Enviados de Taipé nunca foram recebidos em Pequim antes de um congresso do Partido Comunista. Em 2012, porém, em vésperas de eleger os seus novos líderes, a República Popular acolheu dirigentes a favor da reunificação e da independência da ilha que os portugueses designaram Formosa. Será uma nova era? (Ler mais | Read more…)

Celebrações do Dia Nacional em Taiwan: uma multidão usa chapéus com as cores da bandeira da República da China (nome oficial do país), em 10 de Outubro de 2012
© Pichi Chuang | Reuters
Nos primeiros nove meses deste ano, o número de turistas da China Continental em Taiwan atingiu o recorde de 1,45 milhões – uma subida de 73,6 por cento em comparação com o mesmo período de 2011.
Representando 30% do total dos visitantes da ilha, eles enchem lojas, restaurantes e hotéis de luxo, distinguindo-se pela sofreguidão com que compram produtos Chanel ou Hermès, mas também pela avidez com que visitam o National Palace Museum, em Taipé.
Tão ruidosa é a multidão de turistas da República Popular da China (RPC) que acorre ao museu para ver uma das maiores colecções de peças de arte do mundo – quase 700 mil –, que já não bastam os sinais à entrada do edifício pedindo silêncio.
Nas galerias com as diversas exposições, a permanente e as temporárias, funcionários erguem placards quase implorando que as vozes e gritos se abafem.
O National Palace Museum será, provavelmente, o lugar onde o conceito de “uma só China” não tem diferentes interpretações nos dois lados do Estreito da Formosa (Taiwan ser uma fracção da RPC; a China continental ser uma fracção da República da China/ROC).
Neste museu, concluído em 1965 e várias vezes ampliado, estão guardados mais de 8000 anos de história comum, desde o Neolítico à Dinastia Qing.
Seja na forma de artefactos de jade, que concentram todas as atenções; miniaturas esculpidas à mão e só perceptíveis à lupa; mapas de meticuloso detalhe, exibindo a preocupação com a estabilidade e a defesa internas do território; porcelanas e obras de vários estilos de caligrafia; ou caixas amovíveis que inspiram designers contemporâneos.
O museu original, na Cidade Proibida, em Pequim, foi aberto em 1925, mas, a partir de 1931, por ordem do general Chiang Kai-shek, os objectos mais valiosos foram transferidos para várias cidades, de modo a não serem pilhados pelo exército imperial japonês, invasor derrotado em 1945.
Depois, entre Dezembro de 1948 e Fevereiro de 1949, no auge da guerra civil chinesa, os mais importantes tesouros foram levados, por mar, de Nanjing para Taiwan, desta vez para não caírem nas mãos das forças comunistas de Mao Zedong, mas também porque eram formas de legitimar o Governo nacionalista de Chiang.
Se durante muitos anos a admirável colecção do National Palace Museum foi sendo reclamada pela República Popular como “propriedade roubada” que lhe deveria ser restituída, o degelo recente nas relações bilaterais permitiu, entretanto, que o Palace Museum em Pequim emprestasse as suas próprias peças a Taiwan, considerando que se trata de uma “herança partilhada”.

Guarda de honra em Taipé, na festa da fundação da ROC: As pessoas estão conscientes de que defender uma independência de jure levará a China a usar a força contra Taiwan e ninguém quer sacrificar vidas por soberania”, disse Chang Yu-tzung, professor de Ciência Política na National Taiwan University
© Wally Santana | AP
Assim, o museu usado pelo Kuomintang (partido de Chiang Kai-shek) para afirmar a ROC como “governo único e legítimo” é agora, com os nacionalistas de novo ao leme em Taipé, um ponto de união com a RPC.
“As relações mútuas são bastante estáveis”, garante-nos Su Chi, presidente do Taipei Forum e antigo secretário-geral do Conselho Nacional de Segurança de Taiwan (2008-2010).
“A China encontra-se numa transição de poder e Taiwan não tem interesse em afundar o barco. Os Estados Unidos, por seu turno, estão satisfeitos com a paz e estabilidade no Estreito.”
“Na realidade”, acrescenta, “Washington e Pequim esforçam-se por manter aqui o statu quo, numa altura em que ocorrem tempestades a Norte – a disputa das ilhas [Rochedos de Liancourt] entre o Japão e a Coreia e [Diaoyu/Senkaku] entre a China e o Japão – e a Sul, no mar do Sul da China [Ilhas Spratly].
“Nenhuma das partes quer arriscar um outro conflito no Estreito – porque Taiwan é o único problema que poderá arrastar as duas grandes potências [China e EUA] para uma guerra.”
No que diz respeito ao contencioso relativo às ilhas Diaoyu/Senkaku, Su Chi destaca o papel moderador que a ROC está a tentar desempenhar para diminuir a tensão.
“O Japão [antigo colonizador durante de 1895 a 1945 e hoje segundo maior parceiro económico, depois da China] já aceitou iniciar um diálogo sobre direitos de pesca, porque sabe que Taiwan é o seu único amigo na região – depois do tsunami em 2011, os donativos de Taiwan excederam a quantia total do resto do mundo.”
Su Chi, que permanece um dos principais conselheiros de segurança do presidente, Ma Ying-jeou, argumenta que, a partir do momento em que “começou a melhorar as suas relações voláteis com a RPC, Taiwan tornou-se num trunfo maior para os EUA e numa inspiração para as forças democráticas na China continental”.
Com trocas comerciais no valor de 130 mil milhões de dólares anuais, as economias de ambas as partes estão cada vez mais integradas, e Su acredita que Taiwan se tornou num “modelo para o futuro” da China continental, porque “deixou de ser uma ameaça para a unidade nacional.”

Ma Ying-jeou, do Kuomintang (aqui com o presidente chinês, Xi Jinping, antes de um encontro no Sangri-La Hotel, em Singapura, em 7 de Novembro de 2015), tudo fez para aproximar Taipé de Pequim até ao fim do seu mandato em 2016
© Roslan Rahman | AFP | Getty Images
A confiança expressa por Su Chi, na entrevista que nos deu, é partilhada por Shaw Chong-hai, decano da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Cultura Chinesa de Taiwan e director do primeiro centro de investigação taiwanês em Macau.
“Havia melindre por parte da China quanto a encetar contactos com Taiwan, e até a manter um intercâmbio académico regular, antes de um importante congresso”, disse Shaw, citado por vários media em Taipé.
No entanto, agora que o Partido Comunista Chinês se prepara para eleger uma nova geração de líderes, a 8 de Novembro, não só o recém-nomeado presidente da Straits Exchange Foundation (SEF), Lin Join-sane, ligado ao Kuomintang, foi recebido em Pequim, como Frank Hsieh, antigo presidente do Partido Democrático Progressista (DPP, pró-independência) mereceu igual acolhimento caloroso.
A recepção a Lin e a Hsieh, ambos com agendas políticas antagónicas, mostra “uma crescente flexibilidade da China nas conversações com Taiwan”, declarou Shaw, que nasceu na província de Sichuan, mas vive em Taiwan desde 1949.
E acrescenta: já nem um regresso do DPP à chefia do Estado abalará, porventura, a política de desanuviamento empreendida por Ma Ying-jeou, reeleito [em 2012] para um segundo mandato. O anterior Presidente Chen Shui-bian (preso por corrupção) hostilizou Pequim e Washington com a sua retórica a favor de uma secessão incondicional.

Chiang Kai-chek, o nacionalista em Taipé, Taiwan
© LIFE
Um inquérito conduzido pelo think tank local 21st Century Foundation e publicado, em Maio, pelo jornal Taipei Times indica que embora 45,8% dos jovens nascidos depois de 1984 considerem Taiwan “uma nação independente da China continental”, quase 57% recusaria o recrutamento militar obrigatório na eventualidade de uma guerra com a RPC.
“A conclusão a que chegámos é a de que as pessoas estão conscientes de que defender uma independência de jure levará a China a usar a força contra Taiwan e ninguém quer sacrificar vidas por soberania”, disse Chang Yu-tzung, professor de Ciência Política na National Taiwan University e líder da equipa que efectuou este estudo em liceus e faculdades.
Ainda que as sondagens recentes indiciem apoio ao seu lema, “Nem independência, nem unificação, nem uso da força”, Ma (que desceu de 58 para 52% dos votos face a 2008) sabe que tem de ser cauteloso na aproximação à China com a qual já firmou 18 acordos em várias áreas.
Os taiwaneses não esquecem os mísseis que Pequim apontou à ilha após as primeiras eleições multipartidárias nos anos 1990.
“Todo o mundo de expressão chinesa está atento às conquistas democráticas aqui em Taiwan”, disse o Presidente Ma, nas celebrações do 101º Dia Nacional da República da China, num discurso para milhares de pessoas que assistiram, em Taipé, a um desfile de aprumados militares, acrobacias coloridas de jovens ginastas e actuação de uma banda pop.
“Taiwan demonstrou que a democracia pode criar raízes e dar frutos no âmbito da cultura chinesa. Estou convencido de que a relação entre Taiwan e a China continental não se limita a economias complementares e laços culturais proveitosos.”
“Também poderemos manter um diálogo sobre democracia e estado de Direito. […] Vamos encorajar a criação em ambos os territórios de centros [diplomáticos] que sirvam empresários, estudantes e o público em geral”.
Ma não mencionou, especificamente, um “acordo de paz”, mas, num encontro, na capital taiwanesa, com vários jornalistas e no qual estivemos presentes, Stephen Chen, investigador na National Policy Foundation, assegurou que “este é um objectivo muito importante” para a ilha que descreve como “um milagre” que “sobreviveu, prosperou e se democratizou”.

Mao Zedong, o criador da República Popular da China
© history.com
Há uma garantia que pode ser dada a Pequim, frisou Stephen Chen: “Taiwan não vai pedir nem pedirá reconhecimento da sua independência na ONU, porque a República da China [ROC] foi um dos países fundadores.”
“Se declarássemos a independência, seríamos um Estado separado e teríamos de mudar a Constituição. Por isso insistimos em afirmar que nós somos a China. Não reconhecemos a RPC como Estado independente: somos um país único temporariamente dividido.”
“O que mais atrai os visitantes da China continental é a nossa liberdade e democracia”, sublinha Stephen Cheng.
“Perguntaram uma vez a um chinês se podia criticar publicamente o regime, na rua ou nos transportes públicos, por exemplo. ‘Sim’, respondeu ele. ‘E pode escrever essas críticas?’ A resposta foi: ‘Sim, posso escrever, mas não publicar.’ Esperamos que a China seja um país livre e democrático que respeita os direitos humanos e não um Estado agressivo.”
Su Chi, o conselheiro do Presidente Ma, também acredita que “a democracia de Taiwan pode influenciar” a RPC, mas gradualmente.
“Em Dezembro último, quando o nossos três candidatos presidenciais debatiam entre si na televisão [a eleição foi em meados de Janeiro], calculamos que 200 milhões de pessoas dentro da China terão assistido a estes programas, através dos seus media sociais”, disse-nos.
“Isso não significa que a China vá seguir o mesmo caminho que Taiwan trilhou nas últimas duas décadas [da lei marcial à liberalização política], nem no formato nem no tempo”, sublinhou. “Razão? A China é demasiado grande, com um desenvolvimento irregular em várias partes de um vasto território.”
“Terá de encontrar o seu próprio caminho, por tentativa e erro. Esperamos que o processo de democratização seja sereno porque qualquer sobressalto afectará Taiwan, acima de todos. Por tudo isto, e mais do que nunca, é preciso manter uma relação estável com a China.”

A República da China, Taiwan ou Formosa tem cerca de 23 milhões de habitantes (censo de 2011). Com capital em Taipé (na foto, uma vista panorâmica), ocupa uma área geográfica de 36.188 km2
© Taiwan Tourism Board
A jornalista viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Taiwan