Com The Israeli Lobby and the US Foreign Policy, John J. Mearsheimer e Stephen M. Walt forçaram um debate necessário, ainda que doloroso, sobre as relações entre os Estados Unidos e Israel. (Ler mais | Read More…)

Lior Mizrahi | Getty Images | Jewish Telegraph Agency
Nunca um ensaio académico “explodiu com tanta força” como The Israeli Lobby and the US Foreign Policy desde que a revista Foreign Affairs publicou The Clash of Civilizations [“O Choque das Civilizações”], de Samuel P. Huntington, em 1993.
Esta certeira avaliação foi feita por Michael Massing na New York Review of Books, em Junho de 2006, três meses depois de a obra de John J. Mearsheimer e Stephen M. Walt (M&W) ter aparecido, primeiro na forma de artigo, na London Review of Books (LRB).
Não deixa de ser irónico que, em 2007, quando o artigo (simultaneamente colocado como working paper no website da J. F. Kennedy School of Government da Universidade de Harvard) se tenha expandido em livro, Mearsheimer e Walt o tenham dedicado a Huntington, amigo de ambos no último quarto de século.
“Não podemos imaginar figura mais exemplar. Sam sempre abordou grandes e importantes questões e respondeu a essas questões de um modo que o resto do mundo não poderia ignorar”, escreveram os autores, no prefácio.
“Embora cada um de nós tenha discordado dele em numerosas ocasiões ao longo dos anos – às vezes pública e veementemente –, ele nunca usou essas divergências contra nós, e foi sempre um apoiante do nosso trabalho.”
O recado ficou dado aos que, no mundo académico e fora dele, caluniaram Mearsheimer e Walt como “anti-semitas” e descreveram as 484 páginas do livro, incluindo as 106 de notas e referências (muito mais do que as 80 do artigo no site de Harvard), designadamente, como o fruto de uma investigação “medíocre”, “desonesta”, “conspirativa” ou “inspirada em fóruns neo-nazis e islamistas”.
Por que causaram tanta irritação estes dois professores, Mearsheimer, da Universidade de Chicago, e Walt, antigo reitor em Harvard, ambos seguidores da tradição “realista” em Relações Internacionais, segundo a qual o interesse nacional deve ser a única motivação da política externa de um país?
[Walt pode ser seguido no seu blogue onde ele cita William Arthur Ward: ‘The pessimist complains about the wind; the optimist expects it to change; the realist adjusts the sails’].
Os argumentos são perturbadores, e talvez isso ajude a explicar por que a Atlantic Monthly, que encomendou o artigo, no Outono de 2002, o rejeitou em 2005. Depois da Guerra Fria, afiançam Mearsheimer e Walt, deixou de haver “bases estratégicas e morais” para o incomparável apoio, material (ajuda anual de 3000 milhões de dólares) e diplomático (32 vetos no Conselho de Segurança da ONU a resoluções críticas do Estado judaico), que os Estados Unidos oferecem a Israel.
E a razão por que os EUA põem “em risco” a sua segurança (com o crescimento do anti-americanismo) e a do resto do mundo deve-se “ao poder político do lobby de Israel, uma ampla coligação de indivíduos e grupos que tenta influenciar a política externa americana de modo a beneficiar Israel”.
“Além de encorajarem os EUA a apoiarem, mais ou menos incondicionalmente, grupos e indivíduos no lobby desempenharam papéis-chave que moldaram a política norte-americana em relação ao conflito israelo-palestiniano, a fatídica invasão do Iraque, em 2003, e as confrontações em curso com a Síria e o Irão”, acrescentam M&W, concluindo: “Estas políticas não são do interesse nacional dos Estados Unidos e, de facto, são também prejudiciais aos interesses a longo prazo de Israel.”
De nada valeu aos dois académicos professarem o seu inequívoco apoio ao direito de Israel existir e ser socorrido se essa existência estiver ameaçada.

John J. Mearsheimer e Stephen M. Walt (esq.) foram acusados de “anti-semitas” por críticos, alguns dos quais descreveram o seu livro como o fruto de uma investigação “medíocre”, “desonesta”, “conspirativa” ou “inspirada em fóruns neo-nazis e islamistas”
© Greg Martin
“O lobby”, ainda que a sua legitimidade não tenha sido posta em causa (“é a antítese de uma cabala”), reagiu muito mal ao retrato que M&W fizeram dele, de organização infiltrada e/ou dirigida pela direita israelita (Likud), por neo-conservadores e cristãos evangélicos fundamentalistas, que se opõem ao processo de paz (pp 111-150).
Jornais, revistas e blogues foram inundados com textos injuriosos. Palestras com Mearsheimer e Walt foram inexplicavelmente canceladas.
E os que ousaram tecer elogios – mais à coragem de ambos de quebrarem tabus do que à própria obra –, como o respeitado historiador Tony Judt (um judeu que, nos últimos dias de vida – morreu em 6 de Agosto de 2010 – também gerou controvérsia, ao defender a “alternativa de um Estado binacional israelo-palestiniano”), foram vilipendiados.
Com esta campanha, “o lobby” (em particular, os poderosos American Israel Policy Action Committee/AIPAC, Conferência de Presidentes e Anti-Defamation League/ADL) acabou por dar razão aos que denunciam tácticas de silenciamento dos críticos, banalizando a expressão “anti-semita”.
M&W tentam não deixar perguntas sem resposta. Aos que se interrogarem por que é Israel, que se proclama “única democracia no Médio Oriente”, é tão duramente avaliado enquanto a ditadura síria e o regime teocrático iraniano são descritos como parceiros quase mais valiosos para Washington (na luta contra a Al-Qaeda, por exemplo), os dois professores clarificam:
– “Não haverá tentativas de comparar [Israel] com as acções de outros Estados na região ou outras partes do mundo.”
“Não estamos a centrar-nos na conduta de Israel porque temos uma animosidade contra o Estado judaico, ou porque achamos que o seu comportamento é particularmente merecedor de censura. “
“(…) Centramo-nos nas acções de Israel porque os EUA lhe fornecem um nível de apoio material e diplomático que é substancialmente maior do que dá a outros Estados, e o fazem em detrimento dos seus próprios interesses.” (pp.80-81)
Influenciados pelos “novos historiadores” de Israel, os que destroem velhos mitos, como Avi Shlaim ou Benny Morris (que depois os renegou, justificando a mudança de posições com a “ameaça existencial” que o Irão, alegadamente, representa), M&W caem na tentação de fazer um juízo moral.
Deveriam ter evitado este terreno perigoso. E, ao contrário do que alegam, fazem comparações. Não, dizem, não é por Israel ser uma democracia que merece tratamento especial, porque no passado, os EUA “derrubaram governos democráticos e apoiaram alguns ditadores se isso fosse do seu interesse”.
Não, Israel “não é um país fraco e rodeado de inimigos”, mas um Estado moderno, próspero e com um arsenal nuclear, cuja sobrevivência não está ameaçada. O seu comportamento “não é superior” ao dos adversários, sobretudo ao das suas “vítimas palestinianas”, que imitam os sionistas na luta por uma pátria independente.
“Foram terroristas judeus do infame Irgun, um grupo militante sionista, que no final de 1937 introduziu na Palestina a prática agora familiar de colocar bombas em autocarros e no meio de multidões”(pp.78-110).
Ao insistirem na necessidade de os EUA defenderem os seus interesses, mesmo quando estes colidem com os de Israel, M&W são bem “realistas” no caso que citam: em 1995, quando o AIPAC convenceu o Congresso a aprovar legislação que proibia as companhias norte-americanas de explorar o petróleo do Irão (a Conoco tinha sido escolhida por Teerão para desenvolver as jazidas de Sirri), “Israel não aprovou qualquer lei que impedisse o comércio iraniano-israelita, e os israelitas continuaram a adquirir bens iranianos através de terceiras partes” (p.288).
Ainda em relação ao Irão, Mearsheimer e Walt responsabilizam Israel e “o lobby” por, “nos últimos 15 anos, empurrarem os EUA a seguir uma política estrategicamente insensata”. E se não fossem essas “forças centrais”, a América “certamente que seguiria uma política diferente e mais eficaz”.
E uma política “mais consistente com os interesses norte-americanos”, segundo M&W, seria “tentar normalizar relações com Teerão e retirar da mesa a ameaça de uma guerra preventiva, porque a ameaça de uma mudança de regime apenas dá aos líderes iranianos mais razão para ter um poder de dissuasão nuclear”.
Teremos oportunidade de medir o poder do lobby agora [em 2008, quando este artigo foi publicado] que o “Grande Satã” entreabriu a porta à república dos mullahs, com a participação, pela primeira vez, de um responsável norte-americano [o antigo “número três” do Departamento de Estado, William Burns] nas negociações sobre o nuclear iraniano.
E com o anúncio de que haverá em breve uma “secção de interesses” americana em Teerão – a primeira representação diplomática desde o corte de laços bilaterais em 1979.
A responsabilidade por esta inversão na política de isolamento do “inimigo” foi atribuída a Condoleezza Rice [antiga chefe da diplomacia de Washington], cuja ambição seria a de sobreviver ao legado de George W. Bush, e forçou este a seguir um rumo contrário ao do [anterior] vice-presidente Dick Cheney.
O simbolismo da participação de Burns num encontro, em Genebra, [em Outubro de 2009] ficou patente na imediata reacção do ex-embaixador dos EUA na ONU.
“É uma completa capitulação de toda a ideia de [forçar o Irão a] suspender o enriquecimento [de urânio]”, vociferou John Bolton, um neo-conservador, com fortes ligações ao AIPAC, como Cheney.
No seu livro, Mearsheimer e Walt já haviam detectado que a “estratégia de engagement” tem “apoio substancial na CIA, no Departamento de Estado e até entre os militares americanos, pouco entusiasmados em bombardear as instalações nucleares iranianas.”
Se M&W apresentam bases sólidas para realçar a pressão do lobby e de Israel para atacar o Irão, é mais frágil a sua argumentação quanto à influência exercida sobre W. Bush para invadir o Iraque, em 2003.
O derrube de Saddam Hussein era um desígnio que os neo-conservadores jamais esconderam desde a Guerra do Golfo de 1991, e a ideia que ressalta é a de que foram estes (judeus e não judeus) a servir-se do lobby, para convencer a Administração de W. Bush a avançar para uma mudança de regime após os ataques terroristas da al-Qaeda, em 11 de Setembro de 2001.
As acções do lobby nem sempre são coincidentes com a opinião da maioria dos judeus americanos – estes opuseram-se esmagadoramente à guerra, e distanciaram-se (temendo ser responsabilizados por um fiasco) dos que a justificavam como “necessária para garantir a segurança de Israel”. E “o lobby” também não esteve, nem está, sempre em sintonia com o Governo israelita.
Agora, por exemplo, [o primeiro-ministro de Israel] Ehud Olmert está envolvido em negociações indirectas com a Síria de Bashar al-Assad.
Este era um líder que os neo-conservadores e “o lobby” também queriam derrubar, no âmbito de um plano de “democratização” do Médio Oriente [mas que agora defendem que se mantenha no poder, desde que uma guerra civil, que eclodiu em 2011 e está a ser dominada por grupos armados islamistas ameaça o regime].
Em 1995, já o AIPAC tentara sabotar os Acordos de Oslo, assinados dois anos antes, entre Israel e a OLP, ao fazer aprovar legislação no Congresso exigindo que os EUA mudassem a sua embaixada de Telavive para Jerusalém – um embaraço para Yitzhak Rabin e para Bill Clinton, o Presidente que jamais aplicou o que foi votado.
Nem sempre “o lobby” conseguiu, portanto, os seus intentos (Ronald Reagan, um presidente republicano e pró-israelita, não deixou de vender aviões à Arábia Saudita apesar das pressões do AIPAC), mas M&W, ainda que reconheçam isso, optam por transmitir a imagem de um grupo omnipotente, não apenas poderoso.
Isso é enganador, ainda que muitos judeus israelitas (e judeus norte-americanos) concordem que uma “advocacia agressiva” tem sido por vezes mais contraproducente do que benéfica.
No diário The Jerusalem Post, M. J. Rosenberg, director do Israel Policy Forum, deixou esta pergunta ao lobby: “Foi ser pró-Israel pressionar a Administração Nixon em 1971 a rejeitar a oferta de paz de Anwar el-Sadat [defunto Presidente egípcio] em troca de uma retirada [israelita] de três milhas das margens do Canal do Suez?
Richard Nixon cedeu à pressão e recuou, deixando Israel livre para recusar a proposta de Sadat. Dois anos depois, Sadat atacou e Israel perdeu 3000 soldados numa guerra [do Yom Kippur ou de Outubro] que poderia ter sido evitada se Israel tivesse aceitado a iniciativa de Sadat.”
“Israel não ganhou nada nessa guerra e acabou por devolver a Sadat todo o território que queria reter em 1971, e muito mais [toda a península do Sinai].”
Outra pergunta: “Foi ser pró-Israel impedir que as administrações de Ronald Reagan, [George H. W.] Bush [Bill] Clinton e [George W.] Bush insistissem num congelamento dos colonatos ou, no mínimo, no desmantelamento imediato dos colonatos ilegais?”
“Não teria sido infinitamente melhor se os EUA tivessem usado a sua persuasão amiga para pôr fim à colonização logo desde o início? Afinal, uma maioria de israelitas considera os colonatos obstáculos à paz, e o mesmo pensam todos os presidentes [dos EUA] desde que o primeiro colonato foi erguido.”
Num comentário publicado pelo jornal britânico The Independent, Rupert Cornwell diz que para recensear a obra dos professores de Chicago e Harvard (que alguns catalogaram de “tempestade política” e de tsunami) foi às prateleiras da sua biblioteca à procura de inspiração. Encontrou-a em The Lobby: Jewish Political Power and American Foreign Policy.
Aqui, Edward Tivnan, o autor (também citado por M&W), declara que o grupo de pressão pró-israelita cala o debate no Capitólio e tornou-se num obstáculo à paz no Médio Oriente.
“Parece familiar? O livro é de 1987”, sublinha Cornwell. “Francamente, os argumentos não mudaram nada. (…) E creio que os argumentos muito semelhantes de Walt e Mearsheimer também farão pouca diferença.”

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Não é isso que pensa Uri Avnery, ex-deputado no Knesset, em Jerusalém, que foi, nos anos 1970, o primeiro a propor o que era, na altura, a herética solução de dois Estados para o conflito israelo-palestiniano. Fundador do Movimento Gush Shalom, Avnery continua a ser um activista pela paz.
Escreveu ele, citado pelo Middle East Online: “Há livros que mudam a consciência das pessoas e mudam a História. Alguns contam uma história, como A Cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe, que deu grande ímpeto à campanha para a abolição da escravatura. Outros tomam a forma de um tratado político, como Der Judenstaat [“O Estado dos Judeus”], de Theodor Herzl, que deu à luz o movimento sionista.”
“Ou são de natureza científica, como A Origem das Espécies, de Charles Darwin, que mudam o modo como a humanidade se vê a si própria. E, talvez, também a sátira política possa abanar o mundo, como 1984, de George Orwell.”
“O impacto desses livros foi amplificado pelo tempo. Apareceram no momento certo, quando uma maioria de pessoas estava apta a absorver a mensagem. (…) The Israel Lobby and the US Foreign Policy poderá vir a ser um desses livros.”
“Se este livro pudesse ser ignorado, já o teria sido – como aconteceu com outros que foram enterrados vivos”, constatou Avnery.
“Há alguns anos, apareceu na Rússia um volumoso tomo de Alexandre Soljenitsin, mundialmente famoso Prémio Nobel da Literatura, sobre a Rússia e os judeus.”
“Tanto quanto sei, não foi traduzido para qualquer outra língua e, seguramente, não para hebraico. Inquiri vários intelectuais influentes de Israel e nenhum ouviu jamais falar do livro. Nem sequer aparece na lista da Amazon.com, que inclui todas as outras obras do mesmo autor.”
The Israeli Lobby esteve várias semanas na lista de livros mais vendidos da Amazon.com, antes (e depois) da publicação primeira edição, em 2007.
A mais recente, sem qualquer alteração à versão original, apesar da torrente de críticas, foi lançada em Setembro [de 2008]. E, dois anos depois de a LRB ter aproveitado o que a Atlantic Monthly rejeitou, uma das recomendações de M&W, no capítulo final, a de encorajar a evolução de um lobby “mais razoável” (p. 354), foi aceite por uma parte da comunidade judaica nos Estados Unidos que não se sente representada pelo AIPAC.
Em Abril [de 2008] nasceu J Street, que se define como “braço político do movimento pró-paz e pró-Israel”. Em apenas três meses, emergindo das fileiras de outras três organizações já existentes (Americans for Peace Now, Britz Tzedek v’Shalom e Israel Policy Forum), conseguiu a adesão online de 40 mil pessoas – a Internet é a sua principal base de operações.
Não é certamente coincidência que a capa da mais nova edição do livro de Mearsheimer e Walt tenha como frase promocional um extracto da recensão feita no Ha’aretz por Daniel Levy, membro do conselho consultivo de J Street e considerado o “ideólogo” da nova organização: This is an important book that deserves to be keenly debated.
Para o investigador Levy, assumido liberal, que não deve ser confundido com o anti-sionista Noam Chomsky ou com o neo-conservador Bernard Lewis, “não é Israel per se que se tornou num passivo, mas Israel como ocupante. Se o conflito for resolvido, Israel poderá voltar a ser um trunfo estratégico”.
É uma distinção clara, que muitos judeus israelitas há vários anos vêm fazendo mas que, só há relativamente pouco tempo, alguns judeus americanos ousam estabelecer, sem medo de serem ostracizados como self-hating Jews. Ainda que sob fogo intenso, Mearsheimer e Walt abriram, de certo modo, a porta a um debate mais racional e menos emotivo.

© Debbie Hill | UPI