Incomodada com a imagem do seu povo distorcida como a de refugiados e/ou terroristas, Sherri Muzher, filha de uma professora de Bir Zeit e de um químico de Taybeh, na Cisjordânia, criou o website Palestinian Surprises. Objectivo: destruir mitos e estereótipos. (Ler mais | Read more…)

Festejos na Praça Arafat, em Ramallah, Cisjordânia ocupada, o reconhecimento pela ONU da Palestina como Estado observador
© Atef Safadi | EPA
Há nomes famosos, como os do ensaísta Edward W. Saïd, que escreveu Orientalismo, de Hanan Ashrawi, a académica que foi serviu de ponte com a OLP na primeira conferência de paz israelo-árabe (Madrid 1991) ou do cineasta Elia Suleiman, que realizou Intervenção Divina.
Mas já ouviu falar de Dean Obeidallah, Mariam Tamari, John H. Sununu, Hiam Abbass, Hany Abu-Assad, Nathalie Handal ou Rami Kashoú, por exemplo? Também eles são célebres, mas ainda não apagaram a percepção de que os palestinianos são “apenas vítimas”. A activista Sherri Muzher deu a si própria “permissão para narrar” uma história diferente.
Filha de Afaf (Musallam) Muzher, professora em Bir Zeit, e de Ead Michael Muzher, um químico de Taybeh, duas cidades da Cisjordânia, Sherri nasceu há 42 anos [em 2012] em Michigan, nos Estados Unidos, depois de os pais se mudarem para aqui, “de modo a escaparem a uma ocupação [israelita] sufocante.”
A família procurava “um futuro brilhante”, mas não foi fácil para Sherri, crescer na América como “descendente de palestinianos”, apesar de, licenciada em Jornalismo (1991) e Direito (1999), ter trabalhado durante mais de uma década para o estado do Michigan, na área da comunicação.
“Só fui à Palestina uma vez, embora tivesse sido por um triz que não nasci em Jericó [cidade na fronteira com a Jordânia]”; mas guardo tantas memórias, desde uma visita inesperada a uma tia-avó até à humilhação que passei nos checkpoints” do exército israelita, diz-me Sherri, numa entrevista por Facebook, onde o seu blogue Palestinian Surprises [agora com novos administradores – Holy Land Christian Ecumenical Foundation, e com exposição no Museu de Belém, na Cisjordânia] tem uma página. “Fui educada num lar nacionalista e secular onde o orgulho pela herança palestiniana era importante. “
Com artigos publicados (e traduzidos para espanhol, alemão, francês e japonês) no USA Today, Baltimore Sun, Washington Times, Toronto Star, Jordan Times, Palestine Chronicle, Lebanon Daily Star e Middle East Affairs, designadamente, Sherri define-se como “alguém que escreve em defesa da justiça”, com o propósito de “desfazer estereótipos, clarificar mitos e apresentar a perspectiva palestiniana.”
Se esperavam dela euforia com a elevação da Palestina a Estado observador da Assembleia-Geral das Nações Unidas, depois de uma votação histórica no passado dia 29 de Novembro, ela justifica a apatia: “Apesar da retórica ocasional dos extremistas em ambos os campos, os palestinianos não vão abandonar a sua pátria e os israelitas também não. Partilham o mesmo território e os mesmos recursos naturais. As suas economias estão interligadas.”
“Os colonatos judaicos impossibilitam uma separação física. A única solução é um Estado democrático binacional em que Palestinianos e Israelitas vivam como iguais e sejam obrigados a fazer com que [essa existência] resulte.”
“O estatuto de observador na ONU não é, para mim, mais do que simbólico. Espero estar errada. Importa-me é que os Palestinianos avancem no sentido de uma verdadeira autodeterminação e de um futuro de segurança que dê uma esperança mais luminosa aos seus filhos.”
Sendo cristã, também se poderia esperar que Sherri Muzher se insurgisse contra a aparente islamização da sociedade palestiniana, mas ela não distingue religiões. Explica: “Na Palestina, os palestinianos cristãos e os muçulmanos estão unidos pelo objectivo da libertação. Há uma expressão hebraica, Aravi hu Aravi, que significa, basicamente, ‘um árabe é um árabe’. Não interessa se o palestiniano é cristão ou muçulmano- será tratado da mesma forma.”
“A limpeza étnica e o êxodo em 1948 devastaram TODOS os Palestinianos”, sublinha Sherri. “O mesmo se aplica à ocupação. Entendo o valor em termos de relações públicas de os israelitas ignorarem os palestinianos cristãos. Afinal, depois da de o islão ter sido barbaramente classificado como vilão depois do 11 de Setembro, por que deixar que os apoiantes [de Israel] saibam que os cristãos também estão a ser perseguidos?”
Sherri Muzher : Académica, jornalista, activista
Nascido em Jerusalém, de uma família cristã, tendo vivido no Cairo e nos EUA, Edward Saïd “revolucionou os estudos do Médio Oriente com a sua obra-prima, Orientalismo, publicada em 1978”. Argumentava que “as percepções do Ocidente em relação à cultura do Médio Oriente estão repletas de estereótipos irracionais e violentos para justificar o colonialismo ocidental na região”.
Podem ouvi-lo aqui. Defensor de “um único Estado democrático com direitos iguais para os seus cidadãos”, Saïd formou, com o maestro e compositor israelita-argentino Daniel Barenboim a orquestra juvenil West-Eastern Divãn, que junta músicos de Israel, Palestina e vários países árabes, relembra Sherri.
“Ele falava frequentes vezes sobre como foi negada aos palestinianos uma voz para narrarem a sua história e contarem as suas vidas nos media e na cultura populares. As suas palavras tornaram-se conhecidas como ‘Permissão para Narrar’. E é essa permissão para narrar’ que o meu website quer ser.”
Vejamos então como Sherri Muzher narra as histórias de algumas celebridades que podem mudar a percepção do mundo sobre aquele que a antiga primeira-ministra israelita Golda Meir disse: “O povo palestiniano não existe!”
Dean Obeidallah : Comediante
Co-fundador do Arab-American Comedy Festival, que se realiza anualmente em Nova Iorque, Dean Obeidallah, filho de um palestiniano dos arredores de Belém (Cisjordânia) e de americana de origem italiana, costuma dar este conselho aos árabes-americanos: “Quando viajarem de avião, vistam-se de branco.”
Ele encara o seu papel como o de um “missionário da comédia”. O seu espectáculo Axis of Evil (Eixo do Mal) conseguiu fazer rir a América no período politicamente sensível que se seguiu ao 11 de Setembro, a ponto de ser convidado especial do canal Comedy Central, cujos astros maiores são Jon Stewart e Stephen Colbert.
Advogado de profissão antes de se dedicar exclusivamente à comédia, Obeidallah, que nasceu em Nova Jérsia, financia frequentemente os seus próprios shows com o objectivo de apresentar os árabes e americanos a uma luz positiva perante audiências americanas.
Em Agosto de 2011, por exemplo, levou o hilariante The Muslims are Coming ao Sul conservador dos EUA, oferecendo bilhetes grátis na rua a quem o quisesse ver. Obeidallah é também um dos criadores do Stand Up for Peace, uma itinerância que o faz viajar pelos EUA acompanhado do comediante judeu americano Scott Blakman, ambos determinados em fomentar uma solução para o principal conflito no Médio Oriente.
Mariam Tamari : Soprano

© mariamtamari.com
Filha de um artista palestiniano e de uma professora japonesa, a soprano Mariam Tamari nasceu em Tóquio. Membro da proeminente família Tamari, famosa pelo seu talento nas artes visuais e performativas, com um mestrado em música e filosofia, Mariam fez a sua estreia na ópera como Adina, em L’Eliser d’ Amore, no Teatro de Nissay, na capital nipónica.
Elogiada pelo seu “virtuosismo”, incarnou o papel de Kate, em Madame Butterfly, de Jeanne, em Joana d’ Arc, e de Maria, em West Side Story. Actua, de um modo geral, como solista e em recitais no Japão (deu um concerto para os imperadores), nos EUA, Europa e Médio Oriente (na Jordânia foi acolhida pelo rei Abdallah e rainha Rania, esta também de ascendência palestiniana).
Em 2011, Mariam, que reside em França, foi aplaudida por uma multidão em delírio quando foi a convidada de honra dos concertos da Palestine National Orchestra em em Ramallah, Jerusalém e Haifa.
Hiam Abbass : Actriz

© The National
Nascida na cidade de Nazaré, em 1960, mas há muito a residir em França, Hiam Abbass cativou cineastas como Julian Schnabel (no filme Miral, 2010) e Stephen Spielberg, que a escolheu como consultora para o filme Munich, sobre o massacre de atletas israelitas por terroristas palestinianos nos Jogos Olímpicos de 1972.
Em 2008, com Lemon Tree (realizado pelo israelita Eran Riklis), ganhou o prémio de melhor actriz, nos Asia Pacific Screen Awards. O seu papel era o de uma palestiniana determinada a proteger os seus limoeiros apesar de ameaças de destruição. Antiga fotógrafa com base em Jerusalém, Hiam participou em cerca de 50 filmes, um deles, o premiado Paradise Now/ “O Paraíso Agora” (2005).
O que mais lhe interessa é a humanidade das personagens”, disse numa entrevista. “Elas podem ter qualquer identidade ou nacionalidade.” Entre esses papéis, estão o de uma viúva tunisina que descobre o desejo, em Satin Rouge, e o de mãe de um imigrante ilegal sírio, em The Visitor.
Como realizadora, Hiam Abbass é autora de duas curtas, Le Pain (2001), e Le Danse éternelle (2004). Este ano, com The Inheritance, estreou-se na direcção de uma longa-metragem.
Hany Abu-Assad : Cineasta

© The National
Vencedor do Globo de Ouro para melhor filme em língua estrangeira com Paradise Now [e nomeado para o Óscar de melhor filme estrangeiro, em 2014, com ‘Omar’, totalmente financiado por palestinianos e, pela primeira vez, apresentado como tendo origem na “Palestina”], Hany Abu-Assad nasceu em Nazaré, uma cidade mista de judeus e árabes de cidadania israelita, em 1960.
Emigrou em 1980, para Holanda (que lhe deu cidadania e onde estudou aerodinâmica). Ele diz que usa o cinema para “expor a humanidade dos palestinianos”. Paradise Now, que recebeu o maior prémio do cinema holandês, foi também nomeado, em 2006 para o Óscar de melhor filme em língua estrangeira, conta a história de dois amigos que planeiam um atentado suicida em Israel. [Lista dos prémios pode ser vista aqui.]
Numa entrevista, ao diário The Guardian, Abu-Assad declarou: “Mostrei a reacção humana perante uma situação complexa; quis que os espectadores tivessem a experiência da situação, de vários pontos de vista. É por isso que faço filmes.” Abu-Assad também realizou Rana’s wedding, ou um dia na vida de uma jovem de Jerusalém que tem de se casar até às 4 da tarde.
O filme foi escolhido para a Semana da Crítica 2002 em Cannes (França). Um outro filme, de 2002, Ford Transit, foi exibido no Festival de cinema independente de Sundance. Centrado na história de um motorista, foi premiado no Festival de Cinema de Salónica, na Grécia.
Nathalie Handal : Poeta e dramaturga

© amazon.com
Natural de Belém, na Cisjordânia, Nathalie Handal é autora de quatro livros de poesia (onde explora, por vezes, as contradições entre moral e tradições árabes) e várias peças de teatro, além de editora de duas antologias. Uma escritora multicultural, tem vivido na Europa, nos EUA, nas Caraíbas, na América Latina e no mundo árabe.
O site ArabianBusiness.com qualificou-a, em 2011, “uma das 100 mulheres árabes mais poderosas”. Inspirada por aquele que é considerado o maior poeta palestiniano, Mahmoud Darwish (1041-2008), Handal é autora de The Poetry of Arab Women: A Contemporary Anthology, livro que foi bestseller da Academy of American Poets e ganhou o prémio Pen Oakland/Josephine Miles.
A sua colectânea de poesia inclui The Never Field, The Lives of Rain, que esteve na short list para o prémio The Agnes Lynch Starrett Poetry/The Pitt Poetry Series. A sua obra mais recente é Love and Strange Horses.
“Eu queria explorar o que Octavio Paz [escritor e diplomata mexicano, Nobel da Literatura em 1990] escreveu: ‘Há uma questão que todos os amantes colocam um ao outro, e ela contém o mistério erótico: Quem és tu? Uma questão sem uma resposta… os sentidos estão e não estão neste mundo.” Sobre si própria, Nathalie Handal disse: “Sinto-me em casa quando escrevo um poema – porque nesse instante estou em toda a parte.”
Rami Kashoú : Designer

© palestineinamerica.com
Os vestidos que Rami Kashoú desenha são exibidos por Rania, rainha Rania da Jordânia, por Penélope Cruz, Rihanna, Dita Von Teese, Christina Aguilera, Heidi Klum, Jessica Alba e muitas outras figuras públicas.
Nascido em Jerusalém, em 1976, Kashoú viveu em Ramallah até se mudar para os Estados Unidos, aos 18 anos. Trabalhou primeiro em armazéns e lojas a retalho, até ser contratado por uma boutique de luxo em Los Angeles.
Em viagens pela Europa, na compra de tecidos, o filho de uma ex-Miss Jordânia tornou-se num self-made man, criando a colecção para mulher One of a Kind. Numa entrevista disse: “Ter aprendido sozinho deu-me a liberdade de exprimir a minha visão como artista, sem me preocupar se estava certo ou errado.”
Devido à fama que conquistou, Rami aparece frequentemente nas capas da New York Times Magazine, Vogue, Women’s Wear Daily, Interview, Elle, In Style, entre outras.

Sherri Muzher
© humanlifematters.org
[Este artigo é um tributo a Sherri Muzher, uma mulher corajosa que decidiu doar os seus órgãos ainda em vida, antes que a doença (esclerose múltipla) que a incapacitou desde os 27 anos a destruísse. Morreu em 2018. Ler aqui:
Este artigo, agora revisto e actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 4 de Dezembro de 2012 | This article, now revised and updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on December 4, 2012
A Palestina ganha o estatuto do Vaticano
A Palestina – território ocupado por colonatos e governado por facções rivais – ganha na ONU estatuto igual ao do Vaticano. A data é simbólica: há 65 anos nascia Israel.

Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestiniana, com o discurso que leu na ONU: Let us envision another future, in which Israel will gain the recognition of 57 Arab and Muslim countries and where the States of Palestine and Israel will coexist in peace, in order to realize each people’s hopes for progress and prosperity. (…) The quest to raise Palestine’s status does not aim at delegitimizing any existing state, that is, the state of Israel, but to consecrate the legitimacy of a state that must exist, which is Palestine
© Council on Foreign Relations
No dia 29 de Novembro de 1947, “o Estado de Israel foi criado através de uma guerra; em 29 de Novembro de 2012, o Estado da Palestina poderá nascer da paz”, exulta Gershon Baskin, o activista judeu que tem no seu telemóvel os números de Benjamin Netanyahu e do Hamas.
Hoje, “todos, incluindo Israel, deveriam apoiar a proposta de resolução que fará da Palestina “Estado observador não-membro” (e não apenas “entidade observadora”) da Assembleia-Geral da ONU, porque representará, também, a aceitação de facto do Estado de Israel”, disse-me, por telefone, o fundador e vice-presidente do Israel Palestine Center for Research and Information (IPCRI).
Para Baskin, que ajudou a libertar o soldado Gilad Shalit e estava a negociar uma “trégua de longa duração” com o comandante militar do Hamas (entretanto assassinado) que o sequestrara, “é preciso que Israel reforce a posição do presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas”, fragilizada depois de mais uma ofensiva que reforçou o poder dos extremistas na Faixa de Gaza.
O plano de Abbas, depois de uma tentativa fracassada junto do Conselho de Segurança em Setembro de 2011, visa reforçar o apoio internacional aos Palestinianos numa altura em que o processo de paz se encontrava quase em fase terminal.
O voto a favor de França, já garantido, e de outros países europeus, foi um ponto de viragem, uma vez que agrava o isolamento de Netanyahu e obriga os EUA a repensar a sua política externa face ao seu grande aliado.
Com o estatuto de “Estado observador” – até agora exclusivo do Vaticano -, a Palestina pode solicitar admissão noutras instituições da ONU e instaurar processos por crimes de guerra contra líderes israelitas junto do Tribunal Penal Internacional em Haia (TPI).
O Reino Unido prometeu abster-se na condição de Abbas não seguir para o TPI, não requerer adesão da Palestina como membro pleno da ONU e aceitar reatar as negociações com Israel.
Apesar do simbolismo que uma votação esmagadora possa representar, e mesmo que reconheça um Estado da Palestina nas actuais áreas A e B (sob controlo exclusivo palestiniano e sob domínio de ambas as partes, respectivamente), Israel continuará a ser, segundo as leis internacionais, uma “potência ocupante”.
A “ocupação” não se define, do ponto de vista legal, como “presença militar permanente” mas como “a capacidade de uma força estrangeira controlar efectivamente o território de outrem”, seja um Estado ou não. O mesmo se aplica a Gaza, de onde soldados e colonos judeus foram retirados em 2005, já que Israel continua a ter controlo absoluto por terra, mar e ar.
Numa avaliação da iniciativa de Abbas de (com o apoio do rival Hamas) pedir legitimidade à Assembleia-Geral, onde não há direito de veto como no Conselho de Segurança, Shmuel Rosner, editor de política do Jewish Journal e analista político ligado à direita israelita, escreveu:
– “Pode ser que os países europeus estejam cansados de Israel arrastar os pés; que os diplomatas decidiram que o único meio de avançar com um processo de paz saudável e frutífero, a única maneira de construir um Estado palestiniano viável é elevar o estatuto palestiniano na ONU”. Pode ser uma forma de “censurar Israel, envergonhar os EUA, abanar o barco e dar a Abbas algum progresso”.
No entanto, adverte Rosner, também pode significar que “o mundo está cansado do processo de paz”, que “os europeus já não querem gastar mais dinheiro com os palestinianos [em 2013, a Comissão Europeia ofereceu mais 100 milhões de euros] e que os EUA ficam sozinhos, porque são os únicos capazes de manter unidas ambas as partes”.
Em relação aos EUA, Rosner acredita que, após a votação na ONU, ficará mais exposta do que nunca “a dependência de Israel”, a partir de agora numa “posição muito dura quando a América exigir concessões”.
O “cálculo dos palestinianos foi correcto”, adianta. “É verdade que Israel pode dificultar ainda mais a vida à Autoridade Palestiniana, mas isso só ajudará forças mais extremistas, como o Hamas. Israel pode ficar furioso, mas não é (sempre) estúpido. Por isso, é provável que, desta vez, Abbas fique imune.”
Numa outra análise, publicada no New York Times, Yousef Munayyer, director executivo do Jerusalem Fund, organização não-governamental com sede em Washington, deixou um conselho à Administração de Barack Obama:
– “É preciso uma reavaliação das políticas da América que contribuem para o marasmo.” Mais de 160 palestinianos e cinco israelitas mortos depois de uma nova ofensiva em Gaza “não dão garantias” de que Israel ficará mais seguro ou que os Palestinianos conseguirão ser independentes.
“O fracasso” das políticas dos EUA, acrescenta Munayyer, deve-se ao facto de se basearem “na assunção de que que o hard power da América, através do apoio a Israel e a outros governos do Médio Oriente, pode abafar as queixas populares”. No entanto, a operação Pilar de Defesaem Gaza “mostrou uma vez mais que o uso da força é incapaz de garantir segurança porque a raiz das queixas não é entendida”.
“A paciência dos Palestinianos diminuiu à medida que o número de colonos triplicou entre o início do “processo de paz” em 1991 e o presente”, salientou Munayyer. Para os Palestinianos, a promessa de soberania subjacente ao processo de paz “foi feita ou de má-fé ou era uma mentira descarada”. E a política dos EUA levou a que o processo de paz fosse, igualmente, visto como “uma mera cobertura para uma infindável colonização por parte de Israel”.
Também o modo como os EUA lidaram com o Hamas enviou “uma mensagem errada”, sustenta Munayyer. “Em vez de promover a paz, apenas criou o incentivo para o uso de armas”, já que as sanções impostas após a vitória eleitoral [do movimento] em 2006 indicaram que os islamistas – curiosamente agora escolhidos como interlocutores favoritos de Washington, como a Irmandade Muçulmana no Egipto – seriam marginalizados, se não aceitassem duas condições: reconhecer Israel e renunciar à violência.
O que o Hamas demonstrou foi que estas condições, aceites pela Fatah, a principal facção da OLP, não travaram a expansão dos colonatos nem puseram ao fim a “um cerco brutal” à Faixa de Gaza, de onde 1,7 milhões de palestinianos não podem sair nem entrar, por terra, mar e ar.
A cadeia de televisão pan-árabe Al jazeera entrevistou Munib al-Masri, uma das mais influentes personalidades palestinianas. “Há 40 anos que eu apoio o processo de paz”, disse, enquanto guiava Sir David Frost, uma das estrelas do canal do Qatar, numa visita à Cisjordânia. “A Primavera está a chegar, e o tsunami está a chegar, e o vulcão está a chegar”, acrescentou o homem a quem chamam de “O Padrinho”, com uma fortuna avaliada em 1600 milhões de dólares.
“Vivemos numa grande prisão; Gaza é uma grande prisão, a Cisjordânia é uma grande prisão; Jerusalém é uma grande prisão – todos os lugares [na Palestina] são uma grande prisão”, lamentou Masri, presidente da Palestine Development and Investment Company (Padico) – representa ¼ de toda a economia palestiniana.
“Estes não são os valores da religião judaica. Eles [Judeus] têm bons valores e espero que respeitem esses valores em relação aos [Palestinianos]. Não podemos viver sob ocupação durante toda a nossa vida. Vamos sentar-nos, falar e ouvir as aspirações e necessidades de cada uma das partes.”
É isso que Gershon Baskin também deseja: “Que israelitas e palestinianos mantenham o diálogo, para que seja possível a solução de dois Estados”, evitando que Israel se torne num “Estado único com um regime de segregação, uma minoria governando uma maioria sem direitos”.

Celebração em Ramallah, na Cisjordânia ocupada, depois da votação que ofereceu à Palestina o estatuto de observador na Assembleia-Geral das Nações Unidas
© Abbas Momani | AFP | Getty Images
Este artigo, agora actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO, em 29 de Novembro de 2012 | This article, now updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on November 29, 2012