Quase um mês depois da invasão da Faixa de Gaza, com mais de 1300 mortos contados até agora, uma israelita que perdeu a filha de 13 anos num atentado suicida palestiniano e um palestiniano a quem o Exército israelita matou o irmão denunciam a indiferença de europeus e americanos, “cúmplices dos crimes da ocupação”. (Ler mais | Read more…)

Shayma al-Masri, 4 anos, ferida por um ataque aéreo israelita na Faixa de Gaza que matou a sua mãe e dois dos seus irmãos
© Ashraf Amra | APA images
Cursed is he who says ‘Revenge!’
Vengeance for the blood of a small child
Satan has not yet created
Haim Nahman Bialik (1873-1934), “o maior poeta judeu dos tempos modernos”, escreveu estas linhas em Al ha-Shehitah (“On the Slaughter”, 1903) depois de dois pogroms em Kishinev, na Bessarábia, antiga província do Império Russo; actual Quichinau, capital da Moldávia.
Neste livro, o escritor que influenciou “o poeta nacional palestiniano” Mahmoud Darwish clama por “justiça dos céus” ou, à falta dela, pela “destruição do mundo”.
“Não ocorreu a Bialik, há um século, que a criança pudesse ser palestiniana de Gaza e que os seus assassinos fossem soldados judeus”, disse Nurit Peled-Elhanan quando, em 2008, Israel invadia o território onde, a 8 de Julho, lançou uma nova ofensiva.
A Operação Escudo Protector já causou, entre os palestinianos, mais de 1300 mortos (75% dos quais civis), um número superior a 7000 feridos e cerca de 250 mil deslocados internos, segundo dados da ONU. Entre os israelitas, estão confirmadas as mortes de 56 soldados, em combate, e três civis, na sequência de rockets lançados pelo movimento islâmico Hamas.
[No dia 1 de Agosto, o Hamas terá capturado um oficial israelita identificado como Hadar Goldin, 23 anos, de cidadania britânica e familiar do ministro da Defesa, Moshe Ya’alon. No dia 2, depois de uma apelo público da família para que o Exército não se retirasse de Gaza sem trazer Goldin de volta a casa, Israel anunciou, oficialmente, que o soldado não fora capturado mas morreu em combate.]
Não tem medo das palavras a Prémio Sakharov para os Direitos Humanos 2001, em conjunto com o académico palestiniano Izzat Ghazzawi (1951-2003).
O que se passa em Gaza é um “holocausto”, um “genocídio”, um conjunto de “massacres” e de “pogroms”, afirma Nurit Peled-Elhanan, numa entrevista, por telefone, a partir de Jerusalém, onde vive e é professora na Universidade Hebraica.
Na noite anterior, pelo menos 15 palestinianos, a maioria crianças e mulheres que ainda dormiam, foram mortos e mais de 100 feridos numa escola gerida pelas Nações Unidas, no campo de refugiados de Jabaliya.

Uma criança sentada nas ruínas da sua casa arrasada pela aviação israelita em Beit Hanoun, um bairro da Faixa de Gaza, em 12 Agosto de 2014
© Siegfried Modola | Reuters
O edifício foi atingido por cinco obuses da artilharia israelita durante um intenso bombardeamento. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, qualificou o ataque de “ultrajante e injustificável”, exigindo “responsabilização e justiça”.
Nesta escola para meninas estavam abrigadas mais de 3000 pessoas, que seguiram o conselho dos militares israelitas para abandonarem as suas casas.
“Crianças mortas durante o sono é uma afronta a todos nós, fonte de vergonha universal”, acusou Pierre Krähenbühl, comissário-geral da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (UNRWA), descrevendo o bombardeamento como “uma grave violação da lei internacional”.
Mais emocionado se mostrou Chris Hunness, porta-voz da organização, que não conseguiu conter as lágrimas durante uma entrevista dada à cadeia de televisão Al Jazeera. Para o diário britânico The Guardian, o vídeo, partilhado por milhões de pessoas, tornou-se numa das “imagens mais memoráveis da guerra”.
“As minhas lágrimas são insignificantes quando comparadas com as das pessoas em Gaza cujo sofrimento é intolerável”, explicou Hunness, antigo correspondente da BBC que já testemunhou três guerras no minúsculo território onde 1,8 milhões de palestinianos habitavam 360 km2 – área entretanto reduzida em 40 por cento pelos actuais bombardeamentos.
“Chegámos a um ponto de uma tragédia tão profunda que as lágrimas se tornaram mais eloquentes dos que as palavras.”
A porta-voz das Forças de Defesa de Israel (conhecidas pela sigla inglesa IDF) informou que “o incidente [em Jabaliya – o campo de refugiados onde em 1987 despontou a primeira Intifada] está a ser investigado”. As primeiras informações, referiu, dão conta de que “militantes do Hamas dispararam morteiros nos arredores da escola e que os soldados responderam na direcção da origem do tiroteio.”
Desumanização dos palestinianos

As irmãs palestinianas Mariam Attar (centro à dir.) e Sada Attar (centro à esq.) refugiaram-se com os filhos numa escola para meninos sob administração da UNRWA, depois de forçadas, por tropas israelitas, a abandonar as suas casas na Faixa de Gaza
© Associated Press
Voltemos agora a Nurit Peled-Elhanan, autora de Palestine in Israeli School Books: Ideology and Propaganda in Education, análise semiótica e linguística de mais de 20 livros de História e Geografia publicados entre 1994 e 2010 e usados quer em escolas públicas como religiosas em Israel.
“A insensibilidade para com o que estamos a assistir em Gaza é, em grande medida, resultado de manuais escolares que desumanizam os palestinianos”, disse Nurit, comentando uma sondagem segundo a qual mais de 85% dos israelitas são hostis a um cessar-fogo.
“A sociedade israelita habituou-se a ver as crianças palestinianas como futuros terroristas. Os israelitas pensam que são um povo com moralidade superior, e se há um massacre acham que foi por uma boa causa. Acreditam que se os militares matam é porque foram obrigados a isso. É assim que se consolam a si próprios.”
Durante a sua investigação, Nurit verificou que os habitantes dos territórios ocupados são apresentados, em mapas, como “trabalhadores estrangeiros”, não como palestinianos.
“Este método, segundo o qual a terra é adquirida enquanto os seus cidadãos e a sua existência são ignorados, designa-se por ‘silêncio’ toponímico”, explicou a professora de Linguagem da Educação, num artigo que escreveu para o diário hebraico Ha’aretz.
Livros de escolas estatais “justificam a ocupação com versículos bíblicos (…): ‘Eu definirei as tuas fronteiras dos desertos até ao Líbano, do rio (Eufrates) até ao Mar Ocidental (Livro do Deuteronómio 11:24). (…) Os refugiados palestinianos são gente que quer entrar em Israel e não os que querem regressar à sua pátria; os palestinianos de cidadania israelita são o inimigo interno, ameaça demográfica e minoria inferior à maioria judaica – individual, social e economicamente.”
“As únicas fotografias de palestinianos mostram refugiados descalços numa estrada não identificada. O Livro de Geografia do Eretz [Grande] Israel exibe a caricatura de um homem de bigode, usando um kaffiyeh, a montar um camelo, geralmente acompanhado por uma mulher submissa e muitos filhos. (…) É assim que os estudantes judeus vêem os seus vizinhos árabes e palestinianos, incluindo os compatriotas israelitas.”
Nurit Peled-Elhanan constatou ainda que, nos livros escolares, os massacres cometidos pelas IDF ou pelas antigas milícias que precederam a fundação do Estado – Haganah, Irgun e Lehi (as duas últimas dirigidas por futuros primeiros-ministros, Menachem Begin e Yitzhak Shamir) – são descritos como “acções”, “campanhas”, “histórias”, “batalhas” e/ou “actos punitivos”.
“Os massacres na aldeia de Deir Yassin, em 1948, um dos detonadores do grande êxodo palestiniano; na aldeia de Kafr Qasim, em 1956; e na aldeia jordana de Qibya, arrasada totalmente sob comando de outro futuro chefe do Governo, Ariel Sharon, em 1953, são justificados como “necessários para obter resultados positivos”.
Os túneis do medo

Menina palestiniana com o crânio e o nariz fracturado na sequência de um ataque israelita. A reportagem que o jornalista Jon Snow da cadeia de televisão britânica Channel 4 fez com esta criança tornou-se mais um dos símbolos desta “guerra”
“Não há uma educação para a paz mas sim para o ódio em Israel”, observou a filha do general Mattityahu “Matti” Peled (1923-1995), um dos primeiros responsáveis militares a reconhecer “a necessidade de uma solução de dois Estados”.
Sobre os livros escolares palestinianos, diz-me Nurit: “Não é Israel que é apresentado como inimigo mas sim a ideologia do Sionismo, considerada a continuação do colonialismo europeu.”
Essa visão, notou a sabra Nurit (nascida em Israel, em 1949), é reforçada pela imagem que o Estado projecta de si próprio.
“Não se considera parte do Médio Oriente mas sim um país ocidental. A nossa educação é europeia. Os judeus de países árabes [como Marrocos, Iraque ou Iémen] e muçulmanos [como o Irão] são discriminados. Pior ainda estão os judeus etíopes, tratados como escravos.”
Para Nurit, a ofensiva em Gaza e o maciço apoio popular ao Governo de Netanyahu são “uma “derrota pessoal”. Ela que perdeu uma filha, Smadar, de 13 anos, num atentado suicida palestiniano em Jerusalém, em 1997, mas recusou vingar-se, sendo hoje uma das personalidades mais influentes na associação de famílias enlutadas (israelitas e palestinianas) Parents Circle-Family Forum (PCFF).
Ela que tem dois filhos no grupo de ex-guerrilheiros e antigos soldados Combatents for Peace, lamentou “não ter estado mais alerta”.
“Devíamos ter feito mais alguma coisa antes – talvez uma revolução, mas não fizemos ou não sabíamos o que fazer”, lastimou-se Nurit, confessando que, “para poder viver”, pensa muitas vezes em abandonar Israel.
“Os quase 90% de israelitas que agora apoiam Netanyahu têm medo dos túneis do Hamas. Quando as pessoas pensam que vão morrer não lhes interessa mais nada, mesmo que haja um fosso social que se aprofunda. Ninguém imaginava que os kibbutzim estivessem ao alcance dos túneis [usados pelos combatentes do Hamas para acções de guerrilha, supostamente visando soldados e não civis].”

Seraj ismail Abdel Al, 5 anos, ligeiramente ferido num ataque nocturno israelita, inspecciona os danos causados a vários edifícios na Faixa de Gaza, em 2 Agosto de 2014
© Lefteris Pitarakis | AP
“As pessoas só tinham conhecimento dos túneis de contrabando na fronteira com o Egipto [a sul, embora o Governo e o Exército soubessem da existência dos que foram escavados a leste, porque um deles serviu, em 2006, para raptar o soldado Gilad Shalit]”, acrescentou Nurit.
“As pessoas estão assustadas e reagem ao pânico, mas eu acho que estes 90% mudarão de opinião em dois minutos se houver perspectivas de paz. O nosso problema é este regime, de corruptos e criminosos, que age como uma máfia.”
“Não fizemos o suficiente para o destituir. Agora, o seu objectivo é exterminar os árabes; conquistar mais e mais terras para os judeus; ter menos e menos e menos palestinianos.”
Aziz Abu Sarah, um palestiniano que perdeu o irmão mais velho na primeira Intifada (1987-1994) em resultado da tortura a que foi submetido numa prisão militar, também faz parte do PCFF.
Rami Elhanan, o marido de Nurit, chama-lhe “meu irmão” e ambos se consideram “melhores amigos”, mas Aziz não considera que o imenso apoio popular em Israel à ofensiva na Faixa de Gaza seja uma derrota pessoal.
“As pessoas, a nível global, tendem a apoiar os seus governos no início de qualquer guerra”, disse ao Rede Angola, numa entrevista por e-mail, a partir de Washington, onde dirige, em conjunto com o rabi Marc Gopin, o Centro de Resolução de Conflitos da Universidade George Mason – o mais antigo no mundo.
“Tal como aconteceu com os americanos na guerra do Iraque, na guerra do Afeganistão, [os israelitas] são muitas vezes desinformados pelos media ou, em certa medida, influenciados mentalmente pela propaganda”, explicou Aziz.
“Neste caso, foi dito que os líderes do Hamas ordenaram o rapto e morte de três jovens na Cisjordânia (o chefe da Polícia em Jerusalém esclareceu, entretanto, que o Hamas não ordenou o sequestro). Os israelitas desconhecem que centenas de palestinianos foram presos antes do ataque a Gaza.”
“Os israelitas não sabem que o seu Governo violou o acordo com o Hamas no que diz respeito à libertação de prisioneiros [voltou a prendê-los em rusgas na Cisjordânia]. Por isso, não me surpreende que os israelitas estejam a apoiar a actual ofensiva em Gaza. Eles só vêem parte da história porque só lhes deram a narrativa que apoia a guerra.”
Os mitos do conflito

Um rapazinho palestiniano descansa sobre um colchão nas ruínas da sua casa, destruída durante um bombardeamento israelita na Faixa de Gaza
© Ezz Zanoun | APA images
São vários os “mitos” sobre Gaza, os palestinianos e o Hamas. Num artigo publicado pelo site +972 Mag, Aziz e o rabi Marc Gopin tentam responder a uma pergunta que muitos têm colocado: “Haverá paz se os palestinianos depuserem as armas?”
A resistência pacífica “é um passo positivo para a paz, mas não é suficiente para acabar com este conflito”, concluem os autores. Porque há “duas falsas assunções”: a primeira é a de que “o único impedimento à paz é a violência palestiniana” e a segunda é a de que “os israelitas são pacifistas.”
O argumento em relação à violência “é uma táctica barata para fomentar o medo”, salientaram Aziz e Gopin. “Demoniza os palestinianos e iguala-os aos nazis. (…) Os palestinianos na Cisjordânia depuseram, efectivamente, as armas.”
“Mais: usam as armas para proteger Israel. A Organização de Libertação da Palestina, OLP, reconheceu Israel. O presidente [da Autoridade Palestiniana] Mahmoud Abbas declarou o fim da luta armada e opõe-se aos rockets, à resistência armada e a qualquer tipo de combate contra Israel.”
“A Polícia palestiniana tem instruções para prender todos os que estejam a planear ataques contra Israel. Há nove anos que faz isto, desde que Abbas assumiu o poder. Segundos responsáveis pela segurança de Israel, Abbas conseguiu evitar vários ataques suicidas.”
“Abbas tem apostado na construção das infra-estruturas de um Estado palestiniano. Esforçou-se por assinar um acordo negociado com Israel (…), mas até agora falhou a missão. Por isso, o argumento de que quando os palestinianos depõem as armas a paz prevalecerá está longe da verdade e ignora as raízes da ocupação: um conflito territorial, disputa de recursos de água e falta de vontade política.”

Junho de 2015: Obras para recuperar a casa da família, na Cidade de Gaza, depois da ofensiva militar israelita no ano anterior
© Associated Press
“Uma maioria dos palestinianos apoiou o processo de paz e a candidatura apresentada por Abbas à ONU para que a Palestina seja um Estado nas fronteiras [definidas pela guerra] de 1967, oferecendo a Israel 78% das terras que eles consideram a sua pátria”, lembraram Aziz e Gopin.
“A ironia é que o Hamas usa um conceito semelhante aos argumentos de Israel: que o reconhecimento de Israel por parte da OLP e a renúncia à luta armada não conseguiram nada; que a OLP depôs as armas e ainda não há paz. O Hamas alega que a sua confrontação violenta com Israel em 2012 obteve mais em troca do que as negociações e a diplomacia da OLP.”
“O Hamas consegue actualmente obter apoio porque Abbas não obteve a paz nas negociações com Israel.” “Os palestinianos sabem que não têm possibilidade de vencer uma luta armada”, notaram Aziz e Gopin.
“Também sabem que é improvável um acordo através de negociações (pelo menos não com este governo israelita). Até iniciativas não violentas como o movimento BDS [Boicote, Desinvestimento e Sanções] e protestos semanais nas aldeias contra o muro na Cisjordânia são rapidamente condenados como anti-semitas.”
“É absurdo que os palestinianos tenham de perguntar a Israel: ‘Que tipo de protesto é que acham aceitável e não anti-semita?’ Muitos palestinianos sentem que o mundo não quer ver o seu sofrimento e aspirações de liberdade.”
Sobre outros mitos, no que diz respeito à retirada unilateral de Gaza ordenada por Sharon, em 2005, e como o Hamas consolidou o seu poder, em 2007, ver o que escreveram o analista político americano-israelita Peter Beinart; Mehdi Hasan e Noura Erakat.
A doutrina de Netanyahu

Uma menina palestiniana em Gaza tenta recuperar os seus livros depois de um ataque israelita que deixou em ruínas a habitação da família. Esta composição de fotografias foi partilhada por milhares de pessoas nas redes sociais
Aziz Abu Sarah é um assumido idealista, mas Rashid Khalidi, professor de Estudos Árabes na Universidade de Columbia, director do Journal of Palestine Studies e antigo consultor nas negociações israelo-palestinianas em 1991-93, há muito que deixou de acreditar na solução de dois Estados.
E se ainda tinha dúvidas, o primeiro-ministro Netanyahu deixou bem claro, para quem o quis ouvir, qual é o seu plano para a Cisjordânia.
“Três dias depois de ter lançado a actual guerra em Gaza, Netanyahu deu uma conferência de imprensa, em Telavive, durante a qual disse, em hebraico: ‘Penso que o povo israelita compreende agora o que sempre afirmei, que não pode haver uma situação, em nenhum acordo, que nos faça abdicar do controlo de segurança a ocidente do rio Jordão’”, escreveu Khalidi, na revista The New Yorker, citando o jornal The Times of Israel.
“Vale a pena ouvir atentamente Netanyahu quando ele fala ao povo israelita. O que se passa hoje na Palestina não tem a ver, na realidade, com o Hamas. Não tem a ver com os rockets. Não tem a ver com os ‘escudos humanos’, terrorismo ou túneis. Tem a ver com o controlo permanente de Israel sobre a terra e as vidas palestinianas.”
“É isso que Netanyahu diz, e é isso que ele agora admite que ‘sempre’ disse. Trata-se de uma política israelita imutável desde há décadas de negar à Palestina a autodeterminação, a liberdade e a soberania.”
“Como indicam as palavras de Netanyahu, Israel só aceitará um ‘estado’ palestiniano que seja privado de todos os atributos de um verdadeiro Estado: controlo sobre a sua segurança, fronteiras, espaço aéreo, limites marítimos, contiguidade e, portanto, soberania”, comentou Khalidi.
“A charada do ‘processo de paz’ que durante há 23 anos mostra que isto é o que Israel oferece, com a aprovação plena de Washington. Sempre que os palestinianos resistem a este destino patético (como qualquer outra nação faria), Israel castiga-os pela sua insolência. Não é uma novidade.”
“A paz foi conseguida na Irlanda do Norte e na África do Sul porque os Estados Unidos e o mundo compreenderam que tinham de pressionar a parte mais forte, responsabilizando-a e acabando com a sua impunidade”, adiantou Khalidi, autor de vários livros, o mais recente dos quais Brokers of Deceit: How the US has undermined peace in the Middle East.

Jovens no bairro de Shejaia, na Cidade de Gaza, visitam as ruínas da sua casa, bombardeada durante a Operação Escudo Protector em 2014
© Associated Press | SIPA
“A Irlanda do Norte e a África do Sul não são exemplos perfeitos mas vale a pena recordar que, para ter uma solução justa, foi necessário que os EUA lidassem com grupos como o Exército Republicano Irlandês [IRA] e o Congresso Nacional Africano [ANC], envolvidos em actos de guerrilha e até de terrorismo. Foi a única maneira de seguir uma via em direcção a uma paz verdadeira e à reconciliação. “
“O caso da Palestina não é diferente, nos seus fundamentos. [Mas aqui], os EUA colocam premem a balança a favor da parte mais forte. Nesta visão distorcida do mundo até parece que os israelitas é que são ocupados pelos palestinianos e não o contrário.”
“Neste universo desvirtuado, os reclusos de uma prisão ao ar livre estão a cercar uma potência com armas nucleares e com um dos exércitos mais sofisticados no mundo. (…) Os EUA têm de alterar esta sua política ou abandonar o clamor de que são um ‘mediador honesto’”.
Aziz Abu Sarah não acredita que a actual Administração nos EUA possa vir a seguir o exemplo da de George H. W. Bush que, em 1991, ameaçou congelar a ajuda militar a Israel (que hoje totaliza cerca de 3.000 milhões de dólares/ano) se Yitzhak Shamir não suspendesse a colonização judaica dos territórios ocupados.
“O que parece é que cada vez mais interessa a Barack Obama envolver-se menos no conflito israelo-palestiniano. John Kerry [o secretário de Estado] é criticado cada vez que o faz”, disse o activista. “E não esqueçamos que Obama aumentou significativamente a assistência a Israel, tendo concedido, há poucos dias, mais 350 milhões de dólares para apoiar o sistema [de intercepção de rockets] Iron Dome.”
A “cumplicidade” da Europa…

No Hospital Kamal Adwa, em Beit Lahiya, no norte de Faixa de Gaza, uma palestiniana chora a morte de familiares mortos num ataque israelita a uma escola das Nações Unidas, no campo de refugiados de Jabalaiya, em 30 Julho de 2014
© Khalil Hamra | AP
Inquirido sobre a celeridade com que a União Europeia e Washington impuseram sanções a Moscovo depois da queda de um avião malaio, alegadamente, abatido por separatistas pró-russos na Ucrânia, em contraste com a recusa em penalizar Israel pela carnificina em Gaza, Aziz respondeu: “A UE e os EUA têm sido indiferentes em relação a países onde não têm interesses estratégicos.”
“A Síria [em guerra civil desde 2011] tem poucos recursos e os palestinianos nenhum. Não são prioridade para ninguém. A Ucrânia, pelo contrário, está situada numa área estratégica no que respeita à Rússia e, portanto, a Europa tem aqui muitos interesses. No final, tudo se resume a uma questão política”.
Na comunidade internacional, os protestos mais veementes têm sido os de países da América Latina – paradoxalmente uma das regiões para onde Israel vende mais armas –, como o Brasil, o Chile, a Argentina, o Equador, o Peru e a Venezuela, que chamaram os seus embaixadores em Telavive para consultas. Excepções foram o México e a Colômbia.
A Palestina tornou-se, segundo Aziz Abu Sarah, “uma nova Síria”, onde actores externos influenciam a situação política e de segurança “para seu próprio benefício”.
É o caso do Egipto presidido pelo general Abdel Fattah el-Sisi, que quer ver esmagado o Hamas, ramo da Irmandade Muçulmana afastada do poder no Cairo, e se aliou a Israel e à Arábia Saudita. Do outro lado, estão o Qatar e a Turquia, rivais de sauditas e egípcios, financiadores do Hamas, competindo pelo domínio regional. Para a professora
Nurit Peled-Elhanan, “há muita gente a beneficiar com esta guerra – até Israel beneficia porque no final dos combates pode vender as armas usadas aos tiranos no resto do mundo. Todos os países europeus têm interesse em vender mais e mais armas a Israel.”
“Os países europeus estão a colaborar com os crimes em Gaza e, por isso, são eles próprios criminosos. Na revolta do gueto de Varsóvia [há 70 anos], todos ficaram em silêncio. Agora, em relação aos palestinianos, todos continuam em silêncio.”
Sobre vendas de armas ler aqui, aqui , aqui, aqui: e aqui: .
… e o crescendo de anti-semitismo

4 Maio de 2015, Faixa de Gaza: Um homem e uma criança passam por casas destruídas durante os 50 dias que durou a ofensiva militar israelita no verão de 2014
© Mohammed Salem | Reuters
O conselho de Nurit é o de “dar mais força ao movimento BDS para que possa levar Israel a julgamento no Tribunal Criminal Internacional [TCI]”.
É preciso “lidar com esta situação em termos criminosos e não políticos, tal como aconteceu com Milosevic, na Sérvia, ou com Marcus, nas Filipinas”.
Mas como agir desse modo quando, no Conselho dos Direitos Humanos da ONU, os Estados Unidos foram os únicos a vetar – enquanto a Alemanha, a França e o Reino Unido se abstiveram – uma proposta para investigar eventuais crimes de guerra em Gaza?
“Toda a gente pode fazer isso”, assegurou Nurit, que ajudou a criar o Tribunal Popular Internacional Russel, em 2009, para avaliar “o papel e cumplicidade de terceiras partes, como governos, instituições e empresas, na violação da lei internacional” contra os palestinianos.
“Um advogado francês [Gilles Devers] acabou de o fazer, ao apresentar uma queixa junto do TCI acusando Israel de crimes de guerra.”
“Não existe esquerda em Israel”, admite Nurit. “Somos apenas alguns milhares a apoiar o BDS – é o que temos. Plantamos uma semente e temos de esperar até colher os frutos. O que podemos fazer é criar uma espécie de clube de pessoas que partilham as mesmas ideias, para continuar a protestar, a escrever, a falar. Nada mais podemos fazer, por enquanto, para parar este holocausto em Gaza ou a catástrofe em Israel. “
Perguntamos se “holocausto” não é uma palavra “demasiado pesada” para ser usada. “Não é preciso estabelecer paralelos [com a Shoah], é apenas uma palavra, ‘holocausto’”, contrapôs Nurit. “Em Gaza está a ser cometido um genocídio, e um genocídio é um genocídio, cada um com suas características.”
E esta banalização de termos não estará a contribuir para o alegado aumento de anti-semitismo na Europa, em particular em França, onde sinagogas foram atacadas e de onde surgem informações de que famílias judias estão a abandonar o país?
Nurit não pede desculpa pela sua opinião: “Israel está a fazer de propósito ao igualar judeus a israelitas, e os judeus que sentem ter de ser leais a Israel caem nesta armadilha.”
“Os judeus têm de compreender que há muito pouco Judaísmo no massacre de palestinianos e na ocupação. Devem criticar isto ou arriscam-se a sofrer a ira dirigida contra Israel.”
Aziz Abu Sarah, que a National Geographic nomeou Explorer Leader, como recompensa por ter ajudado a fundar uma agência de viagens (Mejdi Tours) com guias turísticos que apresentam aos visitantes as diferentes narrativas israelita e palestiniana, está revoltado: “A Palestina é e tem uma causa justa. Atacar os judeus na Europa em nome dos palestinianos é poluir a nossa luta pela liberdade.”
“Ninguém deve usar a violência contra outras pessoas fora da região em nosso nome. Os que realmente apoiam os palestinianos devem mostrar o seu activismo e fazer com que as suas vozes sejam ouvidas – mas nunca recorrendo à violência.”
O “regime” e a esquerda

Uma pai e uma filha aproveitam uma trégua de 72 horas para ver o que resta da sua casa em Beit Hanun, na Faixa da Gaza, em Agosto de 2014
© Marco Longari
Nurit Peled-Elhanan é implacável na avaliação do que ela chama o regime. “A sociedade está cada vez mais racista porque há mais apoio e fundos oficiais para que a extrema-direita aumente as ameaças, sem castigo”, lamentou.
Mas o que pode a enfraquecida esquerda fazer? Nem vozes influentes, como a do escritor David Grossman, parecem comover os israelitas que, em 1995, choraram o assassínio de Yitzhak Rabin cometido por um judeu extremista incapaz de aceitar o reconhecimento da OLP, de Yasser Arafat.
Escreveu Grossman, “o profeta secular”, no jornal The New York Times: “Pergunto aos líderes do meu país, ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e aos seus predecessores: Como é que vocês desperdiçaram anos desde o último conflito sem iniciar um diálogo, sem sequer fazerem o mais pequeno gesto em direcção ao diálogo com o Hamas, sem sequer tentar mudar a nossa realidade explosiva?”
“Por que é que, nos últimos anos, Israel evitou negociações judiciosas com os sectores mais moderados e dialogantes do povo palestiniano – um acto que serviria também para pressionar o Hamas? Por que é que ignorou, durante 12 anos, a Iniciativa da Liga Árabe que poderia ter mobilizado mais Estados árabes moderados com poder para impor, talvez, um compromisso ao Hamas?”
“Por outras palavras: Por que é que os governos israelitas têm sido incapazes, desde há décadas, de pensar fora da bolha?”

Duas crianças palestinianos no que resta de um bloco de apartamentos de 13 andares destruído pela aviação israelita em Gaza
© Mohammed Salem | Reuters
Aziz Abu Sarah reconhece que “o movimento pró-paz, em geral, tem de reavaliar a sua estratégia e métodos para chegar às duas comunidades, quer em Israel como na Palestina. Creio que só o diálogo não basta para mudar mentalidades.”
“Este é um momento importante para uma autorreflexão sobre o que resulta e não está a resultar nos nossos projectos e estratégias.” Apesar de tudo, o palestiniano que aprendeu hebraico e visitou Auschwitz “para entender o inimigo” insiste em não considerar como derrota pessoal a ofensiva em Gaza.
“Temos de repensar as estratégias de compromisso”, escreveu Aziz no e-mail de resposta às nossas questões. “Lembro-me muitas vezes disto: investigadores tentam encontrar medicamentos para o cancro ou VIH, e alguns deles estão envolvidos há uma década ou duas nestes esforços, mas ainda não obtiveram os resultados que pretendem.”
“Alguns deles vêem os seus pacientes morrer. Contudo, não se sentem derrotados. Continuam a tentar, continuam a lutar, porque sabem que ainda não é o fim o caminho. É assim que me sinto no meu trabalho de resolução de conflitos.”
“Há muitos reveses. Há muitos momentos tristes e de desapontamento, mas desistir seria a pior coisa a fazer. Conflitos, guerras, mortes são como o cancro, e os activistas pelas paz são como médicos que tentam encontrar os remédios certos.”

Madi Hasanein e a sua familia, no que resta da sua casa, no bairro de Tofah, na Cidade de Gaza, em Outubro de 2014
© Ezz al-Zanoun | NurPhoto | Corbis
Quanto às previsões de uma terceira Intifada, Aziz não a exclui, sobretudo depois de, recentemente, milhares de palestinianos terem vindo, espontaneamente, para as ruas em Ramallah, enfrentando balas reais do Exército e detenções, para protestar contra a matança em Gaza e contra a ocupação na Cisjordânia: “As pessoas na Palestina estão frustradas. As negociações não conduziram a nada. A resistência armada não conduziu a nada.”
“O nível de indignação é muito elevado, por isso, o terreno é propício a uma nova revolta. Não estou certo de que possa eclodir agora, mas não estamos muito longe de uma grande mudança na Cisjordânia. Se, aqui, os líderes palestinianos não oferecerem uma alternativa ao actual processo político (que está morto) então ser-lhes-á muito difícil justificar a existência de uma Autoridade Palestiniana.”
“Em Gaza, Israel sabe que esmagar totalmente o Hamas e criar anarquia em Gaza será pior para a sua segurança”, conclui Aziz. “A Autoridade Palestiniana não pode, neste momento, administrar o território. Há indicação de que grupos como o ISIS [Estado Islâmico do Iraque e do Levante] se tornarão mais poderosos.”
“É, pois, improvável que os combates terminem numa vitória para Israel. O Hamas também não pode derrotar Israel porque não tem qualquer poder militar nem constitui sequer uma ameaça à existência de Israel. São apenas os civis que pagam o preço.”

A família Shaheen partilha uma refeição junto aos destroços da sua casa destruída durante a ofensiva militar israelita na Faixa de Gaza em 2014 – ainda não a conseguiram reconstruir
© Mohamed Al Hajjar
“Há aqui um problema de imagem. Israel quer mostrar à sua comunidade que venceu, e o Hamas quer o mesmo. Nas negociações para um cessar-fogo pesam mais a fraseologia e o que cada grupo quer ‘vender’ à sua comunidade. Para o Hamas, o fim do bloqueio [por terra, mar e ar, em vigor desde 2007] constituiria uma vitória – este é, aliás, um dos seus objectivos claros.”
“Para Israel, é um pouco mais complicado, porque os objectivos do ataque a Gaza mudam a cada semana que passa: fim dos disparos de rockets, a destruição de túneis, a desmilitarização do Hamas. É improvável que Israel obtenha estes três objectivos.”
“Ninguém vencerá. Não basta um cessar-fogo, é preciso criar uma visão clara que ponha fim à ocupação, e garanta segurança e liberdade para todos – israelitas e palestinianos.”
Heaven, beg mercy for me!
If there is
a God in you,
a pathway through you
to this God – which I have not
discovered – then pray for me! For my
heart is dead, no longer is there prayer
on my lips; all strength is gone, and
hope is no more. Until when, how
much longer, until when?
(Bialik, in: “On the Slaughter”)
Este artigo, agora actualizado, foi publicado originalmente no REDE ANGOLA em 1 de Agosto de 2014 | This article, now updated, was originally posted on the news website REDE ANGOLA, on August 1, 2014
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Estas imagens a COR são a repetição das que conheci, iguais,. a PRETO E BRANCO – era eu menina e nada de nada percebia – sei agora que é ainda mais cruel tantas décadas depois – mas há que esteja a cantar ali na TV (que na altura nem havia) I AM A DREAMER – rtp2
apenas que não acho ser sonho mas o pior dos pesadelos da humanidade que se diz tão civilizada – não percebo