Chipre: “A única opção é uma federação”

Mehmet Ali Talat, presidente da República Turca de Norte de Chipre, não admite um fracasso nas negociações para unir a ilha dividida. O único caminho é a reunificação de “dois Estados iguais”. Para isso, pede a ajuda da ONU e da UE. (Ler mais | Read more…)

Em Novembro de 1983, quando o líder histórico dos cipriotas turcos Rauf Denktash decidiu proclamar a RTNC, até agora só reconhecida por Ancara e pela Organização da Conferência Islâmica, Mehmet Ali Talat (na foto) opôs-se a esse novo Estado. Temia (e com razão) que fosse ostracizado pelo resto do mundo, mas de 2006 a 2010 seria ele o Presidente eleito. @DR (Direitos Reservados | All Rights Reserved)

Em Novembro de 1983, quando o líder histórico dos cipriotas turcos Rauf Denktash decidiu proclamar a RTNC, só reconhecida por Ancara e pela Organização da Conferência Islâmica, Mehmet Ali Talat (na foto) opôs-se a esse novo Estado. Temia (e com razão) que fosse ostracizado pelo resto do mundo, mas de 2006 a 2010 seria ele o presidente eleito

Há 26 anos, no dia 15 de Novembro de 1983, Mehmet Ali Talat votou contra a proclamação da República Turca do Norte de Chipre (RTNC), de que hoje é um “presidente com muito orgulho”.

Naquela época, o líder dos cipriotas turcos era Rauf Denktash, o arquitecto da independência, só reconhecida por Ancara e pela Organização da Conferência Islâmica. Mas Talat, dirigente do Partido Republicano Turco, que participou na reunião de dia 14 que antecedeu a criação da RTNC, opôs-se.

“Chorei quando cheguei a casa à noite, pela primeira vez na minha vida”, disse Talat a um jornalista turco, autor de um livro agora publicado.

No seu palácio em Lefkosia/Nicósia, que antes da independência de Chipre em 1960 foi uma mansão da potência colonial britânica, o antigo engenheiro de 57 anos explica-me, em entrevista*, com respostas telegráficas, a sua decisão do passado e as negociações do presente.

[Esta entrevista foi efectuada antes das eleições presidenciais na RTNC,  em 18 de Abril de 2010, das quais saiu vitorioso Dervis Eroglu, considerado um político de “linha dura, opositor de uma “federação comunal bizonal”. Talat era admirado pela comunidade internacional como a figura que poderia conseguir, mais facilmente, uma solução para o conflito.]

Uma recente sondagem mostra que quase 80% dos cipriotas turcos quer uma solução de dois estados, e não a reunificação da ilha. Por que é que o pessimismo do seu povo contraria o seu optimismo de que o compromisso é possível?

Depois de os cipriotas gregos terem chumbado o referendo da ONU em 2004, que previa a reunificação, é normal que os cipriotas turcos, que votaram a favor, se sintam pessimistas.

Eu olho para essas questões de uma forma mais vasta. Este é um problema da comunidade internacional, e os principais protagonistas são agora a favor de uma solução, incluindo a Turquia, a Grécia, a União Europeia e a ONU.

A minha opinião tem de ser diferente da opinião pública. Será que a solução de dois estados é uma opção? Será uma opção lógica ou racional? Eu digo que não é racional! A única opção é uma federação de dois estados iguais.

[Talat diria, mais tarde, que não há comparação entre Nicósia dividida e Berlim, que há 20 anos derrubou o seu muro. “Os alemães, adiantou, eram um só povo, nós somos duas comunidades distintas. A reunificação servirá para pôr fim ao nosso isolamento. Dou-lhe um exemplo: muitos cipriotas turcos vão trabalhar no Sul, mas à noite regressam ao Norte porque ainda têm medo [dos cipriotas gregos“).

Mehmet Ali Talat era amigo pessoal do anterior presidente da República de Chipre (único Estado reconhecido pela União Europeia), Demetris Christofias (dir.). Quando o cipriota turco perdeu as eleições em 2010, o cipriota grego renunciou a concorrer a um segundo mandato, em 2013, devido ao impasse permanente nas negociações
© Cyprus Mail

Esta e a última oportunidade para um acordo?

É a última oportunidade porque temos a coincidência de todos serem neste momento a favor de uma solução. As negociações decorrem numa atmosfera amigável, mas o ritmo é mais lento do que esperava. Os cipriotas gregos, sendo agora membros da UE, não querem partilhar o poder, e isso é um problema.

É preciso maior envolvimento da ONU porque e necessária arbitragem. O problema de Chipre foi arrastado pelo Sul para a UE, e a UE tem direito de pedir ao Sul que resolva o problema.

Pode um acordo ser conseguido antes da cimeira europeia de Dezembro?

Não tenho a certeza. Também não tenho a certeza de que possamos encontrar uma solução num futuro próximo.

Há um prazo para chegar a um acordo?

Não fixámos nenhum prazo, mas há sinais, datas a considerar. Uma é a cimeira da UE, porque a Turquia vai ser reavaliada. É um momento crucial, não o fim da vida.

O que espera da cimeira?

Não espero nada contra a Turquia [obrigada pelo protocolo de Ancara a reconhecer Chipre sob pena de ver as negociações de adesão suspensas].

A Turquia disse com toda a franqueza que está disposta a levantar as restrições ao lado cipriota grego, abrindo os seus portos e aeroportos se simultaneamente a UE puser fim ao isolamento dos cipriotas turcos.

No seu vocabulário não há, portanto, lugar para a palavra fracasso?

O fracasso é sempre possível. Se isso acontecer será a divisão permanente da ilha.

Acha que o novo Governo socialista de George Papandreou em Atenas, com boas relações com a Turquia, pode influenciar a decisão dos cipriotas gregos?

Essa é a nossa esperança.

© monocole.com

E o que espera da UE?

Vários países da UE reconhecem agora que foi um grande erro admitir os cipriotas gregos na União em 2004 [depois de terem chumbado o plano de reunificação de Kofi Annan]. Há uma atitude mais positiva mas o erro já está feito, não pode ser emendado.

O senhor é amigo pessoal de Dimitris Christofias, o Presidente da República de Chipre. Mas nota que os cipriotas gregos se mostram agora mais intransigentes. Porquê?

Christofias não negoceia sozinho. É claro que ele tem de promover os interesses dos cipriotas gregos. Mas os partidos da oposição, e alguns da sua coligação do Governo, não lhe facilitam a vida. Ele é muito vulnerável às críticas. Não se pode mostrar flexível.

Quantos encontros já teve com ele ?

Mais de 50! [Sobre o que conseguiram até ali, Talat já havia explicado, num briefing, que há acordo para um presidente e um vice-presidente eleıtos e rotativos, mas divergências sobre a composição do governo “porque os cipriotas gregos não aceitam um sistema equitativo”].

Mesmo sem prazo, em 2010 haverá presidenciais na RTNC. Qual será o impacto para o seu futuro político se falhar nas negociações?

É claro que o impacto não será positivo. Pode não haver acordo até 2010. Mas fracasso não é opção no curto prazo.

Há 26 anos, o senhor opôs-se à proclamação da RTNC. Continua a achar que foi um erro?

É verdade que me opus a esta proclamação, porque temia que a reacção da comunidade internacional seria muito negativa e prejudicial aos interesses dos cipriotas turcos.

Ainda hoje acho que, naquela altura, tinha razão. É claro que a RTNC se tornou numa realidade histórica e eu sou o presidente da república que tenta dar o melhor para servir os seus cidadãos.

© monocole.com

A jornalista viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Turca do Norte do Chipre 

Este artigo, agora revisto e actualizado, e com um título diferente, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 15 de Novembro de 2009 | This article, now revised and updated, and under a different headline, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on November 15, 2009

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