Jonathan Ben Efrat nos “cantos escuros” de Israel

Na Cisjordânia e em Gaza as pessoas estão agora mais preocupadas com a pobreza do que com a criação de um Estado, diz o realizador de Six Floors to Hell, que passou no DocLisboa.  (Ler mais | Read more…)

Uma cena de Six Floors to Hell, o documentário de Ben Efrat. © Direitos Reservados | All Rights Reserved

Uma cena de Six Floors to Hell, o documentário de Ben Efrat

Jonathan Ben Efrat fez um filme centrado em Jalal Hamdan, um de mais de 400 trabalhadores ilegais que passam as noites escondidos num centro comercial inacabado, em Telavive, para poderem trabalhar de dia.

“Pela primeira vez desde a Intifada, os israelitas tiveram oportunidade de olhar para os palestinianos como seres humanos que têm sonhos, desejos e afecto”, diz-nos o realizador, depois de ter assistido às exibições na Culturgest e no (antigo) Cinema Londres.

A partir de The Mall, a curta-metragem com que ganhou uma menção honrosa no DocLisboa em 2007, Efrat desenvolveu a história para Six Floors to Hell, onde destaca a figura de Jalal, que não se esquiva a nenhum sacrifício para poder oferecer a casa que Nisrin, a namorada de “um ano e quatro meses”, lhe pediu.

Na escuridão, a única coisa que nos resta é o amor.

Estes trabalhadores escondem-se seis pisos abaixo do solo, deslizando por ferros que o cimento não tapou para dormir sobre colchões que transportam às costas e assentam num chão fétido.

No Mall não há água corrente e electricidade. Velas e cigarros iluminam as paredes pestilentas. “Estar na prisão seria melhor”, diz um. “Pelo menos teríamos luz.”

Privados de uma economia viável nos territórios ocupados – política deliberada após a guerra de 1967 – estes homens tornaram-se mão-de-obra barata em Israel.

Depois de repetidos atentados suicidas e da construção da “barreira de separação”, começaram a ser substituídos por Filipinos e outros asiáticos. Sem meios de subsistir, arriscam a vida para se infiltrar em Telavive, eclipsando-se no Mall até poderem regressar às suas casas no Shabbat judaico.

“A primeira vez que vim para aqui pensei: é o inferno”, descreve Jalal. “Não conseguia dormir nem por um minuto. O fedor, os mosquitos, a escuridão. Não se via nada. Uma semana depois habituei-me ao cheiro, a dormir, a tudo.”

“Todos os meus problemas e medos passam quando ouço a voz da minha noiva. Se ela está feliz, eu fico bem. Apaixonámos à primeira vista. Como nas histórias. Mas a minha história é especial.”

“A ligação a Jalal foi tão forte desde o início que lhe perguntei se era possível, fazer uma versão mais longa [do The Mall], e ele disse que sim”, explica Efrat, que com a sua equipa da Video-48, entrou num sítio onde, salienta, “nenhum outro israelita, excepto polícias, havia entrado antes”. 

O cineasta quis seguir o sonho do palestiniano até ao dia do seu casamento, e essa visão foi premiada, este ano, no DocAviv (melhor montagem) e em Turim, com o RAI Prize CMCA.

Em Israel, o júri considerou que o filme “imprime luz aos cantos mais escuros de Israel, tendo comovido como nenhum outro graças à sua força emocional.”

Jalal representa, para Efrat, “o verdadeiro palestiniano, mais do que o presidente Abu Mazen [ou Mahmoud Abbas]. Porque hoje, o maior problema na Cisjordânia e na Faixa de Gaza é a pobreza e o desemprego. Já ninguém fala de um Estado independente, de Jerusalém ou [do direito de retorno] dos refugiados. Eles falam de pão e de arroz.”

Essa preocupação em comer é evidente quando um dos colegas de Jalal diz ao patrão que está a dormir em Pardes Katz, um bairro judaico. “Mentimos, mas temos de dizer estas mentirinhas para sobreviver. Se eu disser que não tenho licença, nunca trabalharei.”

Jalal, que desde os 12 anos dorme no Mall – “metade da minha vida” – está determinado a mudar-se deste lugar onde também foram parar o pai e um irmão mais novo. “Quando me casar deixo isto. Deixo Israel.”

A situação está cada vez mais complicada. Numa noite, um colega ficou retido no posto de controlo militar de Anata. E a conversa gira, inevitavelmente, à volta desse incidente. Se não conseguir entrar não poderá sustentar a família.

“Para ir de Nablus a Ramallah demorávamos cinco minutos. Agora são cinco horas. Por causa do checkpoint de Huwwara. Antigamente, custava cinco shekels vir de Nablus até aqui. Agora custa 200 shekels [50 dólares]”.

“Eles [os trabalhadores no documentário] não recriminam ninguém”, admite Ben Efrat. “Nem o Governo israelita nem as acções da Fatah e do Hamas. É triste, mas isso é porque não têm líderes. Eles são combatentes pela sobrevivênci1a.” @DR (Direitos Reservados | All Rights Reserved)

“Eles [os trabalhadores no documentário] não recriminam ninguém”, admite Jonathan Ben Efrat. “Nem o Governo israelita nem as acções da Fatah e do Hamas. É triste, mas isso é porque não têm líderes. Eles são combatentes pela sobrevivência”
© Jonathan Ben Efrat

Um dos aspectos mais surpreendentes do filme de Efrat é que Jalal e os seus companheiros, não se mostram como vítimas. “Eles não recriminam ninguém”, admite o realizador.

“Nem o Governo israelita nem as acções da Fatah e do Hamas pelas terríveis condições a que estão sujeitos. É triste, mas isso é porque sentem que não têm líderes. Eles são combatentes pela sobrevivência como muitos outros ‘trabalhadores ilegais’ espalhados pelo mundo.”

Percebe-se por que fala Efrat assim. O seu grupo Vídeo-48 está muito atento a problemas laborais. “É importante, para nós, mostrar como o trabalho oferece dignidade e esperança, seja qual for o lugar onde se dorme.” Embora essa dignidade nem sempre seja respeitada pelo patrão.

Diz um colega de Jalal: “Trabalhas com um empreiteiro israelita durante uma semana. Ele trata-te bem. Quando acabas, ele finge que não te conhece. Odeia os árabes.”

“Na escuridão, a única coisa que nos resta é o amor”, diz um dos trabalhadores palestinianos (na foto, cena do documentário). Escondidos seis pisos abaixo do solo, no Mall, não têm água corrente e electricidade.“Estar na prisão seria melhor. Pelo menos teríamos luz.” @DR (Direitos Reservados | All Rights Reserved)

“Na escuridão, a única coisa que nos resta é o amor”, diz um dos trabalhadores no documentário

No dia em que Amer, um dos trabalhadores do Mall, celebra pela primeira vez o seu aniversário, e logo neste sórdido abrigo, Jalal sujeita-o a um questionário:

Amas a tua mulher?

Amo.

Amas a tua vida?

Graças a Deus.

E os teus amigos?

Sou louco por eles.

Amas Israel?

Amo.

E a Palestina?

Amo.

E o teu trabalho?

Adoro.

Amas Amer?

(Pausa longa)

Amo.

Porquê?

Porque construiu uma vida para si próprio. Ninguém o ajudou.

E o futuro?

Tenho medo do futuro.

Infelizmente, todos andam à procura de estereótipos. Um filme sobre um bombista suicida venderá mais do que um sobre um trabalhador palestiniano.” dr

Jonathan Ben Efrat (na foto, durante uma manifestação contra a guerra na Síria): “Um filme sobre um bombista suicida venderia mais do que um sobre um trabalhador palestiniano”, mas Six Floors to Hell “ajudou a quebrar estereótipos de “que todos andam à procura
© Jonathan Ben Efrat

Se a miséria na Cisjordânia e a Faixa de Gaza podem a qualquer momento resvalar para uma terceira Intifada, o ambiente nas cidades mistas de Israel também é de alta tensão, sobretudo desde os recentes motins em Acre durante o feriado hebraico do Yom Kippur.

“Acre é uma pequena cidade com muitos pobres”, explica Jonathan Efrat. “Vai haver eleições para vereadores e o problema está nos dirigentes e não nos cidadãos que apenas querem ir em frente com as suas vidas.”

“A população judaica está a seguir um caminho decadente. Não se importa com nada. Os árabes, por seu lado, têm uma agenda nacionalista.”

“Quando o Partido Comunista [formado após a criação de Israel, em 1948, e o único que tem militantes da maioria e da minoria do Estado] está dividido – um grupo de judeus em Telavive e outro em Jaffa – o que podemos dizer?”, lamenta Efrat.

É por isso que este activista dos direitos humanos [membro do partido Daam, liderado por uma palestiniana de cidadania israelita, Asma Aghbaria-Zahalka], se sente realizado com Six Floors to Hell: “É um bom exemplo de como quebrar estereótipos. Infelizmente, todos andam à procura de estereótipos. Um filme sobre um bombista suicida venderá mais do que um sobre um trabalhador palestiniano.”

Trabalhador palestiniano num colonato da Cisjordânia ocupada: pobreza e humilhação
© Ahmad Gharabli| AFP | Getty Images | The Independent

Este artigo, agora com um título diferente, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 2008 | This article, now under a different headline, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO in 2008

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