Houda Nonoo foi escolhida pelo rei do Bahrain para chefiar a missão diplomática nos EUA; a ilha do Golfo Pérsico estará interessada em laços formais com Israel. (Ler mais | Read more…)

Houda Nonoo, a judia, escolhida pelo rei do Bahrain para ocupar o mais importante cargo diplomático: embaixadora nos Estados Unidos
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O Bahrain, “pérola do Golfo Pérsico” que os portugueses controlaram de 1521 até 1602, tomou uma decisão histórica, ao nomear a primeira embaixadora judia de um país árabe.
Houda Ezra Ibrahim Nonoo, de 43 anos, foi escolhida pelo rei, Hamad bin Isa al-Khalifa, para chefiar a mais importante missão diplomática, nos Estados Unidos.
“É uma grande honra e estou ansiosa por enfrentar este desafio”, exultou Huda Nonoo, citada pela BBC. Desvalorizou o facto de pertencer a uma minúscula comunidade – menos de 50 dos cerca de 700 mil habitantes de um país muçulmano, onde a maioria (perseguida) é xiita (65% da população) e a monarquia é sunita. “Acima de tudo vou servir como cidadã do Bahrain.”
Em 2005, Houda Nonoo, banqueira e presidente de uma organização de direitos humanos, já havia sido integrada pelo rei no Shura (conselho consultivo), que tem 40 membros (nenhum eleito).
Com a sua nomeação, o Bahrain, rico em petróleo e com uma classe média liberal, rara no mundo árabe, passou a ter três embaixadoras. A primeira foi Sheikha Haya Rashed Al-Khalifa, membro da família real e advogada de profissão. Foi embaixadora em França, de 1999 a 2004, e agora é nas Nações Unidas.
Foi também representante do seu país junto da UNESCO e depois presidiu à Assembleia-Geral das Nações Unidas – a terceira mulher a exercer essa função. Bibi Sayed Sharaf Al-Alawi, licenciada em História no Cairo e com um mestrado concluído na Sorbonne, em Paris, é embaixadora na China.

Os antepassados de Huda Nonoo chegaram ao Bahrain vindos do Iraque, numa viagem que interromperam a caminho da Índia, nos anos 1880
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O que pretende, afinal, o monarca reformador que em 1999 sucedeu a um pai autocrata que exacerbou tensões confessionais?
“Quer agradar a Washington e esta é uma operação de relações públicas”, escreveu o jornal de Washington Middle East Times. Está a enviar um sinal para “estabelecer laços com Israel”, acrescentou o diário israelita Ha’aretz.
[Em Junho de 2019, à margem de uma reunião em Manamá sobre um plano económico para a região apresentado por Jarred Kushner, genro de Donald Trump, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Bahrain, Khalid bin Ahmed Al Khalifa, disse que “Israel é um país da região e está aqui para ficar – é claro!“]
Em 2006, para assinar um acordo de comércio livre com os EUA, Hamad al-Khalifa ordenou o encerramento de um departamento que promovia o boicote árabe aos produtos israelitas.
Huda Nonoo pertence à mais influente das famílias judias no Bahrain. Os seus antepassados deixaram o Iraque a caminho da Índia, nos anos 1880, mas interromperam a viagem na ilha sem fronteiras cujo nome significa “dois mares” (devido à mistura de fontes de água doce e salgada).
Foi o avô, Abraham, que criou aqui um negócio de câmbios, que a designada embaixadora (mãe de dois rapazes) e o marido ainda hoje gerem.
Abraham David é agora o patriarca dos Nonoo. Também ele membro do Shura, foi encarregado pelo soberano de convencer outros judeus a regressarem ao país onde esta comunidade chegou a ter 1500 almas. Ficou reduzida a 200-300 após a criação de Israel, em 1948, e diminuiu mais ainda após a guerra de 1967.
Foi por esta altura que a sinagoga foi incendiada. Perante o colapso iminente do edifício, os fiéis quiseram desfazer-se dele.
O rei disse não, e Ibrahim foi quem mais contribuiu para o restauro. É a única sinagoga no Golfo Pérsico. Não é de estranhar que seja no Bahrain, onde também há templos cristãos, hindus, sikhs e de outras religiões.

Sheikha Haya Rashed Al-Khalifa, membro da casa real, foi a primeira mulher embaixadora do Bahrain: primeiro em França e depois na ONU
Os primeiros judeus a chegar ao Bahrain, no final dos anos 1880, eram comerciantes vindos do Iraque, Irão e Índia. Naquele que é hoje o mais pequeno (620 quilómetros quadrados) dos 22 países da Liga Árabe encontraram “o lugar ideal” para viver.
Enquanto os Nonoo prosperaram na banca, os Yadgar fizeram fortuna nos têxteis, tal como os Khedouri. Um outro empresário de sucesso (vende material electrónico) é Rouben Rouben, nascido em 1954 de uma família sefardita oriunda de Bagdad.
“Nos anos 1930/40, a Rua Al-Mutanabi era conhecida como a “Rua dos Judeus””, lembra Rouben, citado pela revista americana Jewish News Weekly. “Ao sábado, todos fechavam as lojas para o Shabbat.” Em 1948, com a criação de Israel, irromperam tumultos. A sinagoga foi queimada e muitos judeus emigraram para a Grã-Bretanha. A partir da guerra de 1967, “a vida em comunidade terminou”.
Rouben culpa “estrangeiros” pelos motins, e assegura que “muitos muçulmanos acolheram os judeus” perseguidos. Hoje, raramente são celebrados em conjunto a Páscoa e o Yom Kippur [feriado da “expiação dos pecados”].
Não há orações na sinagoga, ainda que já tenha paredes e telhado novos. Rouben não desanima: “Não me vou embora. Esta é a minha casa.” Meir Nonoo também diz: “Quando morrer, enterrem-me aqui. Quero descansar em paz.”
[O mandato de Houda Nonoo chegou ao fim em Novembro de 2013.]
Este artigo, agora revisto e actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 21 de Maio de 2008 | This article, now revised and updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on May 1, 2008