As detenções são uma “moda” muito disseminada tanto nos dias de guerra como nos de terrorismo, diz um dos personagens de O Açucareiro (p. 259, Ed. Civilização, 2008), III volume da Trilogia do Cairo, obra-prima do único árabe Nobel da Literatura. O país de Naguib Mahfouz que, nos anos 1920, tentava libertar-se das tradições permanece dilacerado por demónios, agora os da modernidade. (Ler mais | Read more…)
Steve A. Cook: De Nasser a Tahrir
Há um guia essencial para compreender a “revolução” que derrubou Hosni Mubarak, a “anti-revolução” militar que destituiu Mohamed Morsi e a subsequente “contra-revolução” da Irmandade Muçulmana.
Em The Struggle for Egypt: From Nasser to Tahrir Square (Oxford University Press, 2011), Steven A. Cook explica, com mestria, as muitas lutas do Egipto para identificar o seu lugar no mundo.
Este livro ganhou, em 2012, a medalha de ouro do Book Prize do Washington Institute. Lê-se como um romance de Mahfouz.
Um desfile de vitórias e fracassos. Dos Oficiais Livres que afastaram do trono o Rei Farouk; da Ikwan al-Muslimun, cujo ideólogo, Sayyid Qutb, foi enforcado por ordem do “pai do pan-arabismo”, Gamal Abdel Nasser.
De Anwar el-Sadat, o guerreiro que foi assassinado por assinar a paz com Israel. De Hosni Mubarak, “a esfinge” que, segundo uma anedota local, tendo de escolher, num cruzamento, a direcção a seguir, esquerda ou direita, dizia ao motorista que ficasse “parado”.
Na encruzilhada onde confluem forças internas antagónicas e interesses externos (dos EUA e Israel, em particular), Steve A. Cook, Senior Fellow de Estudos do Médio Oriente no Council on Foreign Relations, encontra também os liberais, eles próprios perdidos na busca de uma ideologia que ninguém conseguiu definir.
Adel Iskandar: A revolução inacabada
De Adel Iskandar, sábio analista dos fenómenos políticos e mediáticos no mundo árabe, acaba de ser publicado Egypt In Flux: Essays on an Unfinished Revolution (American University in Cairo, 2013).
À semelhança de outras obras do mesmo autor, como Al Jazeera: The Story of the Network that is Rattling Governments and Redefining Modern Journalism e Mediating the Arab Uprisings, este livro é também um manual indispensável.
Ao abordar todos os ângulos relacionados com o levantamento popular, antes e depois da queda de Mubarak – da corrupção à religião, das fraudes eleitorais à violência no futebol – ajuda a descodificar uma transição convulsiva, não poupando, nas críticas, o Exército e a Irmandade.
Cidadão canadiano-egípcio, nascido na Escócia e doutorado em Comunicação nos EUA, onde é professor na Universidade de Georgetown, Iskandar assegura que a revolução “não venceu, mas também não falhou”.
Alaa al-Aswany: Nem Mubarak nem Morsi
Odontologista de ofício (que ainda exerce), Alaa al-Aswany faz uma radiografia, de precisão cirúrgica, dos acontecimentos que conduziram, em 2011, à queda de Hosni Mubarak, em O Estado do Egito: O que tornou a revolução possível (Ed. Quetzal).
Fundador do movimento Kefaya (“Basta”), em 2004, ele condena, neste livro, de forma patriótica e universal (evocando, por exemplo, Camaleão, conto de 1884), de Tchekhov), um regime despótico que tudo corrompia.
Não admira, pois, que o escritor aclamado, pela revista Foreign Policy, como um dos “100 maiores pensadores globais” se encontrasse entre os milhões de manifestantes que encheram a Praça Tahrir, no Cairo, aspirando liberdade.
Mais surpreendente, porém, foi ver um opositor do estado policial juntar-se aos liberais e militantes de esquerda do Tamarod (Rebelde) que saíram à rua, em 2013, exigindo uma intervenção militar contra Mohamed Morsi, primeiro presidente democraticamente eleito.
Autor de Os Pequenos Mundos do Edifício Yacoubian (Ed. Presença), obra traduzida para 27 línguas, e de Chicago (Ed. Quetzal), além de colunista de jornais influentes, como The Guardian, Le Monde e The New York Times, Alaa al-Aswany não partilha da opinião dos que condenam “um golpe militar” que dividiu o país.
Em várias entrevistas que tem dado, o romancista-dentista defende a repressão da Irmandade Muçulmana ordenada pelos generais, e caracteriza Morsi como “terrorista fascista, que monopolizou todos os poderes e governava em nome de Deus, a favor dos interesses do seu gangue”.
E conclui: “O Egipto está a recuperar a sua revolução”.

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Este artigo foi publicado originalmente na revista LER, edição de Setembro de 2013 | This article was originally published in the Portuguese magazine LER, September 2013 edition