Com os seus 600 mil quilómetros quadrados, Rub al-Khali ou Empty Quarter é o maior deserto de areia do mundo. Podemos visitá-lo a partir de Salalah, no Sul de Omã, na Península Arábica. De jipe é mais confortável, mas o explorador britânico Sir Wilfred Thesiger [1910-2003] deixou escrito que a única maneira de contemplar a beleza das dunas será a pé ou de camelo. (Ler mais | Read more…)

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Diz a lenda que, quando separou o mar e a terra, Deus quis deixar um lugar inabitável, proibido, desconhecido. Os árabes deram-lhe o nome de Rub’ al Khali e o resto do mundo, por influência britânica, chama-lhe Empty Quarter. É o maior deserto de areia, com quase 600 mil quilómetros quadrados.
Talvez os beduínos tivessem vagueado pela imensidão deste território, em busca de alimentos e pastagens para os seus animais. Mas se uma tribo alguma vez atravessou o Empty Quarter, dos montes de Nejd, a norte, até aos planaltos de Hadhramaut, a sul, não deixou jamais qualquer mapa.
Durante séculos, o Empty Quarter foi uma barreira inexpugnável aos que sonhavam viajar pelo centro da Península Arábica.
Além dos perigos que constituíam tribos guerreiras, bandidos impiedosos e xeques desconfiados, havia ainda que sobreviver a dunas de 200 metros de altura, encostas vertiginosas, montanhas rochosas, pântanos e salinas.
E no entanto, apesar da sua inacessibilidade, existiu no Empty Quarter uma extraordinária cidade — Ubar —, que “desapareceu” por volta do ano 300.
Segundo Rashid al-Din, um historiador do século XIII, Ubar foi criada para imitar o Paraíso. Prosperou graças ao comércio do incenso e era o orgulho de um rei, Shaddad. Grande era o esplendor de Ubar, com os seus sumptuosos palácios e magníficos jardins.
Tão grande que, indignado com a arrogância do soberano e a ruindade dos súbditos, “Deus mandou punir a cidade de Shaddad com uma tempestade de areia e pedras”.
Da noite para o dia, prossegue a lenda, Ubar “foi engolida pelas dunas”. E, a partir desse momento, foi habitada apenas por “criaturas malévolas, com um só olho, uma só perna e um só braço”.

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As lendas do Empty Quarter tornaram-se irresistíveis para exploradores e aventureiros como Bertram Thomas, John Philby e Wilfred Thesiger.
Depois deles, é a própria NASA, com os seus satélites, que procura descobrir o mistério de Ubar. Arqueólogos italianos estão, por seu turno, a investigar as ruínas do que se supõe ter sido o palácio da Rainha de Sabá.
O meu objectivo era mais modesto, quando combinei com Mohamed e Najib, os nossos guias omanitas, partir em direcção a Rub al-Khalil: queríamos ver as dunas e os oásis, se possível ao pôr do Sol, e encontrar tendas de beduínos com os seus camelos.
Sir Thesiger [1910-2003] nunca aprovaria o meio utilizado para a minha viagem. Não fui a pé nem de camelo, como ele fez na sua primeira e segunda travessia, de 1945 a 1950. Fui de jipe, o que, para aquele nobre nómada do deserto, constitui quase uma heresia. Escreveu ele no prefácio de Arabian Sands, um dos seus livros:
Quando regressei a Omã e a Abu Dhabi em 1977 […] fiquei desiludido e ressentido com as mudanças que a descoberta e produção do petróleo levaram à região. […] A vida tradicional ‘bedu’ […] tinha sido irrevogavelmente destruída com a introdução dos transportes motorizados, de helicópteros e aviões.
Foi, portanto, num todo-o-terreno que o guia Mohamed, nascido numa tribo bedu (em Omã, não se usa o termo “beduíno”), apareceu no Hotel Hilton, de Salalah, a capital da província de Dhofar (no Sul), para me levar ao Empty Quarter.
Thesiger, apaixonado por bin Kabina e bin Ghabaisha, os seus ajudantes-de-campo que “pareciam meninas”, teria ficado igualmente desapontado com Mohamed. Este jovem, cujo rosto também “se iluminava quando sorria”, deixou a família no deserto para ganhar dinheiro na cidade e poder casar-se.

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Não ficaria, contudo, tão desiludido se observasse a perícia com que Mohamed nos conduziu à “cidade perdida” de Ubar e às dunas, sem camelos nem beduínos, do Rub al-Khalil.
Silencioso ao volante — o seu inglês resumia-se a meia dúzia de palavras —, ele provou ter um excelente treino de observação. Apesar de haver já muitas marcas de pneus que serviam de sinalização, Mohamed conhecia, minuciosamente, o terreno.
A multiplicidade de pequenos tufos verdes e cinzentos faz com que todos pareçam iguais, mas Mohamed sabia distingui-los. E isso é importante para andar no caminho certo.
Um outro guia explicara que um simra, por exemplo, com as suas pequenas bagas vermelhas, comestíveis mas amargas, não é igual a um thermat, com bagas amarelas, que podem ser comidas pelos camelos mas não por pessoas.
Mohamed não se perdeu. Entusiasmou-se até com as raríssimas gotas de chuva que caíram numa parte do percurso, apesar de terem deixado a estrada mais escorregadia.
Ele era cauteloso e foi por isso que nos privou de ver o pôr do Sol. A província de Dhofar, onde o Sultão Qaboos bin Said teve de vencer uma rebelião nos anos 1970, ainda é uma zona de perigo. Pressente-se isso nos checkpoints e bases militares que nos acompanham até ao Empty Quarter.
O que não mudou nos Bedu e nos outros omanitas é o seu rigor no cumprimento dos preceitos islâmicos. Najib, com a sua dishdasha cor de salmão (só em serviço é obrigatório usar a túnica branca), fez Mohamed parar pelo menos três vezes numa tarde, para ambos se lavarem e rezarem virados para Meca.
Apoiado numa bengala, que lhe dava um porte de aristocrata, Naijb — “o meu pai deu-me este nome em homenagem ao escritor egípcio Naguib Mahfouz” —, fez questão de me explicar o ritual das orações aos “infiéis” que o acompanhavam.

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Nem um nem outro se importaram de ser fotografados, na areia a olhar o céu, terminando cada prece com o louvor Allahu Akbar (Deus é grande!). Por vezes, parecia um murmúrio, outras um cântico. Na vastidão do deserto, eles estavam certos de que Alá ouvia as suas vozes e o nosso silêncio.
“A grande paz do Islão desceu suavemente sobre mim”, escreveu o explorador Philby depois de “possuído” pelo espírito do deserto e do seu povo. Thesiger relatou “a tranquilidade” que sentiu debaixo de um sol ardente.
Sentei-me nas dunas do Empty Quarter. Admirei a sua infindável geometria. As cores amarelo-ocre que as faziam reluzir. A textura suave onde pés se enterram.
Mas aqui não vi camelos (apenas na estância de Al-Sawadi, nos arredores de Mascate, a capital, no dia em que foi inaugurada uma pista de corrida). E os beduínos que encontrei não viviam em tendas, mas em casas de cimento construídas pelo governo.
“Algumas pessoas insistirão em que viverão melhor depois de trocar a dureza e a pobreza do deserto pela segurança de um mundo materialista — eu não acredito nisso!”, frisou Thesiger em Arabian Sands.
Os bedu não são sentimentais. A vida no deserto é, realmente, demasiado dura para eles serem românticos como alguns ocidentais os imaginam. Há ainda muita miséria e doenças, e eles sobrevivem graças a extraordinárias qualidades de honra, confiança, amizade, irmandade, lealdade e hospitalidade.
Orgulhosos do que são, não têm medo da “civilização” a que se refere Thesiger. Dizem que apenas desejam uma “boa vida” com quatro “m” — medressa (escola); mustashfa (clínica), mesjid (mesquita) e mayy (água).

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CONDUZIR
Antes de pegar no seu todo-o-terreno e partir para uma aventura no deserto, informe alguém para onde vai e quando espera regressar. Transporte pelo menos cinco litros de água por pessoa. E prepare-se para o seu telemóvel não funcionar.
CAMINHAR
Se caminhar pela areia, adapte-se gradualmente, expondo-se ao sol por períodos curtos. Beba água frequentemente e coma refeições pequenas a intervalos regulares.
SEM RUMO
Se perder o rumo no deserto, fique dentro do veículo e sinalize a pedir ajuda. Se tiver de andar em busca de auxílio, espere até ao pôr-do-Sol e deixe um bilhete a dizer para onde foi. Se tiver água beba-a e não a poupe, para não desidratar.
DOENÇAS
Os três tipos de doenças mais associados à exposição do sol do deserto são: cãibras, exaustão e apoplexia (esta última fatal). Os sintomas, que podem tornar-se progressivamente mais graves, vão desde cólicas abdominais e espasmos musculares até náuseas, tonturas, enxaquecas, pele pegajosa, confusão mental ou perda de consciência.
BICHOS MAUS
Há vários insectos venenosos no deserto, mortais sobretudo para crianças e idosos, ou alguém com alergias. Entre os bichos mais perigosos que se podem encontrar está um escorpião pequenino e colorido, cuja mordedura causa erupções cutâneas e dificuldades em engolir e respirar. Há ainda várias espécies de aranhas, abelhas e formigas, que podem causar vómitos, dores de cabeças e outras reacções mais adversas.
NEM PERFUMES, NEM BRILHANTES
Para evitar encontros com criaturas nocivas, convém não pôr as mãos nem os pés em sítios que não sejam visíveis; abanar as roupas antes de as vestir; nunca andar descalço, perfumar-se ou usar roupas brilhantes.
ÁGUA, SABÃO E GELO
Quando não sabe o que lhe mordeu, o melhor é lavar a área infectada com sabão e água; aplicar gelo usando um pedaço de tecido para não haver contacto directo com a pele (não mais de dez minutos de cada vez). Quem não tiver a vacina do tétano (dez anos de validade), é recomendável ser vacinado 72 horas depois de qualquer mordedura desconhecida.

Sir Wilfred Thesiger
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A jornalista viajou a convite da representação do Governo de Omã em Lisboa
Este artigo foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 21 de Janeiro de 2001 | This article was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO on January 21, 2001