Já ninguém duvida que Mohammed bin Salman “ordenou e supervisionou” o assassínio do dissidente Jamal Khashoggi. Este crime repugnante e uma invencível guerra no Iémen enfraqueceram o mais jovem e poderoso herdeiro do trono saudita. Ameaçado com sanções sem precedentes por parte dos Estados Unidos, quem garante a sobrevivência política do rei de facto da “Casa de Salman”? (Ler mais | Read more...)

Mohammed bin Salman à chegada ao “numero 10” de Downing Street, em Londres, para uma audiência com a primeira- ministra britânica, Theresa May, em 7 de Março de 2018
© Leon Neal | Getty Images
Mohammed bin Salman chegou à cimeira do G20, em Buenos Aires, trajando um imaculado conjunto de thobe (túnica) e bisht (manto) debruado a fio de ouro.
A alvura das requintadas vestes não conseguiu, porém, branquear a reputação manchada pelo assassínio de um dos seus maiores críticos, o jornalista Jamal Khashoggi, e pelas dezenas de milhares de mortos da guerra no Iémen.
A presença do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, conhecido pelas iniciais MBS (ou MbS), na reunião que juntou as vinte maiores economias do mundo era vista como um pesadelo político, diplomático e legal.
Quem iria apertar a mão a um homem que, a qualquer momento, poderia ser detido ao abrigo da jurisdição universal, prevista na Constituição argentina, que permite prender, em qualquer parte do mundo, suspeitos de execuções extrajudiciais e crimes contra a humanidade?
O anfitrião, Maurício Macri, deixou o príncipe à espera até encontrar tempo para o receber. O americano Donald Trump, seu escudo protector, só lhe dirigiu “palavras de circunstância”. É certo que MBS trocou um efusivo e mediático “high five” com o senhor do Kremlin, Vladimir Putin. E também mereceu a atenção dos líderes da China e da Índia.
Mas Emmanuel Macron repreendeu-o em público, por “não ouvir” os seus conselhos, e a primeira-ministra britânica, Theresa May, reafirmou a exigência do presidente francês de uma investigação internacional à morte de Khashoggi, “um incidente deplorável”.
O maior embaraço estava guardado para a tradicional foto de família, com MBS ignorado e relegado para o último lugar da última fila. Terminada a cerimónia, o príncipe partiu em passo apressado, regressando à fortificada embaixada do seu país, onde se refugiara desde a chegada. Talvez com receio de que o procurador-geral argentino pudesse acionar um mandado de captura, como requerido pela organização Human Rights Watch.

O rei saudita preparou MBS desde criança para chegar ao trono. Enquanto Salman for vivo, dificilmente o seu filho favorito será afastado da linha de sucessão
© Agence France-Presse (AFP)
MBS foi tratado como “um pária”, mais por líderes democráticos europeus sensíveis às suas opiniões públicas do que por líderes autocráticos sem escrúpulos, admite, numa entrevista telefónica, James M. Dorsey, o primeiro correspondente estrangeiro (ao serviço do Wall Street Journal) na Arábia Saudita. “E o pior está ainda para acontecer: a imposição de sanções sem precedentes, por parte dos Estados Unidos.”
Na quarta-feira, 5 de Dezembro, um projeto de resolução do Senado americano, da autoria de republicanos e democratas, elaborado após uma audiência com a chefe da CIA, acusa MBS de cumplicidade na morte de Khashoggi. Responsabiliza-o também pelas atrocidades cometidas no Iémen, exorta-o a negociar diretamente com os rebeldes Houthis para pôr fim a uma guerra invencível, apela ao fim do bloqueio ao Qatar e exige a libertação de prisioneiros políticos.
“Se o Congresso aprovar esta resolução, duramente crítica de um velho aliado, mudará a dinâmica no Médio Oriente”, acredita Dorsey, hoje senior fellow na prestigiada S. Rajaratnam School of International Studies, em Singapura.
“Trump até pode usar o seu direito de veto, mas se a resolução voltar a ter o voto favorável [da nova maioria democrata] na Câmara dos Representantes, será empurrado para uma posição defensiva. Nos bastidores, terá de forçar MBS a dar-lhe algo de tangível, talvez libertar activistas, levantar o embargo ao Qatar e facilitar progressos nas negociações de paz para o Iémen que decorrem na Suécia.”
“Será difícil a Mohammed bin Salman reabilitar a sua imagem internacional, porque as informações sobre o assassínio de Khashoggi vão continuar a aparecer, e os seus aliados na Casa Branca não mais poderão continuar a negar o envolvimento de MBS”, diz-nos, por seu turno, Kristian Ulrichsen, investigador do Médio Oriente no Baker Institute, think-tank em Houston (Texas) e autor de Insecure Gulf:. The End of Certainty and the Transition to the Post-Oil Era.

MBS tem em Donald Trump e no genro deste, Jared Kushner (à esq.), dois grandes aliados na Casa Branca: nem o assassínio de Jamal Khashoggi diminuiu o apoio do presidente dos EUA ao príncipe herdeiro saudita, que prometeu gastar milhões em armas americanas
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Como é que o filho favorito de Salman bin Abdulaziz al-Saud se tornou, num ano, o rei de facto e como é que, num mês, deixou de ser um “reformista visionário”, louvado por tantos, para se tornar num “símbolo de tirania”, vilipendiado até pelos que antes o glorificavam?
Nascido em 31 de agosto de 1985, em Jidá, considerada a mais liberal das cidades sauditas, Mohammed bin Salman é o mais velho dos cinco filhos da terceira mulher com quem o pai se casou aos 50 anos – princesa Fahda bint Falah bin Sultan al-Hathleen.
Cada mulher tinha a sua própria mansão. Mohammed cresceu com a mãe os irmãos num palácio rodeado de muros, do tamanho de um quarteirão, no bairro de Madher, em Riade, a capital, segundo a revista The New Yorker. Na casa da família trabalhavam cerca de 50 pessoas: criados e criadas, cozinheiros, jardineiros e motoristas.
Fahda pertence à tribo beduína Ajman, hoje uma confederação espalhada por vários países árabes do Golfo Pérsico. Admirados pela bravura em batalhas contra os turcos otomanos, os Ajman uniram-se à Ikwan (Irmandade Muçulmana) e revoltaram-se em 1912 contra Abdulaziz ibn Saud. Mas o fundador da moderna Arábia Saudita derrotou-os em 1930, na decisiva Batalha de Sbillah.
“MBS odeia a maior parte dos seus primos, que troçavam dele na infância, por causa das raízes tribais da mãe, e também dos seus tiques nervosos”, revela-nos, por e-mail, Ali al-Ahmed, ativista xiita da província de Khobar que, aos 14 anos, em 1981, se tornou no mais jovem prisioneiro político da Arábia Saudita.
No entanto, se os primos o hostilizavam, os colegas na academia Al-Ryadh Schools que ele frequentava tratavam-no como “uma pessoa especial”. Aos fins-de-semana, os choferes particulares que, aos dias úteis, conduziam o príncipe às aulas, escoltavam-no até ao deserto, onde eram montadas tendas gigantes para observar as estrelas.
Nestes faustosos folguedos noturnos, os convidados declamavam poemas, venerando MBS como “Karim” (o generoso), um dos 99 nomes atribuídos pelos muçulmanos a Deus.

Se MBS é “implacável e maquiavélico”, aprendeu com o pai, também ele impiedoso, que o preparou desde criança para um dia chegar ao trono e a todos exigir lealdade
© Luca Locatelli | bloomberg.com
Depois de concluído o curso de Direito na Universidade Rei Saud, onde terá sido “o segundo melhor classificado”, Mohammed aproveitou-se do estatuto privilegiado para enriquecer. Muitos empresários abastados foram intimados a investir em várias empresas que ele criou. Em poucas semanas, refere a New Yorker, terá angariado 30 milhões de dólares.
Conta-se em Riade, apesar de desmentidos oficiais, que um dia MBS pediu a um funcionário saudita no departamento de registo de terras que o ajudasse a confiscar uma propriedade. O funcionário rejeitou.
No dia seguinte, recebeu um envelope contendo apenas uma bala. A partir daqui, o príncipe passou a ser designado por Abu Rasasa – “O pai da bala”. Ninguém poderia dizer não ao filho de Salman, que era governador de Riade (cargo que ocupou durante 48 anos).
Se MBS é “implacável e maquiavélico”, aprendeu com o pai, também ele impiedoso, que o preparou desde criança para um dia chegar ao trono e a todos exigir lealdade.
Visitantes estrangeiros recordam-se de, na década de 1990, ver um rapazinho, atento e arguto, acompanhando Salman em negociações importantes. “Ele nunca interferia, mas estava sempre vigilante, a tirar notas”, conta Joseph Westphal, ex-embaixador dos EUA na Arábia Saudita. “Percebi de imediato que este miúdo iria ser muito mais do que um conselheiro silencioso do rei.”
Salman, hoje com 82 anos, era meio-irmão e príncipe herdeiro de Abdullah, o anterior monarca que governou entre 2005 e 2015, ambos filhos de Ibn Saud, o fundador do reino que se gabava de ter desposado “pelo menos 135 virgens”, mães de 42 rapazes e 55 raparigas.
Destes 42 rapazes, seis foram reis (Saud, Faisal, Khaled, Fahd, Abdullah e agora Salman). Mas nem sempre foram relações fraternas.

Mohammed bin Salman visita uma fábrica da Lockheed Martin Corporation, em San Francisco, EUA, no dia 6 de Abril de 2018, durante uma viagem que o levou aos principais fornecedores de armas à Arábia Saudita
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Ao contrário de Abdullah, filho de Fahda bint Asi al-Shuraim, membro da tribo Al Rashid, outrora rival da dinastia Al Saud, Salman é um dos sete filhos da influente Hussa bin Ahmed al-Sudairi (1900-1969), oitava e supostamente preferida mulher do rei fundador, descrita como “um misto de Margaret Thatcher e Madre Teresa de Calcutá”.
Além de Salman, os outros irmãos Sudairi são o rei Fahd, os príncipes herdeiros Sultan e Nayef; os vice-ministros da Defesa Turki e Abdul Rahman – já todos falecidos; e o ex-ministro do Interior Ahmed (que terá sido chamado de Londres, onde vivia, para moderar o temperamento de MBS).
“Após a morte dos quatro grandes Sudairi [Fahd, Sultan, Nayef e Turki], a geração seguinte, os netos de Ibn Saud, começaram a disputar avidamente o trono”, constata o ativista Ali Ahmed, exilado desde 1991 nos EUA, onde fundou e dirige o Institute for Gulf Affairs. “Salman queria simplificar a monarquia e dar primazia aos seus próprios filhos, um deles em particular, o mais-querido Mohammed.”
Ora, os planos de Salman colidiam, aparentemente, com os dos descendentes de Abdullah. Em Janeiro de 2015, quando Abdullah, diagnosticado no ano anterior com um cancro nos pulmões, entrou em estado de coma, parentes e conselheiros próximos não informaram imediatamente o governador de Riade e príncipe herdeiro.
Talvez na ambição de que Mutaib, filho do rei moribundo e ministro da Guarda Nacional, viesse a suceder ao pai, revela David Ignatius no diário The Washington Post.
Abdullah morreu a 23 de Janeiro, mas neste dia em que Salman o foi visitar, o chefe da casa real, Khaled al-Twaijri, conhecido como “Cardeal Richelieu” pois nada se fazia sem o seu consentimento, impediu-o de entrar no quarto, alegando que o rei estava “a descansar”.
Quando o irmão soube a verdade, ficou furioso, refere Ignatius. A partir daqui, não mais pararam os atos de vingança.

“Não há ninguém que possa competir com MBS”, diz o analista saudita Ali al-Ahmed. “Os membros mais jovens da família real “talvez ambicionem o poder, mas todos têm medo de demonstrar esse interesse e perder tudo” – a fortuna e a vida
© Luca Locatelli | bloomberg.com
No final de Janeiro, Salman afastou dois filhos de Abdullah, Turki e Mishaal, dos cargos de governador de Riade e de Meca, respectivamente. O sobrinho Mohammed bin Nayef, do clã Sudairi, foi investido como adjunto do príncipe herdeiro e antigo chefe dos serviços secretos, Muqrin bin Abdulaziz.
MBS, com apenas 29 anos, filho do novo rei e seu “conselheiro especial” desde 2009, foi designado ministro da Defesa e presidente de um novo Conselho Económico para o Desenvolvimento, responsável pelo controlo do gigante petrolífero estatal Aramco. Em Abril, o rei retirou Muqrin da linha de sucessão, trocou-o por Mohammed bin Nayef e elevou MBS a herdeiro adjunto.
Em 2017, com Trump na Casa Branca empenhado em rasgar o acordo nuclear com o Irão e em dar carta branca aos sauditas (que prometeram adquirir 110 mil milhões de dólares de armamento), Salman consolidou o poder já absoluto do filho.
A 21 de Junho, numa “usurpação de poderes”, Mohammed bin Nayef deixou de ser príncipe herdeiro, ministro do Interior, vice-primeiro-ministro e presidente do Conselho para os Assuntos Políticos e de Segurança – todas estas funções transferidas para MBS.
“Na Arábia Saudita, nada se compara à meteórica ascensão de Mohammed bin Salman”, salienta o académico Kristian Ulrichsen no instituto que deve o nome a James Baker, o antigo secretário de Estado do defunto Presidente George H. W. Bush.
“Ele eliminou todos os checks and balances informais que existiam no seio de um grupo de cinco ou seis príncipes veteranos que há décadas exerciam posições de autoridade [no ‘Conselho da Obediência’, criado pelo rei Abdullah]. Todos esses príncipes morreram, entre 2011 e 2015, o que deixou um vazio de poder rapidamente preenchido por MBS.”
“Além de ser o favorito do pai, MBS também usou a mãe para reivindicar poder, uma vez que ela era igualmente a preferida de Salman”, acrescentou Ulrichsen.
Ali al-Ahmed, o ativista xiita em Washington, sublinha que “não há ninguém que possa competir com MBS”. Os membros mais jovens da família real “talvez ambicionem o poder, mas todos têm medo de demonstrar esse interesse e perder tudo”. A fortuna e a vida.
“No passado, os monarcas sauditas governavam por consenso, mas isso mudou com MBS”, comenta Randa Slim, diretora do Programa de Resolução de Conflitos do Middle East Institute, prestigiado think-tank em Washington. “De momento, não creio que alguém na família real ouse desafiar Mohammed bin Salman. Pelo medo, ele forçou alguns a serem submissos. Com subornos, obteve a colaboração de outros.”

A invencível guerra no Iémen, com dezenas de milhares de mortos, 85 mil dos quais crianças vítimas de fome, foi iniciada por MBS assim que o pai o nomeou ministro da Defesa
© Sky News
A primeira decisão de MBS como ministro da Defesa, apoiado pelo seu “tutor”, o omnipotente príncipe herdeiro dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed (MBZ), foi iniciar uma campanha de bombardeamentos aéreos no Iémen, onde rebeldes Houthis apoiados pelo Irão forçaram, em Março de 2015, a queda do presidente pró-saudita, Abdrabbuh Mansour Hadi.
Em três anos, os combates terão causado, segundo estimativas da ONU, mais de 17 mil mortos. E a pior fome no mundo nos últimos 100 anos matou mais de 85 mil crianças iemenitas, segundo a organização Save the Children.
Em Abril de 2016, MBS apresentou a sua Visão 2030, um ambicioso projeto para diversificar a economia do reino, que só exporta petróleo e gás, principal fonte de receitas, e importa tudo o que consome, incluindo água potável.
Impôs medidas de austeridade, como novos impostos e cortes nos subsídios, baixou os salários na função pública e abriu a porta à privatização da Saudi Aramco.
MBS prometeu apostar em novas tecnologias e num desenvolvimento sustentável, com energias renováveis, mas também na modernização de uma sociedade refém do rígido cânone islâmico wahhabita.
Pregando um “Islão moderado”, restringiu severamente as competências da temível polícia religiosa. Mandou encarcerar vários teólogos que seriam próximos da Irmandade Muçulmana, a confraria que os sauditas culpam pelas sublevações árabes que, em 2011, derrubaram os ditadores da Tunísia e do Egito e ameaçavam as monarquias do Golfo.

MBS deu licença às mulheres sauditas para conduzirem, mas antes de as novas regras entrarem em vigor, em Junho de 2018, mandou prender algumas das principais activistas que lutaram por esse direito, como Loujain al-Hathloul (ao centro, fila de cima) ou Eman Al-Nafjan (à esquerda, fila de cima. Algumas foram entretanto libertadas.
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Em Junho de 2017, MBS e MBZ abriram, juntos, uma nova frente de hostilidades: o Qatar. Sob pretexto de que o emir Tamim bin Hamad al-Thani se estava a aproximar do inimigo Irão e patrocinava a “terrorista” Irmandade Muçulmana, Riade e Dubai cortaram relações com o vizinho e selaram as suas ligações terrestres.
Planearam até invadir Doha, a capital, alegadamente com a bênção de Jared Kushner, genro de Trump e amigo pessoal do príncipe saudita. O Pentágono travou a aventura.
Em Novembro, MBS mandou raptar e deter o primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, furioso por ele não conter a influência do movimento xiita pró-iraniano Hezbollah. Ordenou também a prisão de Mutaib, o filho de Abdullah que, supostamente, aspirava ao lugar de Salman.
Foi o início de uma saga de humilhações familiares. A Mutaib juntaram-se outros 200 príncipes, dezenas deles membros da casa real, e milionários influentes.
Acusados de corrupção, foram encarcerados no luxuoso Ritz Carlton Hotel, em Riade, as suites transformadas em celas, todos obrigados a abdicar da maior parte das fortunas. Alguns terão sido torturados. Um deles terá sido morto.
Nem a repressão interna, nem o boicote ao Qatar, nem a carnificina no Iémen, nem os avisos de agências de espionagem de que MBS é uma figura “paranóica e irascível” impediram que o príncipe fosse recebido com honras quando, em Março de 2018, visitou Washington, Londres, Paris e Madrid – os principais fornecedores de armas –, para “vender” as suas propostas de “reforma do Médio Oriente”.

Jamal Khashoggi era um dos mais importantes dissidentes sauditas. O seu assassínio no consulado saudita em Istambul, fez cair por terra a imagem de “reformista visionário” do herdeiro da “Casa de Salman”
© Emrah Gurel | AP
A “lua de mel” com o resto do mundo começou a esfriar, a partir de Maio, em vésperas de entrar em vigor a licença para as mulheres conduzirem, quando algumas das principais activistas que lutaram arduamente por este direito foram detidas. Tem havido denúncias de abusos físicos e sexuais. Uma delas terá tentado suicídio.
O divórcio está à beira de se consumar, depois do brutal assassínio do jornalista Jamal Khashoggi, em 2 de Outubro, no consulado saudita em Istambul. Os investidores estão assustados. As promessas da Visão 2030 estão muito aquém das expectativas. Há descontentamento nas ruas, apesar da repressão.
Conhecedor das virtudes e vícios das várias facções da família real, ele próprio um nobre do reino, Khashoggi foi correspondente de diversos media árabes em vários países, do Afeganistão ao Sudão. Despedido do diário saudita Al Watan e banido do Twitter por condenar as prisões de dissidentes, a guerra no Iémen e o boicote ao Qatar, viu-se forçado ao exílio em Setembro de 2017.
Muito se especulou sobre as razões que, presumivelmente, levaram MBS a despachar um “esquadrão da morte” de 18 pessoas do seu círculo restrito para “torturar, matar, desmembrar e dissolver em ácido” o corpo de Khashoggi, no dia em que ele foi buscar documentos para se casar com a noiva turca.
Para alguns, os artigos de opinião publicados por Khashoggi no jornal The Washington Post tornaram-se demasiado incómodos para um príncipe que não tolera a mínima crítica. Outros adiantam agora que MBS terá ficado colérico com os planos de Khashoggi e de um outro dissidente, Omar Abdelaziz, exilado em Montreal (Canadá), para criar um movimento juvenil online, espécie de “ciber-exército” para “travar” o príncipe que muitos comparam ao iraquiano Saddam Hussein.
Mais de 400 mensagens trocadas, via WhatsApp, entre Khashoggi e Abdelaziz terão sido interceptadas, segundo a CNN, graças a um sistema de spyware desenvolvido por uma empresa de Israel, que passou a informação a MBS.
Riade fez tudo para ocultar a morte em Istambul e ilibar o filho de Salman. Em vão. Um dos comentários mais demolidores foi feito pelo senador (republicano) Lindsay Graham: “Se o Governo saudita continuar nas mãos deste homem durante muito mais tempo, será difícil fazer negócios com ele, porque creio que ele é louco, é perigoso e pôs em risco a ‘relação [especial’ com os EUA, estabelecida em 1945 entre Ibn Saud e Franklin Roosevelt].”

Mohammed bin Zayed (MBZ), o poderoso príncipe herdeiro e líder de facto dos Emirados Árabes Unidos, é o aliado estratégico de MBS contra o Irão: juntos, terão planeado invadir Doha, a capital do Qatar. O Pentágono travou a aventura
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“O reino perde a face quando o herdeiro do trono é chamado de louco”, observa James M. Dorsey, o académico que conhece bem a Arábia Saudita, onde “quem sabe não fala e quem fala pouco sabe”.
Irá MBS dar ouvidos aos que exigem uma mudança de rumo ou manter-se-á irredutível? “É uma incógnita. Ele é impulsivo e não tem a noção dos limites do seu poder, o que é, de certo modo, um sinal de fraqueza. Temos de estar atentos ao que vai fazer MBZ, o ambicioso príncipe herdeiro dos Emirados, que tem muito a perder se as acções do seu protegido prejudicarem a aliança com a América e os interesses estratégicos – políticos, económicos e militares – que tanto quer preservar.”
Poderá MBS sobreviver politicamente sem o apoio dos EUA? “Sim, pode, mesmo enfraquecido”, assegura Dorsey. “Mesmo que o Ocidente não lhe estenda a passadeira vermelha, ele continuará a receber convites para visitar a Rússia, a China e países árabes que arrecadam os seus dólares.”
“Enquanto Salman for vivo, não há a possibilidade de um golpe por parte de outros membros da família real”, adianta a analista Randa Slim, em Washington.
“Porque há uma convicção de longa data de qualquer oposição interna ao rei conduzirá, inevitavelmente, à queda da Casa de Saud. Se o rei morrer no próximo ano, é provável que o príncipe herdeiro venha a ser desafiado por parentes mais velhos que o querem impedir de suceder ao pai. No entanto, quanto mais tempo o rei viver e for capaz de proteger o filho, mais difícil será destronar MBS.”
Este artigo foi publicado originalmente no semanário EXPRESSO, edição de 15 de Dezembro 2018 | This article was originally published in the Portuguese weekly newspaper EXPRESSO, December 15, 2018 edition.