Médio Oriente: Vários mundos em 20 livros

É complicada a tarefa de recomendar vinte livros sobre o Médio Oriente e Norte de África. Da política à poesia, da filosofia ao feminismo, das religiões às revoluções, há mais obras publicadas sobre os lugares onde o Sol nasce (Mashriq ou Mashreq/Oriente) e onde o sol se põe (Maghrib ou Magrebe/Ocidente) do que a água que corre pelo Mar Mediterrâneo e o petróleo que jorra no golfo Pérsico. Esta é também uma selecção sem mediadores e, por isso, naturalmente, subjectiva.

A escolha inclui obras recém-publicadas e outras antigas que permanecem actuais, não obstante a volatilidade e a inconstância dos cenários e temas que abordam. Muitas não têm, infelizmente, tradução para português.

1. Palestina
Autor: Hubert Haddad
Tradução: Ana Cristina Leonardo
Páginas: 144
Editor: Quetzal |Série Mediterrâneo, 2009

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Se há um livro que deve ser lido e relido sobre um dos conflitos mais espinhosos do Médio Oriente (sim, não é o único contencioso regional) é este: Palestina.

No final, ninguém poderá dizer que é “pró-palestiniano” ou “pró-israelita, porque vai “atravessar dois espelhos” e ver como “somos todos iguais”, na dor e no amor.

É um romance e uma reportagem, para “acabar com o maniqueísmo”, diz o autor, Hubert Haddad. Prosa repleta de poesia onde há mais realidade do que ficção, é a história de um soldado israelita, capturado por um comando palestiniano.

Sem identificação (os seus documentos tinham sido roubados) e em estado de amnésia, o primeiro-cabo Cham é adoptado por uma família em Hebron, na Cisjordânia ocupada, e transforma-se no palestiniano Nessim. É este o nome do irmão desparecido de Falastin, filha de Asmahane, viúva depois de o Exército ter esmagado o crânio do marido numa emboscada.

A relação entre a pacifista Falastin e Cham/Nessim ultrapassará a fronteira da fraternidade. Quando a cega Asmahane morre e a anoréctica Falastin parte – simbólico que muitos personagens tenham deficiências físicas e mentais –, o protagonista recupera a consciência. O final é comovente.

Só um autor cujo nome – Hubert Abraham Haddad – não oculta múltiplas identidades (judeu, árabe, berbere, francês) poderia escrever este livro.

Em 2008, recebeu os prémios Cinco Continentes da Francofonia (um dos membros do júri era Le Clézio, que ganhou o Nobel da Literatura no mesmo ano) e Louis Barthou, da Academia Francesa.

Em 2009, foi o primeiro laureado com o novo Prix Renaudot de Poche. Haddad nasceu em 1947 – um ano antes da criação de Israel – filho de um judeu tunisino e de uma argelina. Reside em Paris. Com mais de 50 obras publicadas, é romancista, poeta, ensaísta, dramaturgo, pintor, historiador de arte.

Depois de Palestina, leiam Our Harsh Logic: Israeli Soldiers’ Testimonies from the Occupied Territories, 2000-2010, compilado pela organização Breaking the Silence, criada por militares veteranos para mostrar à sociedade israelita a corrosão moral causada pela ocupação de 3,5 milhões de palestinianos.

2. Peace & its Discontents
Autor: Edward W. Said
Páginas: 240
Editor: Vintage/Random House, 1995

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Se Orientalismo (Editora Cotovia, 2004, 458 Pp.) é uma obra memorável  – e ainda controversa – de Edward W. Said (1935-2003) que marcou o século XX, ao questionar conceitos coloniais de “identidade”, “cultura” ou “civilização”, um outro livro, Peace & its Discontents: Essays on Palestine in the Middle East, merece ser destacado neste ano de 2013 em que se assinalam duas décadas da assinatura dos Acordos de Oslo (Setembro de 1993).

Peace & its Discontents é importante para perceber o fracasso da OLP quando aceitou, sem contrapropostas, toda as condições de Israel para pôr fim ao conflito.

É inegável que Oslo foi histórico, porque marcou o reconhecimento da existência de dois nacionalismos que até se negavam mutuamente, mas expôs, como explica Said a debilidade de Yasser Arafat depois de ter perdido o apoio dos árabes ao colocar-se ao lado de Saddam Hussein durante a invasão do Kuwait em 1990.

O mote fica dado logo no prefácio assinado pelo ensaísta anglo-americano Christopher Hitchens (1949-2011) com a frase mordaz: “…And they call it Peace/ “…E chamam-lhe Paz”, que denuncia: “Nem a palavra ‘bantustão’ descreve adequadamente o estado-gueto para o qual os palestinianos estão a ser encaminhados.”

Edward Said classifica as cedências de Arafat como “uma rendição”, porque este ofereceu tudo de início (como a renúncia à luta armada) enquanto Israel adiou os seus compromissos para o final (fronteiras, colonatos, refugiados, Jerusalém…).

Para vincar a sua avaliação, Said, que é também autor de outras obras “patrióticas” como The Politics of Dispossession: The Struggle for Palestinian Sel-Determination 1969-1994 e The Question of Palestine, cita a análise de um judeu israelita, Meron Benvenisti, que foi militante do partido Likud (a que pertence o actual primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu): “Ao folhear centenas de secções ambíguas, subsecções, apêndices e protocolos dos acordos, reconhecemos com toda a clareza que foi absoluta a vitória de Israel e ignóbil a derrota palestiniana.”

3. Modern Arabic Poetry: An Anthology
Autor: Sob a direcção de Salma Khadra Jayyusi
Páginas: 410
Editor: Columbia University Press, 1987
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Se fosse vivo, será que Nizar Qabbani (1923-1998) estaria ao lado do compatriota Adonis na oposição a uma intervenção militar estrangeira na Síria, desprezado por Bashar al-Assad e ameaçado de morte pelos inimigos do regime?

Qabbani, nativo de Damasco, a capital, e Adónis (pseudónimo “pagão” de ‘Ali Ahmad Sa’id Esbar), nascido no reduto alauita de Latakia, em 1930, são dois gigantes literários incluídos em Modern Arabic Poetry.

Editada pela escritora jordana Salma Khadra Jayyusi, esta é uma antologia onde deciframos o Médio Oriente nos versos de 93 autores, dos quais se destacam o nacionalista palestiniano Mahmoud Darwish e o maior poeta neoclássico árabe, o egípcio Ahmad Shauqi.

Prémio Goethe 2011, “eterno candidato ao Nobel”, Adónis vive entre Beirute (onde se exiliou em 1957 depois de preso pelos seus ideais socialistas) e Paris.

Uma antologia de Adonis em português foi publicada em 2012 no Brasil. Num debate na Festa Literária Internacional de Paraty, ele defendeu a separação total da religião e do Estado e uma sociedade imune à Shariah (lei islâmica) onde as mulheres serão livres.

O pensamento de Nizar Qabbani não era diferente. Este antigo diplomata, autor de Arabian Love Poems, Republic of Love e On Entering the Sea: The Erotic and Other Poetry of Nizar Qabbani (únicas obras traduzidas para inglês) escreveu um dos maiores libelos políticos contra os ditadores árabes, depois das guerras com Israel, em 1948  e 1967:

If I were promised safety, if I could meet the Sultan I would say to him: O my lord the Sultan! my cloak has been torn by your ravenous dogs, your spies are following me all the time. (…) O my lord the Sultan! you have lost the war twice because half our people has no tongue.
4. A Line in the Sand
Autor: James Barr
Páginas: 464
Editor: Simon and Schuster, 2012

Line in the sand

Há dezenas, senão centenas, de livros tentando explicar a divisão do Médio Oriente entre a França e a Alemanha quando chegou a hora de “partilhar” os despojos do derrotado Império Otomano. A Line in the Sand não é apenas mais um.

Merece atenção porque fornece novas provas sobre a rivalidade da França e Grã-Bretanha personificada em François Georges Picot e Sir Mark Sykes. Com base em documentos que deixaram de ser confidenciais, James Barr expõe, de forma brilhante, as “ambições imperiais” que conduziram aos Acordos Sykes-Picot.

O impulso para escrever este livro, explica o autor no prólogo, surge quando um documento do MI5 o deixa estupefacto: Quem é que, em 1945, estava a fornecer armas aos grupos judaicos Haganah e ao Lehi/Stern, na altura acossados como terroristas, de onde emergiu o Exército de Israel? A resposta é: “As autoridades francesas no Levante, com o objectivo de fomentar uma guerra civil na Palestina”.

Ou, como observa Barr: “Enquanto os britânicos lutavam e morriam para libertar a França [dos nazis], os seus presumíveis aliados franceses estavam secretamente a ajudar a campanha judaica para matar soldados e oficiais britânicos na Palestina”.

A única maneira de Sykes e Picot chegarem a um entendimento sobre o território que Londres prometera ao rei Abdullah da Transjordânia (avô do actual monarca jordano) foi dividir o que restava da Sublime Porta, após a derrota dos sultões turcos, traçando “uma linha diagonal na areia, da costa do Mar Mediterrâneo às montanhas na fronteira da Pérsia.

O território a norte da linha arbitrária ficaria sob domínio da França; a maior parte do sul ficaria sob domínio britânico. O compromisso, que nenhuma das partes gostava, era o de que a Terra Santa deveria ficar sob administração internacional.”

5. Not the Enemy: Israel’s Jews from Arab Lands
Autor: Rachel Shabi
Páginas: 320
Editor: Yale University Press, 2010

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Em 2000, um artigo da revista Science anunciava os resultados de uma investigação conduzida por Ariella Oppenheim, geneticista na Universidade Hebraica de Jerusalém.

“Mais de 70% dos homens judeus [de um total de 119] e metade dos homens árabes [143] cujo ADN foi estudado herdaram o cromossoma Y dos mesmos antepassados paternos que viveram na região nos últimos milhares de anos”, concluiu Oppenhein.

Estes dados ajudam a contextualizar Not the Enemy: Israel’s Jews fom Arab Lands, da jornalista Rachel Shabi, que vive em Londres mas nasceu em Israel, para onde emigraram os pais, naturais do Iraque. Rachel não se faz o centro da história, mas conduz-nos a uma história que tem sido negligenciada e/ou distorcida.

Ela argumenta que o movimento sionista, no âmbito dos nacionalismos europeus, começou por desprezar as comunidades judaicas do Médio Oriente e Norte de África (Mizrachi ou Mizrahim) que “viviam em paz com os seus vizinhos muçulmanos”.

O primeiro chefe do Governo israelita, David Ben-Gurion, por exemplo, dizia que elas “não têm nada de judaico ou de educação humana”, embora Casablanca tivesse muitos académicos e Bagdad muitos médicos. P

osteriormente, quando os judeus foram expulsos ou obrigados a fugir de países árabes após a criação de Israel em 1948, “a ideologia sionista-askenaze” usou-os para negar o “direito de retorno” dos palestinianos  – como se as contas tivessem sido saldadas.

Rachel Shabi detalha como os judeus-árabes, à chegada a Israel eram colocados em “campos de transição”, obrigados a renunciar à sua língua e cultura nativas, para mais tarde serem alojados em áreas subdesenvolvidas, como Sderot, na “fronteira” com a Faixa de Gaza, uma cidade que só merece atenção dos políticos quando atacada com rockets do Hamas.

Para Shabi, a fractura Askhenazim-Mizrahim, estes ocupando um lugar indefinido, “nem judeus de primeira classe, nem árabes de segunda” contribui para o modo como parte significativa da sociedade israelita continua a lidar com os Palestinianos: “Se queres provar que és um bom judeu tens de odiar os árabes.”

6. A Grande Guerra pela Civilização
Autor: Robert Fisk
Tradução: Victor Silva e Miguel Mata
Páginas: 1230
Editor: Edições 70, 2008-2009
 

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O jornalista Robert Fisk não é uma figura consensual: uns idolatram-nos; outros odeiam-no e alguns continuam a respeitá-lo mais pelo passado do que pelo presente, que gera desconfiança.

Hugh Pope, antigo colega no jornal The Independent e autor de Dining with al-Qaeda: Three Decades Exploring the Mny Wolrd of the Middle East, acusa-o aqui de “inventar histórias” e de ser “um impostor”, mas não se pode negar a “Bob” o mérito de ter escrito uma obra extraordinária, tal como já havia sido Pity the Nation: Lebanon at War (Ed. Andre Deutsche, 1990).

A Grande Guerra pela Civilização, resultado de quase 20 anos de investigação, não é um livro para pessoas impressionáveis. Há crueldade, humilhação, sangue e dor nos detalhes com que o homem que detesta ser chamado de “repórter de guerra” evoca os conflitos que lhe povoam a memória.

O título é a inscrição no reverso da medalha com que o seu pai foi condecorado no final da I Guerra Mundial – a “guerra para acabar com todas as guerras” – e a partir da qual foram criadas as fronteiras da Irlanda do Norte, da Jugoslávia e da maior parte do Médio Oriente.

O que ele nos relata é a “fúria dos povos circunscritos por estas fronteiras” e que ele testemunhou de Belfast a Bagdad. Não é uma viagem cronológica.

Começa no Sudão, o primeiro encontro com Osama bin Laden, segue para a invasão soviética do Afeganistão e para a guerra Irão-Iraque (capítulo brilhante) de 1980-1988. Recua até ao genocídio arménio ( “o primeiro holocausto”), e avança de novo para a guerra do Golfo Pérsico em 1991, que forçou o Iraque a retirar-se do Kuwait.

Prossegue para “a última guerra colonial”, a de Israel na Palestina, e termina no Afeganistão e no Iraque de hoje.

A descrição das entrevistas com o líder da al-Qaeda, em 1993, 1996 e 1997, sobretudo da primeira, revela um Fisk deslumbrado com o milionário saudita que clama ter destruído a URSS e que não esconde a ambição de fazer o mesmo à América.

7. A Torre do Desassossego
Autor: Lawrence Wright
Tradução: Eduardo Veiga Coelho
Páginas: 480
Editor: Casa das Letras| LeYa, 2007

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O jornalista, escritor, dramaturgo, argumentista e pianista (na banda de blues Who Do) Lawrence Wright foi viver para um bairro na Arábia Saudita logo após os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2011. Queria decifrar a organização al-Qaeda, responsável pelo pior ataque à América desde Pearl Harbour, tão sinistra como a seita de Tom Cruise, sobre a qual acaba de publicar mais um bestseller: Going Clear: Scientology, Hollywood and the Prison of Belief, (Ed. Knopf, Janeiro, 2013).

Para retratar “A Base” – e desmontar o fracasso dos serviços de segurança americanos –, Wright entrevistou “mais de 600 pessoas”, de Espanha ao Afeganistão, de Paris ao Sudão, leu “centenas de livros e milhares de artigos” e o resultado de todo o seu labor é uma obra-prima ímpar: A Torre do Desassossego.

Ganhou um Pulitzer, foi nomeado para dezenas de outros prémios, a revista TIME classificou-o como “um dos 100 melhores livros de não-ficção de sempre” e está traduzido em 25 línguas.

A história só podia começar com Sayyid Qutb, o ideólogo da Irmandade Muçulmana egípcia, enforcado por ordem do Presidente Nasser, porque permite, por exemplo, “invadir” o espaço interno e externo de Ayman al-Zawahiri, o (sobrevivente) “número dois” de Osama bin Laden.

Co-fundador da Al-Qaeda, Zawahiri é uma das figuras centrais deste magistral thriller, a par de John O’Neill, chefe da unidade de contraterrorismo do FBI cujos alertas foram ignorados até à explosão das Torres Gémeas por pilotos suicidas em Nova Iorque.

Bin Laden foi morto, em Maio de 2011, no seu refúgio no Paquistão, durante uma operação lançada por uma força especial dos SEALs (United States Navy’s Sea, Air Land), mas a Torre de Wright ainda nos desassossega.

8. Os Bin Ladens
Autor: Steve Coll
Tradução: Paula Almeida e Paulo Salgado Moreira
Páginas: 653
Editor: Tinta da China, 2008

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Um outro jornalista norte-americano e Prémio Pulitzer, Steve Coll, escreveu a melhor biografia jamais publicada de Osama bin Laden.

Neste livro, ele oferece-nos a história completa de um clã oriundo de uma terra com nome árabe de “A morte está entre nós” e que o FBI descreveu como sendo “99,999999% de variante não-maléfica”.

Os Bin Ladens – Uma Família Árabe no Século Americano é, igualmente, o resultado de uma longa investigação que incluiu mais de 150 entrevistas nos Estados Unidos, Arábia Saudita, Iémen, Grã-Bretanha, Suíça, Alemanha e Israel, além da pesquisa de documentos judiciais e administrativos e correspondência original.

O objectivo, bem conseguido, foi o de retratar os Bin Laden no microcosmo da família real saudita e no macrocosmo das relações entre Washington e a Casa de Saud, antes e depois do 11/9. Em mais de 650 páginas, o autor de um outro bestseller e Pulitzer, Ghost Wars: The Secret History of the CIA, Afghanistan and Bin Laden, from the Soviet Invasion to September 10, 2011 (Penguin, 2004) expõe, de forma brilhante, a luta contínua dos 24 filhos e 29 filhas de Mohamed bin Laden, um pobre que se tornou milionário, para conciliar tradição, religião e modernidade, aversão e atracção pelo Ocidente, “num mundo sem fronteiras”.

Como leitura complementar, aconselha-se também Caça ao Homem: Os dez anos de caça a Bin Laden desde o 11 de Setembro até Abbotabad, de Peter Bergen (Dom Quixote, 2012, 388 pp).

Aqui, o repórter que fez a primeira entrevista televisiva a Bin Laden, em 1997, revisita todos os passos do terrorista apátrida, desde a queda dos Taliban no Afeganistão até ao seu assassínio no Paquistão.

Outras obras do director do Programa de Estudos de Segurança da New American Foundation que merecem destaque são Holy War, Inc. (2002), The Osama bin Laden I Know: An Oral Story of al-Qaeda’s Leader (2006); e The Longest War: The Enduring Conflict Between America and al-Qaeda (2011).

9. The Columbia World Dictionary of Islamism
Sob direcção: Olivier Roy e Antoine Sfeir
Páginas: 400
Editor: Columbia University Press, 2007

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Quem for à procura da entrada Al-Qaeda (neste caso, Al-Qaida) em The Columbia World Dictionary of Islamism ficará espantado, talvez, por encontrar a organização de Bin Laden “encaixada” entre Pearl (Daniel), o repórter do Wall Street Journal executado no Paquistão pelo grupo terrorista Jamaat al-Fuqara e Qaradawi (Yusuf Abdullah), um xeque egípcio venerado pela Irmandade Muçulmana.

Explicação: em árabe, o artigo definido –al, embora usado em muitos nomes e frases, é ignorado, de um modo geral, na ordem alfabética, como acontece neste monumental dicionário.

Com 2000 entradas, editado originalmente em francês (Dictionnaire Mondial de l’Islamisme, Ed. Plon, 2002, 518 pp.), apenas sob a direcção de Antoine Sfeir, director de Les Cahiers de l’Orient, trata-se de uma obra imprescindível para deixar de confundir Islão com Islamismo.

Este termo começou a ser usado em França, por volta de 1980, para descrever “os muçulmanos radicais para quem as suas acções sociais e políticas se baseavam no Islão”.

Americanos e britânicos seguiram depois essa terminologia, embora, “em francês, a palavra ‘Islamismo’ se tenha tornado quase sinónimo de ‘terrorismo’”, o que Sfeir e Roy lamentam. Também consideram inadequados as expressões “militância religiosa”, “tradicionalismo” ou “ortodoxia”.

Porque “nem todos os movimentos fundamentalistas são militantes, menos ainda terroristas; muitos radicais desconhecem Islão e outros estão longe de ser ortodoxos; nem todos os muçulmanos tradicionais são fundamentalistas; nem todos os muçulmanos conservadores são radicais.”

“(…) Não é possível estabelecer uma ligação entre o quão profunda é a sinceridade religiosa e a propensão para a violência.” Sfeir e Roy são, provavelmente, os maiores especialistas em islamismo.

O primeiro, jornalista e politólogo franco-libanês, é autor, por exemplo, de Les Réseaux d’Allah – Les Filières islamistes en France et en Europe (1997), Les Islamismes D’Hier à Aujourd’Hui (2008), e o segundo, professor no European University Institute, em Florença (Itália), escreveu, entre outros, de L’Échec de l’Islam politique (1992), Généalogie de l’islamisme (1995) e L’Islam Mondialisé (2002).

10. The Arab Uprising
Autor: Mark Lynch
Páginas: 304
Editor: PublicAffairs/First Trade Paper Edition, 2013

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Director do Instituto de Estudos do Médio Oriente na Universidade de George Washington, onde é professor associado de Ciência Política e Relações Internacionais, senior fellow no Center for a New American Security e editor do Middle East Channel for ForeignPolicy.com, Mark Lynch tem milhares de seguidores.

Porque é um académico e blogger com acesso a fontes privilegiadas, dos cafés de Alexandria ao corredores da Casa Branca. The Arab Uprising: The Unfinished Revolutions of the New Middle East, que publicou este ano, é como um “certificado de garantia” de que as revoluções no mundo árabe, iniciadas na Tunísia, em 2011, com a queda do Presidente Ben Ali, são apenas os primeiros sinais de um colossal tremor de terra.

No entanto, apesar de observador sábio e sagaz, Lynch ressalva que “ainda é cedo” para saber se este sismo conduzirá ou não a regimes democráticos.

O conselho que ele deixa aos Estados Unidos, numa altura em que a Administração Obama estava a ser empurrada para intervir na Síria, é a de que, “pela primeira vez na história, a América não poderá mais ignorar a opinião pública” nos países que se sublevam.

Como complemento deste livro, recomenda-se também The Struggle for Egypt: From Nasser to Tahrir Square (Oxford University Press, 2011). Esta obra de Steven A. Cook, que ganhou  a medalha de ouro do Book Prize do Washington Institute, em 2012, é um guia essencial para compreender a “revolução” que derrubou Hosni Mubarak, a “anti-revolução” militar que destituiu Mohamed Morsi e a subsequente “contra-revolução” da Irmandade Muçulmana.

11. Reset Middle East
Autor: Stephen Kinzer
Páginas: 288
Editor: I.B. Tauris & Company, 2010

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Autor de Os Homens do Xá: O golpe no Irão e as origens do terrorismo no Médio Oriente (Ed. Tinta da China, 2003), a admirável biografia de Mohammad Mossadegh, um dos políticos ainda hoje mais amados por ter ousado nacionalizar a Anglo-Iranian Oil Company,  Stephen Kinzer voltou a escrever um livro incómodo.

Em 2013, a CIA reconheceu, publicamente, o seu papel na queda de Mossadegh para reinstalar no Trono do Pavão o seu aliado Mohammad Reza Pahlavi.

Um erro estratégico que abriu caminho ao fim da monarquia e à instauração da primeira República Islâmica, fundada por Khomeini, em 1979.

Em Reset Middle East : Old Friends and New Alliances – Saudi Arabia, Israel, Turkey, Iran, Kinzer tenta explicar “os erros do Ocidente no Médio Oriente”, e deixa um conselho.

Em vez de se aliar a Israel e à Arábia Saudita, os Estados Unidos deveriam aproximar-se ainda mais da Turquia, país membro da NATO, governado por um partido inspirado no islão dos sufis, e restabelecer os laços diplomáticos com Teerão.

Esta obra parece uma utopia, mas certo é que, em Junho deste ano, os iranianos  elegeram (e, surpreendentemente, o Supremo Líder, Ali Khamenei, aprovou) um pragmático, Hassan Rouhani, para substituir o messiânico Mahmoud Ahmadinejad.

Num gesto simbólico, em vez de negar o Holocausto, como o seu predecessor, Rouani usou a sua conta de Twitter para desejar a todos os Judeus “um feliz Ano Novo” (Rosh Hashana).

Sobre esta área geográfica, leia-se também The International Relations of the Arab Gulf  (Cambridge University Press, 2009), de F. Gregory Gause III, um dos maiores especialistas no Golfo Pérsico e suas monarquias árabes.

Gause avalia, designadamente, “os imperativos de segurança” que impeliram as invasões do Irão (1980-88) e do Kuwait (1990) pelas tropas de Saddam Hussein; “a competição pela hegemonia regional” entre a Arábia Saudita, o Iraque e o Irão; e os interesses dos Estados Unidos nos Estados que produzem actualmente mais de 23 milhões de barris de petróleo por dia, com reservas confirmadas de 728 mil milhões (55% do total mundial).

12. Simon Wiesenthal: O maior Caça-Nazis da História
Autor: Tom Segev
Tradução: Marta Amaral
Páginas: 444
Editor: Matéria Prima, 2011

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A Shoah é um tema que  parece “perseguir” Tom Segev, incluído na categoria dos “novos historiadores israelitas” (tal como o conservador Benny Morris e o “pós-sionista” Ilan Pappé), desde que escreveu Soldiers of Evil: The Commandants of the Nazi Concentration Camps (baseado na sua tese de doutoramento na Universidade de Boston) e The Seventh Million: The Israelis and the Holocaust.

Este livro, em particular, deveria ser lido pelos que negam ou banalizam o Holocausto. Aqui se expõe e documenta o modo como os sobreviventes dos planos genocidas de Hitler começaram por ser recebidos com “condescendência e vergonha” pela Yushuv (comunidade judaica da Palestina histórica) obrigando-os “ao silêncio e à rejeição”.

Mais tarde, seriam “usados para efeitos de manipulação política”, sobretudo quando Israel estabeleceu relações com a Alemanha para receber indemnizações vitalícias. Com a biografia de Simon Wiesenthal (1908-2005), o homem que foi crucial para a captura de Adolf Eichmann e outras centenas de nazis, Tom Segev volta a mostrar o carácter independente que sempre marcou o seu trabalho, que inclui também o notável One Palestine Complete: Jews and Arabs Under the British Mandate.

Wiesenthal não deixa de ser um herói admirado por Segev, mas “é um anjo com asas sujas”, que cooperava com a agência de espionagem Mossad, era rival de outro caçador de nazis, Elie Wiesel, e amigo de um colaborador suspeito dos nazis, Kurt Waldheim (antigo secretário-geral da ONU).

Também era um homem que “tinha versões diferentes para acontecimentos iguais”. Por que mentia ele? Segev explica: “Sofria da síndrome do sobrevivente; só gostava de histórias felizes.”

13. As Cruzadas Vistas pelos Árabes
Autor: Amin Maalouf
Tradução: G. Cascais Franco
Páginas: 330
Editor: Difel, 1990-2007

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A primeira edição, em francês, remonta a 1983, mas 30 anos depois, As Cruzadas vistas pelos Árabes, livro de estreia do antigo jornalista Amin Maalouf, não pode estar ausente da bibliografia do Médio Oriente. Até então, esta “guerra santa”, iniciada em 1905 pelo Papa Urbano II contra “os infiéis, pagãos e hereges” muçulmanos tinha uma só versão: a dos cristãos europeus.

Com a obra do católico maronita Maalouf, que fugiu da guerra civil no Líbano, onde nasceu para se refugiar em Paris, onde é agora membro da prestigiada Academia Francesa, documentos até então desconhecidos permitiram outras narrativas.

No preâmbulo, Maalouf explica que não foi sua intenção escrever um livro de História, mas sim documentar “dois séculos movimentados que moldaram o Ocidente e o mundo árabe, e que ainda hoje determinam as relações entre anos”.

A simplicidade da escrita e uma imaginação prodigiosa sustentada por factos reais contribuíram, seguramente, para que todo o trabalho literário de Maalouf seja um conjunto de bestsellers. Desde o seu primeiro romance Leão, O Africano (2010, Quetzal), passando por Samarcanda, O primeiro século depois de Beatriz, O Rochedo de Tânios (Prémio Goncourt, 1996), Os Jardins de Luz, Escalas do Levante, O Périplo de Baldassare, O Amor de Longe (libreto), As Identidades Assassinas, Um mundo sem regras, Origens – todos editados pela Difel.

Voltemos às Cruzadas vistas pelos Árabes: no final, antes das notas, fontes e cronologia, Maalouf faz o diagnóstico da doença. “Num mundo muçulmano perpetuamente agredido, é impossível impedir a emergência de um sentimento de perseguição que adquire, em certos fanáticos, a forma de uma perigosa obsessão. (….) É óbvio que o Oriente árabe continua a ver no Ocidente um inimigo natural,

Contra este, qualquer acto hostil, seja ele político, militar ou petrolífero, não é mais do que legítima desforra. E não podemos duvidar que a fractura entre esses dois mundos data das cruzadas, ainda hoje encaradas pelos Árabes como uma violação.

14. Osman’s Dream: The Story of the Ottoman Empire
Autor: Caroline Finkel
Páginas: 720
Editor: John Murray, 2006

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O primeiro dos 16 capítulos de Osman’s Dream: The Story of the Otoman Empire, 1300-1923, intitulado “First among equals” (Primeiro entre iguais), começa assim: “The Ottoman Empire ended on a particular day, but its beginnings are shroured in myth”.  (O Império Otomano começou num dia determinado, mas o seu início está envolto num mito.”

O dia em que acabou foi 20 de Outubro de 1923, quando Mustafa Kemal Atatürk se declarou presidente da República Turca; mas também pode ter sido 1 de Novembro de 1922, quando o último sultão  foi privado de todos os poderes excepto o de líder religioso; ou 1 de Março de 1924, quando o califado foi totalmente abolido, para dar lugar a um Estado que “não deve nada a políticas dinásticas nem a direitos divinos”.

Investigadora da arquitectura militar e do exército otomano, Caroline Finkel vive em Istambul há muitos anos, e há muitos anos que queria escrever esta obra, para ajudar – os de fora – a compreender melhor um império que, no século XVI, se estendia a três continentes, “desde a Hungria ao golfo Pérsico, do Norte de África ao Cáucaso”.

Um império que marcou para sempre a história da Europa, onde a Turquia moderna reclama agora o seu lugar – em particular como país membro da UE.

Como complemento deste livro, recomenda-se também três obras fundamentais de Andrew Mango, escritor britânico nascido em Istambul: Discovering Turkey (1971) Atatürk: The Biography of the Founder of Modern Turkey (1999) e The Turks Today (2004), que ajudam a descodificar a complexidade da política e da sociedade turcas.

15. Blood and Belief: The PKK and the Kurdish Fight 
Autor: Aliza Marcus
Páginas: 1000
Editor: New York University Press, 2009

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Jornalista que segue, desde 1989, o Partiya Karkeran Kurdistan ou Partido dos Trabalhadores do Curdistão, Aliza Marcus colocou todo o seu saber em Blood and Belief : The PKK and the Kurdish Fight for Independence.

É uma análise objectiva da organização fundada em 1978 e do seu líder, Abdullah Öcalan, que envolveu a Turquia numa guerra com mais de 40 mil mortes, nos dois lados.

O livro, dividido em quatro capítulos, contém entrevistas com antigos guerrilheiros, alguns exilados na Europa, curdos que não apoiam o PKK e “activistas independentes” Turcos e Curdos.

Um dos grandes méritos da antiga correspondente dos jornais The Boston Globe e Christian Science Monitor é relatar sem complacência os actos bélicos de Öcalan e do exército turco (que praticou uma política de terra queimada para se ver livre do seu “inimigo número um”) e, ao mesmo tempo, instilar simpatia pelos 25 milhões de Curdos que – espalhados pela Turquia, Síria, Iraque e Irão – não têm uma pátria.

Em 2013, depois de capturado e condenado à morte (pena reduzida, por pressão da União Europeia, a prisão perpétua na ilha-fortaleza de Imrali, no Mar de Mármara), Öcalan anunciou um cessar-fogo. Desistiu da independência em troca de mais direitos políticos, sociais e culturais para o seu povo. Em Maio de 2013, os combatentes do PKK começaram a desmobilizar em direcção ao Norte do Iraque, que beneficia de um governo autónomo curdo.

Em Setembro, porém, perante o impasse no “processo de paz” a retirada foi “suspensa temporariamente”, embora a trégua se mantenha.

No final de Blood and Belief, a repórter que um tribunal turco acusou de “incitamento ao ódio” devido a um artigo enviado para a Reuters sobre a evacuação forçada de aldeias curdas, em 1995, resume: “Má ou boa, a luta do PKK colocou o problema curdo na agenda da Turquia e do resto do mundo. Ajudou os Curdos a definirem-se como Curdos. Deu-lhes sentido de honra”.

16. Memoirs from Women’s Prison
Autor: Nawal El Saadawi
Páginas: 204
Editor: University of California Press, 1994

nawal

O feminismo árabe nasceu, oficialmente, na estação ferroviária central do Cairo, quando Huda Shaarawi (1879-1947), recém-chegada de uma conferencia na Europa, retirou o “véu” perante a estupefacção (inicial) e aplausos de centenas de outras mulheres que imitaram o gesto. Foi em 1923, ano da independência do Egipto.

Esta figura extraordinária, nascida num sistema segregacionista – imperdíveis as suas memórias, publicadas em 1987 (Harem Years: Memoir of an Egyptian Feminist, 1979-1924), conquistou a liberdade a partir do momento em que se separou do primo com quem se casou, aos 13 anos, quando ele violou um contrato-promessa ao manter uma escrava-concubina. Em 1910, a activista fluente em árabe, turco e francês abriu a primeira escola para raparigas seguirem um currículo académico, não lavores domésticos.

Em 1919, organizou a maior manifestação contra o poder colonial britânico. Para muitos, permanece incomparável, mas há outra egípcia que segue os seus passos: Nawal El Saadawi. autora de mais de 50 livros sobre a condição das mulheres no mundo árabe.

Entre as suas obras fundamentais está Memoirs from the Women’s Prison, escrita quando Anwar Sadata acusou de “crimes contra o Estado”, por se opor ao tratado de paz com Israel.

Foi libertada em 1981, após 22 dias de cárcere, quando o Presidente foi assassinado. Em Abril de 2013, numa entrevista que me deu, a octogenária que, dois anos antes, se juntara aos jovens na Praça Tahrir contra o regime de Mubarak, recordou:

– “Todos os dias a guarda prisional dizia: ‘É mais perigoso, para si, eu encontrar na cela papel e caneta do que uma arma.’ Não me rendi. Pedi ajuda a uma prostituta, ajudante da guarda e que nos trazia o pão. No dia seguinte e durante três meses, ela apareceu com rolo de papel e o seu eyeliner. Foi deste modo que escrevi ‘Memórias da prisão’ . Escondi tudo numa marmita colocada num buraco fundo escavado no chão. Os inspectores nunca descobriram. Salvei a minha vida.”

Sempre vigiada pelos serviços secretos, como Huda Shaarawi era controlada pelos eunucos do harém onde nasceu, Nawal El Saadawi insiste em viver no Egipto e não se exilar.

Sobre uma das suas várias obras, A Daughter of Isis, aconselhou Doris Lessing, Nobel da Literatura 2007: “Este é um livro que todos deveriam ler”.

17. O Harém e o Ocidente
Autor: Fátima Mernissi
Tradução: Maria Adelaide Cervaens Rodrigues
Páginas: 200
Editor: ASA, 2002

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Outra feminista célebre é Fátima (ou Fatema) Mernissi, professora na Universidade Mohammed V, em Rabat. Além de O Harém e o Ocidente, a socióloga marroquina tem também publicado em português Sonhos Proibidos: Memórias de um Harém de Fez (ASA, 1ª edição 1998).

Nestes dois livros, quase tratados antropológicos, ela desconstrói as “fantasias ocidentais” de que o harém é um lugar de sedução e luxúria. Pelo contrário, para os que nasceram e viveram aqui, como ela, “é uma prisão”, interna e externa.

De publicação anterior, mas a obra que deu popularidade internacional a Mernissi, The Veil and the Male Elite: A Feminist Interpretation of Women’s Rights in Islam (1991), com título original em francês de Le Harem Politique: Le Prophète et les femmes (1987), tem sido elogiada como “uma historiografia brilhante das mulheres de Maomé”.

Em contraponto aos olhares feministas, recomenda-se também Veil: Modesty, Privacy and Resistance (Dress, Body, Culture), de Fadwa El Guindi. Esta antropóloga egípcia (que não cobre o cabelo), doutorada na Universidade de Austin-Texas (EUA) e agora professora na Universidade do Qatar, em Doha, argumenta que o “véu” é a “afirmação de uma identidade” cultural e, acima de tudo “um símbolo de resistência”.

As mulheres que “escolhem” usar o hijab (lenço), “afastam-se voluntariamente” dos olhares masculinos, “mantêm-se fiéis a tradições sólidas” e “preservam a sua sexualidade”. É, seguramente, um livro provocador e controverso, que nem Huda Shaarawi, Nawal El Saadawi ou Fátima Mernissi subscrevem.

No caso da feminista marroquina, em The Veil and the Male Elite, onde arrasa com as interpretações masculinas e misóginas das tradições e textos sagrados islâmicos, ela conclui assim a introdução em que convida à leitura: “Que se levantem as velas e se retirem os véus do navio da memória.”

18. The First Muslim: The Story of Muhammad
Autor: Lesley Hazleton
Páginas: 336
Editor: Riverhead Hardcover, 2013

first muslim

Maomé, o profeta do Islão, tem muitos biógrafos, desde Tariq Ramadan, o neto do fundador da Irmandade Muçulmana egípcia (Hassan al-Banna), que escreveu In the footsteps of the Prophet: Lessons from the Life of Muhammad, até Karen Armstrong, uma antiga freira, autora de Muhammad: Prophet for our time: os dois livros saíram em 2007.

Em português, foram publicados, designadamente, Maomé, de Maxime Rodinson (Caminho, 1992) e Profeta Maomé: Uma biografia, de Barnaby Rogerson (Europa-América, 2003). Nem uma destas obras se compara, porém, à de Lesley Hazleton intitulada The First Muslim: The Story of Muhammad”, na qual revela “o homem completo, não o objecto de sublimação”.

A obra demorou cinco anos a concluir porque esta psicóloga de formação e antiga repórter em Jerusalém, que se define “judia agnóstica”,  recuou “até às fontes primárias, biógrafos dos séculos VIII e IX, sem interferência de séculos de interpretação”.

A nova biografia começou a ser redigida depois de a autora do blogue The Accidental Theologist (Teóloga por Acaso) terminado After the Prophet: The Epic Story of the Shia-Sunni Split in Islam, centrado no cisma que, após a morte de Maomé dividiu a comunidade do crentes em Xiitas e Sunitas”.

Em mais de 300 páginas, Lesley Hazleton conseguiu o que queria: “responder, o melhor que pudesse, a uma questão enganadoramente simples: quem foi ele’?”  Em The First Muslim, o que emerge é um homem cheio de dúvidas, longe do ser perfeito venerado pelos seus fiéis.  “Ele emergiu da impotência para o poder, de um ser estranho para um ser íntimo”, disse-me numa entrevista.

“Quando nos apercebemos como é que uma criança órfã empurrada para as margens da sua sociedade acabou a liderar essa sociedade; como é que um mercador desafiou a ordem estabelecida através de uma nova visão de justiça social, como é que um pregador expulso de Meca transformou o exílio num recomeço vitorioso – damos mais valor ao que ele conseguiu e ao quão difícil foi.”

19. The Oxford Dictionary Of Islam
Sob direcção: John Esposito
Páginas: 384
Editor: Oxford University Press, 2004

dictionary islam

As estatísticas mais recentes (Dezembro de 2012), recolhidas pelo Pew Research Center’s Forum on Religion & Public Life, indicam que o número de muçulmanos no mundo ascende a 1600 milhões. O Islão é, pois, a segunda maior religião do mundo depois do Cristianismo.

E se muita gente imagina que a maioria dos muçulmanos habita países do Médio Oriente e do Norte de África engana-se: “quase 2/3 (62%) vivem na Ásia-Pacífico – há mais muçulmanos na Índia e no Paquistão (344 milhões no total) do que em toda a região MENA (317 milhões), embora aqui esteja a maior concentração de muçulmanos: 93% dos 341 milhões de habitantes são muçulmanos; na África subsariana são 30% e na Ásia-Pacífico 24%.

Segundo o Pew Center, os muçulmanos também constituem a maioria da população em 49 países: a Indonésia ocupa o primeiro lugar com 209 milhões (87%), seguida da Índia (cerca de 176 milhões, ainda que sejam apenas 14,4% do total dos habitantes).

Face a esta realidade, o que sabemos do Islão e dos muçulmanos? John Esposito, professor de Relações Internacionais e Estudos Islâmicos na Universidade de Georgetown, em Washington, é um dos maiores especialistas nestes temas e The Oxford Dictionary of Islam, que ele dirigiu em conjunto com outras 15 académicos (crentes e não crentes), é uma obra de referência.

É, inquestionavelmente, das mais completas (2000 entradas e 300 imagens), para compreender uma religião que não é monolítica nem tem clero. Recomenda-se também Dictionnaire de l’Islam: Religion et Civilisation (Encyclopaedia Universalis | Albin Michel, 1997, 924 pp.).

Com a participação de 110 historiadores e investigadores, este dicionário foi dirigido por Ismail Kadaré, o escritor albanês que ganhou o primeiro Man Booker International Prize, em 2005, com o conjunto da sua obra (em português foram editados, pela Quetzal, O Acidente, em 2012, e Os Tambores da Chuva, em 2011).

Outro colectivo (27 autores) a ter ainda em conta é o Dictionnaire du Coran (Robert Laffont, 2007, 981 pp), dirigido por Mohammad Ali Amir-Moezzi, estudioso do Islão xiita, professor na Sorbonne e presidente da cátedra de Teologia Islâmica e Exegese Corânica Clássica, em Paris.

20. A Trilogia do Cairo

Volume 1: Entre os Dois Palácios (2007, pp. 508)

Volume 2. O Palácio do Desejo (2008, pp. 438)

Volume 3: O Açucareiro (2008, pp. 324)

Autor: Naguib Mahfouz
Tradução: Badr Hassanien
Editora: Civilização
 
entre os dois palacios

Mahfouz 2

mahfouz

Começámos com um romance de um judeu franco-tunisino (Palestina) e terminamos com mais três, os volumes que compõem a obra-prima do único árabe Nobel da Literatura: o egípcio Naguib Mahfouz (1911-2006). Entre os Dois Palácios, o I volume da Trilogia do Cairo, chegou a Portugal em 2007, mais de cinco décadas depois de ter começado a ser escrita.

Mahfouz tinha 45 anos em 1956, quando deu vida a Sayyed (senhor ou patrão) Ahmed Abdel Gawwad, à sua mulher submissa, Amina, e aos 5 filhos: o idealista Fahmi, o libertino Yassin, o miúdo Kamal, a feia mas prendada Khadiga, a bela e sonhadora Aisha.

É a história de uma família muçulmana, prisioneira de tradições sociais e religiosas, na grande metrópole do Cairo, durante a ocupação britânica, após a I Guerra Mundial.

Em O Palácio do Desejo, o II volume, voltamos a casa do temido patriarca Gawwad, mas a tradição já não é o que era num lugar onde se confrontam nova e velha gerações – e essa transformação reflecte igualmente uma metamorfose no Egipto.

Em O Açucareiro, III e último volume, despedimo-nos de uma parte da família. Uns morrem e outros anseiam morrer. Uns são presos e outros teimam a não se deixar aprisionar. O Egipto entrou na modernidade sem deixar a tradição. O Egipto é irmão muçulmano, é comunista, é homossexual.

Diz-se que Naguib Mahfouz, leitor ávido de Dostoiévski, Dickens, Balzac e Zola,  “inventou o romance árabe”. A sua escrita cativa o leitor mas é difícil encontrar correspondência, noutras línguas, para o seu estilo clássico. Por isso, é de louvar a tradução competente para Português (a partir do Árabe) e as valiosas notas de rodapé de Badr Hassanein.

Este artigo foi publicado originalmente na revista LER, edição de Outubro de 2013 | This article was originally published in the Portuguese magazine LER, October 2013 edition

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