No ano em que o Muro de Berlim caiu, estavam no poder Helmut Kohl, em Bona, Mikhail Gorbatchov, em Moscovo e George H. W. Bush em Washington. O que os distingue de Angela Merkel, Vladimir Putin e Barack Obama? Fizemos estas perguntas, via Facebook, ao economista político Dwayne Woods, professor na Universidade de Purdue (Indiana, EUA) e investigador interessado na Europa Ocidental, um dos coordenadores do livro The Many Faces of Populism: Current Perspectives. Estas são as suas (divertidas) respostas. (Ler mais | Read more…)

Angela Merkel e Helmut Kohl: ele foi o chanceler da unificação alemã e ela sua discípula até tomar o lugar do mentor
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Até que ponto teria sido possível a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética se, em 1989, na chancelaria em Bona estivesse Angela Merkel em vez de Helmut Kohl? E como é que o percurso de vida, na antiga RDA, da actual chefe do Governo alemão molda as políticas que ela segue em relação a países da UE, como Portugal?
Angela Merkel formou-se em Física, por isso, em seu entender, tudo deve ser claro e exacto. A física tem leis e a política tem regras. Assim que são definidas, as regras têm de ser obedecidas, segundo Merkel. Kohl era mais intuitivo e flexível.
Não fazia dieta e era um bon vivant. Apreciava um grand buffet. Aceitava tudo desde que comessem como ele – e com ele. Merkel diz a Portugal, à Espanha e à Grécia que regras são regras – mesmo que sejam dolorosas.
Seria possível uma relação privilegiada entre Merkel e Mikhail Gorbatchov como a que Kohl estabeleceu com o líder soviético? E a reacção de Kohl face à posição agressiva da Rússia na Ucrânia seria igual à de Merkel?
Merkel manteria uma relação cordial, mas não calorosa, com Gorbatchov. Quanto à agressão da Rússia na Ucrânia, Kohl teria telefonado a [Vladimir] Putin e dito: ‘Meu amigo, tens de acabar com este disparate.’ Merkel telefonou a Putin e disse-lhe, no seu sotaque da Alemanha de Leste: ‘Herr Putin, não quebre as regras.’ Putin [que foi espião do KGB em Dresden] respondeu-lhe, com o seu sotaque da Alemanha de Leste: ‘Sou eu que faço as regras!’
Os acontecimentos na URSS e na Europa de Leste em 1989 teriam sido possíveis se Putin, e não Gorbatchov, estivesse no poder em Moscovo naquele ano?
Se Putin governasse teria sido o desmancha-prazeres que Gorbatchov não foi. Talvez ele tivesse planeado um golpe militar contra si próprio como pretexto para retomar o poder e invadir a Europa de Leste. Putin alegaria, provavelmente, que o queda da União Soviética era uma conspiração pactuada num restaurante McDonald em Berlim Ocidental. Putin deixaria bem claro aos comunistas que não poderiam engolir este ‘big Mac’.

Mikhail Gorbatchov (esq.) e Vladimir Putin durante um encontro em São Petersburgo, em 1994: dois discípulos do chefe comunista Iuri Andropov
Será que, na perspectiva de Putin, [a praça de] Maidan em Kiev – centro da revolta pró-europeia contra Moscovo na Ucrânia – representa hoje o que a Alemanha foi em 1989? Estará ele a igualar a anexação da Crimeia à unificação alemã? Como é que Kohl teria reagido a este desafio, em comparação com a atitude de Merkel?
Para Putin, a Ucrânia é parte da eterna mátria Rússia. Se ele não a pode ter por completo aceitará ter apenas a metade oriental. Se Kohl estivesse agora no poder, teria dito a Putin: ‘Quebrar as regras é uma coisa, mas acabar com uma amizade de bon vivant é inaceitável.’
Kohl teria mobilizado uma frente unida contra a agressão levada a cabo por Putin. Sendo originário da Renânia, Kohl teria convocado uma cimeira de Estados europeus para adoptar medidas duras contra a Rússia. Depois, abriria várias garrafas de um fino [vinho alemão] Riesling, proclamando: ‘É preciso beber a uma boa crise.’
Num recente artigo na revista Commentary, Jonathan S. Tobin diz que, à semelhança de George H. W. Bush face às revoluções de 1989 na Europa de Leste, também Barak Obama está a reagir como se estivesse “perdido” e fosse um “opositor” dos movimentos pró-reformas no Médio Oriente. Concorda?
Tal como todos os advogados “’mal’ formados, Obama é cauteloso e realista. E, tal como os advogados que não exercem a profissão, ele esquece-se de que esperar que os acontecimentos ocorram não é equivalente a ficar inerte durante biliões de horas.
Obama continua, apesar de tudo, a preferir esperar que as coisas aconteçam antes de tomar uma decisão sobre o que irá fazer.
Depois, se as coisas acontecerem, ele decide então que já não tem alternativa. G. H.W. Bush era um homem de acção e princípios. Afinal, foi director da CIA, durante um ano. Na sua visão do mundo, não havia acontecimento que não pudesse ser resolvido com um pouco de pancadaria.

Barack Obama e George H. W. Bush, em 2011, na Casa Branca: o 44º Presidente dos EUA é muito mais prudente na sua política externa do que o 41ª, talvez por este ter sido director da CIA
© Pete Souza
No que diz respeito ao Médio Oriente, um ano após a queda do Muro de Berlim e na sequência da invasão iraquiana do Kuwait, em 1990, G.H.W. Bush não hesitou em formar uma coligação contra Saddam Hussein. Em 1991, ameaçou congelar a ajuda financeira a Israel, se o primeiro-ministro Yitzhak Shamir não suspendesse a construção dos colonatos e participasse na Conferência de Paz de Madrid. Como imagina que teria sido a reacção de Obama?
Em 1989, Obama teria pacientemente formado uma coligação anti-Saddam como fez G.H.W. Bush. Teria invadido [o Iraque] e evitaria entrar em Bagdad [como fez Bush pai]. Não teria pressionado Shamir para ele estar presente na Conferência de Madrid.
Diria, depois, que ambas as partes [Israel e os Árabes] agem de má fé, e a conferencia teria fracassado. G.H.W. Bush acreditava que o poder da América podia forçar Israel a fazer concessões.
Obama acredita que o peso de Israel na política americana obrigaria os EUA a recuar. Para evitar perder a face, seria passivo-agressivo.
Para terminar, como avalia as relações Obama-Merkel e Obama-Putin?
A relação de Merkel com Obama é como a relação dela com o marido. Tudo está bem desde que ele se mantenha distante.
Assim que soube que Obama ouvia as conversas dela [alusão ao escândalo envolvendo as escutas de aliados europeus pela National Security Agency nos EUA], Merkel trancou a porta.
Agora, se bater à porta e disser que é Obama, ela responde-lhe: ‘Estou ocupada.’ Até recentemente, o facto de Putin quebrar as regras irritava Merkel, mas ele continua a comprar mercadoria alemã. E ela prefere alguém com sotaque da Alemanha de Leste a quebrar as regras do que um bisbilhoteiro que não fala alemão.”
Este artigo, com um título diferente, foi originalmente publicado na revista SÁBADO, em 25 de Outubro de 2014 | This article, under a different headline, was originally published in the Portuguese news magazine SÁBADO, on October 25, 2014