Donald Tusk: “Nunca imaginámos vencer um terrível opositor”

A liberdade chegou a 4 de Junho de 1989. Donald Tusk, primeiro-ministro polaco, exalta a “revolução pacífica” que abriu caminho à queda do Muro de Berlim. (Ler mais | Read more…)

© Kacper Pempel | Reuters

Donald Tusk tem um brilho nos olhos azuis, e percebe-se porquê. “Desde a minha infância, a pergunta que todos fazíamos era: ‘Os tanques soviéticos virão ou não’? Havia milhares de soldados que podiam entrar na Polónia a qualquer momento. Mas o que aconteceu, em 1989, foi espectacular.”

“Vencemo-los!”, proclama o primeiro-ministro e antigo activista do sindicato Solidariedade em Gdansk, cidade onde nasceu, em 1957. “Foi uma obra-prima o que conseguimos: um regime opressivo caiu sem derramarmos uma gota de sangue.”

“A rendição dos soviéticos, terrível opositor, foi uma vitória sem precedentes na História da Europa. Numa imaginámos que o desfecho seria tão vasto e que uma tão grande responsabilidade estaria sobre os nossos ombros.”

“Há 20 anos, eu era professor, vivia numa pousada perto da universidade [de Gdansk] com a minha mulher e dois filhos, dirigia um semanário clandestino e nunca pensei que um dia poderia comprar um carro”, exulta Tusk, num encontro em Varsóvia com jornalistas europeus.

“Em 4 de Junho de 1989, eleições livres permitiram estabelecer o primeiro governo não-comunista nesta parte do mundo e influenciaram outros países, a uma velocidade galopante, até à queda do Muro de Berlim. Foi uma revolução pacífica de cidadãos”.

Foram quase livres as eleições, depois de uma Mesa-Redonda, entre figuras do regime e da oposição. Os comunistas reservaram para si próprios 65% dos lugares no Parlamento, embora todo o Senado, excepto um lugar, tivesse ido parar às mãos do Solidariedade. O resultado foi “um Presidente vosso [o general Wojciech Jaruzelski] e um primeiro-ministro nosso [Tadeusz Mazowiecki]”.

Donald Tusk, numa foto nos anos 1980
© Quora

Filho de um carpinteiro e de uma enfermeira, sobreviventes de campos de trabalho forçado alemães na II Guerra Mundial, o historiador Tusk frisa que “a unificação da Europa só foi possível graças aos esforços do Solidariedade, à sua capacidade de sacrificar os seus interesses a favor de um bem comum.”

“Hoje, ‘solidariedade’ é uma palavra que ainda faz sentido. É preciso que a Europa ultrapasse o egoísmo, se quer ser uma grande potência. Nós [polacos] reconquistámos a nossa independência depois de um período de escravidão, e gostava que todos valorizassem a importância da liberdade.”

A liberdade, por exemplo, de votar ou não nas eleições europeias. As sondagens prevêem que só “dois em cada dez” polacos irão às urnas, e inquéritos de rua revelam o desconhecimento de muitos de que o ex-primeiro-ministro Jerzy Buzek é candidato a presidente do Parlamento Europeu (PE) ou que o país assumirá a presidência da UE em 2011.

Tusk espera que o entusiasmo demonstrado em 2007, nas últimas eleições nacionais – quando a sua Plataforma Cívica (PO) derrotou o Partido Direito e Justiça (PiS), dos irmãos Jaroslaw e Lech Kaczynski -, seja reavivado, mas compreende os que optarem pela abstenção, apesar dos esforços do Governo para sensibilizar os cidadãos.

“Um dos momentos mais humilhantes da Polónia comunista era a obrigação de votar nas chamadas ‘eleições’ em que a taxa de participação era de 99,9 por cento”, recordou o primeiro-ministro.

Donald Tusk também valoriza a liberdade de Lech Walesa ser pago pelo milionário Declan Ganley, o líder do movimento antieuropeu irlandês Libertas para dar palestras em capitais europeias. “O [antigo] Presidente Walesa surpreende-nos muitas vezes, até a mim que o conheço há tantos anos!”, comenta, divertido.

“Ele não teria sido um líder eficaz do Solidariedade sem essa qualidade”, nota. “Graças a essa inteligência especial, venceu o comunismo sem cometer um único erro. Podemos dizer, com 100% de certeza, que o Libertas se vai arrepender de ter chamado Walesa para os seus comícios.”

“Em Paris, já apelou à aprovação do Tratado de Lisboa, e até prometeu ir à Irlanda convencer os eurocépticos. Não mudou de opinião em questões fundamentais [como a adesão à moeda única], mesmo que o seu comportamento seja controverso.”

O ex-presidente Lech Walesa (dir.) e Donald Tusk depositam flores em Gdansk, para assinalar o 30º aniversário da central sindical Solidariedade, a 29 de Agosto de 2010
© Rafal Malko | Agencja Gazeta

Walesa permanece, aparentemente, um aliado do conservador Tusk (o seu filho, Jaroslaw, de 33 anos, é candidato ao PE, em Estrasburgo, pela PO – o partido favorito), sendo ambos opositores dos gémeos Kaczynski, que seguem uma abordagem política tradicionalista e xenófoba.

“A minha disputa com o Presidente [Lech] Kaczynski [que morreu em 2010 num acidente aéreo] não faz sentido noutro país europeu, mas as diferentes perspectivas da PO e do PiS não paralisam o Estado polaco nem abalam a imagem da Polónia no mundo”, assegurou Tusk.

“O chefe de Estado pode participar nos conselhos europeus sempre que entender, mas a política é definida pelo primeiro-ministro, como deliberou o Tribunal Constitucional. É claro que os políticos são temperamentais e o Presidente Kaczynski não mudou a sua atitude [hostil] em relação a mim – também não esperava isso.”

Hoje [4 de Junho de 2009], as cerimónias oficiais dos 20 anos da transição para a democracia não se realizarão em Gdansk (embora Lech Kaczynski tenha prometido que vai lá dar apoio ao Solidariedade), mas em Cracóvia (aonde Jaroslaw Kaczynski já disse que não vai).

O Solidariedade, agora parceiro do PiS, ameaçara com manifestações, queima de pneus e barricadas, para protestar contra o desmantelamento dos antigos Estaleiros Lenine onde começaram as greves contra o regime do Partido Operário de Unidade Polaca (POUP).

Um plano de reestruturação, exigido pela Comissão Europeia e elaborado pelo Governo, contempla a venda de uma parte do complexo e uma significativa redução dos 2300 trabalhadores.

“Decidi trocar Gdansk por Cracóvia para garantir a dignidade dos convidados e evitar distúrbios”, explicou Tusk. “Não é surpreendente que haja divergências entre os sindicatos e o Governo.2

“Hoje, a tensão entre ambos é compreensível e aceitável. O Solidariedade actual é só um sindicato. O passado, para mim, é História. Ninguém deveria reivindicar como seu o legado de 4 de Junho de 1989. Devemos recordá-lo como um dia nacional.”

Russia's Prime Minister Vladimir Putin (R) comforts his Polish counterpart Donald Tusk as they visit the site of a Polish government Tupolev Tu-154 aircraft crash near Smolensk airport April 10, 2010. Poland's President Lech Kaczynski and his wife Maria, its central bank head and the country's military chief, were among 97 people killed when their plane crashed in thick fog on its approach to a Russian airport on Saturday. BLACK AND WHITE ONLY REUTERS/CIR/Grzegorz Roginski (RUSSIA - Tags: POLITICS DISASTER TRANSPORT OBITUARY) Putin e Donald Tusk, durante a visita do líder russo, em 1989: "A confirmação simbólica de que a guerra acabou em Gdansk", segeundo o primeiro-ministro polaco. @DR (Direitos Reservados | All Rights Reserved)

10 de Abril de 2010:  Vladimir Putin conforta Donald Tusk durante uma visita ao local onde se despenhou um avião Tupolev Tu-154, próximo do aeroporto de Smolensk. No acidente morreu o Presidente Lech Kaczynski, a sua mulher, Maria, o director do Banco Central e o chefe das Forças Armadas – num total de 97 pessoas. A primeira visita do então primeiro-ministro e actual chefe de Estado russo,  em 1989, foi “a confirmação simbólica de que a guerra acabou em Gdansk”
© Grzegorz Roginski | Reuters | CIR

A prioridade de Tusk é agora preparar a Polónia para entrar no euro. “O calendário previsto era 2010-2012 mas ninguém esperava esta crise económica”, refere o primeiro-ministro.

“É claro que agora será mais difícil do que quando elaborámos os nossos planos com o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia. Não se trata, para nós, de um dogma, mas continuamos confiantes de que iremos cumprir o prazo definido sem prejuízo para os contribuintes polacos.”

A Polónia, adianta, tem conseguido enfrentar bem a crise. “Não foi necessário socorrer bancos ou empresas, não aumentámos a dívida para estimular a procura, não tencionamos aumentar impostos e preferimos reduzir a produção a despedir ou recorrer ao lay off. Estes são tempos difíceis para os líderes europeus”.

Mas as promessas de alargamento da UE “têm de ser cumpridas. Não podemos aceitar que um país que fez tudo [para cumprir os critérios de adesão] não seja recompensado. Um dos princípios da UE é o cumprimento da palavra dada.”

Sobre escudo antimíssil que a anterior Administração de George W. Bush pretendia instalar na Polónia e que o Presidente Barack Obama poderá abandonar, o atlantista Tusk esclarece: “A defesa estratégica está a ser revista nos Estados Unidos. [Muito vai depender das políticas para a Coreia do Norte e Irão]. Nós já assinámos um acordo e estamos dispostos a aceitar o escudo, porque somos um importante aliado dos EUA e porque temos de reforçar as nossas próprias defesas.”

Donald Tusk, que reconhece o papel facilitador da Rússia de Mikhail Gorbatchov para a “revolução” do Solidariedade em 1989, declarou-se satisfeito por Moscovo, “que, infelizmente, seguiu um caminho diferente” do de Varsóvia, “estar aberto a uma solução conjunta” relativamente ao escudo.

No dia 1 de Setembro [de 2009], a visita de Vladimir Putin à Polónia “poderá ser a confirmação simbólica de que a guerra acabou em Gdansk.”

Donald Tusk tornou-se presidente do Conselho Europeu em 2014, e voltou a ser reeleito para essa posição em 2017
© Yves Herman | Reuters

A jornalista viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Polónia 

Este artigo, agora revisto e actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO, em 4 de Junho de 2009 | This article, now revised and updated, was originally  published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on June 4, 2009 

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