Não sabemos o seu nome verdadeiro, porque ele apenas se identifica como eL Seed. Pintou o mais alto minarete da Tunísia com um versículo do Corão. Com sprays e caligrafia árabe, um jovem muçulmano está a colorir murais e a derrubar barreiras (Ler mais | Read more…)

eL Seed
© AFP | Middle East Eye
Aos 16 anos, numa escola de Paris, a cidade onde nasceu, o filho de uma família de imigrantes tunisinos ficou fascinado ao ler Le Cid, de Pierre Corneille, tragicomédia onde há “mouros atrevidos” na Castela de D. Urraca.
“Eu já sonhava com a vida de artista, e achei que seria um ‘mestre’ se adoptasse o nome da obra daquele escritor francês. O meu professor disse-me que ‘Cid’ era o mesmo que ‘Sayyid’, em árabe, ou seja, ‘o homem’ ou ‘o senhor’. E foi assim que me tornei eL Seed”.
“Chame-me eL Seed”, pede o próprio, quando iniciamos a entrevista, por telefone, desde o Canadá, onde ele reside com a mulher e o filho de 3 anos. “Este nome, que a princípio era ‘El Scid’, evoca as minhas raízes e as minhas origens, um árabe muçulmano no Ocidente.”
“Não é por acaso que investi na caligrafia árabe (comecei a ter lições em 2000), uma arte distinta e profundamente islâmica que se desenvolveu devido às restrições de representação directa de seres humanos.”
“A minha obra insere-se nesta nova categoria, caligraffiti, que alguns, e eu concordo, consideram revolucionária.”
Hoje, aos 31 anos, eL Seed faz do seu trabalho um veículo de transmissão de mensagens políticas, sociais e religiosas, mas os seus primeiros murais, em 1998, tinham apenas o carácter “subversivo” da adolescência.
Ele ousava grafitar em espaços públicos, como viadutos de autoestrada, não “porque se tratava de vandalismo mas porque era uma arte ilegal e, portanto, apelativa”.
De início, “foi apenas um passatempo”, mas depois entusiasmou-se e foi refinar o talento e o processo criativo com aprendizagem da caligrafia árabe.Em 1999, el Seed já chamava a atenção: pagaram-lhe por um trabalho. Não se lembra da quantia.
Desde há quatro anos, quando se mudou de Nova Iorque para Montreal, as encomendas não mais cessaram, seja na Arábia Saudita ou na Austrália, e o valor de uma obra pode ascender aos 20 mil euros.
Um dos seus ídolos é Elph, artista de graffiti de Edimburgo (Escócia). Segue-o desde que era miúdo, e sentiu-se “honrado” quando, em 2011, cerca de 15 anos depois de o ter conhecido no liceu, participaram juntos numa exposição.

Em 2016, já reconhecido como “artista, pensador e cidadão do mundo”, eL Seed realizou a sua primeira exposição a solo no Médio Oriente, na galeria Tashkeel, no Dubai (Emirados Árabes Unidos). Declaration é um conjunto de esculturas em 3D, inspiradas em versos do grande poeta sírio Nizar Qabbani
© buro247.me/culture/arts
A notoriedade – e “credibilidade”, acentua – consolidou-se quando foi convidado pela organização Al-Khaldounia a pintar o maior minarete da Tunísia, na Mesquita de Jara, em Gabes.
“Demorei três semanas a concluir a tarefa, e foi muito duro porque pintei durante o Ramadão [mês de jejum e data mais sagrada do calendário islâmico]”, contou eL Seed.
“Eram dois turnos, das 5 da manhã às 13h00, com imenso calor, e depois das 16h00 às 19h30. Interrompi apenas por quatro dias para ir a uma exposição na Alemanha.”
“Obtive financiamento da Barjeel Art Foundation, nos Emirados Árabes Unidos, e surpreendeu-me que até o imã da mesquita tivesse concordado”, disse, entusiasmado, misturando o inglês com o francês.
“Estou orgulhoso, não apenas porque nunca pintei uma área tão vasta [47 metros de altura, 10 de largura, cobrindo os dois lados do minarete] mas, sobretudo, porque quebrei todos os estereótipos: que o islão não é compatível com arte; que um muçulmano não pode ser artista. Rompi barreiras com este projecto.”
O seu objectivo, adiantou, “foi unir as pessoas”, depois da revolução de Janeiro de 2011 que derrubou o ditador Ben Ali.
“Decidi pintar o versículo 13 do capítulo 49 do Corão [Ó humanos, em verdade/ Nós vos criámos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos, para reconhecerdes uns aos outros], e foi interessante avaliar a reacção popular.
“Os únicos que não gostaram foram os extremistas religiosos, que criticaram a obra como haram [pecaminosa, proibida], e os extremistas laicos, que não a consideram arte.”
Tendo comprado as próprias tintas e investido tanto neste empreendimento, que envolveu pintar com uma escada elevatória, eL Seed, confessou ter ficado “desiludido” por nenhum meio de comunicação social na Tunísia ter noticiado o que ele fez.
“No entanto, dei entrevistas à CNN e a outros media internacionais: até parece que o novo regime não está interessado na coesão social e nacional”, lamentou.
“A minha arte é simples: tenho uma ideia, desenho um sketch a preto e depois pinto em free style, de improviso”, explicou. “Uso muito a cor negra – propícia à caligrafia árabe –, e raramente o azul; para o amarelo prefiro pincel ao spray.”
“Gosto de escolher o perfeito spot, aquele onde posso mostrar o espírito do lugar. Não é preciso entender árabe para compreender a minha mensagem de paz. Não me dirijo aos olhos, mas ao coração das pessoas.”
“Por isso não é difícil cativar audiências, seja no Dubai ou em Frankfurt. Em breve, vou fazer uma digressão pela Malásia, Singapura e Indonésia, mas onde quero muito ir é ao Japão. Porquê? Acho que deve ser muito cool!”

© eL Seed
Assabah
Tunes (Tunísia, 2011)
A palavra ‘Assabah’ significa “A Manhã”. Inspirei-me no poeta tunisino Abu al-Qasim al-Shabi ele próprio musa das revoluções na Tunísia e no Egipto. A minha mensagem é de esperança: a de que os ditadores jamais conseguirão impedir que o sol nasça.
Foi lindo. Eu estava na Medina, ou Cidade Velha, de Tunes, e enquanto eu pintava ofereciam-me café e todos celebravam à minha volta.
[Al-Shabi é autor de ‘Aos tiranos do mundo’, e num dos seus mais famosos poemas traduzido sob o título de ‘The will of life’, para inglês: “As’ad Abu Khalil, lê-se: ‘If the people will to live/ Providence is destined to favourably respond/ And night is destined to fold/ And the chains are certain to be broken/ And he who has not embraced the love of life/ Will evaporate in its atmosphere and disappear’].

© eL Seed
Open your heart
Paris (França, 2012)
A Gallery Itinerrance em Paris, onde fiz uma exposição a solo de 12 de Setembro a 12 de Novembro de 2012, convidou-me a pintar vários murais em Paris, com autorização do município.
Encontrei um edifício e o proprietário deu licença para que avançasse, mas quando reparou que eu era árabe e usava caligrafia árabe, recusou.
Duas semanas depois, porém, a galeria encontrou uma parede mesmo em frente à casa daquele homem. E eu pintei a mensagem ‘Open your heart’ (Abre o teu coração).
Um apelo à tolerância que ele tem de encarar todos os dias quando abre a porta para sair à rua.

© eL Seed
Tower Side
Gabes (Tunísia 2012)
Este é o maior minarete da Tunísia. Fica na Mesquita de Jara e na terra da minha família, em Gabes. Era só cimento e já havia sido construído há oito anos.
Em Agosto, com apoio da organização Al-Khaldounia, financiamento da Barjeel Art Foundation, nos Emirados Árabes Unidos, e bênção do imã local, pintei o versículo 13 do capítulo 49 do Corão (‘Ó humanos, em verdade, Nós vos criámos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos, para reconhecerdes uns aos outros’), no que é até agora a minha maior obra.

© eL Seed
We don’t write what we want but what we can
Montreal (Canadá, 2012)
Esta é a minha homenagem à liberdade de expressão, na sequência do filme insultuoso [‘Innocence of Islam’] para o profeta Maomé.
Não acho que possamos dizer tudo o que queremos. Podemos criticar sim, mas se é só para provocar e não para iniciar um diálogo construtivo, então não devemos escrever o que nos apetece.
My name is Palestine
Montreal (Canadá, 2009)
A Palestina faz parte da minha identidade como árabe e partilho-a como uma causa. Fugi do estafado ‘slogan’ “Free Gaza” (Libertem Gaza) porque não a quis representar apenas como uma terra de conflito, mas pretendi sobretudo ilustrar a sua grandeza cultural.

© eL Seed
Balance
Montreal (Canadá, 2008)
Este é um trabalho de colaboração com outro artista de ‘graffiti’, Hest, um dos mentores que muito me influenciou.
Com “Balance” (Equilíbrio), tentámos passar a mensagem de que, embora possamos estar num mesmo lugar estamos em constante movimento. A nossa imaginação não tem fronteiras.

© eL Seed
You won’t convince
Frankfurt (Alemanha, 2012)
Perante a crise financeira que abala o mundo, fui reler a obra de um filósofo espanhol do século XIII, Miguel de Unamuno. Em 12 de Outubro de 1936, num discurso na Universidade de Salamanca, ele virou-se para os falangistas fascistas e disse: “Venceréis pero no convenceréis” (Vencereis mas não convencereis). Isto é, os poderes económicos podem estar acima de nós, mas a razão continuará do nosso lado.

© eL Seed
Respect your elders
Montreal (Canadá), 2010
Este é um tributo aos idosos. Pintei isto depois de ter visto uma velhinha à procura de um lugar num parque e de nenhum jovem se ter levantado para ela se poder sentar. É uma mensagem para o Ocidente onde abundam os lares de terceira idade.
No mundo árabe, respeitamos os nossos velhos como fonte de sabedoria, embora tenha de admitir que, infelizmente, também esta tradição comece a desaparecer.

Inauguração da exposição de eL Seed na Galerie Itinerrance em Paris, que esteve aberta ao público de 12 de Outubro a 12 de Novembro de 2012
© eL Seed

Um mural de eL Seed no bairro de Manshiyet Naser, no Cairo, abrange 50 edifícios, e a partir de mosteiro nas imediações revela as palavras de Santo Atanásio, o primeiro patriarca cristão copta de Alexandria (Foto de 2016)
© Jihad Abaz | Middle East Eye
Este artigo, agora actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 7 de Outubro de 2012 | This article, now updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on October 7, 2012