Tempestade eleitoral na Europa

Em 2015 haverá eleições legislativas em dez dos 28 Estados-membros da União Europeia: Croácia, Dinamarca, Espanha, Estónia, Finlândia, Grécia, Polónia, Portugal, Suécia e Reino Unido. Em pelo menos cinco deles, o modo como o poder passará a olhar a Europa pode mudar radicalmente. Os nomes a ter em conta neste novo xadrez político são: Alexis Tsipras, em Atenas; Pablo Iglesias, em Madrid; Nigel Farage, em Londres; Jimmie Åkesson, em Estocolmo; e Kristian Thulesen Dahl, em Copenhaga. Com eleições locais em março, Marine Le Pen promete dar ainda mais força ao grupo emergente dos eurocépticos. (Ler mais | Read more…)

© andydavey.com

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Uma segunda votação no Parlamento helénico, a 23 de Dezembro, e Stavros Dimas, candidato presidencial do Nova Democracia (ND, conservadores) e do PASOK (socialistas), voltou a não ser eleito.

À hora do fecho desta edição, não se sabia ainda o resultado da última tentativa, no dia 29. [Falhou novamente.] Se o primeiro-ministro, Antonis Samaras, não convenceu 180 deputados a aprovar a sua escolha, a coligação de extrema-esquerda Syriza, liderada por Alexis Tsipras, poderá chegar ao poder, em legislativas antecipadas, em 25 de Janeiro de 2015.

Recentes sondagens dão Syriza 28,1% por cento de votos, contra 23,7% do ND. A 21 de Dezembro, quando Dimas, ex-chefe da diplomacia grega e antigo comissário europeu, falhou o primeiro escrutínio, Samaras tentou cativar o apoio, na terceira ronda, de alguns parlamentares independentes e do Esquerda Democrática.

Em troca de consenso, ofereceu-lhes postos ministeriais numa remodelação governamental. Prometeu antecipar as eleições para o final de 2015. Com uma condição: que antes fosse concluído um acordo com os credores internacionais sobre o resgate financeiro, muito impopular.

A progressão da Syriza preocupa os mercados tanto quanto a ascensão em Espanha do PODEMOS, chefiado por Pablo Iglesias Turrión, com um programa que exige a restruturação da dívida pública e o fim da austeridade imposta pela “troika” (UE, FMI e Banco Mundial).

Uma sondagem do diário El Mundo atribui ao partido nascido no início de 2014, e oriundo do movimento Indignados, 28,2% das intenções de votos nas eleições de 2015. Será, assim, a maior força política espanhola, ultrapassando o Partido Popular (PP), do actual primeiro-ministro, Mariano Rajoy (26,3%), e o PSOE (na oposição, 20,1%).

A queda das duas forças tradicionais ocorre apesar de o Banco Central ter revelado, no boletim de Dezembro, que o emprego aumentou em 2014, para uma taxa de aproximadamente 1%, em contraste com o decréscimo de 3,3% em 2013. Prevê também, para 2015, uma taxa de crescimento anual de 2%. No entanto, o supervisor avisa que uma subida de salários, como defende o PODEMOS, “travará a recuperação”.

À semelhança do grupo de Iglesias que desfez o tradicional bipartidarismo em Espanha, também o UKIP, em Londres, desequilibrou a alternância entre conservadores e trabalhistas.

Com a promessa solene de um referendo à permanência do país na UE, Nigel Farage, o líder do Partido da Independência do Reino Unido, obrigou o primeiro-ministro, David Cameron, a fazer o mesmo juramento e a endurecer as políticas contra a imigração.

[Em Junho de 2016, o referendo prometido por Cameron resultou numa maioria a favor do Brexit (62% votaram a favor de sair da UE), e o país mergulhou numa crise política e económica. Cameron demitiu-se; Theresa May ascendeu à liderança dos conservadores e à chefia do governo.]

A subida do partido de Farage faz-se também à custa dos liberais-democratas, de Nick Clegg, que foram prejudicados pela aliança com os Tories. Os LibDems poderão nem chegar à Câmara dos Comuns, enquanto os Verdes são colocados, pelas sondagens, em quarto lugar, atrás do Labour, dos conservadores e do UKIP.

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Em Estocolmo (Março) e em Copenhaga (Setembro), duas formações de extrema-direita, eurocépticas e xenófobas – os Democratas Suecos e o Partido Popular Dinamarquês –, constituirão também desafios às coligações no poder 

Outras cinco eleições legislativas importantes ocorrerão em 2015 no espaço Europeu, mas desta vez sem referência de risco para a UE que hoje conhecemos. Para além de Portugal, na Polónia deverá manter-se Ewa Kopacz, da Plataforma Cívica, e na Estónia, Taavi Rõivas, do Partido da Reforma, dará continuidade ao mandato de Andrus Ansip, o novo comissário europeu para o “mercado digital único”.

Já na Finlândia e na Croácia poderá haver mudanças, porque não se espera a revalidação das vitórias da Coligação Nacional e da aliança Kurikuru, respetivamente.

Em contrapartida, em França existem eleições locais – os primeiros testes da “longa corrida” que termina em 2017, com as legislativas e presidenciais. E também aqui, Marine Le Pen, da Frente Nacional (FN), aparece muito bem posicionada para fazer tremer a UE, já em Março, e dar novo alento ao movimento político que se instala na Europa.

Como diz a revista The Economist, na sua edição de 20 de Novembro de 2014, “De todas as previsões feitas sobre 2015 nenhuma parece mais segura do que a ideia generalizada de que os povos nas grandes democracias se sentem profundamente traídos por aqueles que os lideram”. E as legislativas que e aproximam constituirão “uma oportunidade para os eleitores expelirem algumas dessas frustrações”.

O desencanto é evidente, em especial no que diz respeito ao “desperdício de inúmeras oportunidades” para resolver a crise do euro, que entra o seu sexto ano. “Vai falar-se muito do fracasso de liderança em 2015, porque é o 50º aniversário da morte de Winston Churchill e o 200º do nascimento de Otto von Bismarck.”

Alexis Tsipras: Perigoso ou poderoso?

Alexis Tsipras © koolnews.gr

Alexis Tsipras
© koolnews.gr

Syriza – Grécia

O semanário alemão Der Spiegel classificou-o de “homem mais perigoso da Europa”, mas Alexis Tsipras, o líder da Syriza, Coligação da Esquerda Radical, preferiu retirar a foto do seu ídolo, Che Guevara, da sede do partido do que dar razão aos mercados receosos de uma retirada da Grécia da zona euro e do regresso do dracma.

A princípio, o antigo militante da Juventude Comunista, que é, nas sondagens, o candidato favorito à chefia do Governo, prometia o “derrube do regime da ‘troika’”. Continua a advogar “o corte de grande parte” da dívida grega, “num gesto de solidariedade europeu, como o perdão concedido à Alemanha em 1953”.

No entanto, tem vindo a suavizar este discurso, sobretudo desde as eleições europeias de Maio de 2014, que a Syriza ganhou, relegando para segundo lugar o Nova Democracia, de Antonis Samaras.

Em Dezembro, enquanto o Parlamento helénico escolhia um Presidente da República, Tsipras deu uma entrevista à Reuters para esclarecer a política que pretende adoptar se chegar ao poder. “Uma vitória da Syriza acabará com a profecia de que a Europa será destruída, e servirá para criar um clima de segurança.”

Não interessam “medidas unilaterais” ao engenheiro de 40 anos que, aos 33, se tornou o mais jovem dirigente de um partido político em Atenas, quando foi chamado a presidir ao Synaspismos, principal membro da aliança Syriza. “Estamos preparados para uma negociação dura, e conscientes de que os nossos parceiros europeus irão adotar, igualmente, uma posição rígida, numa primeira fase, mas não pediremos nada que seja irrealista.”

“Este não é o Alexis Tsipras de 2010”, observou Blanka Kolenikova, analista do IHS Global Insight, em declarações à rede de media EurActiv. “Ele precisa de provar que é flexível.” A retórica sobre a nacionalização dos bancos, por exemplo, quase desapareceu, a favor de um papel mais activo do fundo de garantia do Banco Central, que controla três das quatro maiores instituições bancárias.

Independentemente das negociações, porém, “a austeridade e o plano de resgate serão cancelados”, frisou Tsipras, visto por muitos como um “populista” que se opõe ao capitalismo neoliberal e aos poderes da “oligarquia corrupta e parasita” na Grécia. “Eu acredito na força e no poder do povo!”, diz.

Pablo Iglesias: A luta de um “indignado”

Pablo Iglesias Turrión © Direitos Reservados | All Rights Reserved

Pablo Iglesias Turrión
© Direitos Reservados | All Rights Reserved

PODEMOS – Espanha

O seu nome é uma homenagem ao pai do socialismo espanhol, Pablo Iglesias, e o secretário-geral do partido PODEMOS mostra-se determinado a não desiludir quem fez dele um símbolo dos Indignados, movimento iniciado em 2011, quando o país enfrentava um elevadíssimo desemprego e a Puerta del Sol, em Madrid, se tornou centro de revolta por uma política alternativa.

Tal como Tsipras, na Grécia, também Pablo Iglesias Turrión, de 36 anos, é temido como “um gajo perigoso que pode transformar a Espanha numa nova Venezuela” e, simultaneamente, admirado como “um tipo que quer construir um país decente”.

O diário britânico The Guardian, que o entrevistou, adianta que ele tem sido “comparado a Adolf Hitler e a Fidel Castro, chamado de freak e extremista, e criticado por justificar o terrorismo da ETA, ao dizer que a violência da organização [separatista basca] precisa de ‘explicações políticas’ para se poderem encontrar soluções democráticas”.

Os ataques verbais não perturbam o neto de Manuel Iglesias, condenado à morte pela ditadura de Franco (a sentença, sob a acusação de ser um “marxista ortodoxo”, foi comutada em prisão). “O PODEMOS deixa nervosos os que estão no poder”, disse o seu líder ao Guardian, numa alusão ao Partido Popular (PP). “É por isso que me insultam e difamam. É um sinal de que estão preocupados”.

Nascido na capital espanhola – onde o PODEMOS ascendeu a terceira força política –, Pablo Iglesias considera-se “uma pessoa normal” que passou a maior parte da vida como investigador e professor universitário. Militante na União das Juventudes Comunistas, dos 14 aos 21 anos, o seu percurso académico é impressionante: licenciado em Direito e doutorado em Ciência Política; mestre em Humanidades e em Arte e Comunicação.

Já era um conhecido politólogo, com programas de debate na TV, quando as eleições europeias, em Maio de 2014, o fizeram entrar no Parlamento em Estrasburgo. Registado em março, o PODEMOS, herdeiro dos Indignados, conquistou 1,2 milhões de votos e cinco lugares. Nas legislativas de novembro próximo, as sondagens admitem que possa ganhar 30 a 58 assentos no Congresso dos Deputados.

Num país abalado por escândalos de corrupção que afectam até a família real, o partido de Iglesias apresentou um programa anti-austeridade que inclui aumento do salário mínimo e redução da idade da reforma, fim dos paraísos fiscais e dos controlos fronteiriços na UE, nacionalização de bancos e outros organismos resgatados com dinheiros públicos. “Temos esperança, porque pensamos que estamos a contribuir para algo histórico – uma mudança política.”

Nigel Farage: Um eurocéptico convicto

Nigel Farage © Matt Cardy |Getty

Nigel Farage
© Matt Cardy |Getty

UKIP – Reino Unido

Antigo membro do Partido Conservador, Nigel Farage abandonou os Tories, em 1992, quando o então primeiro-ministro, John Major, assinou o Tratado de Maastricht. No ano seguinte, fundou o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP, sigla inglesa), que tem como um dos objectivos primordiais retirar o país da União Europeia.

“Suspeito que todos os partidos vão para as eleições de 2015 com a promessa de um referendo [sobre a permanência na UE], mas acredito e espero que, entrando o UKIP na Câmara dos Comuns com número razoável [de deputados], esse referendo se realizará.”, declarou Farage.

Farage, que é eurodeputado desde 1992, não perde a oportunidade para expor o quanto despreza a burocracia da UE. Em 2005, embaraçou Durão Barroso, quando convenceu 75 deputados a apoiar uma moção de desconfiança que o forçasse a justificar despesas com férias.

A Comissão Europeia recusou, invocando protecção da vida privada, mas o jornal alemão Die Welt revelou que o ex-primeiro-ministro português passou uma semana a bordo de um iate de Spiro Latsis – um mês depois de a empresa do armador bilionário ter recebido do Estado grego 10,3 milhões de euros. A ajuda foi aprovada por Romano Prodi, o antecessor de Barroso. Este compareceu no Parlamento mas a moção de Farage foi rejeitada.

Opositor assumido do “projecto do euro”, por considerar que não se adequa a uma união com economias fortes, como a da Alemanha, e fracas, como a da Grécia, Farage também desaprova os planos de resgate financeiro de países como Portugal.

“Pagar dívidas com dinheiro dos contribuintes significa que a próxima crise não afectará um país mas o próprio Banco Central Europeu.”

Só abandonando a UE, Farage poderá ativar outro ponto controverso do programa do UKIP: proibir que os imigrantes (há cerca de um a dois milhões de ilegais) no Reino Unido usufruam de quaisquer benefícios durante cinco anos. Este período permitirá “aperfeiçoar uma nova lei que resolva o desastre das políticas trabalhistas desde 1997”, disse.

“A maioria das pessoas que tem vindo para a Grã-Bretanha desde 2004 não tem sido de grande utilidade para a sociedade.”

Embora Farage tenha “encantando muitos eleitores”, segundo o Daily Mail, uma série de gaffes parece contribuir para uma descida do UKIP nas sondagens. O declínio beneficia os trabalhistas, de Ed Miliband, na oposição a David Cameron. Uma sondagem, no final de Dezembro, dava ao Labour uma vantagem de 7 pontos percentuais.

Quanto ao partido que se proclama “centrista”, mas é considerado “xenófobo, homofóbico e islamófobo”, enfrentou recentemente um escândalo sexual, “o absurdo de um activista [suspenso por ‘blasfémia’] comparar Farage a Jesus” e foi alvo de troça depois de um candidato parlamentar ter afirmado, em público, que o seu cavalo “foi violado por um burro homossexual”.

Jimmie Åkesson: Ultranacionalista contra a imigração

Mattias Karlsson (o ideólogo, à esq.) e Jimmie Åkesson (o líder)
© Tomas Oneborg | SvD | TT

Democratas Suecos – Suécia

Seis meses após o país ter ido às urnas, o primeiro-ministro Stefan Löfven foi obrigado a marcar novas eleições para Março de 2015, depois de o partido de extrema-direita Democratas Suecos, liderado por Jimmie Åkesson e por Mattias Karlsson (o ideólogo), ter contribuído para o chumbo do Orçamento de Estado.

É a primeira vez em meio século que isto acontece, e Löfven admitiu que os Democratas Suecos exerceram efectivamente “um poder de veto” ao quebrarem a tradição de se absterem, optando por alinharem com a oposição de centro-direita para travar “leis fundamentais” apresentadas pela coligação minoritária sociais-democratas/Verdes.

Para os Democratas Suecos, a terceira maior força política nacional, o escrutínio em Março será “um referendo de facto” à imigração, a que se opõem, e que atingiu níveis recorde com a chegada maciça de refugiados dos conflitos na Síria, Iraque e Somália. A Suécia aceita duas vezes mais refugiados per capita do que qualquer dos 34 Estados membros da OCDE.

Não obstante serem marginalizados no debate público, por políticos e media, em geral, que os categorizam como “supremacistas brancos e neonazis”, os Democratas Suecos obtiveram, em Setembro, 13% dos votos (o dobro face a 2010). Sondagens admitem que poderão subir até aos 18%. Åkesson garante que purgou a organização de todos os seus elementos extremistas, mas Löfven não teve dúvidas em acusá-los de serem “neofascistas”, citando os laços com os partidos Manter a Suécia Sueca e Resistência Ariana Branca.

Em Agosto de 2014, Åkesson – temporariamente substituído por Karlsson, por estar “exausto” – explicou a doutrina que o rege: “O islamismo [a ideologia; não o Islão, a religião] é o nazismo e o comunismo do nosso tempo, e deve ser tratado com o mesmo desprezo e uma resistência mais forte.”

Henrik Arnstad, investigador sobre o fascismo, vê na política dos Democratas Suecos “um ultranacionalismo que é incompatível com a democracia”.

Kristian Thulesen Dahl: O “patriota” que desconfia da UE

Kristian Thulesen Dahl
© Martin Stampe

Partido Popular Dinamarquês – Dinamarca

À semelhança do Reino Unido, outro país que nunca integrou a zona euro é a Dinamarca. Se as sondagens estiverem correctas, o Partido Popular Dinamarquês (PPD), extrema-direita comandada por Kristian Thulesen Dahl, poderá ser o mais votado (21,2%), nas eleições de Setembro de 2015. Para trás arriscam-se a ficar os sociais-democratas (19,8%), que lideram a atual coligação, e os liberais (20,9%), que chefiaram a anterior.

Tal como os Democratas Suecos, observou o semanário The Economist, o PPD nutre uma “profunda desconfiança em relação à União Europeia e aos imigrantes”; e tem “uma grande admiração por símbolos patrióticos”.

Mas tem apoiado informalmente vários governos de centro-direita. Graças a esta postura, ganhou “uma influência desproporcionada durante as negociações para o orçamento anual”, exigindo leis mais restritivas da imigração em troca do seu apoio. Talvez por isso, mesmo em crescendo de popularidade, “ser-lhe-á mais vantajoso manter-se na oposição” do que formar uma aliança de governo.

As condições para uma parceria, definidas por Dahl, deputado desde 1994 e líder do PPD a partir de 2012, são mais despesa pública, maior controlo da imigração, reintrodução do controlo de fronteiras e salvaguarda das cláusulas de exceção de que a Dinamarca beneficia no Tratado de Maastricht. Os liberais não parecem receptivos e as perspectivas de acordo mútuo parecem diminutas.

Neste cenário, analistas em Copenhaga não excluem que a primeira-ministra cessante, Helle Thorning-Schmidt, famosa por uma selfie com Barack Obama e François Hollande durante o funeral de Nelson Mandela, se mantenha no poder.

A “grande corrida” de Marine Le Pen

Marine Le Pen deixou de estar à sombra do pai, Jean-Marie
© Pierre-Olivier Callede | Gamma-Rapho | Getty

Frente nacional  – França

A França não terá legislativas em 2015, mas nas eleições departamentais (provinciais) de Março, a Frente Nacional poderá ser novamente o partido mais votado. E a sua líder, Marine Le Pen, ganha fôlego para as presidenciais em 2017, partindo como favorita.

Em 1952, dois franceses, Robert Schuman e Jean Monnet, foram os inspiradores da Comunidade Económica Europeia do Carvão e do Aço (CECA), que precedeu, primeiro, a CEE (1957) e, depois, a UE (1993). Mais de 60 anos depois, a presidente da Frente Nacional (FN), Marine Le Pen, defende que a pátria abandone “gradualmente” moeda comum, para “recuperar a soberania económica”. Esta saída seria “negociada em grupo”, e incluiria outros Estados membros, como Portugal, a Grécia, Itália e Espanha.

Uma sondagem do Instituto Odoxa, divulgada em Dezembro, indica que, nas eleições departamentais (provinciais) de 22 e 29 de Março de 2015, a FN poderá obter 28% dos votos, repetindo o triunfo de Maio de 2014, nas europeias, quando quadriplicou o score de 2009, ganhando quase 25%. Este ano, ficará à frente da UMP (25%) e dos socialistas (17%).

Dos 120 conselheiros locais, a extrema-direita subirá para 400, segundo os prognósticos. Para 2017, ano de presidenciais, Marine Le Pen é igualmente a favorita. Numa segunda volta, terá hipótese de derrotar o anterior chefe de Estado Nicolas Sarkozy, que quer voltar ao Palácio do Eliseu.

Uma profunda crise económica ajuda a explicar porque, segundo a sondagem Odoxa, “58% dos franceses consideram a FN um partido como os outros e alternativa de governo”. Num ano, segundo o diário espanhol El País, fecharam 63.322 empresas e 3,5 milhões de pessoas estão no desemprego. O crescimento do PIB terá sido de 0,4% em 2014 e, para 2015, prevê-se 1%.

Face a este declínio, a “filha do monstro” (a expressão é dela) Jean-Marie Le Pen, o fundador da FN, disse numa entrevista à Der Spiegel.: “Eu quero destruir a UE – não a Europa. Há um aumento de hostilidade entre países. Os alemães são denegridos como cruéis, os gregos como fraudulentos e os franceses como preguiçosos. Isto não é uma irmandade.”

“Acredito numa Europa de Estados-nações, mas não quero esta União Soviética Europeia”, acrescentou a assumida admiradora de Vladimir Putin. Informações recentes indicam que um banco russo emprestou à FN cerca de 40 milhões de euros. Marine Le Pen confirmou apenas que pediu e recebeu nove milhões.

A militante que aderiu à FN em 1986 e sucedeu ao pai em 2011 não defende apenas que a França abandone o euro, “criado pela Alemanha para a Alemanha”. Vai mais longe, ao advogar o fim de “velhas instituições”, como a NATO, “que não faz sentido num mundo multipolar”, e o Fundo Monetário Internacional. O FMI, dirigido pela francesa Christine Lagarde, “é uma máquina infernal ao serviço da ideologia ultraliberal” – e Marine Le Pen recusa soluções como privatizações de empresas públicas.

Embora procure, em algumas áreas, distanciar-se do pai, condenado por “discursos de ódio e anti-semitismo”, a mulher que, segundo o New Statesman, transformou a FN de “partido pária em força do sistema”, continua fiel a Jean-Marie no que toca à imigração. A ênfase é agora no “Islão radical” e já não na raça.

A “burguesa de Paris”, onde nasceu em 1968, pretende a abolição da lei que regulariza a situação dos imigrantes ilegais e confere, designadamente, ajuda médica gratuita. O melhor remédio “é deportar para os países de origem todos os que entrarem clandestinamente no país.”

A FN anseia ainda pela reforma da lei da nacionalidade, visando o fim da dupla cidadania, “um dos principais fermentos da quebra da coesão republicana”. No que toca ao emprego, à habitação e à segurança social, o lema da “Margaret Thatcher francesa” (diz o pai) e “um dos cem maiores pensadores mundiais” (classificação da revista Foreign Policy) é: “Os franceses primeiro!”

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Este artigo foi publicado originalmente numa edição especial da revista VISÃO, em 1 de Janeiro de 2015 | This article was originally published in a special edition of the Portuguese news magazine VISÃO, January 1, 2015

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