Em seis meses, o autoproclamado “estado islâmico” perdeu 40% do território que controla na Síria e no Iraque. Foi isso que desencadeou os atentados em larga escala na Europa, diz Robert Pape, fundador e director do Chicago Project on Security and Terrorism, considerado a maior base de dados de ataques suicidas do mundo. (Ler mais | Read more…)

Os ataques reivindicados pelo Daesh em Bruxelas, em 22 de Março de 2016, causaram pelo menos 32 mortos e mais de 300 feridos
© Reuters
Os dois atentados em Bruxelas foram cometidos menos de uma semana depois da captura do alegado cérebro dos ataques em Paris. Ficou surpreendido?
Não. Nos últimos seis meses o ISIS [‘estado islâmico’/Daesh] mudou totalmente a sua estratégia, ao lançar ataques em grande escala fora da Síria e do Iraque. Até então, os seus alvos eram simbólicos, assassínios individuais levados a cabo por ‘lobos solitários’, como os que [em Janeiro de 2015] visaram o jornal Charlie Hebdo.
O objectivo declarado é agora ‘atingir tudo e todos’. Em 10 de Outubro de 2015, um atentado suicida matou 103 civis em Ancara. Seis semanas depois, a 31 de Outubro, morreram todas as 224 pessoas a bordo de um avião russo abatido sobre o Sinai [Egipto].
Duas semanas depois, a 13 de Novembro, vários ataques, quase simultâneos, causaram 130 mortos em Paris. Agora, Bruxelas. Por que é que o ISIS decidiu visar civis na Europa? Porque está a perder território.
Controlará apenas 40 por cento das áreas com população no Iraque e na Síria. Essa perda deve-se às ofensivas aéreas da coligação formada pelos Estados Unidos, com apoio de forças terrestres locais.
Pela primeira vez, e isto é muito importante, temos um desertor do ISIS [Mohamad Jamal Khweis, 26 anos, cidadão americano, filho de imigrantes palestinianos residente em Alexandria, no estado de Virgínia].
Rendeu-se a combatentes curdos em Sinjar, no Iraque. [Entrou na Síria, a partir de Istambul, depois de ter viajado por Londres e Amesterdão]. Os ataques na Bélgica, em França e na Turquia são uma tentativa de inverter uma derrota inevitável.
Estes ataques são apenas uma decisão estratégica? Não há uma relação com o fundamentalismo islâmico? O bairro de Molenbeek em Bruxelas foi identificado por investigadores como a base principal de terroristas na Europa…
Não posso dizer que os ataques nada têm a ver com o fundamentalismo islâmico. Posso garantir que não os explicam. O ISIS está a atacar os Estados que fazem parte da coligação internacional que lhe declarou guerra. Deixou isso bem claro num comunicado. A Bélgica faz parte da coligação, mesmo que a sua presença seja mínima [cem militares de apoio e conselheiros].
A França e a Turquia são membros da coligação. A Rússia é visada porque permite a sobrevivência de Bashar al-Assad. Com ataques em grande escala, o grupo pretende afastar da equação países membros da aliança internacional, e forçá-los a uma reacção desproporcionada.
Interessa-lhe que as comunidades muçulmanas sejam marginalizadas, porque isso facilita o recrutamento para as suas fileiras.

Homenagem às vítimas dos ataques de Paris, à porta do Restaurante Le Carillon
© Charles Platiau Reuters
Depois de Bruxelas, ainda devemos estar preparados para mais ataques?
Sim. Pelo menos nos próximos seis ou doze meses. Mas eu acredito que, com a continuação das campanhas aéreas da coligação, os territórios dominados pela ISIS acabarão por se desintegrar – e antes de o próximo Presidente dos Estados Unidos tomar posse [em Janeiro de 2017].
A Indonésia é o maior Estado muçulmano do mundo e não faz parte da coligação internacional. No entanto, o Daesh reivindicou vários ataques em Jacarta, em Janeiro. Há perigo de outros países, como Portugal, virem a ser alvo?
Há sempre esse risco. O ISIS não é um Estado. Não é um Exército. Não tem propriamente um quartel-general. O grupo tem incluído apenas os membros da coligação na sua lista de alvos. Podemos dizer que o risco é zero? Não. Mas é muito baixo.
Qual deve ser a resposta das forças de segurança, dos serviços de informação, dos governos?
Acima de tudo, devem explicar a razão e o timing destes ataques do ISIS. Se não fizerem isso, a resposta será muito confusa, com erros atrás de erros. Foi o que aconteceu quando definimos a Al-Qaeda como uma organização religiosa, depois do 11 de Setembro. Com um diagnóstico errado, invadimos o Iraque [em 2003] e criámos mais terroristas do que matámos.
Precisamos de maior vigilância e um reforço dos orçamentos dos serviços de segurança internos. Não são necessários mais carros de combate nas ruas e sim investir num número maior de peritos capazes de decifrar toneladas e toneladas de informação recolhida.
Câmaras de filmar são baratas, mas custa dinheiro pagar a quem sabe interpretar as imagens correctamente. Não admira que, tantas vezes, os factos nos ultrapassem.

Fotos com cravos vermelhos foram usadas nas manifestações de homenagem às vítimas do Daesh em Ancara, em Outubro de 2015
© Lefteris Pitarakis | AP
Está a construir um banco de dados de atentados suicidas. Quantos é que já catalogou, e a que conclusões chegou?
Neste momento, temos quase 5000 atentados organizados e avaliados. Todos os meses são cometidos centenas, sobretudo na Síria e no Iraque. Passam despercebidos na comunicação social. Não têm o impacto mediático de atentados em Paris ou em Bruxelas.
Ao contrário da percepção generalizada, o que 95 por cento dos ataques estudados desde 1980 têm em comum não é a religião, embora esta seja usada como ferramenta de recrutamento. Na sua maioria, são uma resposta a intervenções estrangeiras.
A al-Qaeda nasceu da resistência à invasão soviética do Afeganistão [de 1979 a 1989]. O ISIS apareceu no Verão de 2014, na sequência de uma insurreição contra a ocupação do Iraque por tropas americanas. Não encontro ligação directa entre terrorismo suicida e fundamentalismo islâmico. Quase todas as operações suicidas têm um objectivo secular e estratégico.
Os Tigres Tâmil no Sri Lanka [derrotados em 2009, depois de uma guerra iniciada em 1983, com 80.000-100.000 mortos] e o PKK [Partido dos Trabalhadores do Curdistão] na Turquia têm um passado de ataques suicidas, mas são organizações seculares. Até o Hezbollah libanês.
Identificámos 38 dos seus 41 bombistas: só oito eram muçulmanos fundamentalistas, 27 pertenciam ao Partido Comunista Libanês e à União dos Árabes Socialistas.
Havia também três cristãos, um deles uma professora do Ensino Secundário. O que os unia era a resistência à ocupação estrangeira [forças francesas, americanas e israelitas]. Não esqueçamos que o ISIS também integra gente secular. Um terço dos seus comandantes militares são antigos oficiais do regime de Saddam Hussein.
Devemos ter medo?
Sim. Um medo moderado. Preocupemo-nos com os próximos seis ou 12 meses.
O homem que estuda os ataques suicidas
Robert A. Pape é o fundador e director do Chicago Project on Security and Terrorism (CPOST), considerado a maior base de dados de ataques suicidas do mundo, – quase 5000, recolhidos e analisados desde 1980.
Os ataques são organizados por data, alvo, armas usadas e número de vítimas mortais. O primeiro relatório, publicado em 2014, contabilizou 4300 mortos em 15 países, sendo o Iraque e o Afeganistão os que mais sofreram.
O CPOST é também um instituto de segurança internacional. Funciona na Universidade de Chicago onde Robert Pape é professor de Ciência Política.
Dos vários livros publicados por este académico, que foi consultor das campanhas presidenciais de Barack Obama e do republicano Ron Paul, dois são considerados obras de referência: Cutting the Fuse: The Explosion of Global Suicide Terrorism and How to Stop It (2010) (com o analista de defesa James Feldman) e Dying to Win: The Strategic Logic of Suicide Terrorism (2005).
Este artigo foi publicado originalmente no jornal EXPRESSO em 25 de Março de 2016 | This article was originally published in the Portuguese newspaper EXPRESSO, on March 25, 2016