Na formosura de Taiwan, a ilha que deslumbrou os portugueses no século XVI, há um paraíso primoroso e imperdível. Um lago em forma de sol e de lua, pérola guardada por montanhas talhadas como dragões. Este é o território dos Thao e a nossa guia é Jennifer, orgulhosa aborígene. (Ler mais | Read more…)

Sun Moon Lake é “o lar” de Pashala, o “espírito” mais ancestral dos Thao, onde, segundo uma lenda, duas montanhas – a de Cinglong ou de Kunbariz e a de Lunlong ou de Tiatabu – estão face a face com a Ilha de Lalu no meio, “criando a imagem de dois dragões brincando com uma pérola”
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O dia mal despontou e o fulgor e mistério de Sun Moon Lake já entram pelo quarto do hotel que lhe copiou o nome. Afastamos a cortina, abrimos a janela e sustemos a respiração. A neblina não ofusca a beleza do lago que tem a forma do sol, a oriente, e a da lua, a ocidente.
Há pontos luminosos, num crescendo de intensidade, que salpicam as águas azul-verde-esmeralda, rodeadas por montanhas viçosas até 2000 metros de altitude. Não é por acaso que a terra da mais pequena tribo aborígene de Taiwan (enfeitiça todos os que a visitam, nas quatro estações do ano.
Sun Moon Lake , o maior lago (artificial) da República da China (ROC/Taiwan), 748 metros acima do nível do mar, situa-se no centro da Ilha de Lalu.
Este é também o território sagrado dos Thao, um grupo aborígene que nas primeiras décadas do século XIX detinha um poder considerável numa vasta área de seis comunidades (as actuais Yuchi, Maolan, Shuishe, Shiyin, Maopu e Tosuhe) mas que agora está reduzido a cerca de 500 membros.
Voluntária da Sun Moon Lake National Scenic Area Administration (uma extensão de 9000 hectares), com um uniforme que a faz parecer uma jovial escuteira, Jennifer (assim se identifica) sonoriza as gargalhadas ao microfone enquanto vai narrando a história do lago.
É o único capaz de armazenar água, porque se encontra a uma elevação superior face a todas as outras, o que limita a erosão causada pelos rios.
Originalmente, Sun Moon Lake era conhecido pelos Thao como zintun. Quando os chineses Han (actualmente 98 %da população de Taiwan; os aborígenes são agora apenas 2%) chegaram a Shueishalian, começaram a chamá-lo de Grande Lago Shueishe, Lago Shueili, Lago Shueilishe, Shueilishehaizih ou Bamboo Lake (Lago de Bambu).
Com os Qing, a última dinastia imperial da China (1644-1912) e a chegada de missionários ocidentais, surgiram outros baptismos. Como Ilhéu da Pérola, Lago do Dragão e Lago Candidius.
Para os invasores japoneses (1895-1945), foi Ilha de Jade ou Ilha na Água. Com o fim da ocupação, passou a ser Ilha de Guanghua (A Luz da China).
A partir de 1999, após um violento sismo que abalou a região, e por deferência aos Thao, o governo do condado local de Nantou reconheceu a designação oficial thao de Ilha de Lalu – e assim permanece.
Para a população nativa, e esse orgulho é indisfarçável no rosto de Jennifer, Sun Moon Lake é “o lar” de Pashala, o “espírito” mais ancestral dos Thao, onde, segundo uma lenda, duas montanhas – a de Cinglong ou de Kunbariz e a de Lunlong ou de Tiatabu – estão face a face com a Ilha de Lalu no meio, “criando a imagem de dois dragões brincando com uma pérola.”

Sun Moon Lake é também o território sagrado dos Thao, um grupo aborígene que nas primeiras décadas do século XIX detinha um poder considerável numa vasta área de seis comunidades (as actuais Yuchi, Maolan, Shuishe, Shiyin, Maopu e Tosuhe) mas que agora está reduzido a cerca de 500 membros.
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Uma das lendas que Jennifer nos conta é a de que as águas profundas de Sun Moon Lake foram encontradas, num tempo indeterminado, por um grupo de caçadores Thao que, “durante vários dias”, perseguiu um “veado branco e raro” pelos rios, vales e montanhas de Shuishalian, onde alojou toda a sua tribo.
Em 1945, Sun Moon Lake fazia parte do município de Taichung, onde se chega em pouco mais de uma hora num dos modernos comboios de alta velocidade que partem de Taipé, a capital.
A partir de 1949, depois de o governo nacionalista de Chiang Kai-shek se mudar da China continental para Taiwan, as áreas administrativas foram reorganizadas, e o lago dos Thao passou a fazer parte do município de Nantou.
Lutas pelo poder e subsequente estagnação económica afectaram profundamente as áreas onde os ocupantes japoneses (actuais aliados estratégicos) investiram muito, fosse em fábricas de chá (uma das indústrias locais mais importantes) ou na construção de barragens e centrais eléctricas (o que implicou a transferência de populações).
Assim que o governo nacionalista se estabeleceu em Taiwan, Sun Moon Lake foi escolhido pelo presidente Chiang como local favorito de férias.
A sua residência temporária era o Edifício Hanbi. Construído em 1916 com madeiras de cipreste chinesas, albergou inicialmente a realeza japonesa e, hoje, aqui funciona o requintado Hotel Lalu.

A norte de Sun Moon Lake há uma paragem obrigatória onde centenas (se não milhares) de pessoas quase se atropelam, na subida e na descida de 366 degraus (150 metros de distância) da “escada para o Céu”: trata-se do imponente templo de Wen Wu, dedicado a Confúcio
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Quando o Kuomintang começou a intervir em Taiwan, com projectos de construção de Estado, como a educação (impor o mandarim e proibir o japonês, por exemplo) e a reforma agrária (que permitiu expropriar grandes proprietários locais e partilhar as terras com os chineses que vieram em 1949), Chiang Kai-shek contribuiu também para que Sun Moon Lake e os seus aborígenes se transformassem numa das maiores atracções turísticas de Taiwan.
Há festivais de natação, de música e dança, de fogo-de-artifício, de artesanato; há passeios em embarcações de cruzeiro (e o que se vê em todas as direcções é deslumbrante.
Há trilhos sinuosos para caminhantes e aventureiros; há restaurantes onde mesas giratórias oferecem uma imensa variedade de peixes e mariscos, pescados directamente do mar ou provenientes de viveiros em montra – algumas espécies ainda lutando pela vida sobre chapas ardentes.
Um dos grandes eventos anuais realiza-se no Matchmaker Pavillion. Quando aqui cheguei, sexta-feira de manhã e um sol escaldante, o recinto estava engalanado com balões brancos e cor-de-rosa, noivos e noivas numa correria para celebrarem uniões financiadas pelo Estado.
O intuito? Promover o crescimento demográfico, segundo a guia Jennifer. Por todos os recantos de uma paisagem esplendorosa e resplandecente, havia casais (um total de 50) em pose para as câmaras, exibindo a beleza e originalidade de trajes e enteados.
Nada é deixado ao acaso: a maquilhagem e o catering, por exemplo, estão a cargo de jovens que estudam estas profissões – todos remunerados por cada rosto tratado, cada prato confeccionado.
A norte de Sun Moon Lake há uma paragem obrigatória onde centenas (se não milhares) de pessoas quase se atropelam, na subida e na descida de 366 degraus (150 metros de distância) da “escada para o Céu”: trata-se do templo de Wen Wu, dedicado a Confúcio.
É imponente a estrutura deste santuário colorido onde a imagem do filósofo chinês (e também dos seus discípulos Mêncio e Zisi) é venerada por não crentes e crentes de várias religiões que ali solicitam bênçãos e exprimem desejos.
Junto a dois leões gigantes de granito, e uma gigantesca taça para paus de incenso, na praça frontal, há uma longa fila de espera para tirar fotografias, com um fundo paradisíaco.

Fábrica-museu de saxofones Lien-Cheng, mundialmente famosa, em Taishung
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Enquanto não se chega a Sun Moon Lake, há outro local que merece a atenção dos visitantes: Taichung, cidade no Centro-Oeste de Taiwan.
Aqui, o comércio tradicional e as pequenas empresas familiares, como a fábrica-museu de saxofones de Lien Cheng, coabitam com um dos maiores parques científicos do país, aqui reunindo companhias industriais e tecnológicas de alta precisão do mundo inteiro, atraídas pelos incentivos oferecidos.
A história dos saxofones Lien-Chen vale a pena ser contada porque simboliza a perseverança não apenas de um homem mas de Taiwan, a ilha que os portugueses designaram Formosa, quando a avistaram no século XVI, e que se apresenta como um baluarte de democracia numa região de muitos perigos e ambições.
Oriundo de uma família de camponeses, Chang Lien Chang nasceu em Houli (Taichung) e aqui viveu sempre. Interessado por pintura e música desde miúdo, no início dos anos 1940 formou a “Jazz Band” com alguns amigos, um dos quais tinha um saxofone, raro (e oneroso) instrumento ocidental naquela época em Taiwan.
O grupo de Chang fazia digressões por todo o país até que, um dia, o saxofone foi destruído durante um incêndio.
Ainda que destroçado, Chang decidiu desmontar todas as peças do saxofone e reconstruir os seus elementos um a um.
No museu dedicado à sua obra, ficamos a saber como ele retirou cobre de portas e o fundiu com moedas de prata para servir de material de soldadura. Neste processo criativo, perdeu a visão no olho direito após ter sido atingido por um pedaço de metal.
Nem isso o dissuadiu e, depois de muitos testes, conseguiu produzir “o primeiro saxofone taiwanês”, comprado por um músico filipino. A quantia foi tão generosa que permitiu a Chang tornar-se num fabricante profissional de saxofones – e também num professor rigoroso que não admitia falhas e só aceitava a perfeição.

A empresa, com seis décadas de vida, está a ser dirigida por Chang Tsung-yao, neto do fundador, pela sua mulher, Wang Tsai-jun, ambos músicos exímios
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A indústria de saxofones em Taiwan prosperou nos anos 1970, com cerca de 30 centros fabricando anualmente mais de 30 mil instrumentos, ou seja, segundo estatísticas oficiais, cerca de um terço da produção mundial.
Os saxofones de Lien-Cheng eram tão famosos pela qualidade, dizem-nos no museu de corredores adornados com caricaturas de Count Basie, Dexter Gordon, John Coltrane, Stan Getz e Sonny Rollins, que os japoneses da Yamaha propuseram uma joint-venture. Esta fracassou devido a discordâncias sobre quem poderia deter a maioria do capital.
Em todo o caso, exultam os herdeiros de Chang, foi à fábrica deste que a Yamaha foi buscar o know-how para o seu saxofone “Jupiter”, marca famosa no mercado mundial.
O negócio começou a fraquejar a partir de 1980, à medida que a China continental se foi tornando num gigante económico.
As fábricas artesanais de saxofone em Houli, com seis a oito empregados, foram sendo incapazes de competir com a produção em massa e mão-de-obra barata oferecida no outro lado do Estreito da Formosa. De um total de 30, restam 13.
O Governo taiwanês não deixou, porém, morrer a fábrica de Chang, que agora coopera com um instituto de investigação para apoiar, a nível técnico e científico, a indústria de saxofones nacional.
Em 2009, foi apresentado um novo modelo, muito bem recebido na Europa – e também nos EUA, sobretudo depois de Bill Clinton receber um de presente quando visitou Taiwan enquanto Presidente.
A empresa, com seis décadas de vida, está a ser dirigida pelo neto do fundador Chang Tsung-yao, e pela sua mulher Wang Tsai-jun. Todos são músicos exímios. E Lien-Cheng é um ícone “glocal”.

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A jornalista viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Taiwan