Em The Gatekeepers, nomeado para um Óscar, seis antigos chefes de um secretíssimo serviço de segurança revelam, pela primeira vez, as tácticas e dilemas como guardiões da ocupação. Porque “a falta de estratégia deixa o Estado judaico à beira do abismo”, dizem. Obama foi aconselhado a usar este filme para pressionar Netanyahu. Entrevistámos o realizador. (Ler mais | Read more…)

O cineasta Dror Moreh
© Times of Israel
É como uma metralhadora que Yehuda Shaul vai disparando, de rajada, as palavras que, de início, parecia suster: “Escute, neste preciso momento em que falamos, estão duas patrulhas do Exército em Hebron, na Cisjordânia, em operações que designamos por ‘deixar que eles [palestinianos] sintam a nossa presença’.”
“Os soldados andam pelas ruas, entram em qualquer casa, ao acaso, acordam a família se estiver a dormir, separam os homens das mulheres, revistam o lugar sem dar qualquer explicação e, à saída, lançam granadas, disparam para o ar e prosseguem a missão, para incutir o medo e o sentimento de perseguição.”
“É sempre assim, 24 horas por dia, sete dias por semana, desde a Intifada de 2000, com o único objectivo de prolongar a ocupação”.
Shaul, que foi sargento, justifica as suas palavras, proferidas numa entrevista por telefone, com o conhecimento de quem comandou dois pelotões de 20 homens durante 14 meses em Hebron, até compreender que, “terminada a tropa, não podia mais suportar uma situação imoral”.
Por isso, quando viu The Gatekeepers, documentário realizado por Dror Moreh e nomeado para um Óscar, ficou maravilhado: “Como ex-militar que ajudou a fundar a organização Breaking the Silence, foi muito bom, para mim, ver seis antigos chefes do Shin Bet [ou Shabak, Serviço de Segurança Geral] quebrarem o silêncio, tal como nós fizemos em Março de 2004.”
Da Alemanha, onde o seu filme ganhou, no sábado, o valioso Prémio Cinema for Peace, no Festival Internacional de Berlim, Moreh começa por nos dizer que foi mais fácil fazer o documentário, que dura 97 minutos e custou 1,5 milhões de dólares, do que escolher as sete pessoas que o acompanharão à cerimónia onde poderá ganhar uma cobiçada estatueta dourada, no dia 24 [de Fevereiro de 2013].
Em Los Angeles e também em Nova Iorque, The Gatekeepers lotou salas de cinema quando estreou a 1 de Fevereiro; críticos aplaudiram-no como obra-prima; e estrelas de televisão, como Cristiane Amanpour, da CNN, dedicaram-lhe talk-shows em horário nobre.
“O meu trabalho é como um espelho que coloco defronte dos israelitas para eles verem como a ocupação está a corroer nossa sociedade”, diz-nos Dror Moreh. “Não podemos continuar a viver em negação, a tapar os olhos e os ouvidos.”
“Se este filme não resultar, então a esperança está perdida, porque os seis homens que expuseram os seus segredos e dilemas não são esquerdistas nem pacifistas; pertencem ao Shin Bet, que é mais temido do que o Exército.”
“São aqueles que, desde a guerra de 1967, foram encarregados de manter a ocupação, incluindo escolher, por exemplo, quem seriam os alvos de assassínios selectivos, para dar às nossas vidas um sentido de normalidade”.
Como surgiu a ideia de juntar Avraham Shalom (1980-1986), Yaakov Peri (1988-1994), Carmi Gillon (1994-1996), Ami Ayalon (1996-2000), Avi Dichter (2000-2005) e Yuval Diskin (2005-2011) numa confissão individual e colectiva?
“Foi em 2008, quando rodava um documentário sobre o anterior primeiro-ministro Ariel Sharon”, explica-me Moreh. “Um dos seus chefes de gabinete disse-me que Sharon ordenou a retirada da Faixa de Gaza, em 2005, depois de ler um artigo, no popular diário Yediot Ahronot, no qual quatro ex-dirigentes do Shin Bet alertavam que a manutenção de colonatos protegidos por um dispositivo militar seria desastrosa para Israel.”
Ora se a decisão de Arik foi influenciada pelo parecer de homens que durante muito tempo foram anónimos e invisíveis – mas também por um documentário, Testemunhos de Guerra (“Fog of War”, 2003), de Errol Morris, sobre Robert McNamara, chefe do Pentágono durante a presidência de John F. Kennedy –, Dror Moreh convenceu-se de que, talvez, pudesse agitar, igualmente, o establishment político israelita.
Quem são, afinal, os seis “guardiões” do Sherut haBitachon haKlali (nome completo, em hebraico, de Shabak) que poderão oferecer um Óscar ao realizador cuja infância foi marcada pelo filme O bom, o mau e o vilão, de Sergio Leone e com Clint Eastwood, de quem admira Dirty Harry, e que gostava de ter entrado numa nave espacial em Contactos Imediatos do Terceiro Grau, de Steven Spielberg?
Avraham Shalom, o mais velho, com 85 anos, começou a carreira militar no Palmach, grupo (“de resistência”, para os judeus; “terrorista”, para as autoridades do Mandato Britânico na Palestina pré-Israel) que precedeu as actuais Forças de Defesa. De 1959 a 1960, já operacional do Shin Bet, colaborou com a Mossad (espionagem externa), para capturar, na Argentina, Adolf Eichmann.
O cérebro do Holocausto foi enforcado em Israel, em 1962, depois de condenado à morte por um tribunal civil. Em 1972, Shalom foi encarregado pela primeira-ministra Golda Meir de perseguir também os autores do massacre dos atletas israelitas nos Jogos Olímpicos de Munique, ascendendo a director do Shabak em 1980.
Num mandato marcado por extrema violência na Cisjordânia (judeus extremistas cometeram atentados bombistas que mutilaram os presidentes palestinianos das câmaras de Ramallah e Nablus), Shalom conseguiu capturar uma célula clandestina.
E, assim, abortou um plano que visava a explosão da Cúpula do Rochedo, em Jerusalém – o que, segundo Moreh, poderia ter desencadeado uma nova guerra do mundo árabe-muculmana contra Israel.
Em 1986, Shalom foi constrangido a demitir-se depois de uma comissão oficial de inquérito o ter responsabilizado pela execução sumária de dois de quatro palestinianos, que tinham desviado um autocarro para obter a libertação de 500 prisioneiros.
Após a operação de resgate dos reféns, fotos da dupla de sequestradores sobreviventes foram publicadas por vários jornais que, desafiaram a censura, mostrando-os algemados e escoltados por agentes armados.
Conduzidos ao deserto, os capturados foram espancados e abatidos a tiro – uma acção que o ministro da Defesa de então, Moshe Arens, qualificou de “absoluta necessidade”.
Yitzhak Shamir e Shimon Peres, chefes do Governo e da diplomacia, respectivamente, apoiaram Shalom (a ordem terá vindo, aliás, do gabinete do primeiro-ministro). A opinião pública exigiu, porém, que o chefe da Shabak fosse afastado.
Em 1988, na sequência do Caso Kav 300 (o número do autocarro sequestrado), Yaakov Peri foi chamado por Shamir a resolver a primeira grande crise no Shin Bet do qual já fazia parte desde 1966.
Hoje, aos 49 anos, este “ladies’ man que tocava trompete na Orquestra Voz de Israel”, segundo Moreh, prepara-se para entrar no Knesset e no Governo, depois de o seu partido centrista, Yesh Atid, liderado por Yair Lapid, ter sido o segundo mais votado nas eleições de Janeiro último.
O maior desafio de Peri foi a Intifada de 1987, uma revolta popular espontânea contra a ocupação que eclodiu em Gaza quando ele era director-adjunto do Shabak.
Foi também uma enorme surpresa, constatou Dror Moreh, já que de nada lhe valera “a vasta rede de informadores e colaboracionistas” que havia montado quando era “responsável pelo sector árabe”. Para travar a “guerra das pedras”,
Peri mandou assassinar, em Tunes, o ideólogo da sublevação e “número dois” da OLP, Abu Jihad. Hoje, essa “medida táctica” é reconhecida como “erro estratégico” – eliminados os nacionalistas pragmáticos, ganharam peso os islamistas radicais.
Apesar de tudo, na sequência dos Acordos de Oslo de 1992, que levaram ao reconhecimento da organização de Yasser Arafat, Peri ajudou Yitzhak Rabin, sucessor de Shamir, a negociar com os palestinianos.
Não se sabe, ainda, qual a pasta ministerial de que Peri será titular, no próximo governo de Benjamin Netanyahu, mas Moreh espera que o antigo “guardião” “se mantenha fiel” ao que lhe disse: “Várias vezes desde 1967 senti que devíamos chegar a um acordo e fugir dali [dos territórios ocupados], mas não cabe ao chefe de uma agência [de segurança] convencer o primeiro-ministro [a fazer a paz].”
Foi Peri quem escolheu o seu sucessor: Carmi Gillon, que apenas dirigiu o Shin Bet durante dois dos seus 63 anos (1994-96). Embora oriundo de uma família de magistrados (o avô foi o único juiz judeu no Supremo Tribunal do Mandato Britânico na Palestina), Dror Moreh admite que Gillon fosse “o menos preparado”.
O fracasso que ditou o fim da sua chefia foi o assassínio de Rabin, a 4 de Novembro de 1995, por um activista da extrema-direita, Yigal Amir.
Não terá sido fácil, observou o realizador, ter de espiar “colonos judeus idealistas, com treino militar e apoio de políticos influentes”, mas pior foi terem sido ignorados os seus avisos de que Rabin corria perigo.
Shimon Peres, que herdou a cadeira do “primeiro mártir da paz”, recusou inicialmente a demissão de Gillon, oferecendo-lhe a oportunidade de se “redimir”.
Em 5 de Janeiro de 2006, Yahya Ayyash, o “engenheiro bombista” do movimento islâmico Hamas, foi decapitado em Gaza, quando atendeu uma chamada num telemóvel armadilhado.
No dia seguinte, Gillon saiu de cena, e o Shin Bet ficou orgulhoso do seu “sucesso”. Só que, em Fevereiro e Março, começou um ciclo sangrento de represálias: quatro atentados suicidas mataram mais de 60 civis israelitas. Peres, que esperava ganhar as eleições nesse ano, foi derrotado por Netanyahu.
Em The Gatekeepers, onde Moreh usou, assumidamente, tecnologias de computação para criar “uma realidade virtual e uma linguagem cinemática, porque não há provas das operações de um serviço secreto”, Gillon descreve como lugar hediondo um centro de interrogatório em Jerusalém, onde “qualquer pessoa normal que ali entre confessará voluntariamente ter crucificado Jesus, só para sair de lá”.
Faz também um acto de contrição: “Estamos a tornar insuportáveis as vidas de milhões [de palestinianos], a prolongar sofrimento humano, e isso mata-me!”
Um outsider chamado a reabilitar o Shin Bet”, em 1996, Ami Ayalon foi o primeiro a ser contactado por Dror Moreh para o documentário sobre o qual a New York Magazine anotou: “Sabemos que a Terra Santa é uma balbúrdia pecaminosa quando paranóicos profissionais com licença para matar nos aparecem como pacifistas”.
Foi a Ayalon que Moreh pediu os números de telefone dos outros, e “todos se mostraram receptivos, embora o que colocou mais reservas tenha sido Avraham Shalom.”
As reservas entendem-se, porque foi Shalom quem mais surpreendeu Moreh. “Ele compara a ocupação israelita dos territórios palestinianos à ocupação alemã da Europa – não ao Holocausto”, realça o realizador.
“É preciso ter em conta que Shalom nasceu em Viena e que, na Kristallnacht, conduzido pela mãe à escola, foi espancado quase até à morte por colegas.
Ele diz que sentiu na pele o que significa viver sob um regime racista.” Kristallnacht ou Noite de Cristal designa os Pogroms de 9 de Novembro de 1938, na Alemanha e na Áustria sob domínio de Hitler, quando nazis destruíram 267 sinagogas, 7500 lojas e inúmeras casas de judeus.
Mais de 90 pessoas foram mortas; outras 25 mil a 30 mil foram deportadas para campos de concentração. Historiadores designam este acontecimento como “o primeiro ensaio para a Shoah”.
No documentário, Shalom é frontal: “Na guerra contra o terrorismo esqueçam a moralidade” ou “Não há estratégia, só há táctica” – um libelo contra os responsáveis políticos. Moreh diz que “não podia apagar” as palavras de Shalom, ditas com “vergonha mas também o orgulho patriótico de quem agiu para defender e proteger Israel” – porque “só os judeus podem falar deste modo, e ele sabe do que fala.”
Voltando a Ayalon, 68 anos, foi directamente do Exército para o Shabak, tendo sido distinguido, em 1969, com a mais elevada condecoração, a Medalha de Valor. Quando foi promovido a chefe de Estado-Maior da Marinha, já era um veterano dos comandos navais de elite, um “herói sem medo”.
Em cinco anos como chefe do do Shin Bet, Ayalon teve de travar uma “guerra implacável contra o terror” sob a liderança de três primeiros-ministros: Shimon Peres, Benjamin Netanyahu e Ehud Barak.
Contra o general Barak, Ayalon concorreu à liderança do Partido Trabalhista, em 2000. Criticou-o duramente, estilhaçando o mito sobre a cimeira de Camp David com Yasser Arafat e Bill Clinton. Em vez de culpar o líder da OLP por ter recusado “a oferta generosa” do “delfim de Rabin” (que previa a anexação da maioria dos colonatos na Cisjordânia), acusou o rival de não se ter preparado.
Também ilibou o líder da OLP de ter planeado a segunda Intifada (2000), considerando-a “inevitável, devido à frustração dos palestinianos”. Em 2003, o almirante israelita lançou, com o filósofo palestiniano Sari Nusseibeh, The People’s Voice: uma (vã) iniciativa que propunha a devolução dos territórios ocupados sacrificando o direito de retorno dos refugiados de 1948.
No premiado documentário de Dror Moreh, o eloquente Ayalon desabafa. “Questionamo-nos cada vez menos sobre onde vamos parar” se a ocupação continuar. (…) O meu filho, pára-quedista durante três anos e meio, invadiu Hebron umas duas ou três vezes. Será que isto nos fez vitoriosos? Não creio. A tragédia é que ganhamos todas as batalhas mas estamos a perder a guerra.”
Avi Dichter, antigo comando da lendária unidade militar Sayeret Matkal, a que pertenceu Barak, foi escolhido por este para ocupar o lugar de Ayalon no Shin Bet, em 2000, na alvorada da segunda e mais sanguinária Intifada.
Terá sido ele (já envolvido na morte do “engenheiro” Ayash) quem deu luz verde aos assassínios de Salah Shehade (2002) e do xeque Ahmad Yassin (2004), respectivamente, o líder da ala militar e o guia espiritual do Hamas.
Também encorajou Sharon à retirada unilateral de Gaza e à construção do “muro de separação” na Cisjordânia. No documentário de Moreh, “o camaleão” Dichter, tão à vontade na sociedade israelita como na palestiniana”, reconhece que “não se pode fazer a paz pela via militar”.
Se os anteriores cinco antigos do Shabak já não estavam no activo, Yuval Diskin ainda chefiava a agência quando Moreh o entrevistou duas vezes, no seu escritório, “indicador do quão alarmante ele considera a situação.”
Sobre o “trabalho sujo” que é o recrutamento de colaboracionistas, descreveu-o assim: “Pegamos numa pessoa que não gosta de nós e obrigamo-la a fazer coisas que ela nunca imaginara que poderia fazer”.
Evocando Yeshayahu Leibowitz, um dos maiores intelectuais do judaísmo, Moreh confrontou Diskin com a avaliação feita, em 1968, pelo professor que cunhou a controversa expressão “judeu nazi”: a ocupação transformará Israel num estado policial, o que minará a liberdade de expressão e de pensamento, e a democracia. Diskin, que entrou no Shin Bet como operacional em 1977 e deixou a direcção em 2011, respondeu: “Subscrevo todas as suas palavras”.
Talvez não seja de estranhar esta opinião tendo em conta que, como “coordenador do distrito de Nablus”, Diskin, hoje com 57 anos, “conhecia bem a realidade dos campos de refugiados”, não apenas naquela cidade, mas também em Beirute e em Sídon, no Líbano, onde esteve depois da invasão israelita em 1982.
Tendo participado nas negociações que conduziram aos Acordos de Oslo de 1993, envolveu-se também directamente em contactos com os serviços de segurança palestinianos, jordanos e egípcios, de 1993 a 1997.
Em 2000, foi Diskin quem liderou a operação para “destruir as infraestruturas militares do Hamas” na Cisjordânia. Em 2003, durante uma licença sabática, foi conselheiro de Meir Dagan, o então chefe da Mossad – ambos críticos da política de Netanyahu em relação ao programa nuclear iraniano (ameaça de guerra), porque “o regime em Teerão não é irracional”.
Em 2005, Diskin foi promovido a director do Shin Bet, tendo “aperfeiçoado a doutrina dos assassínios selectivos de que terá sido o artífice”.

Emad Burnat, o palestiniano que realizou 5 Broken Cameras, outro documentário nomeado para o Óscar, no mesmo ano de Dror Moreh, com The Gatekeepers
© Udi Goren
Lisa Goldman, co-fundadora do +972 Magazine, um influente website que tem contributos de israelitas e palestinianos, viu The Gatekeepers e entrevistou também Dror Moreh.
Quando lhe perguntámos quais os pontos fracos e fortes, respondeu pela via privada do Facebook: “Este filme é importante e poderoso. O objectivo é atrair a atenção dos israelitas moderados politicamente que têm ignorado os danos causados à sua sociedade pela ocupação contínua desde 1967 – e isso é conseguido com eficácia.”
Uma das fragilidades, observou, é “não mostrar os palestinianos como indivíduos. Eles são vistos em background, em imagens de arquivo a preto e branco, como prisioneiros ou jovens que lançam pedras.”
“Uma vez que a maioria dos israelitas tem pouca ou nenhuma interacção com os palestinianos, essas imagens são as mesmas caricaturas que eles vêem nos media”.
Por isso, acrescenta Lisa, “ao não mostrar como a ocupação afecta os palestinianos e centrando-se no que ela faz à sociedade dos ocupantes, o filma não assume uma posição moral sólida.”
Moreh reagiu esta crítica, dizendo que não foi seu intuito “fazer um ensaio jornalístico”, mas mostrar que “o problema de Israel não é apenas de defesa mas político, acima de tudo.”
Lisa Goldman disse não esperar que antigos chefes do Shin Bet “exprimissem remorsos pelas suas acções, porque, à semelhança dos agentes da CIA e de outros serviços secretos mundiais que torturam pessoas a sua tarefa é, por definição, cometer más acções para protegerem as suas populações”.
No entanto, em The Gatekeepers, os ex-directores “questionam a eficiência das suas más acções porque sabem que não protegem ninguém a longo prazo – nem sequer a médio. Um assassínio conduz a um ataque terrorista, o que conduz a outro assassínio ou a uma rusga nocturna ou a prisão e tortura de pessoas que até serão inocentes.”
“Até quanto é que vai continuar, sem estratégia e solução à vista? Essa é a questão que o filme levanta.”
Sobre o timing escolhido pelos “guardiões” para darem o seu testemunho e as razões por que não agiram mais cedo para evitar que Israel se transformasse no que alguém classificou de “estado do Shin Bet”, a jornalista não quis especular.
“O filme é um grito aos israelitas para despertarem e mudarem a realidade, antes que seja tarde de mais”, frisa Lisa Goldman, salvaguardando que não acredita na mudança: “Acho que já se perdeu muito tempo e que as narrativas [de israelitas e palestinianos] estão profundamente enraizadas.”
Yehuda Shaul, um dos co-fundadores da Breaking the Silence, organização onde veteranos militares que serviram na Cisjordânia e Gaza desde a Segunda Intifada partilham as suas experiências, “para demonstrar o poder destrutivo da ocupação” diz-nos que preferiu “só ver o lado bom do filme”.
Não há dúvida, referiu, em entrevista por telefone, que “foi preciso coragem para aqueles seis homens saírem da sombra e dizerem aos líderes políticos: ‘Nós cumprimos a nossa parte, garantindo a segurança, mas vocês falharam, porque não têm uma estratégia’ – isto pode ser um ponto de viragem.”
“As acções militares não servem para acabar com a ocupação, e sim para a consolidar”, acusa Shaul, que estudou num liceu no grande colonato de Ma’ale Adumim, na Cisjordânia, onde ainda vive uma irmã (que não aprecia o seu activismo), e que agora, aos 30 anos, frequenta a Universidade Aberta de Jerusalém, para se licenciar em Ciência Política.
“É triste que, em Israel, as pessoas falem mais no filme de Dror Moreh por estar nomeado para um Óscar do que pela mensagem que tenta transmitir.”
“Também é triste – e uma ironia amarga – que 5 Broken Cameras, outro documentário nomeado para um Óscar na mesma categoria que The Gatekeepers, esteja a ser promovido como ‘sendo israelita’, quando se trata de uma história de resistência pacífica em Bil’in, povoação da Cisjordânia cercada por colonatos.”
“Isto é um sinal de quanto a ocupação está entrincheirada na sociedade.” Os realizadores são o palestiniano Emad Burnat e o israelita Guy Davidi.

Em Bi’lin, a aldeia de Emad Burnat, na Cisjordânia ocupada, onde terras palestinianas foram confiscadas para construir o “muro de separação” e expandir colonatos judaicos. Foi aqui que o agricultor-cineasta, casado com uma brasileira do Rio Grande do Sul, se inspirou para realizar 5 Broken Cameras
© Udi Goren
Yehuda lamenta que The Gatekeepers não tenha influenciado a campanha e para as eleições de Janeiro, durante a qual, “a questão palestiniana esteve vergonhosamente ausente do debate político, com excepção dos partidos árabes o de Tzipi Livni, e que o próximo Parlamento seja composto por caras novas e velhas “mais interessadas em obrigar os ultra-ortodoxos a ir à tropa do que num acordo de paz”.
Dror Moreh discorda que o seu documentário não tenha tido impacto. “As últimas eleições representaram uma mudança substancial”, vincou.
“Todas as sondagens davam a Netanyahu e à extrema-direita uma maioria absoluta, mas não foi isso que eles obtiveram, e vão ter de negociar uma coligação com as forças centristas que emergiram com mais vigor.”
“O nosso problema é que, nem israelitas nem palestinianos têm líderes audaciosos para fazerem as concessões necessárias a um compromisso.”
O realizador aconselha a que o presidente dos EUA, no segundo mandato, e toda a comunidade internacional exerçam pressão sobre ambas as partes – sobre Israel para retirar 1,5 milhões de colonos da Cisjordânia, sobre a Autoridade Palestiniana, para desistir do direito de retorno dos refugiados. Quantas mais pessoas terão de morrer?”
Em vésperas da grande festa em Hollywood, um dos sonhos de Dror Moreh é exibir o seu documentário para Barack Obama num grande écrã, na Casa Branca, antes de ele visitar Jerusalém e Ramallah, como já anunciou oficialmente. O analista político israelita Akiva Eldar acredita que Obama “vai cobrar a factura”, exigindo que “Bibi” não inviabilize mais a solução de dois Estados.
Netanyahu, por seu lado, já fez saber que não vai ver The Gatekeepers , e nem congratulou o realizador quando o filme foi nomeado para o Óscar.
“O meu problema com Netanyahu é não saber o que ele quer; creio que nem ele sabe”, conclui Droreh. “Há quatro anos que nenhum israelita é vítima de um atentado planeado na Cisjordânia, graças à Autoridade Palestiniana, do presidente, Mahmoud Abbas, e do primeiro-ministro, Salam Fayyad.”
“Mas onde esteve Netanyahu nestes quatro anos? Esteve a expandir colonatos, e os israelitas iludiram-se que não existe ocupação. É um crime!”
Este artigo foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO, em 24 de Fevereiro de 2013 | This article was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on February 24, 2013