José Saramago e Fernando Pessoa são populares na República Islâmica. O português Nobel da Literatura tem 25 livros publicados em farsi. Um deles, Ensaio sobre a Cegueira, esteve proibido. Não é caso único. A censura é implacável, mas os escritores resistem. Onde e quando menos se espera, há surpresas boas. (Ler mais | Read more…)

Retratos de escritores iranianos, alguns com obras ainda proibidas na República Islâmica, no Mehr Cafe, na cidade de Yazd
© Margarida Santos Lopes
Seis fotografias a preto e branco reluzem numa parede do Mehr Cafe, numa viela harmoniosa da cidade de Yazd. Uma funcionária, alegre e afável, confirma a identidade dos geniais Nima Yooshij, Ahmad Shamlou, Forough Farrukhzad, Ali Shariati, Mehdi Akhavan Sales e Sadegh Hedayat.
São autores de livros proibidos e/ou censurados. Quem os conhece – e saber quem são ajuda a compreender o Irão – talvez se interrogue: estará a liberdade a passar por aqui?
Nem por isso, mas há alguns sinais de abertura num país onde escritores nacionais de palavras e ideias interditas, sobretudo críticos do regime, ainda se arriscam a prisão e morte, ou buscam o exílio.
Um país onde Salman Rushdie e os seus Versículos permanecem satânicos, mas Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, foi retirado de uma lista de obras malditas, na qual permanece Ulisses, de James Joyce.
Um país onde As Minhas Putas Tristes, de Gabriel García Márquez, foi publicado como Os Meus Amores Tristes, para ser logo proibido como “erro burocrático” do censor.
Um país onde O Banquete (O Simpósio ou Do Amor), de Platão, filósofo d’A República que inspirou o Ayatollah Khomeini, teve finalmente licença para ser lido.
Pelo menos 25 obras do português Nobel da Literatura 1998 estão disponíveis em farsi, diz-me, por e-mail a partir de Los Angeles, Bijan Khalili, fundador e presidente da Ketab Corporation, maior rede mundial de livros sobre o Irão, em persa e noutras línguas.

Uma das biografias do deposto Xá Mohammad Reza Pahlavi à venda numa rua em Teerão, ao lado de livro de uma das mais amadas escritoras iranianas, Forough Farrukzhad
© Margarida Santos Lopes
Entre os cerca de 100 mil títulos do catálogo da Ketab, os que procuram Saramago encontram Ensaio sobre a Cegueira e Ensaio sobre a Lucidez, A Viagem do Elefante e Jangada de Pedra; O Caderno e A Caverna; As Intermitências da Morte e O Ano da Morte de Ricardo Reis; Memorial do Convento e Manual de Pintura e Caligrafia; O Homem Duplicado e Todos os Nomes; História do Cerco de Lisboa e O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Menos sorte teve A Última Tentação de Cristo, de Nikos Kazantzakis, ainda ilegalizada.
Outro português famoso é Fernando Pessoa, com seis obras em farsi, sendo a mais popular, segundo Khalili, Livro do Desassossego. Há várias edições de tradutores diferentes, como no caso de Saramago, o que dificulta o controlo de qualidade e de tiragem. No Irão não existe lei que proteja direitos de autor.
Judeu curdo, o antigo engenheiro civil Bijan Khalili, agora com 65 anos, fugiu do Irão no final de 1980, após 11 dias na cadeia, por se opor à revolução islâmica e “pertencer a uma minoria étnica”.
Temia ser “executado sem julgamento”, e exilou-se no bairro conhecido como Tehrangeles, na Califórnia. Neste estado americano vivem, segundo várias estimativas, mais de meio milhão de iranianos, que começaram a chegar como estudantes, nos anos 1960.
Em 1981, com os “dez livros favoritos” que levou na bagagem, Khalili abriu uma pequena livraria, e esta transformou-se, rapidamente, num quase império. Inclui um muito procurado serviço online, que também distribui discos e filmes.
Anualmente, a Ketab edita uma média de 15 livros em farsi. Um dos mais recentes é Camarada Khomeini: O Papel do KGB Soviético na Ascensão de Khamenei (o Supremo Líder).
Política, ficção, dicionários e história são as áreas mais procuradas pelos clientes da Ketab. A companhia vende pouco para o Irão devido às muitas restrições da censura, mas Khalili admite que deixou de ter dificuldades em importar.

Mohammad Reza and Farah Pahlavi continuam demonizados pelo regime em Teerão, mas os vendedores ambulantes, alguns deles jovens que nunca conheceram a monarquia, parecem não ter medo de ganhar dinheiro com as biografias do casal imperial expostas em ruas movimentadas da capital iraniana onde se cruzam milicianos e guardas da revolução
© Margarida Santos Lopes
Vamos até Teerão, onde vão caindo tabus como a evocação da monarquia. Autobiografias do último Xá vendem-se na avenida que em tempos homenageou a sua dinastia, Pahlavi, e hoje é dedicada a Vali Asr, o último de 12 imãs xiitas.
Uma delas é Resposta à História, publicada pouco depois de ser forçado a deixar o Trono do Pavão em 1979. Outra é Missão para o meu País. Foi impressa quando ainda era “Sua Majestade Imperial, Shahanshah’ (Rei dos Reis)”.
Também se pode comprar as Memórias de Farah Diba, viúva do autoproclamado Aryameh (Luz dos Arianos). Uma das edições está autografada na capa. Ela escreveu até a data: 27.08.05.
O passado mais recente deixou, supostamente, de constituir uma ameaça, numa altura em que o país, que aceitou um acordo nuclear histórico, pretende reafirmar-se como potência regional.
Na capital, não é preciso ir a mercados obscuros, à procura dos homens que, em Persépolis, quadrinhos de Marjane Satrapi, transacionavam discos de “Estevie Vonder” e “Jikael Mackson”, escondidos nas gabardinas.
Na rua que tem o nome Ferdowsi, autor do épico Shahnameh (Livro dos Reis), um jovem alfarrabista afasta momentaneamente os olhos do smartphone e, sorridente, anuncia: “Viva o Xá!” Terá menos de 30 anos, como mais de metade dos quase 78 milhões de iranianos, jovens que só conhecem a teocracia.
Na sua banca improvisada, num passeio onde se cruzam mullahs e mulheres com coloridos roosaris (lenços) deslizando sobre justas roopoosh (túnicas), os Pahlavi estão em destaque. Mas não só.
Quem imaginaria descortinar um vídeo de Googoosh, cantora que recuperou voz e celebridade no exílio, depois de silenciada pela Revolução Islâmica? E um velho filme de Mohammad Al Fardin, pugilista e actor, afastado dos ecrãs por um sistema hostil às cenas românticas deste “rei dos corações” onde o álcool abundava e as garotas encurtavam as saias?

Ahmad Shamlou no Fórum dos Artistas em Teerão: um dos seus poemas continua interdito por ser uma crítica feroz ao regime: In this dead end/ They smell your mouth/ To find out if you have told someone: I love you!
© Margarida Santos Lopes
A censura oficial no Irão remonta à conquista árabe em meados dos anos 600. Muitos textos zoroastras, a primeira religião do país, foram queimados para solidificar o poder das novas autoridades muçulmanas. A língua persa escrita só renasceu, a partir do século X, com os poetas Ferdowsi, Rudaki e Daqiqi.
Nos anos 1500, quando o Xá safávida Ismail I oficializou a conversão ao Xiismo, muitos estudiosos sunitas foram executados ou desterrados. Em 1923, com o fim da dinastia Qajar, o autocrata Reza (Khan) Pahlavi encerrou as escolas privadas, impôs manuais centrados na história e geografia pré-islâmica e transferiu a “competência de censura” do Ministério da Educação para a Polícia Nacional.
No seu reinado, o filho-herdeiro Mohammad Reza Pahlavi criou um gabinete para censurar previamente todos os livros. Os escritores enfrentavam ainda perseguição por parte de outra entidade: a SAVAK.
A temível polícia política foi dissolvida após a revolução de 1979, mas dois anos depois, formou-se uma instituição igualmente repressiva: o Ministério da Cultura e Orientação Islâmica (MCOI).
Um relatório de 2015, intitulado Writer’s Block: The Story of Censorship in Iran e resultante de uma investigação dirigida por James Marchant, explicou deste modo os obstáculos que enfrentam os escritores. “Zohreh demorou dois anos e meio a acabar um romance de 350 páginas. Contacta um primeiro editor. Não está interessado.”
“O livro corre o risco de ser chumbado pelo MCOI. Ela procura outro editor, um pouco mais corajoso, disposto a investir algum dinheiro na edição, na revisão, na impressão, no design e na publicação. Antes de enviar ao censores o manuscrito em PDF, tem de preencher formulários, para saber se os que têm a última palavra o vão aprovar ou rejeitar.”
“Passam oito meses e o ministério sugere ‘algumas emendas’. Ela elimina 50 páginas, troca a palavra ‘vinho’ por ‘água’ e muda o carácter do protagonista, de bêbado para marido dedicado.
“Mais uma espera longa, até que, finalmente, vários milhares de exemplares recebem autorização para serem distribuídos. Uma cópia é entregue na Biblioteca Nacional. Só então o título fica registado na base de dados estatal, ketab.ir.”

Os livros não foram as únicas vítimas da censura imposta pelo anterior presidente Mahmoud Ahmadinejad. Pinturas no valor de mais de 3000 milhões de dólares mantiveram-se fechadas numa cave húmida até serem finalmente expostas, no Museu de Arte Contemporânea de Teerão (nas 2 fotos), em Novembro de 2015. Quadros de Giacometti, Warhol, Monet, Pollock, Magritte, Lichtenstein, Kooning e outros são agora objecto de estudo e adulação
© Margarida Santos Lopes
O período pós-revolucionário mais tolerante, para escritores, jornalistas e bloggers, foi o da presidência de Mohammad Khatami, entre 1997 e 2005. Como ministro da Cultura (1982-1992), já defendia uma “concepção progressista dos valores culturais: liberdade de pensamento e respeito pela honra intelectual”.
Uma era de trevas foi inaugurada por Mahmoud Ahmadinejad em dois mandatos presidenciais, de 2005 a 2013. A sede dos censores passou a ser o Ministério dos Serviços Secretos. Chegou-se ao absurdo de o responsável por “avaliar” os filmes ser um cego.
O ministro da Cultura, Hossein Saffar-Harandi, revogou as licenças de Khatami e ordenou a proibição de numerosas obras (algumas já editadas e reeditadas), apenas por considerar os autores personae non gratae.
A eleição de Hassan Rouhani – um “pragmático” e não “reformista” como Khatami – fez reviver a esperança. O legado do ultraconservador Ahmadinejad foi tão nocivo que exasperou o actual ministro da Cultura. Disse Ali Jannati, citado pela Rádio Europa Livre: “Se o Corão não fosse a palavra divina também teria sido censurado.”
Os livros não foram as únicas vítimas de Ahmadinejad. Pinturas no valor de mais de 3000 milhões de dólares mantiveram-se fechadas numa cave húmida até serem finalmente expostas, no Museu de Arte Contemporânea de Teerão, em Novembro de 2015.
Quadros de Giacometti, Warhol, Monet, Pollock, Magritte, Lichtenstein, Kooning e outros são agora objecto de estudo e adulação.
Toda a colecção foi adquirida por Farah Pahlavi graças às receitas do petróleo quando o mercado de arte estava em crise. Agora é um Irão com necessidade de divisas que põe a render o património que antes renegava.
Rouhani e Jannati têm advogado maior liberdade pessoal e artística, mas é limitada a margem de manobra do actual Governo. Apesar de tudo, vão despontando na sociedade vários nichos onde a audácia desafia a tacanhez.

Mahmoud Dowlatabadi (na foto, o seu Kar nameh sepani /O Arquivo 3.5, à venda no Fórum dos Artistas Unidos em Teerão), é o autor de O Coronel, livro que jamais saiu da gaveta do censor, apesar de traduzido para várias línguas. Dowlatabadi, 75 anos, recusa cortes no romance que demorou um quarto de século a escrever, até 2008. O destino trágico dos cinco filhos de um oficial do exército, todos representando facções diferentes da revolução que os devorou, é parte da sua história pessoal
© Margarida Santos Lopes
Um deles é o Fórum dos Artistas Iranianos, no parque Honarmandan em Teerão, um complexo arquitectónico erguido das ruínas de um edifício que foi usado por militares e depois resguardou toxicodependentes. Mais de uma década após a sua construção, aqui se encontram todas as classes, os mais pobres do sul e os mais ricos do norte.
Para namorar no jardim. Conversar com amigos. Beber um café. Comer um prato vegetariano. Assistir a uma peça de teatro. Ver um filme. Apreciar e apreçar esculturas ou fotografias. Ouvir um concerto da orquestra sinfónica criada em 2014.
Que salto em frente, num país onde, em tempos não muito longínquos, se incendiavam cinemas e a música era proibida.
Do conjunto de galerias e auditórios, cafés e restaurantes do Fórum sobressai uma loja irresistível. Vende artesanato exclusivo, em têxteis, madeira ou cerâmica, CDs, DVDs e livros. Um deles é Kar nameh sepanj (O Arquivo 3.5), de Mahmoud Dowlatabadi, autor de O Coronel, que jamais saiu da gaveta do censor, apesar de traduzido para várias línguas.
Dowlatabadi, 75 anos, recusa cortes no romance que demorou um quarto de século a escrever, até 2008. O destino trágico dos cinco filhos de um oficial do exército, todos representando facções diferentes da revolução que os devorou, é parte da sua história pessoal.
Em 1974, depois de detido pela SAVAK, o autor de Kelidar, magnum opus de dez volumes e 3000 páginas, perguntou aos carcereiros qual o crime que justificava dois anos numa cela. “Nenhum”, responderam-lhe. “Mas toda a gente o lê, o que faz de si um provocador.”
Dowlatabadi é um colosso da literatura iraniana contemporânea, tal como Nima, Shamlou, Forugh, Shariati, Saless e Hedayat, os escritores emoldurados na parede do Mehr Cafe. O espanto de os ver numa ruela de Yazd é tanto maior quanto The Blind Owl (A Coruja Cega), de Hedayat (1903-1951), nunca teve autorização para ser publicado, embora seja referência obrigatória do século XX.

O mausoléu de Hafez, o mais amado dos poetas iranianos, na cidade de Shiraz. Os seus versos competem em popularidade com o Corão
© Margarida Santos Lopes
Antimonárquico e anticlerical, simpatizante do Tudeh, o extinto partido comunista, Sadegh Hedayat é conhecido como o “Kafka iraniano”. Foi ele quem introduziu o modernismo na ficção iraniana. Estudou na Bélgica e em Paris, entre 1926 e 1930. Deixou-se influenciar, além de Kafka, por Shakespeare, Goethe, Sartre e Rilke. Nunca conseguiu conciliar os seus dois mundos: persa e europeu.
Escreveu The Blind Owl em Bombaim (Índia), sabendo que só clandestinamente esta história sobre medo, perda e morte entraria no seu país. Psicótico e infeliz, Hedayat suicidou-se, em 1951, num apartamento que arrendara na capital francesa.
Amigo de Hedayat, porta-voz dos pobres e dos oprimidos, outra figura notável da literatura iraniana é Nima Yooshij (1896-1960). Aclamaram-no como “pai da nova poesia persa”, por romper com a métrica rígida dos clássicos. Compararam-no ao modernista americano Ezra Pound.
Inscreveram-no no movimento dos simbolistas franceses (Baudelaire, Verlaine, Rimbaud e Mallarmé). Nos seus versos há muitas referências à “noite” e ao “amanhã”, interpretadas como metáforas de um tempo de tirania e, simultaneamente, de resistência à injustiça e à miséria.
Entre os discípulos de Nima está Forough Farrokhzad (1935-1967), que o descreveu como seu “guia”. Não fosse o seu carácter assumidamente profano e também ela poderia reclamar o título religioso xiita de marja-e taqlid (fonte de emulação), porque continua a cativar muitos iranianos.

Uma modesta livraria em Shiraz, cidade dos poetas Hafez e Sa’adi. O Irão anunciou, em Março, que irá construir a maior livraria do mundo, numa área de 45.000 metros quadrados
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A vida desta grande feminista não foi banal. E foi breve. Acabou num acidente de viação aos 32 anos. Aos 16, começou a escrever os seus ghazals, poemas líricos carregados de erotismo e, aos 16, casou-se com o cartunista Parviz Shapour.
Desta união que a família reprovou, nasceu um filho, em 1956. Forough e Parviz mudaram-se de Teerão para Ahwaz, no Sul. A cidade era conservadora e escandalizou-se com a beleza magnética de uma das primeiras mulheres a aderir à moda das roupas coleantes e curtas. O divórcio consumou-se após o parto. O pai ficou com a custódia da criança.
Por ser divorciada, Forough atraiu ainda mais atenção e recriminação. Indiferente e independente, ela transpôs para a sua poesia todas as dores e paixões. Um dos poemas mais marcantes é The Sin (O Pecado), em que descreve um de vários relacionamentos amorosos de curta duração.
I have sinned a rapturous sin/ in a warm enflamed embrace,/sinned in a pair of vindictive arms,/ arms violent and ablaze./ In that quiet vacant dark/ I looked into his mystic eyes,/ found such longing that my heart/ fluttered impatient in my breast./
In that quiet vacant dark/ I sat beside him punch-drunk,/ his lips released desire on mine,/ grief unclenched my crazy heart (…)
Sexualmente explícitos, vários livros de Forough foram proibidos durante mais de uma década depois da Revolução Islâmica. Hoje, ainda que censurada, é reconhecida como a maior poeta nacional do século XX.

Rei Lear, de Shakespeare, e a biografia de Abbas Kiarostami, o grande cineasta iraniano que morreu em 4 de Julho. O Fórum dos Artistas em Teerão é um dos novos espaços de liberdade
© Margarida Santos Lopes
No panteão dos gigantes está também Ahmad Shamlou (1925-2000): poeta, dramaturgo, tradutor, jornalista. Conheceu várias prisões: a dos Aliados que ocuparam a pátria quando a II Guerra Mundial chegava ao fim; a de separatistas na província do Azerbaijão que quase o fuzilaram; a de Mohammad Reza Pahlavi, que mandou destruir os seus livros, por ele ser militante do Tudeh.
Em 1977, o intelectual marxista que nunca concluiu o liceu emigrou primeiro para a América e depois para o Reino Unido, em protesto contra o despotismo. Em 1979, voltou a Teerão, mas rapidamente o velayat-e faqih (governo do jurista) o desiludiu.
Muitos dos seus poemas, incluídos em 20 colectâneas, foram proibidos. Um deles mobilizaria a oposição contra Ahmadinejad, em 2009. Está traduzido, em inglês, como In This Dead-End (“Neste beco sem saída”).
In this dead end/ They smell your mouth/ To find out if you have told someone: I love you!/ They smell your heart!/ Such a strange time it is, my dear;/ And they punish Love/ At thoroughfares/ By flogging./ We must hide our Love in dark closets. (…)
Se a poesia era a arma política de Ahmad Shamlou, a de Ali Shariati (1933-1977) foi a história das religiões. Sociólogo doutorado na Sorbonne, em França, pertenceu a um movimento que tentou fundir o Xiismo com o socialismo europeu.
Ganhou o epíteto de “ideólogo da Revolução Islâmica”. No entanto, entre os seus seguidores estão também opositores do regime actual, e algumas das suas obras críticas dos zelotas xiitas continuam censuradas.
Tradutor para persa do psiquiatra, filósofo e activista anticolonial Frantz Fanon (1925-1961), autor de Peles Negras, Máscaras Brancas, Ali Shariati admirava muito este antigo escravo da Martinica, mas ambos divergiam num ponto essencial, segundo o historiador Ervand Abrahamian.
Fanon aconselhava os “povos do Terceiro Mundo” a abdicar das suas religiões tradicionais “na luta contra o imperialismo ocidental”. Shariati defendia que os países em desenvolvimento precisavam de “redescobrir as suas raízes religiosas para poderem desafiar o Ocidente”.

O Museu do Vidro e Cerâmica em Teerão funciona desde 1976 num edifício da era Qajar que foi em tempos a Embaixada do Egipto. A arquitectura é belíssima, da escadaria de madeira aos tectos trabalhados em gesso. Alguns dos objectos expostos em galerias organizadas cronologicamente remontam ao segundo milénio a.C. e contam uma parte da história do Irão
© Margarida Santos Lopes
As ideias do antigo militante da Frente Nacional, de Mohammad Mossadegh, o primeiro-ministro nacionalista derrubado pela CIA em 1953, atraíam os estudantes universitários. As suas aulas eram gravadas em cassetes e transcritas para panfletos, distribuídos clandestinamente. Ele não incomodava apenas o palácio mas também a mesquita.
Os teólogos (ulama) preocupavam-se com as afirmações de que não seriam eles a liderar “o regresso a um Islão genuíno”, mas sim os intelectuais (rushanfekran), únicos capazes de oferecer ao Irão “a Renascença e a Reforma”, anotou Ervand Abrahamian.
De 1972 a 1975, Shariati esteve preso sob a acusação de propagar um “marxismo islâmico”. Ficou em detenção domiciliária até 1977, ano em que foi autorizado a partir para Londres. Pouco tempo após a chegada, morreu de “ataque cardíaco”. Tinha 43 anos. Sobrevive a suspeita de que foi assassinado por agentes da SAVAK.
Contemporâneo de Shariati e também activista político, Mehdi Akhavan Sales (1929-1990) é, tal como Nima Yooshij, um dos pioneiros da nova poesia persa, obcecado pela “luta eterna entre luz e escuridão”. Em 1951, publicou a primeira antologia: A todos os combatentes da liberdade.
Após o golpe que afastou Mossadegh, esteve várias vezes preso, por pertencer ao Tudeh. Só em 1957 foi autorizado a retomar uma existência normal, como professor e jornalista. Entre 1969 e 1974, para poder sustentar-se financeiramente, trabalhou na televisão oficial, em programas de história e literários.
Em 1981, após vários anos ao serviço do Estado, foi afastado sem motivo e direito a reforma. Em 1990, morreu num hospital em Teerão. Sepultaram-no em Tus, na província de Khorasan, junto ao mausoléu de Ferdowsi – a quem muitos o comparavam.
De Teerão a Yazd, uma reabilitação póstuma de prosas e versos parece dar razão ao romancista Esmail Fasih (1935-2009): “Nas terras esplendorosas do Irão, um bom escritor é um escritor morto”.

A casa de artistas do músico Maziar Ale Davoud, no deserto de Garmeh
© Marisol González
Este artigo foi publicado originalmente na revista LER, edição de Abril-Maio-Junho de 2016 | This article was originally published in the Portuguese magazine LER, April-May-June 2016 edition