Uns chamam-lhe “assalto” e outros “ofensiva”. Uns invocam legítima autodefesa e outros denunciam crimes contra a humanidade. Uns desvalorizam o poder do Hamas e outros consideram-no uma ameaça existencial. Não há consenso em definir a Operação Escudo Protector, lançada por Israel na Faixa de Gaza, como uma “guerra”. Seguem-se algumas perguntas e respostas para ajudar a entender o mais recente “conflito”. (Ler mais | Read more…)

Amir Schiby, artista israelita conhecido pelas suas colagens de sátira política, criou uma imagem que representa Ahed Atef Bakr, Zakaria Ahed Bakr, Mohamed Ramez Bakr e Ismael Mohamed Bakr, quarto rapazes mortos numa praia de Gaza, por bombardeamentos israelitas testemunhados por jornalistas estrangeiros alojados num hotel local
© Amir Schiby
1. Como e por que começou mais uma invasão de Gaza?
Naftali Fraenkel, Gilad Shaer e Eyal Yifrah, de 16, 18 e 19 anos, respectivamente 19, estudantes numa yeshiva (escola religiosa), pediam boleia para regressar às suas casas quando, a 12 de Junho, foram raptados, à beira de uma estrada em Gush Etzion, na Cisjordânia ocupada.
Assim que soou o alarme do seu desaparecimento, o Exército israelita iniciou uma operação de busca e resgate. Em 18 dias de rusgas, casa a casa, cerca de 350 palestinianos foram detidos.
A 15 de Junho, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, acusou publicamente o Hamas pelo sequestro. O movimento islâmico negou responsabilidade, mas não condenou os perpetradores.
A 1 de Julho, depois de os corpos dos rapazes terem sido encontrados, “surgiu a verdade”, escreveu J.J. Goldenberg no site Forward.com. “O Governo sabia, quase desde o início, que eles estavam mortos. Manteve a ficção de que esperava recuperá-los vivos como pretexto para desmantelar as operações do Hamas na Cisjordânia.”
“A prova inicial foi uma gravação com a voz desesperada de Gilad Shaer, numa chamada do seu telemóvel para o Moked 100”, o equivalente ao 112 israelita, revelou Goldenberg.
“Ouve-se o jovem a sussurrar: ‘Eles raptaram-me’ (haftu oti), seguindo-se gritos de “Baixa-te!”, tiros, dois gemidos, mais tiros, e depois alguém a cantar em árabe. Nessa noite, os sapadores encontraram o carro dos raptados, um Hyundai abandonado e incendiado, com oito balas, e o ADN dos três amigos. Não havia dúvidas.”
Assim que tomou conhecimento, Netanyahu ordenou imediatamente que as mortes não fossem comunicadas. “Para consumo público, a palavra oficial era a de que Israel ‘agia na assunção de que eles estavam vivos’. Era, simplesmente, uma mentira”, repetida pelo porta-voz do Exército, Moti Almoz (que assumiria depois a culpa), e pelo ministro da Defesa, Moshe Yaalon, criticou Goldenberg.
“Desde o princípio que se sabia que os raptores não agiam por ordem da liderança do Hamas em Gaza ou em Damasco. O ramo do Hamas em Hebron – família criminosa mais do que grupo clandestino – tem um historial de agir sem conhecimento dos chefes, por vezes até contra os interesses destes.
Netanyahu insistiu, porém, repetidamente, que o Hamas era responsável pelo crime e pagaria por isso. Mas Netanyahu não tinha essa intenção.”
Recordou Goldenberg que a anterior operação militar em Gaza (Pilar de Defesa, 2012) tinha “ensinado uma lição” aos líderes israelitas. Desde essa data que o Hamas “não disparava um só rocket e conseguira suprimir, em larga medida, os pequenos grupos jihadistas”.
De uma “média de 240 por mês em 2007”, o número de rockets baixara para “cinco por mês” em 2013. “Nenhuma das partes estava interessada em pôr fim à détente. O que substituísse o Hamas em Gaza poderia ser muito pior.”
O sequestro dos três jovens e a ofensiva contra o Hamas na Cisjordânia “abalou o equilíbrio”. Em Israel e nas comunidades judaicas na diáspora, a ira e a dor causada pela morte dos rapazes deu lugar, rapidamente, a motins nas ruas e apelos à vingança.
A 2 de Julho, um jovem palestiniano de 16 anos, Mohamed Abu Khdeir, foi raptado e queimado vivo, com gasolina que o fizeram ingerir, segundo confessaram os seis suspeitos israelitas, que agora alegam “insanidade mental temporária”.
Este acto brutal não sensibilizou o Governo de Netanyahu, incentivado por alguns dos seus membros mais extremistas a uma reocupação de Gaza e destruição do Hamas. Em Gaza, os líderes do Hamas desceram aos seus esconderijos subterrâneos.
“A 19 de Junho”, referiu Goldenberg, “num aparente acidente de trabalho, cinco activistas do Hamas morreram na explosão de um túnel, convencendo alguns em Gaza de que a ofensiva israelita já começara e aumentando o receio em Israel de que o Hamas estava a planear atentados terroristas.”
“A 29 de Junho, um ataque aéreo israelita matou um operacional do Hamas. No dia seguinte, o Hamas lançou uma série de rockets– os primeiros desde [Novembro de] 2012. O cessar-fogo terminara e começaram os bombardeamentos, em retaliação contra os rockets.”
A 8 de Julho, Israel mobilizou os reservistas para iniciar a ofensiva terrestre, com o nome de Escudo Protector (do inglês Protective Edge; em hebraico, Tzuk Eitan, significa Penhasco Sólido).
O objectivo já não é apenas destruir as baterias de rockets mas também a rede de “dezenas de túneis” que foi sendo construída, na fronteira com o Egipto, desde que Israel se retirou unilateralmente de Gaza, em 2005, e sobretudo depois de o Hamas ter conquistado o poder, pela força, à Fatah, em 2007.
Foi através destes túneis que militantes do Hamas se infiltraram em Israel, em Junho de 2006, para raptarem o soldado Gilad Shalit e, mais recentemente, para entrarem armados (e com uniformes israelitas) no kibbutz de Ein Haslosha, em Outubro de 2013.

Funeral de oito membros da família palestiniana Al Haj, mortos durante bombardeamentos israelitas no campo de refugiados de Khan Younis, Faixa de Gaza, em 10 Julho de 2014
© Khalil Hamra | AP
O argumento de que Israel se tem de se defender dos rockets e dos túneis não convence Ghada Ageel, refugiada palestiniana de terceira geração, nascida e criada no campo de Khan Yunis, em Gaza. Num artigo publicado pelo jornal The New York Times, esta professora visitante de Ciência Política na Universidade de Alberta (Canadá), mostra-se chocada com a “linguagem depreciativa” dos responsáveis israelitas.
“Eles pensam que podem absolver-se dos crimes colocando as culpas todas no Hamas e – segundo as palavras desumanas de Netanyahu – nesses ‘mortos telegénicos palestinianos’. Com isso, facilitam a morte de inocentes.” Como as de quatro crianças que jogavam futebol numa praia ou de todos os sete membros da família al-Kilani. (Para mais informação ver aqui: e aqui:
Os bombardeamentos por terra, mar e ar causaram até agora mais de 600 mortos palestinianos (um número superior a 130 são crianças) e quase 5000 feridos, segundo dados da ONU que ninguém desmente. No campo israelita foram confirmadas as mortes de 29 soldados e dois civis.
Um soldado está desaparecido, mas não estará vivo, embora o Hamas afirme que o capturou. Responsáveis militares acreditam que o grupo apenas tem em seu poder (porque os exibiu) o uniforme e a chapa de identificação, com o nome (Oron Shaul, sargento da Brigada Golani) e número.
“Israel pode continuar a culpar o Hamas por todos os que morrem em Gaza, alegando que os civis são usados como escudos humanos, mas esse raciocínio só pode persuadir os que não estão familiarizados com a extrema densidade populacional de Gaza [mais de 1,8 milhões de habitantes em 360 km2) e aqueles que querem agarrar-se à ideia de que o Exército de Israel detém superioridade moral”, escreveu Ghada Ageel.
“As acções de Israel só ajudam o Hamas”, salientou a académica palestiniana. “Depois de um longo período de isolamento internacional e crescente impopularidade entre os habitantes de Gaza, o Hamas pode mais uma vez reclamar o manto de defensor do povo palestiniano contra a agressão israelita.”
“Esta operação vai criar nova vaga de militantes – pessoas que sentem não ter nada a perder depois de as suas casas, famílias e vidas terem sido devastadas.”
“Em vez de ter feito tudo para desagregar o governo de unidade palestiniano [Fatah-Hamas, formado em Abril], Israel deveria começar a negociar com este o fim do bloqueio à minúscula Faixa de Gaza e o fim da ocupação da Cisjordânia. Só assim Israel pode esperar paz verdadeira e duradoura.”
2. Hamas – que força é esta?

Israel mantém a Faixa de Gaza sujeita a um bloqueio por terra, mar e ar desde 2007. O território de mais de 1,8 milhões de habitantes confinados a 346 quilómetros quadrados é como uma prisão sem movimento de pessoas e bens para o exterior, e com restrições ao fornecimento de água e electricidade. Sob cerco, o Hamas escavou dezenas túneis junto à fronteira com o Egipto, que servem para abastecer a população de alimentos e medicamentos, mas também para contrabando de armas e refúgio de operacionais de guerrilha
© Mahmud Hams | AFP | Getty
Com pelo menos três significados – entusiasmo, coragem ou zelo – Hamas é o acrónimo árabe de Harakat al-Muqawamah al-Islamiyyah (Movimento de Resistência Islâmica). Nasceu no campo de refugiados de Jabaliya, na Faixa de Gaza, logo após a eclosão da primeira Intifada, no final de 1987. O seu fundador, Shaykh (xeque) Ahmed Ismail Yassin, era o representante de uma organização mais ampla, a Irmandade Muçulmana.
Inicialmente tolerado pela administração militar israelita nos territórios ocupados, por considerar os islamistas mais inofensivos do que os nacionalistas da Organização de Libertação da Palestina (OLP), o Hamas transformou-se, logo após a espontânea sublevação popular, no maior inimigo interno de Israel.
As suas actividades dividiam-se em duas esferas: 1) programas sociais, como a construção de escolas, hospitais e instituições religiosas, 2) ataques terroristas levados a cabo pela sua milícia Ezzedin (Izz al-Din) al-Qassam, em coordenação com os chefes até então exilados na Síria e na Jordânia.
Nos panfletos, o Hamas defendia abertamente a destruição de Israel. A carta de princípios proclama: “A Palestina é propriedade sagrada islâmica. […] O Dia do Juízo Final não virá enquanto os muçulmanos não combaterem e matarem os judeus, e se um judeu se esconder atrás de uma pedra ou de uma árvore, a árvore ou a pedra dirão: ‘muçulmano, escravo de Deus, há um judeu escondido atrás de mim – vem e mata-o’”.
Em Janeiro de 2006, antes de eleições legislativas que haveria de ganhar, por maioria absoluta, o Hamas, peça central de uma vaga de atentados suicidas durante a Segunda Intifada de 2000, deixou cair do seu manifesto o apelo à destruição de Israel, sem renunciar à luta armada.
Assumiu a posição ambígua, que definiu como “nova estratégia política”, de “aceitar um Estado interino, com base nas fronteiras [da guerra] de 1967, deixando a decisão final de reconhecimento do direito de existência de Israel para gerações futuras”.

Palestinianos fogem das suas casas em Shejaiya, no sector oriental da Faixa de Gaza, em 20 de Julho de 2014, depois de bombardeamentos da artilharia israelita. Muitos mortos jaziam nas ruas. As ambulâncias foram incapazes de chegar à area devido à intensidade do tiroteio
© Mohammed Abed | AFP | Getty Images
Arun Kapil, professor de Ciência Política em Paris, nunca acreditou na metamorfose do Hamas, organização que, segundo o Jane’s Military Balance 2014, contará com cerca de 20.000 combatentes.
São eles que, em conjunto com outros milhares de milicianos da Jihad islâmica da Palestina e dos Comités de Resistência Popular, enfrentam agora as poderosas Forças de Defesa de Israel: 176,500 militares no activo (Exército/133.000; Marinha/9500; Força Aérea/34.000) e 465.000 reservistas.
No seu blogue, Kapil chamou a atenção para um discurso de Khaled Meshal, chefe do Hamas actualmente exilado no Qatar, país que se tornou o financiador principal do movimento. Em Dezembro de 2012, falando a uma multidão em Gaza, em vésperas de eleições em Israel, Meshal “alterou as regras do jogo”, observou Kapil, que partilhou o vídeo com o “discurso sinistro” de Meshal.
“A Palestina, do rio [Jordão] ao mar [Mediterrâneo], do Norte ao Sul, é a nossa terra, o nosso direito, a nossa pátria”, frisou Meshal. “Não abdicaremos de uma só parte dela. A Palestina continua a ser e a continuará a ser árabe e islâmica. (…) A Cisjordânia não será separada de Gaza, e é inseparável de Haifa, Jaffa, Beersheba e Safed.”
“(…) A ocupação é ilegítima e, por isso, Israel é ilegítimo, e assim permanecerá ao longo do tempo. A Palestina pertence-nos a nós e não aos sionistas. (…) Os acontecimentos mostram-nos que a jihad e a resistência são a opção mais vantajosa e de maior confiança. Esta opção não é uma ilusão ou uma miragem.”
“(…) O verdadeiro estadista nasce da espingarda e do míssil. (…) Que maravilha que foi o vosso ataque em Telavive. Que sejam abençoadas as vossas mãos”.
Ao Hamas até pode interessar a “libertação da Palestina” mas “o segredo que não quer partilhar é o de que não tem qualquer ideia sobre como conseguir esse objectivo”, observou Nathan J. Brown, professor de Ciência Política e Assuntos Internacionais na Universidade de George Washington e associate senior no Carnegie Endowment for International Peace.
No artigo 5 Myths about Hamas, publicado pelo diário The Washington Post, o autor de When victory is not an option: Islamist movements in Arab politics, adianta:
-“O movimento é duro, evasivo e, de um modo perverso, dedicado ao princípio da resistência armada. No entanto, não tem um mapa, e todas as suas acções até à data – visar civis, capturar soldados israelitas, concorrer a eleições, aprovar leis e cuidar dos doentes – não deixaram os palestinianos mais próximos de qualquer objectivo nacional. (…)”
“O que preocupa o Hamas é a sua relevância, a capacidade de aproveitar o sentimento profundo de frustração e injustiça da maioria dos palestinianos – e fazer com que a sua retórica ressoe entre as pessoas.”
3. O palestinianos apoiam o Hamas? Porquê?

Rapaz palestiniano ferido num bombardeamento israelita no bairro de Shujaiya – onde foram mortos mais de 60 civis em apenas um dia – recebe tratamento do hospital de Sifa, também foi alvo de ataques.
© Ali Jadallah | APA
Nathan Brown reconhece que o Hamas não tem uma estratégia para “respostas de longo prazo” e que a sua imagem como “movimento não corrupto” já não corresponde à realidade. Então, por que é que os palestinianos ainda não derrubaram o governo em Gaza?
Responde o jornalista e activista político Noam Sheizaf, num artigo publicado no site israelita +972: “Embora rejeitem a ideologia fundamentalista, as políticas opressivas e outros aspectos do poder” do Hamas, muitos palestinianos apoiam este movimento porque, para eles, combater o bloqueio [israelita, por terra, mar e ar, a que estão sujeitos desde 2007] é a sua guerra de independência – ou pelo menos parte dela.”
“A exigência, que frequentemente se ouve em Israel, para que as pessoas em Gaza protestem contra o Hamas é absurda”, diz Sheizaf. “Mesmo ignorando o facto de eles próprios odiarem protestos em tempos de guerra, os israelitas continuam à espera que os palestinianos iniciem uma revolta civil sob fogo. Os israelitas, à esquerda e à direita, estão errados ao assumir que o Hamas é uma ditadura que combate Israel contra a vontade do povo.”
“O Hamas é, sem dúvida, uma ditadura, e há muitos palestinianos que ficariam contentes se ela fosse derrubada – mas não agora. (…) Neste momento, a maioria apoia os ataques contra soldados israelitas que entram em Gaza; apoiam raptos como meio de libertar os seus prisioneiros (que consideram prisioneiros de guerra) e – facto desagradável – muitos deles apoiam os disparos de rockets contra Israel.”
Para Sheizaf, “os anos de calma na Cisjordânia não deixaram os palestinianos mais próximos de um Estado independente, e a trégua entre guerras em Gaza não conduziu ao levantamento do bloqueio”.
O Hamas diz aos palestinianos que a liberdade se conquista pelo sangue, e o jornalista lamenta que Israel lhe dê razão: “A evacuação dos colonatos em Gaza [em 2005] aconteceu depois da Segunda intifada [em 2000], não como resultado de negociações. Os Acordos de Oslo [em 1993] seguiram-se à primeira Intifada [1987-1994].
As vidas dos palestinianos não são mais baratas do que as dos israelitas, referiu Sheizaf, “mas as nações que se batem pela liberdade suportam os piores sacrifícios”. E deu um exemplo: Israel que, na guerra de 1948, “perdeu um terço da população judaica na luta pela existência.”
4. Ferido de morte ou maior ameaça à vida?

Soldados israelitas choram a morte do seu camarada de armas Bnaya Rubel, no funeral em Holon, arredores de Telavive
© Reuters
Na quinta-feira [24 de Julho], o Hamas e a Autoridade Palestiniana apresentaram uma proposta conjunta de cessar-fogo que prevê tudo o que Israel não lhes quer dar (como a libertação de prisioneiros e o fim do bloqueio a Gaza) e nada do que interessaria a Israel (a desmilitarização do movimento islâmico).
Inicialmente, influenciado pela Turquia e pelo Qatar, os seus actuais patronos, o Hamas rejeitou as tréguas sugeridas pelo Egipto e que Israel aceitou.
A aproximação de Abbas aos rivais parece indiciar que estes se encontram em posição de superioridade e o presidente da Autoridade Palestiniana visto como figura irrelevante após o colapso do processo de paz. As opiniões sobre a força e a fraqueza do Hamas dividem-se.
Para Nathan Thrall, do International Crisis Group, o Hamas está desesperado e isolado, como escreveu no jornal The New York Times. “A aliança do grupo com a Síria e o Irão está de rastos. A sua ligação à Irmandade Muçulmana no Egipto tornou-se um ónus depois do golpe de Julho de 2013 que substituiu um aliado, o Presidente Mohamed Morsi, por um adversário mais acerbo, o general Abdel Fattah el-Sisi.”
“Os cofres do Hamas esvaziaram-se à medida que o general Sisi foi fechando os túneis que permitiam a entrada em Gaza de bens e receitas fiscais dos quais dependia.”
“Vendo a região [do Médio Oriente e Norte de África] ser abalada por protestos populares contra líderes que não satisfaziam as necessidades básicas dos seus cidadãos, o Hamas optou por ceder o controlo oficial de Gaza em vez de correr o risco de ser derrubado.
Essa decisão conduziu a um acordo de reconciliação entre o Hamas e a OLP, em termos quase inteiramente definidos pelo presidente da Autoridade Palestinian, Mahmoud Abbas.

Netream Netzleam conforta o corpo da sua filha Razel, de 1 ano, que médicos disseram ter morrido de ferimentos sofridos num ataque israelita em Rafah, sul da Faixa de Gaza, em 18 de Julho de 2014
© Finbarr O’Reilly
A opinião de Thrall é, de certo modo, partilhada, num texto publicado pelo site da BBC, por Jeroen Gunning, director executivo do Durham Global Security Institute, no Reino Unido: “O Hamas perdeu o apoio sírio e (muito do) apoio iraniano em 2011, quando decidiu alinhar com a insurreição contra o Presidente Bashar al-Assad. Em 2013, o seu aliado egípcio, a Irmandade Muçulmana, foi afastado do poder.”
“A liderança egípcia declarou guerra ao Hamas e fechou túneis na fronteira entre o Egipto e Gaza que permitiam a sobrevivência de Gaza (e a capacidade de o Hamas obter armas) durante o bloqueio israelita.”
“O apoio popular decresceu, assim como a sua capacidade de pagar aos funcionários públicos em Gaza. O Governo de unidade nacional, que deu, efectivamente, o controlo à Fatah, foi um gesto desesperado [do Hamas] para pôr fim ao seu isolamento.”
Duas sondagens (realizadas antes da operação israelita em curso) parecem dar razão a estes comentadores. Uma sondagem, conduzida de 5 a 7 de Junho pelo Palestinian Center for Policy and Survey Research, liderado por uma figura respeitada por palestinianos e israelitas, Khalil Shikaki, chegou às seguintes conclusões:
- Se houvesse agora eleições presidenciais na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, Mahmoud Abbas venceria Ismail Haniyeh, um dos chefes políticos do Hamas, por 53% contra 41% dos votos. Se Marwan Barghouti, o carismático líder da Intifada, a cumprir cinco penas de prisão perpétua em Israel, concorresse contra Haniyeh, triunfaria com 58% contra 38%.
O segundo inquérito, realizado pelo Washington Institute for Near East Policy, entre 15 e 17 de Junho, constatou o seguinte:
- “70% dos habitantes de Gaza querem que o Hamas mantenha um cessar-fogo com Israel em Gaza e na Cisjordânia” e 73% defendem que sejam adoptadas “propostas (não violentas) de resistência popular contra a ocupação”. Uma maioria de 57% também está de acordo com a posição da Autoridade Palestiniana de renunciar à luta armada contra Israel.

Funeral de Dror Hanin, em Yahud Monoson, Israel. Atingido por um morteiro palestiniano, foi o primeiro soldado israelita morto na Operação Escudo Protector
© Andrew Burton | Getty Images
Ao contrário dos que vêem o Hamas ferido de morte e/ou como potencial parceiro político, o jornalista israelita Shlomo Eldar, que conhece bem o movimento cujos líderes entrevistou em Gaza, considera que pouco ou nada o distingue das organizações que agora aterrorizam o Iraque e a Síria.
No site Al-Monitor, onde é colaborador, Eldar caracteriza o Hamas como “o primeiro exército palestiniano”. Os seus “soldados” usam fardas e submetem-se a treinos em armas para desenvolver “excelentes capacidades militares”, combinadas com uma rígida doutrina religiosa.
“Terá mobilizado entre 15.000 e 20.000 homens, divididos em três brigadas geográficas – no norte, centro e sul de Gaza”.
Conta ainda com “unidades de elite especiais – cada uma composta de 10 a 15 combatentes, “conscientes de que têm poucas probabilidades de sobrevivência” – para operações específicas, como a infiltração em território israelita através da sua rede de túneis, uma ameaça para a qual as tropas israelitas não estavam, aparentemente, preparadas.
“Agora que as verdadeiras dimensão e magnitude estão à vista”, pergunta Eldar, “será que Israel ainda acredita que é melhor manter o regime do Hamas em Gaza como o menor dos males? Será preferível o Hamas às entidades desconhecidas que poderão ocupar o seu lugar?”
“Quando Israel fala do ‘desconhecido’ (…) alude principalmente ao estado islâmico (IS, [sigla em inglês; Daesh]). Esta organização islamista já conseguiu conquistar cidades no Iraque e, supostamente, está a avançar até à península do Sinai e à Faixa de Gaza.”
“O seu objectivo assumido é o de estabelecer ‘um Estado islâmico do Iraque à Síria’. Em que é que o Hamas é diferente da organização fanática activa no Iraque? Ambos são movidos pela crença religiosa no martírio, recrutam exércitos bem treinados e exibem excelsos dotes militares.”
“Assim sendo, Israel não deve continuar a ver o Hamas como os governantes ‘de facto’ de Gaza. Como é que outras organizações salafistas em Gaza, como a Jihad Islâmica e os Comités de Resistência Popular, ameaçam Israel mais do que o Hamas?”
“Todos os recursos do Hamas estão mobilizados para o seu exagerado armamento e incrível protecção subterrânea”, adianta Eldar. “As células do IS, as organizações salafistas e a Jihad Islâmica não têm acesso a estes enormes recursos financeiros. (…) Israel não avaliou adequadamente as capacidades militares do Hamas nem, evidentemente, as suas intenções.”
“Até à eclosão desta guerra, muitos em Israel estimavam que o Hamas estava em crise e não lhe interessava entrar agora num novo conflito.”
“Qualquer acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas será descrito como uma vitória pela organização palestiniana. Será, para o Hamas, uma oportunidade de reorganização, reconstrução e expansão do seu exército para a próxima série de hostilidades.”

Soldados israelitas disparam canhões de artilhara de 155 milímetros em direcção à Faixa de Gaza, a partir da sua base na fronteira, a 21 de Julho de 2014.
© Menahem Kahana | AFP | Getty Images
Para Eldar, “mesmo a destruição dos túneis, por mais eficaz que seja, não destruirá o Hamas e a sua ala militar”. Porque “o quartel-general do Hamas, os chefes do seu braço armado e os comandante das brigadas continuarão protegidos nos seus bunkers debaixo Gaza, tal como os seus líderes políticos.”
“Quem pense que o Hamas aceitará uma desmilitarização de Gaza ou [a destruição dos rockets está iludido. Para desmantelar os rockets do Hamas é preciso primeiro desmantelar o Hamas.”
Shlomo Eldar tem uma certeza: “mesmo que a existência e presença do Hamas venha a ser aceite na Faixa de Gaza, não haverá outra organização mais perigosa para a segurança de Israel do que o Hamas”.
Nathan J. Brown discorda, como deixou claro no seu artigo sobre os 5 mitos, publicado no Washington Post. “O Hamas, como movimento, oferece resistência – ataca civis, lança rockets e faz reféns para obter resgates – mas não consegue mobilizar uma força militar que enfrente Israel no campo de batalha.”
“Neste momento, todos os combates terrestres ocorrem em Gaza e o território israelita permanece relativamente seguro. (….) É uma verdade absoluta que o Hamas não representa uma ameaça existencial para Israel.”
No entanto, admite Brown, há outras ameaças. “Embora possa ser discutida a eficácia do sistema de intercepção Iron Dome – responsáveis regozijam que pode deter ‘até 90%’–, uma grande parte da população israelita sente-se agora ao alcance dos rockets do Hamas que estão ser lançados a maior altitude [por ter visado o aeroporto de Ben-Gurion, em Telavive, várias companhias aéreas internacionais, suspenderam os seus voos – o que foi interpretado como ‘uma vitória para os terroristas’].”
“O Hamas nunca vencerá Israel numa guerra, mas a evolução das suas capacidades – túneis, raptos, mísseis e até um drone – deixa os israelitas muito nervosos e a obriga-os a reagir.”
5. “Guerra justa” e justiça na guerra

Num corredor do Hospital de Shifa em Gaza, uma palestiniana com a roupa manchada pelo sangue de vários dos seus familiares feridos num ataque israelita, ocorrido a 20 de Julho 2014.
© Mohammed Salem | Reuters
Para Ami Ayalon, antigo director do Shin Bet e co-fundador da organização israelita Blue White Future, que defende uma solução dois Estados através de um acordo negociado com os palestinianos, “a resposta [em Gaza] foi proporcional à ameaça do Hamas”.
Numa série de artigos de opinião publicada pelo jornal The New York Times (NYT), Ayalon, um dos convidados, afirma que “não se mede ética e moralidade contando corpos”. E acrescenta: “O facto de muito mais palestinianos do que israelitas terem sido mortos não significa que a nossa causa, ou esta guerra, não seja justa. Muito mais alemães do que americanos morreram na II Guerra Mundial. Significa isso que Hitler tinha razão e que a América estava errada?”
Ayalon insiste, como outros responsáveis israelitas, que Israel “tem o direito de defender os seus cidadãos”, porque o Hamas, “com os seus túneis e visando civis com rockets, constitui “uma ameaça real”.
O almirante que chefiou a Marinha concede que “há um fosso entre uma guerra justa e justiça na guerra” e que, por isso, “é legítimo questionar se a resposta israelita é proporcional”.
Ele garante: “Estamos a cumprir a lei internacional. As nossas acções (…) têm de ser comparadas com o que outros Estados fizeram ou fariam se enfrentassem ameaças semelhantes. (…) A conduta do Hamas é uma violação flagrante da lei internacional e de todas as normas de decência. Impõe-nos esta guerra e empurra-nos para áreas civis. Usa civis como escudos humanos. A sua estratégia é fazer-nos matar o maior número possível de civis. Infelizmente, isso por vezes acontece.”
Na mesma série de artigos, o palestiniano-americano George Bisharat, professor de Direito na California Hastings College of the Law, em São Francisco, concorda que todos os países têm direito à autodefesa mas cita duas razões que, em seu entender, “anulam os considerandos” de Israel – e de Ayalon.
“A primeira [razão]: apesar de ter retirado as suas forças terrestres e colonos de Gaza em 2005, Israel continua a exercer domínio efectivo sobre a região, controlando o espaço aéreo, costa e águas territoriais, fronteiras terrestres (com o Egipto), campos electromagnéticos, abastecimento de electricidade e combustíveis”, observou Bisharat.
“Assim sendo, Israel permanece uma potência ocupante, segundo a lei internacional, com a obrigação de proteger a população civil ocupada. Israel pode usar a força para se defender, mas não mais do que o necessário para resolver distúrbios. Portanto, isto não é uma guerra – é sim o uso de poder de fogo maciço por parte de uma força militar de topo contra uma população palestiniana ocupada e cercada.”
Segunda razão: “A autodefesa não pode ser rogada por um Estado que inicia a violência, como Israel fez na sua ofensiva contra o Hamas na Cisjordânia, ao prender mais de 400 [suspeitos], efectuando rusgas em 2200 casas e outros locais e matando pelo menos nove palestinianos.”

A irmã do soldado israelita Tsafrir Bar-Or, morto em Gaza a 20 de Julho de 2014, chora a sua perda durante o funeral em Holon
© Daniel Bar-On | Reuters
Licenciado em Antropologia pela Universidade de Berkeley, com um mestrado em História pela Universidade de Georgetown e doutorado em Direito pela Universidade de Harvard, Bisharat afirma não haver provas de que o assassínio de três jovens israelitas “tenha sido mais do que actos de criminalidade privada que não forçam uma nação ao direito de autodefesa”.
E dá um exemplo: se um cidadão norte-americano ou até um agente da autoridade contra o tráfico de droga (DEA) fosse morto por cartéis na fronteira com o México isso não daria o direito de este país ser bombardeado pelos EUA.
O Hamas e outros grupos, garante Bisharat, “só começaram a intensificar o lançamento de rockets depois da provocação israelita”. Até então e durante dois anos, “o Hamas tinha sido um parceiro de confiança para manter a calma ao longo da fronteira com Gaza”, controlando milícias desobedientes.
“Israel também viola, aparentemente, o princípio da distinção, o qual exige que exércitos ataquem apenas alvos militares. Ao atacar responsáveis civis e figuras políticas do Hamas nas suas casas, ao atacar hospitais, centrais de abastecimento de água e estações de tratamento de esgotos, e outras infra-estruturas civis, Israel abandonou essa distinção. Não é de surpreender que 75% das vítimas palestinianas sejam civis.”
Bisharat não nega que o lançamento indiscriminado de rockets por parte do Hamas “provavelmente também viola a lei internacional”, mas relativiza porque “apenas causou uma morte”. Embora “todas as vidas sejam valiosas, a gravidade das violações do Hamas empalidece quando comparada com os graves crimes de guerra de Israel”.
“A autodefesa de Israel não inclui o direito de (mais uma vez) matar centenas de civis em Gaza, de bombardear hospitais ou até de avisar as pessoas para evacuarem edifícios quando não têm outro lugar onde se refugiar”, corrobora Daniel Levy, director do Programa Médio Oriente e Norte de África da New American Foundation, outro contribuinte para a série de depoimentos recolhidos pelo NYT.
“A tentativa do Governo israelita de, a priori, responsabilizar o Hamas por todas as perdas e se desonerar, assim, da responsabilidade pelas vítimas não pode ser aceite.”.
“Vamos dar um passo atrás nesta última escalada”, aconselhou Levy, que participou nas negociações israelo-palestinianas como consultor dos primeiros-ministros Yitzhak Rabin e Ehud Barak. “A maioria das pessoas em Gaza são refugiados, as suas raízes estão na guerra e na expulsão em 1948.”
“Desde 1967 que vivem sob ocupação directa israelita e sob bloqueio quase há uma década. Israel não oferece às pessoas de Gaza ‘calma em troca de calma’. Quando o Hamas cessa fogo, quando está ‘calmo’, Israel regressa à normalidade, mas as pessoas em Gaza continuam isoladas do mundo, privadas das liberdades mais básicas que, para nós, estão garantidas.”
“Recuemos agora até à Cisjordânia, onde tem sido seguida uma alternativa estratégica palestiniana ao Hamas”, sugeriu Levy. “O movimento Fatah, do presidente Abbas, reconhece Israel, participa em negociações pacíficas e cooperação de segurança. Isto foi recompensado com um reforço do controlo israelita, a expansão dos colonatos e incursões militares em cidades palestinianas. O que fariam nestas circunstâncias?”
“Talvez começar por não negar perpetuamente os direitos de outro povo, incluindo o direito à autodeterminação. Não há uma solução militar, mas o Governo de Israel recusa qualquer solução política – nem o Governo nem o seu partido principal, o Likud, alguma vez aceitaram um Estado palestiniano.”
“Os seres humanos não respondem bem à humilhação, à repressão e às tentativas de negar a sua dignidade mais básica”, lembrou Daniel Levy.
“Os palestinianos são humanos. Os palestinianos encontrarão formas de resistir – o que é humano – e por vezes a resistência será armada. (…) É claro que os israelitas não respondem bem quando estão sob fogo mas, ao contrário dos palestinianos, têm um Estado, um exército, apoio dos EUA, armas, e felizmente, a sua liberdade. “
6. E depois do cessar-fogo?

Um rapaz que fugiu da casa da família destruída na aldeia de Beit Lahiya, na fronteira com Israel, dorme numa escola gerida pela UNRWA, agência das Nações Unidas de apoio aos refugiados palestinianos, onde muitos outros civis se abrigaram, em 14 de Julho de 2014
© Mohammed Salem | Reuters
Peter Beinart, influente membro da comunidade judaica norte-americana e agora colunista do diário Ha’aretz, de Telavive, diz que “os rockets são sintomas militares de um problema político” e, embora Israel, na sua opinião, deva “retribuir o fogo”, para que o Hamas ou a Jihad Islâmica “não ataquem com impunidade”, acredita que não será mais uma invasão de Gaza a receita para oferecer segurança a Israel.
O que é preciso, especificou na sua coluna de opinião, em 23 de Julho, é obter um cessar-fogo que “devolva a esperança aos palestinianos”. Tréguas que permitam aos jovens em Gaza estudar no estrangeiro, por exemplo, ou que facilitem a exportação de bens para a Cisjordânia e Israel, seus principais mercados.
Tréguas que contemplem o fim da colonização e a promessa de um Estado palestiniano com capital em Jerusalém Leste. Deste modo, acredita Beinart, os “moderados” serão reforçados e o Hamas enfraquecido.
Não obstante a sua proposta, Beinart não tem o que quer oferecer: “Infelizmente, se tem sido eficaz a destruir os rockets do Hamas, [o primeiro-ministro israelita] Benjamin Netanyahu tem sido ainda mais eficiente em destruir a esperança palestiniana.”
Aparentemente mais optimista está Gershon Baskin, fundador e vice-presidente do IPCRI – Israel/Palestine Center for Research and Information, o activista incansável que venceu os obstáculos colocados por Netanyahu e conseguiu ajudar a libertar, em Outubro de 2011, o soldado Gilad Shalit.
Porque “não há uma solução militar”, mesmo que Israel “consiga derrubar o Hamas, o que exigiria a reocupação de Gaza e resultaria, talvez, numa vitória semelhante à de George W. Bush sobre Saddam Hussein no Iraque”, Baskin detalhou publicamente na sua página de Facebook o que designou por “Iniciativa Israelita para a Segurança, Estabilidade e Paz”.
Este plano envolve Israel, a Autoridade Palestiniana, sob a presidência de Abbas, o Egipto, a Jordânia, a Liga Árabe e os EUA. O Conselho de Segurança da ONU daria a sua bênção ao Estado da Palestina que beneficiaria de uma espécie de Plano Marshall para a sua reconstrução.

Soldados da Brigada de Infantaria Nahal, uma das unidades de elite do exército israelita, na região central da Faixa de Gaza, durante a invasão terrestre
© Finbarr O’Reilly | Reuters
Um outro israelita, Yuval Diskin, que foi chefe do Shin Bet, tem uma visão mais sombria. Também ele escreveu na sua página de Facebook. As suas palavras foram traduzidas por J.J. Goldenberg, do hebraico para inglês, no site Forward: “Vejo a rápida deterioração nos territórios [ocupados], em Jerusalém e no Triângulo [localidades onde vivem os palestinianos de cidadania israelita] e não me surpreendo. (…)”
“Este é o resultado da política conduzida pelo actual Governo, cuja essência é: vamos assustar a população sobre o que se está a passar à nossa volta, no Médio Oriente; vamos provar que não há parceiro palestiniano; vamos construir mais e mais casas nos colonatos, criar uma realidade que não pode ser alterada; vamos continuar a ignorar os graves problemas no sector árabe em Israel; vamos continuar a não resolver a profundas desigualdades sociais na sociedade israelita.”
“A ilusão durou maravilhosamente enquanto o aparelho de segurança foi capaz de garantir a calma nos últimos anos devido ao trabalho dedicado e de alta qualidade do Shin Bet, das Forças de Defesa e da Polícia de Israel, mas também dos palestinianos cujo contributo significativo para a calma relativa na Cisjordânia não pode ser minimizado.”
E Diskin continua: “A rápida deterioração que se verifica na situação de segurança não resulta do assassínio vil de Naftali, Eyal e Gilad. A deterioração (…) advém da ilusão de que tudo pode ser resolvido com mais força, da ilusão de que os palestinianos aceitarão tudo o que é feito na Cisjordânia e não responderão apesar da raiva, frustração e do agravamento das condições económicas, da ilusão de que a comunidade internacional não nos imporá sanções, de que os cidadãos árabes de Israel não virão para as ruas porque não cuidamos dos seus problemas e de que os israelitas continuarão, submissamente, a aceitar a falta de capacidade do governo para lidar com o fosso social, enquanto a corrupção continua a envenenar tudo o que é bom, e por aí adiante.”
Citando a sua “experiência”, Yuval Diskin, um dos cinco antigos chefes do Shin Bet entrevistados pelo cineasta Dror Moreh para o seu documentário The Gatekeepers, nomeado para um Óscar em 2013, conclui: “Posso dizer-vos que é da natureza dos acontecimentos perderem o controlo.”
“Até mesmo Marwan Barghouti, que foi o instigador do que conduziu à Segunda intifada, não planeou antecipadamente as manifestações, em Setembro de 2000, transformadas em insurreição com atentados suicidas que mataram muitas centenas e feriram dezenas de milhares, nos dois campos.”
“Ele organizou apenas uns dias ou semanas de manifestações isoladas, mas a cadeia de acontecimentos, as reacções a elas e as reacções às reacções, levou à perda de controlo e à vaga de terror que durou quase sete anos.”
Muitos analistas, israelitas e palestinianos, acreditam que só uma mudança de líderes pode salvar a moribunda solução de dois Estados. Barghouti, ainda que condenado a prisão perpétua, continua a acreditar naquela opção e é o preferido em todas as sondagens para suceder a Abbas.
(A sua libertação é um trunfo que Israel guarda, talvez, para o trocar pelo espião Jonathan Pollard, detido nos EUA e que seria libertado em Novembro de 2015, aparentemente para apaziguar a fúria de Telavive pelo acordo entre Washington e Teerão). Diskin, por seu turno, não exclui a ambição de vir a ocupar o lugar de Netanyahu. Serão eles os salvadores?

Manobras militares no norte da Faixa de Gaza, em 18 de Julho de 2014, quando Israel intensificou a ofensiva com artilharia, carros de combate e canhoneiras
© Ronen Zvulun | Reuters
Este artigo, agora actualizado, foi publicado originalmente no REDE ANGOLA em 25 de Julho de 2014 | This article was originally posted on the news website REDE ANGOLA, on July 25, 2014