não são ameaça, pois não podemos participar em actividades político-partidárias nos países onde vivemos.”
A Assembleia Espiritual de que Gama faz parte é constituída por três mulheres e seis homens, “de várias etnias e províncias” (Huambo, Lobito, Lundas…) e tem sede em Luanda, mas não é aqui que vive a maioria dos fiéis. Na capital, calcula-se que “uns 200” sejam devotos bahá’ís, mas o número maior (700) encontra-se no Moxico, “graças ao influxo e influência de crentes provenientes da Zâmbia”.
Quanto ao coronel, vive agora da reforma das FAA e de “outras actividades, como comércio e aluguer de casas”. Antes da conversão a bahá’í, separou-se da mulher, que era metodista. O filho mais velho, funcionário bancário de 28 anos, seguiu a fé paterna. O mais jovem, professor de 25, “deixou-se seduzir” pelas Testemunhas de Jeová.
Domingos José da Gama respeita as opções de cada um deles: “Todos são livres de escolherem o seu caminho”.

Reunião de bahá’ís na Guiné-Bissau
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Estes dois artigos foram publicados originalmente no REDE ANGOLA, em 20 de Maio de 2015 | These two articles were originally posted on the news website REDE ANGOLA, on May 20, 2015
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