A “guerra às drogas” de Rodrigo Duterte terá causado, em dois anos e meio, quase 20 mil mortos nas Filipinas. Não é um número que pareça incomodar os partidários do “Trump da Ásia”, populista, iliberal, violento. Que razões o levaram ao poder? E o que poderá conduzir à sua queda? (Ler mais | Read more…)
Em 2015, mais de ¾ dos filipinos estavam satisfeitos com o modo como a democracia funcionava; havia estabilidade política e crescimento económico; a criminalidade, o tráfico e consumo de drogas não eram grande preocupação. Então, como explicar a eleição, em Maio de 2016, de Rodrigo Duterte, um “senhor da guerra” simpatizante de Hitler e saudoso do ditador Ferdinand Marcos?
“É tudo uma questão de óptica”, diz-me, em entrevista por telefone, Mark R. Thompson, director do Centro de Investigação do Sudeste Asiático na City University of Hong Kong. “Mesmo que, em termos estatísticos, os factos não apoiassem a mensagem de Duterte – a de que as Filipinas se estavam a tornar um narco-estado –, ele foi ao encontro dos medos das pessoas.”
“Havia a percepção de que [o anterior presidente] Benigno S. “Noynoy” Aquino III era incapaz de manter a lei e a ordem, perante escândalos como o da maior prisão filipina estar sob controlo de barões da droga”, acrescenta o autor de Anti-Marcos Struggle.
“Algumas sondagens indicavam que a principal preocupação dos cidadãos era o crime, não o desemprego. Ora, Duterte apresentou-se como o único capaz de resolver estes problemas. E funcionou bem a estratégia de securitização.”
“Um político para quem a ditadura não é uma coisa má apresentou um país em crise em que ele precisava de ser duro e os mauzões tinham de morrer”, tal como fez quando era presidente da Câmara de Davao, refere o cientista político Thompson.
“Num contexto de instituições fragilizadas, perante o fracasso do liberalismo reformista, Duterte aparece como salvador, não apenas para eliminar a criminalidade mas também combater a pobreza, com o argumento de que a economia floresce uma vez restauradas a disciplina e a paz. Muitos, desesperados, acreditaram nele”.
Para Walden Bello, que foi membro da Câmara dos Representantes das Filipinas de 2009 a 2015, “a principal razão para a vitória de Duterte foi a incapacidade de, nos últimos 32 anos, o sistema democrático liberal cumprir as promessas de reforma política, social e económica”.
Diz-me ele, em entrevista por e-mail: “As elites sequestraram o processo eleitoral para poderem competir entre elas e perpetuar um poder de classe, enquanto a pobreza e a desigualdade atingiam picos impressionantes.”
“A democracia tornou-se sinónimo de corrupção generalizada. Havia também uma sensação de insegurança física, sobretudo entre a classe média, o que ofereceu a Duterte um passaporte para o poder.”
Tal como Thompson, também Bello, hoje professor de professor de Sociologia na State University of New York, nos EUA, e investigador na Universidade de Quioto, no Japão, observa que, “para numerosas pessoas, só um líder autoritário poderia purificar um país que, segundo elas, se transformara num pântano de corrupção, injustiça e crime.”

Jasmine Durana, 16 anos, perdeu o marido na “guerra às drogas” de Rodrigo Duterte
© James Whitlow | pulitzercenter.org
Rodrigo “Digong” Duterte nasceu em 1945 em Maasin, em Visayas Oriental. É o filho mais velho da professora Soledad e do advogado Vicente, que foi presidente da câmara de Danao/Cebu e governador da antiga província de Davao, na ilha de Mindanao, no sul.
A violência – em casa, na escola primária jesuíta, no bairro onde se envolvia em rixas e onde aprendeu as expressões rudes que hoje polvilham os seus discursos – sempre fez parte da vida de Rodrigo, conta o irmão, Emmanuel, ao jornal The New York Times.
A mãe costumava castigá-lo com tanta frequência que “desfez o chicote com que o espancava”. Por mau comportamento, foi também expulso de dois liceus.
Em 1972, formou-se em Direito, depois de obrigado pelo pai a ser advogado para custear as despesas legais dos seus imbróglios. No último ano do curso, feriu a tiro um colega que o teria insultado. Desde os 15 anos que andava armado, segundo o irmão.
Apesar dos castigos maternos na infância, a má conduta de Rodrigo era quase sempre desvalorizada, por ele ser “o filho do governador”, admite a irmã, Jocellyn. A carreira política de Duterte começou precisamente por ele ser um privilegiado.
Em 1986, quando a mãe que participara em marchas contra Marcos foi recompensada pela sucessora do ditador, Corazon Aquino, com o cargo de vice-presidente da câmara de Davao, Soledad pediu que o posto fosse atribuído ao filho Rodrigo, já assistente do procurador. Dois anos depois, seria eleito presidente do município.
Ganhou com a promessa de combater a criminalidade. Para isso, impôs o recolher obrigatório e criou grupos de vigilantes conhecidos por “Esquadrões da Morte Duterte”, que em duas décadas mataram mais de 1400 presumíveis traficantes de droga e membros de gangues, mas também crianças de rua e jornalistas críticos.

Um funcionário de uma agência funerária cobre o corpo de um homem morto durante uma operação policial contra as drogas em Pasai City, a sul de Manila
© EPA | dailymail.co.uk
Cognominado “O Castigador”, Duterte entrou na corrida para a chefia do Estado no final de 2015 depois de inicialmente ter excluído candidatar-se. Começou por defender um governo parlamentar federal e a revitalização da indústria do aço, mas rapidamente o seu programa se centrou nas políticas que lhe deram sete mandatos e o popularizaram em Davao.
Poucos se escandalizaram quando ele jurou “exterminar todos os criminosos” ou quando jocosamente lamentou a oportunidade de não ter violado uma linda missionária australiana antes de ela ter sido assassinada.
Como 16º presidente das Filipinas, Duterte continua a não filtrar a retórica, o que levou Mark R. Thomson a chamar-lhe “o Trump da Ásia”.
Em Setembro de 2016, dois meses após tomar posse, comparou ao Holocausto a sua “guerra às drogas” que já terá causado, segundo a Human Rights Watch, cerca de 20 mil mortos. “Hitler massacrou três milhões de judeus. Aqui há três milhões de viciados em drogas. Ficarei feliz por os matar a todos.”
“A sua linguagem é grosseira, desrespeitadora dos direitos humanos, mas muitos vêem Duterte como alguém que não é hipócrita”, afirma o ex-congressista Waldo Bello.
“Ele criou uma persona de pai severo que não hesita em disciplinar os filhos extraviados, usando os meios que acha necessários. Há um termo filipino-espanhol que define bem a sua relação com o povo: “cariño brutal”.

Uma criança olha para um agente das forças especiais SWAT durante uma rusga em busca de consumidores e traficantes de droga em Manila
© Damir Sagolj | Reuters
Por que é que os filipinos que em 1986 derrubaram o tirano Marcos agora idolatram Duterte, que Waldo Bello define como “um fascista original”, por ser uma “figura carismática, com uma fervorosa base popular, estar envolvido em actos repressivos a nível nacional e ter um projecto incompatível com a democracia”?
“A revolta contra Marcos foi há trinta anos e a maioria dos filipinos, uma população muito jovem, não tem memória disso”, responde Thompson. “Até entre os mais velhos há uma certa nostalgia dos tempos da ditadura, porque Marcos construiu, por exemplo, muitas infra-estruturas, o que não mais aconteceu depois dele.”
Marcos tinha “uma personalidade muito diferente” de Duterte, especifica Thompson. “Era advogado, extremamente cauteloso e metódico. Só impôs a lei marcial quando achou oportuno. E, embora tenha assassinado milhares de pessoas, não o fez na forma extravagante de Duterte. Em vez de depender da Polícia, como Duterte, confiava no Exército.”
“Ao contrário de Marcos, Duterte visa mais os criminosos do que os inimigos políticos. Sim, vários presidentes de câmara e outros críticos internos têm sido intimidados, silenciados, presos e assassinados. Mas Marcos encarcerou milhares de opositores durante muitos anos. Era um ditador clássico, o que Duterte não é.”
Thompson, que recusa qualificar Duterte de “fascista”, porque o líder filipino “não é suficientemente ideológico e metódico” para assim ser descrito, diz que a melhor definição é a de um “populista iliberal extremamente violento, que recorre a assassínios em massa”. É, basicamente, “um senhor da guerra que governa o país, improvisando, como se ainda fosse presidente da câmara”.

Uma mulher filipina chora a morte do marido, junto de um cartaz onde se lê “Sou um drogado”. O homem foi alvejado por um atirador desconhecido, em Pasay City, a sul de Manila, a capital
© EPA | dailymail.co.uk
O que pode fazer cair Duterte, o political boss que neutralizou a oposição (os principais partidos juntaram-se a ele) mas cuja taxa de popularidade tem vindo a cair, de mais de 80% para os 65% actuais? “Creio que serão as promessas económicas não cumpridas”, diz Thompson.
“Os filipinos têm um modelo de crescimento muito limitado. Dependem de dois motores da globalização: a mão-de-obra emigrante (cerca de dez milhões de pessoas) e os trabalhadores dos call-centers. Ora, a emigração tem vindo a afrouxar e os call-centers estão a ser gradualmente substituídos por [dispositivos de] inteligência artificial. E não há outras áreas a substituí-los.”
Outra questão problemática, refere Thomson, é o investimento externo. “Há diferenças entre o que foi apregoado e o que está a ser concretizado. Os investidores ocidentais mostram-se assustados com a ‘guerra às drogas’. Também os filipinos no estrangeiro, cosmopolitas e com acesso às redes sociais, começam a perder a fé num homem que denigre a imagem do país, outrora associado à democracia e ao progresso.”
“Se vier a provar-se que Duterte é desonesto e protege os amigalhaços corruptos, todas as mortes terão sido em vão e o pêndulo a seu favor poderá recuar. Em resumo, não serão os assassínios extrajudiciais que enfraquecerão Duterte e sim a sua política económica.”
Haverá o risco de um golpe militar? O ex-parlamentar Waldo Bello está convencido que o exército não tem interesse em destituir o presidente, porque já o convenceu a afastar a extrema-esquerda do governo. O professor Thomson partilha a opinião.
“Duterte corteja os militares, ainda presos à mentalidade anticomunista da Guerra Fria, e sabe que não pode pisar as linhas vermelhas que eles definem. No entanto, se houver um grande escândalo, uma grave crise económica, não é certo que ele conserve a lealdade dos militares.”
O septuagenário Duterte admite publicamente os seus problemas de saúde. Quem poderá ocupar o seu lugar se sair de cena? Thompson desvaloriza a gravidade das “doenças prolongadas sem risco de vida” do presidente, e anota: “Não deixa de ser irónico que um tipo que comanda uma ‘guerra às drogas’ seja viciado em Fentanil [um medicamento 50 vezes mais potente do que a heroína], que matou, por dose excessiva, o artista Prince”.
Sobre eventuais sucessores, o académico em Hong Kong não exclui que Ferdinand “Bongbong” Marcos Jr., filho do deposto ditador, venha ainda a reclamar a vice-presidência que perdeu, em 2016 (numa eleição separada), para a líder da oposição Leni Robredo, ou a disputar as próximas presidenciais. “Tem uma base política e imenso dinheiro”.
Mas Thomson prefere chamar a atenção para Sara Duterte-Carpio, filha de Rodrigo e actual presidente da câmara de Davao. “Ela tem adoptado uma posição discreta, mas faz o que lhe apetece, tal como o pai, e é seguramente o poder por detrás do trono – há a possibilidade de uma sucessão dinástica.”
Duterte contra Deus

Rodrigo Duterte num encontro com o arcebispo de Davao, Romulo Valle , na igreja de São Francisco de Assis, em Davao City, 27 de Agosto de 2016
© philstar.com
O Catolicismo chegou às Filipinas em 1520 com Fernão de Magalhães. Quase 500 anos depois, a Igreja que ajudou a derrubar Ferdinand Marcos enfrenta dois grandes desafios: como combater outro ditador e manter a glória do passado numa sociedade “mais evangelizada do que catequizada”?
Patricia Fox, superiora regional da congregação Irmãs de Nossa Senhora de Sião, dedicou 27 dos seus 72 anos à defesa dos pobres e oprimidos nas Filipinas. Acusada de “envolvimento em actividades políticas ilegais”, foi detida no dia 16 de Abril.
A 3 de Novembro, foi expulsa do país, onde não mais poderá regressar como missionária. Ao chegar a Melbourne, após perder uma dura batalha judicial, a freira australiana denunciou o “reino de tirania” do presidente Rodrigo Duterte.
“Não têm o direito de me criticar”, disse Duterte, que ordenou a deportação de Patricia Fox, indignado com a presença dela num protesto contra o assassínio de agricultores, mas sobretudo por ter participado numa missão de inquérito às execuções extrajudiciais por ele ordenadas quando era presidente da câmara de Davao, na ilha de Mindanao, no sul.
A provação de Patricia Fox e a de outros membros da Igreja Católica (três sacerdotes foram mortos a tiro, em Abril e Junho deste ano, e em Dezembro de 2017) revelam bem os riscos que uma das mais influentes instituições filipinas enfrenta desde que Duterte conquistou a chefia do Estado nas eleições de Maio de 2016, mantendo uma popularidade de quase 80% apesar dos seus milhares de mortos.
O presidente, que renegou o Catolicismo e se terá aproximado de uma seita local, Iglesia ni Cristo, orgulha-se da sua linguagem obscena e ofensiva. “O vosso Deus não é o meu Deus, porque o vosso Deus é estúpido”, proclamou.

A freira Patricia Fox recebe flores à chegada à igreja do Redentor, a sul de Manila, antes da sua partida para a Austrália, depois de ter sido expulsa das Filipinas
© Bullit Marquez | Associated Press
Duterte justifica os ataques ao clero com abusos sexuais de que terá sido vítima por parte do padre americano Mark Falvey, quando frequentava o liceu Ateneo de Davao. Em 2007, a ordem dos jesuítas a que Falvey pertencia pagou 16 milhões de dólares a nove pessoas, depois de provado que o reverendo as molestou quando eram crianças, na Califórnia, para onde foi transferido e morreu em 1975.
“Como advogado e procurador, Duterte poderia ter processado o abusador”, diz-nos, por e-mail, o missionário comboniano filipino Edgardo Alfonso Vizcarra. “Não acredito que a animosidade em relação à Igreja se deva apenas a um ressentimento pessoal.”
“É também uma questão política. Porque ele sabe que a Igreja Católica é a única instituição religiosa verdadeiramente crítica. Ele sabe que numerosos fiéis ouvirão a Igreja se esta vier a apelar a uma acção de massas contra o modo como Rodrigo Duterte governa.”
“Uma colaboração vigilante não é suficiente para responder às provocações e à arrogância” do presidente, afirma o padre filipino, encorajando mais expressões de crítica. “Só orações não bastam. A Igreja deve fazer mais de modo a despertar os fiéis para o que se passa no país.”
É por a Igreja “criticar a estratégia da ‘guerra às drogas’” que Duterte a hostiliza, refere, por seu turno, o padre português António Carlos, director da revista comboniana World Mission, publicada em Manila.
“Por que não uma guerra à corrupção e à pobreza? Porquê fazer da guerra às drogas uma matança à margem da lei de pessoas a quem não foi dado o direito de se defender ou apresentar a sua versão dos factos?”
Sob a ditadura de Marcos, várias comunidades eclesiásticas foram atacadas por forças militares, os seus líderes religiosos encarcerados e até mortos. Em 1986, a Igreja filipina, dirigida pelo carismático cardeal Jaime Sin (1928-2005), foi uma peça-chave na revolução popular que acabou com 21 anos de um regime plutocrático e cruel.
Três décadas depois, como é que a hierarquia e os fiéis católicos lidam com um autocrata cujas políticas são contrárias à doutrina cristã?

Católicos filipinos em vigília de oração , depois de uma missa no Santuário de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Baclaran, cidade de Paranaque, região de Manila, 18 de Setembro de 2016
© Romeo Ranoco | Reuters
Expliquemos primeiro o Catolicismo filipino. Em 1520, ao serviço da coroa espanhola, o português Fernão de Magalhães convenceu o rei da ilha de Cebu, Rajá Humabon, e a sua mulher a converterem-se ao Cristianismo.
O navegador que deu a volta ao mundo ofereceu-lhes uma imagem do Menino Jesus e, desde 1565, que a mais antiga relíquia das Filipinas está em exposição permanente na Basílica Menor del Santo Niño de Cebu, uma devoção tão arraigada como a do Nazareno Negro ou a tradição da crucificação na Quaresma.
“Oitenta por cento dos filipinos são católicos e não apenas graças aos esforços dos missionários espanhóis”, que continuaram as suas expedições apesar de Magalhães ter sido morto por um líder rebelde na ilha de Mactan em 1521, diz-me Jayeel Cornelio, sociólogo de religiões na Ateneo University de Manila.
“O Catolicismo tornou-se uma religião tão local que as Filipinas têm sido caracterizadas como uma nação católica, mas o que distingue o Catolicismo filipino é mesmo a sua religiosidade”, adianta o autor de Being Catholic in the Contemporary Philippines.
“Esta é uma das sociedades mais religiosas do mundo. O Catolicismo tornou-se também o identificador da nação e, para isso, foi crucial o papel que desempenhou para a restauração da democracia em 1986. A Igreja era a antítese do regime autoritário de Marcos.”
“De um ponto de vista institucional”, analisa Jayeel Cornelio, “a Igreja é totalmente una, mas de uma perspectiva sociológica, é claramente diversa, a expressão da fé moldada por condições sócio-económicas, geográficas, culturais e políticas. Ao reconhecer o carácter secular do Estado, a Igreja, através do clero e dos leigos, entrou na esfera pública como defensora, por exemplo, dos mais pobres.”
“Influenciadas pelo Concílio Vaticano II de 1961, freiras filipinas começaram a envolver-se em protestos dos marginalizados, incluindo mulheres trabalhadoras, apesar das proibições durante a lei marcial [imposta por Marcos de 1972 a 1981]. Noutros casos, a Igreja tem sido triunfalista, com uma voz privilegiada e maioritariamente masculina.”
A Igreja filipina, constata o académico em Manila, “enfrenta um dilema democrático perene: vê-se a si própria com substancial influência sobre quem legisla e sobre quem vota, ainda que esta influência esteja a diminuir, como ficou demonstrado em 2012, na aprovação da Lei para a Saúde Reprodutiva. A forte oposição da Conferência Episcopal [ao planeamento familiar e métodos contraceptivos] não teve eco entre a população.”
Apesar das “tensões, divisões e vulnerabilidades”, os templos continuam a encher-se aos domingos porque, diz Cornelio, “é preciso distinguir entre a Igreja Católica, como instituição pública, e o Catolicismo, como religião.”
“A filiação católica”, sublinha Cornelio, “permanece robusta [apesar de uma crise de vocações e de menos praticantes nas cidades, sobretudo entre os jovens, segundo o padre António Carlos]. A ascensão das mega-igrejas evangélicas e de outros grupos religiosos não parece afectar estatisticamente o número de católicos.”
“Mas a paisagem religiosa está a tornar-se competitiva. O Catolicismo romano não avançará se apenas se concentrar no seu passado glorioso. Terá de estar mais próximo das comunidades.”

Numa igreja em Manila, o bispo católico Broderick Pabillo lidera uma vigília pelas vítimas das execuções extrajudiciais ordenadas por Duterte
© Zeke Jacobs | NurPhoto | Getty Images
A opinião do comboniano Edgardo Alfonso Vizcarra não difere muito da do compatriota Cornelio. Nas Filipinas, um dos dois únicos países de maioria cristã na Ásia (o outro é Timor-Leste), “o Catolicismo é uma fé que evangelizou a maioria do povo, mas não o catequizou inteiramente para formar uma consciência católica plena”, comenta.
“Não há sequer o que possamos chamar de voz e mentalidade de voto católicos como um todo. Somos profundamente religiosos, mas só em termos de devoção e piedade.”
“Os católicos filipinos já não se limitam a sentar-se nos bancos da igreja aos domingos. A maioria procura mais. E uma maneira de procurar a renovação religiosa é ir ao encontro deles, criando um fórum onde pastores e fiéis se reúnam e debatam temas que interessem à juventude, à família, à sociedade. Temos de ouvir. A Igreja é acusada de, por vezes, não ouvir os seus fiéis.”
“A Igreja tem de desistir da tendência de ‘sacramentalizar’ tudo”, aconselha o padre Edgardo. “Coloca demasiada ênfase nos ritos e rituais. É preciso que a Igreja responda às necessidades dos pobres não apenas na sua pobreza material, mas dando-lhes poder de desenvolvimento. Finalmente, como o Papa recomenda, o clero tem de ir para as periferias. Como pastores, temos de estar onde está o rebanho e não na sacristia.”

Sara Duterte-Carpio, filha de Rodrigo Duterte e actual presidente da câmara de Davao. Ela tem adoptado uma posição discreta, mas faz o que lhe apetece, tal como o pai, e é seguramente o poder por detrás do trono – há a possibilidade de uma sucessão dinástica
© EPA | South China Morning Post
Estes dois artigos foram publicados originalmente na revista ALÉM-MAR, edição de Dezembro 2018 | These two articles were originally published in the Portuguese news magazine ALÉM-MAR, December 2018 edition