Andrzej Wajda não esperava ver uma Polónia livre

O cineasta polaco Andrzej Wajda, galardoado com um Óscar honorário em 2000, diz que “nenhum lunático” destruirá a democracia conquistada em 1989. (Ler mais | Read more…)

© bfi.org.uk

Andrzej Wajda [1926-2016] não tenciona fazer um filme sobre Lech Walesa [mas fez e foi exibido em 2013], o ex-Presidente e líder do Solidariedade, que divide os polacos entre os que “defendem a lenda” e os que acham que “o mito deve ser desmascarado”.

Essa é uma tarefa que o cineasta deixa aos seus estudantes, “quanto mais tarde melhor, porque, como Aristóteles dizia, é mais fácil chamar herói a quem já morreu, porque os vivos ainda nos podem surpreender”.

Não se iludam, todavia, os que procuram críticas de Wajda ao homem que, em 1989, o convidou, “porque precisava de nomes sonantes”, a integrar o primeiro Governo pós-comunista na Europa de Leste.

“Se eu fizer um filme será sobre os que estão a deitar lama para cima de Walesa e o tentam denegrir”, afirma o realizador, em Varsóvia, a um grupo de jornalistas europeus.

“Será sobre a história de um Instituto [da Memória Nacional, IPN] que viola direitos constitucionais, facilitando carreiras rápidas a jovens historiadores. Estes seguem uma agenda e escolhem os arquivos [da ex-polícia secreta] consoante os nomes que querem atacar. Situação moralmente desprezível.”

Wajda refere-se a uma biografia de 750 páginas, de Slawomir Cenckiewicz e Piotr Gontarczyk, em que Walesa, o líder sindical dos estaleiros de Gdansk, é apresentado como “o informador Bolek” da extinta SB.

O livro foi elogiado pelo ex-primeiro-ministro Jarosaw Kaczynski, mas muitos críticos, incluindo ex-agentes, vêem-no como “um ajuste de contas” entre velhos camaradas que o poder transformou em inimigos.

Walesa alega que os ficheiros em seu nome foram falsificados pelo regime comunista, e nega que, quando era chefe de Estado, tivesse destruído quaisquer documentos comprometedores. Ficou tão indignado com as “calúnias” que ameaçou deixar de viver na Polónia.

A imagem que o elegante Wajda, camisa preta e cabelo branco, quer preservar de Walesa é a do sindicalista que, em Gdansk, quando lhe foi perguntar se os tanques soviéticos entrariam na Polónia em 1989, recebeu esta garantia: “Não, eles não virão! Não te preocupes!”

O realizador regressou a Varsóvia e deu “a boa nova” a todos os amigos de que não haveria invasão.

“Acreditei nele, porque era um verdadeiro político. Foi chefe de um sindicato e tornou-se chefe de Estado. Não quero comentar o que Walesa fez depois disso. Não sei o que ele ainda pretende ser. Talvez queira voltar à política e recuperar a sua antiga popularidade.”

Imagem do filme Katyn, de Andrej Wada, sobre um massacre que assombrou a Polónia. @ A V

Imagem de Katyn, de Andrzej Wajda, sobre o massacre de 20 mil oficiais polacos cometido por forças estalinistas em 1939

Andrzej Wajda, 83 anos de vida e 58 de cinema [em 2009], combatente da resistência francesa durante a II Guerra Mundial, em 1942, considera sua obrigação lembrar o passado, embora enalteça “a liberdade de privilegiar o futuro” dada aos jovens.

“Estou feliz por estar vivo, porque não esperava ver uma Polónia livre e próspera. Estou feliz porque os meus filmes influenciaram os grevistas do Solidariedade que, em 1989, formaram um governo democrático.”

Um dos mais populares filmes de Wajda – na Polónia, não no estrangeiro (ele culpa “desinteressados distribuidores russos e americanos”) – é Katyn. A cena de abertura há muito estava na sua cabeça. Dois grupos de polacos numa ponte, de um lado estão os que fogem das tropas nazis de Hitler, do outro, os que tentam escapar ao Exército Vermelho de Estaline.

Num campo de prisioneiros de guerra, um militar constata: “Os alemães levaram os nossos soldados; os soviéticos os nossos oficiais.” Outro comenta: “Que diferença faz? Cativeiro é cativeiro!”

O filme narra as quase simultâneas invasões soviética e alemã da Polónia em Setembro de 1939 e o subsequente massacre, pelos estalinistas, de 20 mil oficiais polacos nas florestas perto da aldeia russa de Katyn.

Lech Walesa, o líder do sindicato Solidariedade e ex-presidente que convidou Andrzej Wada a integrar o primeiro governo pós-comunista na Europa, “porque precisava de nomes sonantes”
© Katarina Stoltz | Reuters | Financial Times

Katyn, o filme, prova que Katyn, o crime, “foi cometido contra a inteligentsia polaca e não contra o exército”, comenta Wajda.

“A maioria dos oficiais executados eram profissionais e reservistas, a elite do país. Não foi coincidência que, enquanto os oficiais em Katyn eram mortos, professores em Cracóvia eram levados para campos de concentração. Se eliminassem os mais cultos, seria mais fácil controlar uma nação.”

Vinte anos após a “revolução” que abriu o caminho à queda do Muro de Berlim, o cineasta polaco, que também recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1981, com O homem de ferro, considera-se um optimista.

“As decisões e as mudanças [em 1989] foram tão profundas que nem os mais lunáticos conseguirão jamais eliminar o novo sistema. Fomos parte da Europa durante 2000 anos e agora, depois de um parêntesis, voltámos a ser parte dela. A Europa sempre foi a nossa referência.”

Esta declaração de amor está também gravada no filme Katyn, quando um general polaco diz aos compatriotas prisioneiros dos invasores soviéticos: “A derrota e o cativeiro fazem parte do destino de um soldado, tal como o regresso a casa para retomar o combate.”

“Não entregámos as armas ao inimigo mas a nós próprios. Por isso, só depende de nós permanecermos soldados ou sermos vencidos. (…) O nosso objectivo é pôr de novo a Polónia no mapa da Europa.”

[Andrzej Witold Wajda morreu em 9 de Outubro de 2016, aos 90 anos. O seu último filme foi Afterimage (Powidoki), centrado na vida do pintor polaco Władysław Strzemiński, perseguido por recusar a ideologia do partido comunista na era regime estalinista].

© criterion.com

A jornalista viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Polónia

Este artigo, agora revisto e actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO, em 6 de Junho de 2009 | This article, now revised and updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on June 6, 2009

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