As novas (e velhas) “cortinas de ferro”

Em 1989, quando o Muro de Berlim caiu, alguns convenceram-se de que a globalização conduziria a “um mundo sem fronteiras”*. Não foi o que aconteceu. Terminada a Guerra Fria, sobreviveram 12 muros, metade dos quais para fins convencionais. Mas nos 20 anos seguintes, e sobretudo depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001 e das “primaveras árabes” de 2011, mais do que triplicou o número de barreiras, vedações e fortificações. Na Europa, na América, na Ásia, no Médio Oriente e em África. Serão agora pelo menos 70. Ao contrário do que diz o velho ditado “boas cercas fazem bons vizinhos”, inspirado no poema Mending Wall, de Robert Frost, o que hoje o medo constrói parece ser cada vez mais territórios sem vizinhos. (Ler mais | Read more...)

Nicósia continua dividida por uma zona tampão vigiada pela ONU desde 1974. No interior da “Linha Verde” que se estende ao longo de 180 km, casas e lojas tornaram-se quase ruínas, onde nem os proprietários podem regressar
© Tijen Orol | bjp-online.com

CHIPRE

Não são as turísticas Muralhas Venezianas, erigidas no século XVI como defesa contra os Otomanos, que fazem de Nicósia a última capital europeia dividida por um muro desde a queda do de Berlim em 1989. A cidade está dividida desde dezembro de 1963, quando, depois de sangrentos confrontos entre cipriotas gregos e cipriotas turcos, o oficial do Exército britânico Michael Perrett-Young desenhou no mapa uma “linha verde”. O que deveria ser uma barreira de “proteção provisória” de duas comunidades acabou por se expandir por toda a ilha (independente do Reino Unido desde 1960), com 180 km de comprimento e 10 metros de largura. A partir de 1974, com a invasão da Turquia para neutralizar um golpe que visaria anexar Chipre à Grécia e com a proclamação unilateral da República Turca do Norte de Chipre (RTNC), em 1983, a linha de Perrett-Young transformou-se numa verdadeira “fronteira”. A RTCN, que ocupa um terço do território, só é reconhecida por Ancara. A República de Chipre, onde vivem 80% dos habitantes da ilha maioritariamente de origem grega, é um Estado membro da UE desde 2004. Até agora, fracassaram todas as negociações com vista a uma reunificação ou uma confederação.

Os mais famosos “murais da paz” dividem Falls e Shankil Roads, no sector ocidental de Belfast
© timetravelturtle.com

IRLANDA DO NORTE

Em janeiro de 2019, ativistas contra o Brexit ergueram um “muro” simbólico na Irlanda do Norte para lembrar três décadas de conflito e alertar para a inevitabilidade de uma fronteira física com a República da Irlanda, se o Reino Unido sair da União Europeia sem acordo. A província que os britânicos chamam Ulster votou esmagadoramente a favor de permanecer na UE. Na Irlanda do Norte, sobretudo em Belfast, mas também em Derry, Portadown e Lurgan, existem ainda 99 muros – conhecidos como Peace Lines (Linhas da Paz) – a separar comunidades católicas e protestantes. Blocos de cimento, ferro, aço e arame farpado, são estruturas que custam anualmente à economia nacional o equivalente a 1100 milhões de euros. A maioria divide o bairro de Springmartin (protestante/unionista) e o de Springfield Park (católico/nacionalista), em Belfast. Foi nesta cidade que os primeiros muros, ainda provisórios, foram construídos para prevenir a violência interconfessional: em Ballymacarrett, nos anos 1920, e em Sailortown, nos anos 1930. Os que agora existem datam de 1969, período conhecido como “The Troubles” (uma guerra civil iniciada depois de a polícia protestante ter reprimido uma manifestação de moradores do bairro católico de Derry, em 5 de Outubro de 1968, de que resultou cinco mortos e 120 feridos). Por se mostrarem barreiras eficazes, as “Linhas da Paz” foram-se multiplicando, cada vez mais sólidas, altas e permanentes. De apenas 18, no início do anos 1990, ascendem a quase uma centena desde o Acordo de Paz de Sexta-Feira Santa.

Migrantes caminham ao longo do muro que agora impede o acesso à estrada circular junto ao antigo campo de Calais que ficou conhecido como “Selva”
© Philippe Huguen | AFP | Getty Images | Newsweek

FRANÇA

Em 2016, num campo do porto de Calais designado por “A Selva”, dadas as condições deploráveis em que viviam mais de 10 mil homens, mulheres e crianças fugidos das guerras e miséria no Médio Oriente, Ásia e África, começou a ser edificada uma “grande muralha”. Objectivo: travar a entrada de migrantes no Reino Unido, através do Canal da Mancha. Com 1 km de comprimento e 4 metros de altura, o muro de cimento e aço, ainda em construção, deverá custar aos contribuintes britânicos até 150 milhões de libras (mais de 165 milhões de euros – estimativas revistas em 2018), no âmbito de acordos de segurança assinados entre Paris e Londres. Os migrantes na “maior favela francesa” eram sobretudo sudaneses (45%), afegãos (30%), paquistaneses (7%), eritreus (6%) e sírios (1%), segundo um censo conduzido pela organização Help Refugees. A construção do muro surgiu numa altura em que, de Calais, chegavam a Inglaterra cerca de 200 migrantes por semana, muitos deles escondidos em camiões ou ferries. Entre 2015 e 2016, mais de 84 mil migrantes foram detidos ao tentar entrar ilegalmente em território britânico, a partir de Calais ou Dunquerque. Várias associações humanitárias condenaram a construção do muro, dizendo que não impedirá as pessoas de continuar a enfrentar a morte em busca de uma vida melhor.

Guardas letões guardam a fronteira agora murada entre a Letónia e a Rússia
© CFP | news.cgtn.com

PAÍSES BÁLTICOS – RÚSSIA

A Estónia, a Letónia e a Lituânia estão a construir muros na fronteira com a Rússia, praticamente dividindo ao meio a Europa do Norte. A Letónia, por exemplo, completou em 2019 o primeiro troço – 93 km num total de 283 – de uma vedação de arame farpado, equipada com sensores e câmaras de vigilância. A obra, iniciada em 2015 para ficar concluída em 2020, custou 21 milhões de euros. Segundo fontes oficiais, o objetivo é “combater a imigração ilegal”. Com o mesmo propósito, Riga planeia, também, construir um muro na sua fronteira com a Bielorrússia, que tem sido atravessada por pessoas em fuga do Afeganistão, Paquistão e outros países em conflito. A Estónia, por seu turno, está a erigir na fronteira com a Rússia um muro de 110km de extensão e 2,5 metros de altura, projeto avaliado em mais de 197 milhões de euros, para o qual espera financiamento da UE, porque se destina a “proteger as fronteiras externas da Europa e da NATO”. Depois de Moscovo ter anexado a Crimeia em 2014 e de continuar exercícios militares na fronteira com a Estónia, Tallin receia ser igualmente alvo de “agressão russa”. Um receio partilhado por Vilnius, que decidiu, em 2017, reforçar a sua fronteira com Kaliningrado erguendo uma barreira de 130 km de extensão e 2 metros de altura, de Vistitis até ao rio Neman, mesmo em frente à vedação de arame farpado erigida cinco anos antes por Moscovo. Um dos cenários mais temidos é que Moscovo venha a encerrar o chamado “Corredor de Suwalki”, área na fronteira entre a Lituânia e a Polónia, que separa a Bielorrússia da região russa de Kaliningrado (onde foram instalados mísseis nucleares em 2016), porque, desse modo, os bálticos ficariam separados da Europa e dos restantes membros da Aliança Atlântica.

Uma vedação separa a Ucrânia da Rússia perto da localidade de Zhuravlevka. Os planos de Kiev para construir um muro foram adiados devido a vários problemas
© politico.eu

RÚSSIA – UCRÂNIA

Em 2018, quatro anos depois de ter anexado a península da Crimeia, a Rússia completou uma vedação de alta segurança coberta de arame farpado e centenas de sensores de vibração e áudio, ao longo de mais de 60 dos 2000 km da porosa fronteira com a Ucrânia. Os serviços secretos FSB (ex-KGB) disseram que o muro, que se estende da Crimeia à região ucraniana de Kherson, serve “para impedir tentativas de infiltração de sabotadores”. Kiev, por seu turno, também tinha planos construir a “Grande Muralha da Ucrânia” ou “Muralha Europeia” – uma barreira de aço, com um sistema de controlo eletrónico, uma estrada para patrulhamento e trincheiras anti-tanque – que a desvincularia, literal e simbolicamente, da antiga URSS da qual foi uma república até 1991. Escassez de fundos e um escândalo de corrupção adiaram o projeto, avaliado em mais de 120 milhões de euros, que deveria ser concluído em 2020. Por ora, além de 83 km de vedação e 273 km de trincheiras, o que separa a Ucrânia da Rússia são florestas e campos.

Dois rapazes sírios olham em direcção à Rússia depois de entrarem na Noruega, de bicicleta, através do posto fronteiriço de Storskog, onde foi erguido “o muro mais pequeno do mundo”
© Mauricio Lima | The New York Times

NORUEGA – RÚSSIA

Em 2016, o ano em que recebeu 5500 pedidos de asilo, a Noruega construiu na sua fronteira com a Rússia o que é talvez o mais pequeno muro do mundo, supostamente para travar a entrada de contrabandistas e migrantes ilegais vindos do Médio Oriente. O muro de aço, erguido no posto fronteiriço de Storskog, tem 200 metros de comprimento (numa fronteira de 195 km) e 3,7 metros de altura. Custou cerca de 450 mil euros. Foi alvo de chacota assim que entrou em funcionamento. Alguns residentes notaram que qualquer intruso pode facilmente contornar a nova barreira, e ironizaram que a maior parte dos que, em 2016, tentaram  atravessar a fronteira do Ártico chegaram de bicicleta porque a lei não lhes permitia entrar a pé. Existe um outro muro, erigido nos tempos da União Soviética, que se estende ao longo de toda a fronteira russa com a Noruega e a Finlândia. Ali estão colocadas armas automáticas que detetam qualquer pessoa que ouse subir a vedação. Os alarmes soam à mínima infração, e os soldados de vigia atuam imediatamente. No entanto, desde a queda do Muro de Berlim, que os laços bilaterais se estreitaram, com visitas a um e outro país sem necessidade de vistos. Muitos noruegueses vão à Rússia comprar bebidas alcoólicas e combustíveis mais baratos. Muitos russos vão à Noruega comprar fraldas e café.

Forças de segurança georgianas junto à vedação que a república separatista da Ossétia do Sul e a Rússia designam por “fronteira internacional”
© axios.com

OSSÉTIA DO SUL – GEÓRGIA

Em 2009, seguindo um mapa soviético de 1984, guardas da Rússia e da Ossétia do Sul começaram a erigir uma vedação, que designaram por “fronteira internacional” com a Geórgia. Em Agosto de 2008, esta antiga república da URSS perdera não apenas a Ossétia do Sul, mas também a Abkházia, regiões separatistas que, com a ajuda de tropas russas, ganharam uma guerra de cinco dias, que causou cerca de mil mortos e obrigou 300 mil georgianos a fugir de suas casas. A Ossétia do Sul e a Abkházia proclamaram-se “Estados independentes”, mas, apenas reconhecidos por Moscovo, Venezuela, Nicarágua, Síria e Nauru, não passam de protetorados e bases militares da Rússia. Após a guerra de Agosto, emissários da União Europeia cunharam o termo borderization (“fronteirização”), para definir a construção de barreiras físicas ao livre movimento de bens e pessoas, ao longo de uma linha territorial disputada com vista a simular uma fronteira internacional. A vedação de arame farpado, com valas e postos de controlo, ao longo de 60 de um total de 391 km da contenciosa linha fronteiriça que separa a Ossétia do Sul/Região de Tskhnivali e a Abkházia do território controlado pela Geórgia, são um pesadelo para muitas famílias georgianas. Ficaram sem acesso a terras agrícolas, recursos de água, animais e mercados, lugares de culto e até cemitérios. A maioria dos ossétios e abkhazes, pelo contrário, apoia a ocupação russa.

Fronteira do Uzbequistão com o Quirguistão, na localidade de Kara-Suu
© David Trilling | eurasianet.org

UZBEQUISTÃO-AFEGANISTÃO-TURQUEMENISTÃO-TAJIQUISTÃO

Uma vedação de arame farpado electrificada, com minas terrestres e patrulhas militares fortemente armadas faz da fronteira do Uzbequistão com o Afeganistão uma das mais bem guardadas do mundo, só comparável à que divide as duas Coreias. Estende-se ao longo de 137 km até ao Turquemenistão e ao Tajiquistão. Igualmente problemática, desde os tempos da URSS (as repúblicas soviéticas da Ásia Central só se tornaram independentes em 1991), era a fronteira do Uzbequistão com o Quirguistão (um total de 1379 km, dos quais só 1055 estão demarcados). Até ao ano 2000, o ditador uzbeque Islam Karimov ergueu vedações de arame farpado, instalou minas terrestres, mobilizou soldados, demoliu pontes, extinguiu rotas rodoviárias, impôs barreiras de estrada e exigiu vistos de entrada, assim dificultando as relações entre grupos étnicos e famílias que sempre circularam livremente na região. As relações entre os dois Estados deterioraram-se e, em 2010, registaram-se pogroms contra a minoria uzbeque no Quirguistão. Em 2014, ocorreram também confrontos armados entre guardas fronteiriços. Em 2016, morreu Karimov e a situação mudou significativamente. Em Outubro de 2017, o novo presidente, Shavkat Mirziyoyev, e o homólogo quirguize, Almazbek Atambaev, assinaram um “acordo histórico” para definir cerca de 85% da fronteira comum. Falta ainda resolver o estatuto de enclaves étnicos espinhosos, como os de Sokh e Shohimardon (uzbeques, no Quirguistão), Vorukh (tajique, no Quirguistão) e Barak (quirguize, no Uzbequistão).

Soldados instalam uma vedação de arame farpado na fronteira da Eslovénia com a Croácia
© STR | AFP | Getty Images | e360.yale.edu

ÁUSTRIA – ESLOVÉNIA – CROÁCIA – ITÁLIA

Entre Novembro de 2015 e 2016, a Áustria ergueu uma série de barreiras fronteiriças e impôs rígidos controlos à imigração nas suas fronteiras com a Eslovénia e a Itália. No mesmo período e no pico da crise dos refugiados, também a Eslovénia alterou a sua lei de Defesa Nacional, para colocar soldados na fronteira com a Croácia e instalar uma vedação de arame farpado. A Itália, por seu turno, que tem acordos para patrulhas conjuntas com estes países – todos eles da Zona Schengen – ameaçou já este ano construir “impenetráveis” barreiras físicas na fronteira com a Eslovénia, se os mecanismos em vigor até agora se revelarem infrutíferos.

Uma migrante síria e o seu bebé entram na Hungria depois de atravessar a vedação erguida na fronteira com a Sérvia, em Agosto de 2015
© Bernadett Szabo | Reuters | The Christian Science Monitor

HUNGRIA – SÉRVIA

No verão de 2015, cerca de 400 mil migrantes provenientes do Afeganistão, do Irão, do Iraque e da Síria entraram na Hungria, a partir da Sérvia – a chamada “Rota Balcânica” –, em busca de segurança e prosperidade na Europa. Foram recebidos com pedras, gás lacrimogéneo, canhões de água e outros abusos físicos. Bastaram cerca de  quatro meses para soldados húngaros, ajudados por presos, erigirem a primeira vedação de arame farpado ao longo dos 170 km de fronteira com a Sérvia, com um custo de quase 90 milhões de euros. Quando o fluxo migratório se desviou da Sérvia para a Croácia, os húngaros adicionaram mais quilómetros à vedação, fechando e fortificando as fronteiras comuns. Em 2017, acrescentaram uma vedação paralela, separada das já existentes por uma estrada patrulhada por soldados. O governo em Budapeste não só ignorou os protestos e os apelos da União Europeia para demolir o muro, como enviou a Bruxelas uma fatura de 400 mil de euros que a UE se recusa a pagar. O primeiro-ministro Viktor Orbán, orgulhosamente de extrema-direita,  afirma que a “homogeneidade étnica” é fundamental para a prosperidade económica da sua nação de dez milhões de habitantes.

Cerca de 50 famílias numa propriedade na Eslováquia Oriental financiaram a construção de um muro de 2 metros de altura para as separar de um campo do povo Roma
© Attila Balázs | bjp-online.com

ESLOVÁQUIA

Em 2013, havia na Eslováquia pelo menos 14 muros para segregar as comunidades ciganas, oito das quais nos distritos de Kosice e Presov, predominantemente habitados pelo povo Roma. Em Ostrovany, por exemplo, um vilarejo rural que faz parte de Presov, a câmara gastou 13 mil euros para erguer um muro de mais de dois metros de altura e 150 de comprimento, de modo a separar os ciganos – 1200 dos 1786 residentes – do resto da população. A decisão, explicou o presidente do município foi tomada “para acabar com os roubos (de frutas e vegetais) e o vandalismo”. E a única coisa que ele lamenta foi terem sido “usados fundos públicos para proteger propriedade privada”. Organizações de direitos humanos denunciam discriminação institucional e racismo.

Um gueto do povo Roma em Baia Mare, na Roménia, onde foi erguido um muro para separar as comunidades ciganas dos restantes habitantes da cidade
© András D. Hajdú e Balázs Ivándi-Szabó | bjp-online.com

ROMÉNIA

Em 2011, a cidade de Baia Mare, no norte da Roménia, decidiu construir um muro de 1,8 metros de altura à volta da sua comunidade Roma. O presidente da câmara, Catalin Chereches, explicou que o muro visava manter as crianças seguras, porque o acampamento cigano se situava junto de uma estrada movimentada. Organizações de direitos humanos acusaram-no de criar um gueto, agravando ainda mais as condições de vida dos Roma em edifícios delapidados da era soviética, pobreza extrema, sem água nem luz. O Conselho Nacional Anti-discriminação em Bucareste multou Chereches em 6000 lei (pouco mais de 1200 euros). Ele pagou a multa, recorreu da sentença e perdeu o processo. Em 2015, reeleito para novo mandato, convidou estudantes para grafitarem o muro, impossibilitando a sua destruição por se tratar de “uma obra de arte”. Decisão contrária foi tomada na cidade checa de Ústí nad Labem. Em 1999, pouco depois da sua construção e por pressão da UE, foi demolido o muro que, nas palavras do presidente da autarquia, separava os “habitantes brancos e decentes” dos vizinhos Roma, “barulhentos e mal cheirosos”.

Soldados da Macedónia do Norte patrulham a fronteira com a Grécia, nas proximidades de Gevgelia – embora a “Rota Balcânica” tenha sido oficialmente encerrada em Março de 2016, pequenos grupos de migrantes ainda tentam entrar ilegalmente na antiga república jugoslava a caminho da Europa
© Georgi Licovsk | EPA | EFE | balkaninsight.com

MACEDÓNIA – GRÉCIA

Seguindo o modelo do muro construído pela Hungria na fronteira com a Sérvia, também a Macedónia do Norte, antiga república da Jugoslávia, ergueu duas vedações na sua fronteira com a Grécia, país que se transformara no “maior campo de refugiados da Europa”. Estas barreiras que travaram significativamente o fluxo migratório para a Europa do Norte e Central, através da Rota Balcânica, foram erigidas em 2015 e 2016. Estendem-se por 30 km, mas há planos para as prolongar até 320. Mais de um milhão de pessoas usaram esta rota a caminho da Alemanha no auge da crise na segunda metade de 2015.

Um embarcação apinhada de refugiados sírios chega à ilha grega de Lesbos. Para travar este fluxo proveniente da vizinha Turquia, Atenas construiu o “Muro do [rio] Evros, na “mais vulnerável” das fronteiras da União Europeia
© Sergei Ponomarev | The New York Times

GRÉCIA – TURQUIA

É a “nova fronteira da Europa”. O Muro de Evros, assim chamado por se situar junto ao rio com o mesmo nome, na permeável Trácia Ocidental, foi erigido por ordem do Governo de Ancara para impedir a entrada, através da Turquia, de migrantes ilegais vindos do Médio Oriente, de África, da Ásia ou do Cáucaso, com destino ao Ocidente. O muro – vedações cobertas de arame farpado, sensores térmicos e câmaras de vigilância – ficou concluído em 2012. Custou 3,2 milhões de euros. Estende-se por 10.600 metros ao longo dos 200 quilómetros da fronteira comum, descrita como “a mais vulnerável da UE”, militarizada e com campos de minas, desde a invasão turca de Chipre em 1974. Até à construção do novo muro, a área do Rio Evros, uma barreira natural, entre as aldeias de Kastanies e Nea Vyssa, era uma das rotas mais curtas, fáceis e seguras para os que procuram chegar à Europa. Só em 2011, o ano em que Síria mergulhou em guerra civil, cerca de 55 mil pessoas atravessaram esta fronteira. Assim que o muro começou a ser construído, o fluxo migratório diminuiu em 90%, segundo as autoridades locais. Aumentou, no entanto, o número dos que desapareceram ou morreram afogados no Mar Egeu. Em 2014, pelo menos 3000 migrantes morreram na travessia do Mediterrâneo, ao tentarem entrar na Europa via Grécia, Itália, Malta e Espanha. A Grécia ainda hoje acolhe mais de 70 mil migrantes.

Um guarda da Turquia vigia o muro de arame farpado erguido na fronteira com a Bulgária
© Niklai Doichinov | AFP | Getty Images | politico.eu

BULGÁRIA – TURQUIA

Até à queda do Muro de Berlim, a fronteira entre a Bulgária e a RDA (140 km) era a mais perigosa. Chamavam-lhe “zona da morte”.  Pelo menos 2000 cidadãos da Alemanha de Leste tentaram fugir por ali, muitos foram capturados e alguns assassinados. A fronteira da Bulgária com a Turquia (269 km), onde as autoridades de Sófia estão a erguer uma barreira de arame farpado que terá 166 km de comprimento e 3 metros de altura, é também uma das mais problemáticas. Está agora fechada a todos os que procuram asilo. A Amnistia Internacional e a Human Rights Watch denunciaram numerosos casos de migrantes que foram espancados, roubados e até despidos, antes de “devolvidos” à Turquia. O governo búlgaro considera “absolutamente necessário” o muro fronteiriço, avaliado em cinco milhões de euros, para “salvaguardar a segurança nacional” e “proteger a Europa”.

Um soldado turco num veículo blindado vigia a fronteira com a Síria, perto da cidade de Kilis, no sudeste da Turquia, em Março de 2017
© Murad Sezer | Reuters

TURQUIA – SÍRIA

Dos 911 km de fronteira entre a Turquia e a Síria, 764 estão agora cobertos por um muro de três metros de altura. São blocos de cimento encimados por arame farpado, 120 torres de vigia, radares, armas de controlo remoto, drones e sensores acústicos e sísmicos, sistema de deteção por fibra ótica, uma estrada patrulhada por veículos blindados. A construção começou em 2014 e ficou concluída em 2018. O objetivo, segundo as autoridades em Ancara, é impedir a entrada de migrantes e contrabandistas. Um outro muro, de 144 km ao longo dos 499 da fronteira turca com o Irão, deverá estar pronto em 2019, também para “impedir o tráfico de pessoas e drogas”.

Vista aérea do  muro que Israel construiu em redor do campo de refugiados palestinianos de Suafat, nas imediações de Jerusalém
© Abir Sultan | European Pressphoto Agency | The New York Times

ISRAEL- CISJORDÂNIA – GAZA – LÍBANO – EGIPTO – JORDÂNIA

Foi na Faixa de Gaza, em 1994, no ano seguinte à assinatura dos Acordos de Oslo, que Israel ergueu o primeiro muro (67 km de extensão) nos territórios ocupados palestinianos. E o mais recente está também a ser construído em Gaza, de onde soldados e colonos se retiraram em 2005, mas que os israelitas continuam a dominar por terra, mar e ar. A terceira fase da edificação deste muro de aço começou em fevereiro de 2019, “para nos proteger dos terroristas”, disse o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Uma vez concluído, terá 65 km de extensão, abrangendo uma área que vai de Zikim, na “fronteira” norte de Gaza, onde já existe uma barreira marítima de 200 metros ao longo da costa, até ao posto de controlo de Kerem Shalom. Tal como aconteceu na Cisjordânia, onde, depois da Segunda Intifada, em 2000-2002, um muro que uns designam “de separação” e outros “de apartheid” ajudou a diminuir os ataques palestinianos, mas também confiscou terras para a construção de colonatos judaicos, a nova barreira em Gaza, território também separado do Egipto por um muro, deixa poucas alternativas ao Hamas. Sem acesso a túneis fundamentais à sua atividade paramilitar, o movimento que governa Gaza poderá enveredar por uma escalada de ações assimétricas. Ou, reconhecendo a sua impotência, poderá abandonar a luta armada, negociando tréguas de longa duração e o fim das sanções que atormentam a população civil. Ao longo dos 130 km da disputada fronteira com o Líbano, Israel está também a construir, desde 2018, um muro de cimento que se estenderá por 13 km, alegadamente, para “proteger 22 aldeias israelitas adjacentes”. As autoridades em Beirute queixaram-se à ONU do que consideram “uma violação de soberania”.  Em 2013, os israelitas já haviam completado uma barreira na fronteira com o Egito, reforçado os 56 quilómetros que o separam da Síria e feito um upgrade à fronteira com a Jordânia.

A “Grande Muralha” que a Arábia Saudita construiu na sua fronteira com o Iraque tem mais de 965 km de extensão e é composta por cinco vedações paralelas cobertas por arame farpado
© Reuters

ARÁBIA SAUDITA – IRAQUE – IÉMEN

Os planos começaram a ser elaborados em 2006, mas só em 2015, quando o autoproclamado “estado islâmico” ou Daesh parecia uma força invencível, é que a Arábia Saudita decidiu construir o que designou por “Grande Muralha” na sua fronteira com o Iraque. Com mais de 965 km de extensão, é composta por cinco vedações paralelas cobertas por arame farpado. Tem valas, 40 torres de vigia equipadas com radares Airbus SPEXER 2000 e câmaras de visão noturna, outras 38 torres de comunicação, sete centros de comando e controlo (C2),  32 estações de reação militar com heliportos, sensores de movimento, uma rede de 1,4 milhões de metros de fibra ótica, que ligam os C2 ao Ministério da Administração Interna, 240 veículos de resposta rápida e outros dez de vigilância e reconhecimento, e mais de 30 mil soldados. Em 2013, dois anos antes de declararem guerra ao movimento pró-iraniano Houthi, quando o inimigo era a Al-Qaeda, os sauditas também já haviam construído uma gigantesca barreira de cimento, de 1800 km de extensão e três de altura, na sua fronteira com o Iémen.

Uma passagem fronteiriça entre Marrocos e a Argélia, perto da localidade de Oudia
© Fadel Senna | AFP

ARGÉLIA – MARROCOS – TUNÍSIA – LÍBIA

Fronteiras fechadas e fortificadas entre a Argélia e Marrocos – devido a disputas territoriais e de recursos – têm sido a norma mais do que a exceção. Só estiveram abertas um total de dez anos, desde que a Argélia se tornou independente da França em 1962. As robustas medidas de segurança em vigor não demoveram os contrabandistas, que se adaptaram e exploraram a corrupção de guardas locais. Pelo contrário, dividiram famílias e agravaram as condições económicas nas depauperadas regiões fronteiriças, incentivando jovens a dedicar-se ao tráfico de drogas e fomentando protestos populares em ambos os países. Porque na década de 1990, devido à guerra civil argelina, as autoridades passaram a concentrar esforços no combate ao terrorismo e não no contrabando, aumentou o tráfico de migrantes da África Subsariana para Marrocos, a partir da povoação fronteiriça de Maghnia. Com as “primaveras árabes” na Tunísia e na Líbia em 2011, temendo que contrabandistas de armas, traficantes de refugiados e grupos terroristas expandissem as suas rotas transnacionais, Rabat e Argel decidiram reforçar ainda mais os controlos na fronteira comum, aumentando o número de postos de observação, patrulhas móveis regulares e sistemas de vigilância, que exigiram um elevado investimento financeiro em novas tecnologias. Para travar a entrada de contrabandistas e terroristas do Daesh, a Argélia tenciona igualmente erguer um muro de 120 km de extensão e três metros de altura na sua fronteira (de mais de 965 km) com a Líbia. A Tunísia, que em 2015 sofreu dois brutais atentados cometidos pelo “estado islâmico” começou também a erigir um muro de 168 km ao longo dos 500 que constituem a sua fronteira com a Líbia, onde o  Daesh tem campos de treino.

Uma mulher saraui nas proximidades de um posto militar marroquino situado junto ao muro que separa Marrocos do Sara Ocidental controlado pela Frente Polisário
© Ryad Kramdi | AFP

MARROCOS-SARA OCIDENTAL

A mais antiga e longa “barreira de segurança” em funcionamento – um muro de areia e pedra, com rolos de arame farpado, bunkers e campos de minas – separa o Reino de Marrocos do Sara Ocidental (o outrora Sara Espanhol) – a “última colónia em África”. Neste território, que também faz fronteira com a Argélia e a Mauritânia, perdura um conflito iniciado em 1973, quando a Frente Polisário iniciou a resistência ao domínio de Madrid. Em 1975, antes de morrer, o ditador Franco firmou um acordo secreto, dividindo a sua antiga possessão entre Rabat e Nouakchott. Pressionado pela “Marcha Verde” de 35 mil “voluntários” mobilizada pelo rei Hassan II para ocupar o que, em 1976, seria proclamada como República Árabe Saraui Democrática (RASD), o generalíssimo preferiu ignorar um apelo da ONU a um referendo sobre a autodeterminação. Com menos homens e armas, a Polisário, apoiada por Argel, forçou a retirada das tropas mauritanas em 1979 e destruiu várias unidades militares marroquinas em arrojadas operações de guerrilha. Perante repetidos reveses, Rabat mudou de estratégia com a ajuda da França, de Israel (que forneceu a tecnologia) e dos EUA: a cada conquista na sua frente oriental ia erguendo muros com minas terrestres, para assegurar o controlo. Em 1991, quando as Nações Unidas negociaram um cessar-fogo e enviaram uma força de paz (MINURSO) para a região, já haviam sido erguidos seis muros, numa extensão de quase 6500 km. A guerra, sobretudo no seu pico na década de 1980, gerou milhares de refugiados. Muitos continuam a viver em tendas em Tindouf, na Argélia.

Migrantes e refugiados da África Subsariana tentam atravessar as vedações de arame farpado que separam Marrocos do enclave espanhol de Melilla, para poderem entrar na Europa
© Jose Palazon | GlobalPost

CEUTA – MELILLA

Europa e África estão separadas em Ceuta e Melilla, dois enclaves espanhóis na costa marroquina, por muros paralelos com 6 metros de altura, cobertos de lâminas de arame farpado, com torres de vigia, caminhos para veículos militares, sensores subterrâneos de ruído e movimento, luzes de grande potência, câmaras de video-vigilância e equipamento de visão noturna. O muro de Ceuta estende-se por  8 km e o de Melilla por 11. Foram construídos em 1998 e custaram milhões de euros. Embora tenham contribuído para diminuir o número de migrantes, a realidade é que centenas continuam a chegar aqui para tentar entrar na UE. Estatísticas oficiais indicam que 3344 menores não acompanhados chegaram a Ceuta em 2018, a maioria proveniente das cidades vizinhas de Tetouan e Tânger, no norte de Marrocos. Porque muitos ficam gravemente feridos ao tentar escalar os muros, o Governo espanhol anunciou este ano que vai elevar as vedações para 10 metros de altura e substituir o arame farpado por “material menos perigoso”. E, entre outras alterações, as câmaras de vigilância serão substituídas por sistemas de reconhecimento facial.

Migrantes do Zimbabwe tentam entrar ilegalmente no Botswana através de uma vedação erguida originalmente para impedir a propagação da febre aftosa
© Guy Oliver | IRIN

BOTSWANA-ZIMBABWE

O muro electrificado de 500 km de extensão e 2 metros de altura que separa o Botswana e o Zimbabwe tem sido comparado ao que Israel ergueu na Cisjordânia ocupada. No entanto, se este se destina a prevenir ataques terroristas, o outro foi construído, em 2003, para  impedir uma epidemia de febre aftosa que afeta o gado bovino, a segunda maior fonte de rendimento do Botswana depois da extração mineira. O muro, embora não seja intransponível, porque é atravessado por vários rios transitáveis, tem sido fonte de tensão. As autoridades em Harare alegam que o principal objetivo desta barreira física é impedir a entrada de zimbabweanos no pais vizinho, um dos mais ricos de África.

Equipas de segurança inspeccionam o muro que separa o Quénia da Somália
© Nation Media Group

QUÉNIA – SOMÁLIA

Em 2015, o Governo do Quénia começou a construir um muro ao longo dos 708 km de fronteira com a Somália, sobretudo para impedir a infiltração de combatentes jihadistas do movimento al-Shabab que têm assassinado centenas de civis. O projecto incluía barreiras de cimento, vedações, valas e postos de controlo equipados com câmaras de vigilância. O muro estender-se-ia do Oceano Índico até à região de Mandera, onde terroristas do al-Shabab cometeram um massacre em 2014 e onde o Quénia e a Somália se juntam à Etiópia. Em março de 2019, a obra foi interrompida por ordem do Parlamento queniano, que exigiu uma investigação para perceber como é que ainda só foram construídos 10 km e já foram gastos 35 milhões de dólares.

Soldado paquistanês vigia uma zona murada da fronteira com o Afeganistão, no posto de Kitton Orchard, no Waziristão Norte
© Aamir Qureshi | AFP | pakistantoday.com.pk

PAQUISTÃO-AFEGANISTÃO

Na longa, montanhosa, remota e porosa fronteira do Paquistão com o Afeganistão – uma das mais perigosas do mundo –, está a ser construído um muro de 2400 km de extensão com 235 checkpoints. O objetivo, segundo as autoridades em Islamabad, é monitorizar os movimentos de quem entra e sai, sobretudo terroristas e traficantes de droga. Este muro, que deverá ficar concluído em 2020, custará mais de 500 milhões de dólares e é guardado por dezenas de milhares de soldados, divide tribos pashtu que há séculos coexistem, partilhando a mesma língua, religião, cultura e tradições. E não agrada a Cabul. Em parte, porque os afegãos nunca reconheceram a chamada “Linha Durand”, traçada pelo diplomata britânico Sir Mortimer Durand em 1896, e o muro legitima essa “fronteira internacional”. Ainda hoje o Afeganistão reclama territórios que foram incluídos no Paquistão após a divisão da Índia.

A fronteira entre a Índia e o Paquistão estende-se ao longo dos 3323 km da Linha de Controlo (LoC, sigla inglesa), que separa os setores de Jammu e Caxemira controlados por Nova Deli e Islamabad, no norte, até ao chamado Ponto Zero, entre o estado indiano de Gujarat e a província paquistanesa de Sindh, no sul
© Mukesh Gupt | Reuters

ÍNDIA –PAQUISTÃO

A fronteira internacional entre a Índia e o Paquistão – duas potências nucleares – é uma das mais complexas, militarizadas e perigosas do mundo, patrulhada por milhares de tropas de ambos os países. Estende-se ao longo dos 3323 km da Linha de Controlo (LoC, sigla inglesa), que separa os setores de Jammu e Caxemira controlados por Nova Deli e Islamabad, no norte, até ao chamado Ponto Zero, entre o estado indiano de Gujarat e a província paquistanesa de Sindh, no sul. Baseia-se na Linha Radcliffe, traçada por Sir Cyril Radcliffe, um visconde galês que nunca visitou a Ásia, mas a quem foi conferida a tarefa de dividir a índia Britânica em 1947, segundo critérios religiosos: a maioria de hindus e sikhs ficaria na Índia, a maioria de muçulmanos no Paquistão. Os seus planos originaram confrontos sectários que causaram entre 500 mil e um milhão de mortos. O seu legado ainda hoje desestabiliza uma fronteira que é frequentemente encerrada (devido a atentados terroristas) e que já foi cenário de três guerras. Duas delas por causa de Caxemira, onde o conflito se agrava desde que, em agosto de 2019, o governo ultranacionalista hindu em Nova Deli decidiu anexar este território dos Himalaias, onde 60% dos habitantes são muçulmanos que aspiram à independência ou à união com o Paquistão.

O muro que divide a Índia e o Bangladesh abrange cerca de 70% daquela que é a quinta maior fronteira terrestre do mundo
© Diptendu Dutta | AFP

ÍNDIA-BANGLADESH

A quinta maior fronteira terrestre do mundo (mais de 4156 km) liga a Índia e o Bangladesh por florestas, montes, arrozais e zonas ribeirinhas. O muro que divide estes dois países – blocos de cimento cobertos de arame farpado, parcialmente electrificado, com quase 2,5 metros de altura – abrange cerca de 70% da fronteira. A primeira fase, aprovada em 1989, quando o estado indiano de Assam se revoltou contra os migrantes bangladeshis que estariam a “desequilibrar a demografia e o mapa político” local, barricou 854 km de território. A segunda bloqueará mais 2502 km. Esta é uma fronteira funesta. Quando a tentam atravessar, para trabalhar, visitar familiares, apascentar animais, fazer compras ou negócios, centenas de bangladeshis (a maioria muçulmanos, encarados como “potencial ameaça terrorista”, ao contrário dos hindus, protegidos como “refugiados religiosos”) têm sido mortos por agentes da temível força indiana BSF. Apesar dos fundos para reforçar a segurança, o muro não contém os criminosos, que subornam os guardas fronteiriços. Em 2018, para limitar as transgressões, as autoridades indianas adicionaram 383 checkpoints aos 802 já existentes, e reforçaram os contingentes de militares nas áreas mais vulneráveis. Em agosto de 2019, no distrito de Goalpara, estado de Assam, numa área equivalente a sete campos de futebol, a Índia iniciou a construção do primeiro de uma série de campos detenção em massa, depois de quase dois milhões de migrantes bangladeshis terem sido avisados que irão perder o direito à cidadania se não apresentarem documentos de identificação e títulos de propriedade provando que vivem na região desde há décadas. Este primeiro campo, com capacidade para 3000 pessoas, será rodeado por um muro e terá um quartel para forças de segurança, mas também uma escola e um hospital.

Um guarda no estado de Rakhine, na Birmânia/Myanmar, patrulha uma “terra de ninguém” na fronteira com o Bangladesh
© Hein Kyaw | AFP | Getty Images |

MYANMAR – BANGLADESH

A Birmânia/Myanmar está a fortificar a sua fronteira com o Bangladesh, com novas vedações, bunkers, minas terrestres e postos militares, supostamente para dificultar o regresso mais de 700 mil muçulmanos Rohingya expulsos numa campanha que a ONU classificou de “limpeza étnica” no estado de Rakine. O Bangladesh quer repatriar muitos destes refugiados – Myanmar aceitou receber apenas 3000 –, mas estes não são voluntários para retornar às suas aldeias, por não terem garantias de que viverão em segurança e terão direito a cidadania. Duas fracassadas tentativas de repatriamento em 2019 surgem depois de um relatório da Nações Unidas ter denunciado que os militares birmaneses, conhecidos com Tatmadaw, recorreram sistematicamente a abusos sexuais, incluindo violações em grupo de homens e mulheres, como parte de uma estratégia para intimidar os Rohingya durante as operações que, em 2016 e 2017, os forçaram a fugir para o Bangladesh.

Um soldado norte-coreano (em cima, nas escadas) olha para militares sul-coreaos de vigia na aldeia fronteiriça de Panmunjom, que separa os dois países desde o fim da Guerra da Coreia em 1953
© Associated Press

COREIAS

Em 2018, quando Kim Jong-un e Moon Jae-in anunciaram um tratado para, oficialmente, pôr fim à Guerra da Coreia (1950—1953), depois de um encontro histórico na Zona Desmilitarizada (DMZ, sigla inglesa) que divide os seus dois países, o académico brasileiro Alexandre Uehara não hesitou em comparar a importância deste acontecimento à queda do Muro de Berlim. Nada mais restaria, segundo ele, da “herança da Guerra Fria”. Mas foi um optimismo exagerado, porque, apesar de alguns progressos significativos, o regime em Pyongyang já deixou claro que não haverá maior reaproximação nem cessará o seu programa nuclear enquanto se mantiver sob sanções internacionais. Em 1948, quando a República Democrática da Coreia (Norte) e a República da Coreia (Sul) foram criadas, a divisão geográfica entre ambas resultou numa fronteira internacional de facto. A DMZ, zona-tampão de 284 km de comprimento e 4 km de largura, foi criada em 1952 por um Acordo de Armistício e permanece um dos territórios mais vigiados do mundo.

Alphaville é uma comunidade rodeada de muros numa extensão total de 64 quilómetros, que existe desde 1978 – o projecto foi concebido para elites urbanas cansadas da criminalidade na cidade que é o centro financeiro do Brasil
© fernandes.arq.br

BRASIL

Um conjunto de 16 condomínios fechados localizados em Barueri, na Grande São Paulo, com cerca de 60 mil moradores, Alphaville é uma comunidade rodeada de muros numa extensão total de 64 quilómetros, que existe desde 1978. O projecto foi concebido para elites urbanas cansadas da criminalidade na cidade que é o centro financeiro do Brasil. Em “Alphaville 3”, por exemplo, onde, em 2013, viviam cerca de 4000 pessoas protegidas por 60 guardas privados e apoiadas por unidades da polícia militar estacionadas nas redondezas, o muro estende-se por quatro km e tem 2,5 metros de altura. A vida nestes condomínios é tão segregada que, em 2015, uma reportagem do diário espanhol El País citava uma mãe confusa por a sua filha de 4 anos se ter surpreendido ao ver pessoas negras numa visita da família a Paris. “Onde é que elas dormem?”, perguntou a criança. Porque, segundo o jornal, a rotina da menina era esta: “Do condomínio vai de carro para a escola privada. Da escola privada volta para casa. No fim-de-semana fica no seu condomínio ou vai para outros condomínios cercados por grades ou muros, com guaritas e porteiros [que, à entrada e à saída, sujeitam os trabalhadores a um rigoroso escrutínio semelhante ao dos aeroportos]. Desloca-se apenas de carro, protegida atrás de janelas fechadas com vidros escurecidos. De muro em muro, não pisa a rua a não ser por breves instantes. O lado de fora é uma ameaça.”

Construção de uma secção do muro na fronteira dos Estados Unidos com o México
© Mauricio Lima | The New York Times

ESTADOS UNIDOS – MÉXICO

Não existiam praticamente barreiras físicas ao longo da fronteira de 3200 quilómetros que se estende do Golfo do México, no Texas, ao Oceano Pacífico, na Califórnia, quando Bill Clinton começou, em 1994, a fechar algumas zonas de passagem nos EUA. Para travar a entrada de drogas e de migrantes. Primeiro entre El Paso e Ciudad Juaréz, com a Operação Hold the Line. Depois, entre San Diego e Tijuana, com a Operação Gatekeeper, e no Arizona, com a Operação Safeguard. Após os atentados de 11 de Setembro de 2001, veio o receio de que terroristas se pudessem infiltrar através das regiões mais remotas usadas por migrantes económicos. Em outubro de 2016, George W. Bush assinou uma lei autorizando a construção de mais de mil quilómetros de barreiras, com vedações reforçadas, câmaras, projetores e sensores. Houve quem duvidasse da viabilidade do projeto, em parte porque os custos por quilómetro (entre 1 e 2 milhões de dólares) eram proibitivos. Donald Trump chegou à Casa Branca em 2016 com a promessa de construir um muro e obrigar o México a pagá-lo. Inicialmente, queria que ele cobrisse toda a fronteira, mas depois esclareceu que seria apenas metade, confiando a segurança da restante à natureza (montanhas, rios, etc). Até Maio de 2019, tentando impor ao Congresso de maioria democrata a sua xenófoba agenda anti-imigração, o republicano Trump garantiu fundos no valor de 6100 milhões de dólares, para edificar e renovar mais de 540 km de barreiras. As primeiras construções arrancaram no Vale do Rio Grande, Texas. Ninguém sabe bem qual será o custo final do muro ambicionado por Trump descrito pelo arquitecto americano Ronald Rael, professor na Universidade da Califórnia, como “um território de paradoxo, horror, transformação e fluxo, numa escala maior do que a do Muro de Berlim”. As estimativas variam entre 12 mil milhões e 70 mil milhões de dólares. Uma sondagem do Pew Research Center revelou, entretanto, que uma maioria de americanos (58%) se opõe à expansão do que Bush iniciou.

* Um deles, o teórico japonês Kenichi Ohmae, autor de The Borderless World: Power and Strategy in the Interlinked Economy (HarperBusiness, 1999), um livro em defesa da globalização.

FONTES:
Agence France-Presse, Al Jazeera, Amnistia Internacional, Balkan Insight, BBC, Business Insider, Carnegie Endowment for International Peace, CBS News, Center for Immigration Studies, dailysabah.com, dhakatribune.com, DW, Eurasia Daily, El País, eursasianet.org, Gatestone Institute, GlobalSecurity.org, helprefugees.org, Human Rights Watch, International Security, Vol. 40, nº 1, 2015, Hurriyet Daily News, Inter Press Service, militaryhistories.co.uk, moroccoworldnews.com, National Geographic, Politico, pri.org, Radio Free Europe, South China Morning Post, The Atlantic, The Conversation, The Daily Mail, The Diplomat, The Economist, The Guardian, The Independent, The Moscow Times, The New Yorker, Total Croatia News, Times of Israel, USA Today, The Times of India, The New York Times, The Washington Post, UN News, Wall Street Journal

Polícias da RDA lançam água sobre alemães da RFA quando estes quebram o Muro de Berlim na Porta de Brandenburgo, em 11 de Novembro de 1989
© Anthoni Suau | The New York Times

Este artigo foi originalmente publicado numa edição especial da revista SÁBADO, em Novembro de 2019 | This article was originally published in a special edition of the Portuguese news magazine SÁBADO, in November 2019

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