Chama-se J Street. Porque não há rua J em Washington e porque a K Street está cheia de lobbies que “apoiam ruidosamente o Estado judaico em situações de guerra mas ficam silenciosos em negociações de paz”. Tem um poderoso adversário: o AIPAC, “infiltrado” por Likudniks, neo-conservadores e cristãos fundamentalistas. Mas também um potencial aliado: Barack Obama. (Ler mais | Read more…)

“É muito difícil dizer ‘Eu apoio Israel, ponto final’. Porque a pergunta a seguir é. ‘Que Israel? Israel dos colonos ou Israel que quer acabar com a ocupação? Israel que quer destruir o Hamas ou Israel que acredita que é preciso negociar, ainda que indirectamente, com o Hamas?”, declarou Daniel Levy, um dos fundadores de J Street
© Mohamad Torokman | Reuters
Em Washington não há nenhuma J Street (as ruas horizontais vão directamente do I ao K), mas é aqui que as palavras de Barack Obama de visita a Israel serão ouvidas, provavelmente, com mais atenção.
J Street é o nome de um novo lobby nos Estados Unidos que alguns analistas prevêem irá “mudar o mapa político americano e do Médio Oriente”.
Reparem no que me diz, por telefone, Daniel Levy, um dos cem membros do conselho consultivo de J Street.
“Hoje em dia, é muito difícil dizer ‘Eu apoio Israel, ponto final’. Porque a pergunta a seguir é. ‘Que Israel? Israel dos colonos ou Israel que quer acabar com a ocupação? Israel que quer destruir o Hamas ou Israel que acredita que é preciso negociar, ainda que indirectamente, com o Hamas? “
“Israel que quer reter os Montes Golã e não acha importante dialogar com a Síria ou Israel que quer tratados de paz com os vizinhos sendo que isso implica devolver territórios?”
“Hoje, já não é convincente o argumento de que o modo incondicional como a América apoia Israel é bom para a América e para Israel”, frisa Levy, asseverando que J Street não terá medo de enfrentar um primeiro-ministro israelita [como Benjamin Netanyahu] que não comungue as posições do grupo.
Até podem acusá-lo de ser “antissemita” ou “self-hating Jew” (judeu que se odeia a si próprio) – expressões frequentemente usadas para silenciar os críticos das acções de Israel.
“Os israelitas, por estreita ou larga margem, podem eleger um líder que se opõe ao processo de paz, mas não seremos apoiantes de opositores de paz.”
“Haverá pessoas que irão intimar-nos: ’Vocês têm de apoiar o Governo israelita!’”, reconhece Levy. “Mas eu responderei que isso não se aplica a nenhum outro país. Eu posso ser pró-Venezuela e não apoiar a política de Hugo Chávez [1954-2013]. Posso ser um grande admirador da República Checa mas posso não achar uma boa ideia instalar ali um sistema americano de defesa antimíssil.”
“Todos nós, na América, sobretudo os judeus, temos ligações emocionais a Israel, mas não podemos deixar de ser racionais, como se Israel vivesse noutro planeta”, alerta Levy.
“Será uma política destrutiva ajudar Israel avaliando-o segundo padrões diferentes. Israel precisa de fronteiras negociadas e reconhecidas. Às vezes abraçamos Israel quase até à morte. Amamos Israel de uma maneira que não é saudável. É como darmos as chaves do carro a um amigo embriagado.”
Israel é o maior receptor de ajuda directa dos Estados Unidos (cerca de 3000 milhões de dólares anuais). No entanto, como já havia notado Levy num artigo na American Prospect, não é submetido a qualquer pressão.
Pelo contrário, “pode gozar uma ocupação de luxo – já gastou mais de dez mil milhões de dólares em colonatos desde 1967.” Ora, este “vício de mau comportamento sem consequências conduz à tentação de uma escalada (…) e estrangula uma solução viável de dois Estados.”

“Às vezes abraçamos Israel quase até à morte”, diz Daniel Levy. “Amamos Israel de uma maneira que não é saudável. É como darmos as chaves do carro a um amigo embriagado”
© Mohamad Torokman | Reuters
As palavras são duras, mas Levy é um “peso-pesado”. Cientista político de origem inglesa, é filho de Michael Levy, membro da Câmara dos Lordes, líder da comunidade judaica no Reino Unido e um dos maiores angariadores de fundos da campanha de Tony Blair. Foi conselheiro de três líderes israelitas – Ehud Barak, Yossi Beilin e Haim Ramon.
Participou nas negociações com os palestinianos em 1995 (Oslo B) e em 2001 (Taba). Foi um dos principais redactores da Iniciativa de Genebra (ambicioso plano de paz), é senior research fellow na New American Foundation e é senior fellow da Middle East Task Force na Century Foundation e no European Council on Foreign Relations. Também dirigiu o Middle East Channel da Foreign Policy Magazine, dos maiores fóruns de debate online.
Não o confundam com os anti-sionistas de extrema-esquerda Noam Chomsky ou Norman Finkelstein. Mas também não o incluam no grupo de neo-conservadores de Bernard Lewis. Assumidamente “liberal e progressista”, coloca-se no “centro político”.
Embora não pertença ao “núcleo duro” de J Street, cujo director executivo é Jeremy Ben-Ami, antigo conselheiro do ex-Presidente Bill Clinton e neto dos fundadores de Telavive, Daniel Levy tem sido descrito como “o ideólogo” e Ben-Ami como o “chefe de operações” do novo lobby.
E este, apresentando-se como “braço político do movimento pró-Israel e pró-paz” nos EUA (as suas bases são organizações como American for Peace Now e Israel Policy Forum), quer ser “uma alternativa” ao velho establishment judaico, “infiltrado” pela direita israelita do Likud, pelos neocon e por cristãos evangélicos fundamentalistas.
Ou como Levy os caracterizou, “uma combinação que tem sido um desastre para a política americana e para Israel.”
É uma tarefa árdua, “redefinir o que é ser pró-Israel”, já que o AIPAC tem 200 funcionários, 100 mil membros e um orçamento anual de 60 milhões de dólares, enquanto J Street tem [em 2008] quatro funcionários, 1,5 milhões de dólares e, por enquanto, apenas 40 mil “filiados”.
Nada que atemorize Daniel Levy. “Conseguir a adesão de 40 mil pessoas em apenas três meses é significativo”, sublinha. Mais: do orçamento de 1,5 milhões, cerca de 1,1 milhões já foram angariados online.
A Internet é uma das ferramentas com que J Street tenciona fazer a diferença. “Estamos a usar os instrumentos modernos de organização política, como o MoveOn.org [um projecto virtual que inspirou também a campanha de Obama].”
“Queremos criar uma grande circunscrição online, que permita financiar candidatos favoráveis à paz, já que somos também um PAC [Political Action Committee]”.

“Hoje, já não é convincente o argumento de que o modo incondicional como a América apoia Israel é bom para a América e para Israel”, sublinha Daniel Levy
© Ha’aretz
Entre os primeiros candidatos ao Congresso apoiados por J Street está um republicano, Charles Boustany, o que responde às dúvidas dos que se interrogavam sobre se o novo lobby só estaria ao lado de democratas. Há quem acredite que estes apoios vão abalar, ainda que modestamente, a influência do big brother AIPAC no Capitólio.
Exemplo: Agora, sempre que alguém vir o seu financiamento reduzido por ter feito declarações que o AIPAC considera “anti-Israel”, pode sempre telefonar para J Street a pedir o dinheiro que faltou, ainda que J Street seja mais um endereço URL do que um edifício.
O nome foi propositadamente escolhido para preencher um vazio, tem explicado Ben-Ami. Porque não há rua J em Washington e porque a K Street está cheia de lobbies que “apoiam ruidosamente Israel em situações de guerra mas ficam silenciosos em negociações de paz”.
Esta frase, colocada num anúncio no New York Times, é uma implícita referência ao AIPAC com o qual muitos judeus americanos e israelitas já não se identificam.
Entre os 100 membros do conselho consultivo de J Street há rabis, académicos, políticos, CEO e prémios Nobel. E entre os supporters (apoiantes) em Israel estão diplomatas, políticos, ex-generais e antigos operacionais dos serviços secretos.
É o caso de Yossi Alpher, que foi responsável da Mossad e agora colabora no site israelo-palestiniano Bitterlemons [desactivado em 2013, devido ao impasse que deixou moribundo no processo de paz, segundo os administradores].
Inquirido sobre a sua adesão ao novo lobby, Alpher respondeu por e-mail: “Estou convicto de que Israel merece estar mais bem representado entre os judeus americanos no que diz respeito a questões do processo de paz. J Street, ao contrário do AIPAC, é muito mais representativo da opinião dos judeus americanos.”

O cientista político Daniel Levy foi conselheiro de três dirigentes de Israel: Ehud Barak, Yossi Beilin e Haim Ramon
© New American Foundation
Isso não dissuadiu, porém, Barack Obama de discursar na conferência anual da AIPAC. O senador do Illinois, cujo nome do meio é Hussein, tinha de provar as suas credenciais “pró-Israel”, até porque precisa do eleitorado judeu que está a ser cortejado pelos republicanos em swing states, como a Florida.
Foi aplaudido de pé quando declarou que “Jerusalém permanecerá a capital de Israel e deve continuar indivisível”.
Claro está que os árabes, encorajados por anteriores declarações de Obama em que admitiu “não concordar com todas as acções do Estado de Israel” e retratou o conflito israelo-palestiniano como “uma ferida aberta que infecta toda a política externa dos EUA” (The Atlantic), ficaram decepcionados.
Dias depois, Obama deu uma entrevista à CNN, esclarecendo que o estatuto de Jerusalém “ é uma questão a ser negociada pelas partes”.
Levy achou importante esta clarificação. “Ele aceitou os ‘Parâmetros Clinton’, ou seja, que os bairros árabes em Jerusalém serão palestinianos e os bairros judeus serão israelitas.
O que ele quis dizer é que não deve haver um arame farpado a dividir a cidade como em 1967 [antes da Guerra dos Seis Dias], e até admitiu que a frase que usou [na convenção do AIPAC] não foi bem escolhida. Também disse que Israel precisa, para sua segurança, de uma solução de dois Estados. E esta é uma posição encorajadora.”
Além disso, mais do que a referência à Jerusalém, o que foi importante, para Levy, no discurso de Obama ao AIPAC foi a promessa de que resolver o conflito israelo-palestiniano será uma prioridade.
O apoio que exprimiu às negociações entre Israel e a Síria. E a afirmação de que, na abordagem ao Irão, privilegiará a diplomacia e não uma nova guerra.

Jeremy Ben-Ami é co-fundador (tal como Daniel Levy) e director executivo de J Street. Membro do “núcleo duro” do novo lobby, foi conselheiro do ex-Presidente Bill Clinton e é neto dos fundadores da cidade de Telavive
© J Street
Quanto ao generalizado sentimento israelita de que o Irão constitui uma ameaça existencial e tem de ser contido, a análise de Levy é esta: “Acho que, em Israel, há uns genuinamente preocupados e outros que criam um pânico desnecessário, por causa das coisas nojentas que o [anterior] Presidente [Mahmoud] Ahmadinejad diz e, também, das ambições do Irão de ser uma potência regional. Há uma mobilização em Israel para a necessidade de bombardear o Irão.”
“Os israelitas olham para o passado e dizem: ‘Bombardeámos o reactor no Iraque, bombardeámos algo na Síria e por isso OK, podemos bombardear os vizinhos, porque resulta. O problema é que o debate público não está a considerar que a situação no Irão é muito diferente e muito perigosa se houver uma guerra.”
Levy compara o ambiente em Israel com o que existe em muitas sociedades em conflito. “Os israelitas são frequentemente tentados a pensar: ‘Não há solução, vamos bombardeá-los’, o que até é compreensível, mas não é uma boa política. Uma maioria de israelitas apoiou a guerra no Líbano em 2006, mas agora admitem que foi um fucking mistake, mas na altura achavam que era uma grande ideia.”
“A maioria dos israelitas apoia ataques militares na Faixa de Gaza mas também apoia o cessar-fogo com o Hamas. Há muitas dissonâncias nas sociedades em conflito. Eu creio que os israelitas ficariam muito felizes se houvesse uma solução diplomática para o Irão.”
Levy está, por isso, entusiasmado com a campanha de J Street contra uma guerra ao Irão: “Uma carta a todos os candidatos ao Congresso obteve mais de 30 mil assinaturas online numa semana”.
Outro sucesso que o novo lobby reclama é uma petição que forçou o candidato republicano, John McCain, a renegar o apoio do reverendo John Hagee, pastor da congregação Christians United for Israel (CUI), aliada do AIPAC.
Na ânsia de apressar o “segundo regresso do Messias”, Hagee fez um sermão que causou uma onda de repulsa: “Deus disse a Jeremias: ‘Enviarei muitos pescadores e depois enviarei muitos caçadores’. Os pescadores são os sionistas, homens como Theodor Herzl. (…) E os caçadores? Hitler foi um caçador.”
“Como é que isso [o Holocausto] aconteceu? Porque Deus permitiu que acontecesse. Por que aconteceu? Porque Deus disse: ‘A minha máxima prioridade é fazer retornar o povo judeu à Terra de Israel.”
Mearsheimer e Walt atacaram o AIPAC, mas apoiam J Street

John Mearsheimer e Stephen Walt (dir.), autores de The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy
© Maarten Derkse
O aparecimento de um novo grupo de pressão para melhor defender os interesses da América e do Estado judaico “é um desenvolvimento positivo”, dizem ao P2 os autores do polémico livro The Israel Lobby
Em 2006, quando John J. Mearsheimer, da Universidade de Chicago, e Stephen Walt, de Harvard, publicaram The Israel Lobby and the U.S. Foreign Policy, primeiro um artigo na London Review of Books (LRB) e depois um livro (em 2007), receberam mais insultos que elogios.
[O livro seria editado em Portugal, em 2010, pela Tinta da China, com o título “O Lóbi de Israel e a Política Externa dos Estado Unidos da América”.]
Quebraram um tabu, ao afirmar que, depois da Guerra Fria, Israel se tornou um fardo mais do que um trunfo estratégico para os Estados Unidos.
Dois anos depois, o aparecimento de J Street vai ao encontro de uma das suas recomendações, no capítulo final: “A criação de um ‘novo lobby’ que pressione a favor de políticas mais inteligentes”.
Falando em seu nome e no de Mearsheimer, numa entrevista que me deu, via e-mail, Walt esclareceu que nenhum deles esteve envolvido na génese de J Street: “Achamos que é um desenvolvimento positivo [embora] não tenhamos provas de que haja uma ligação directa com o nosso livro.”
“O que é mais evidente é que ambos [o livro e o novo lobby] reflectem uma crescente tomada de consciência de que a política dos Estados Unidos para o Médio Oriente é obviamente má e não serve os interesses da América nem os de Israel.”
“Nós enfatizamos isto no nosso livro, mas outras pessoas, incluindo os fundadores de J Street, seguramente que compreenderam isto muito antes de o nosso livro ter sido publicado.”
“Não há nada de errado em ter uma comunidade pró-israelita politicamente influente nos Estados Unidos, se [o objectivo] for lutar por políticas com sentido estratégico e moral, em vez das políticas contraproducentes dos grupos que o AIPAC [American Israel Political Action Committee] tem apoiado”, frisam Walt, 53 anos, e Mearsheimer, de 61, seguidores da teoria do “realismo ofensivo”, segundo a qual o interesse nacional deve ser a única motivação da política externa de um país.
Ambos mantêm a afirmação de que “o apoio incondicional de Israel – sobretudo das suas políticas brutais em relação aos palestinianos nos territórios ocupados – é uma das razões, ainda que não a única razão, do anti-americanismo crescente no mundo árabe e islâmico”.
E acrescentam: “Uma política mais equilibrada dos EUA em relação a Israel e aos árabes não resolveria todos os problemas na região mas afastaria um dos principais focos de tensão e facilitaria a resolução de outros problemas. Também achamos que uma política mais equilibrada seria do interesse de Israel, porque estaria mais em consonância com as noções básicas de decência e justiça.”
Em The Israel Lobby, encomendado (em 2002) e rejeitado (em 2004) pela Atlantic Monthly, Mearsheimer e Walt recomendam que Israel seja tratado como “um país normal”. Esse é também um velho sonho sionista, mas que prazo para isso ser possível?
“Se começarmos a ter um discurso mais aberto e honesto sobre Israel e os Estados Unidos, as atitudes e as políticas podem mudar rapidamente”, respondem. “Mas, claro, é por isso que grupos no [velho] lobby se esforçam tão arduamente por impedir uma discussão franca.”
Apesar de acusações de “anti-semitismo”, de “ensaio conspirativo” ou de “trabalho científico medíocre”, os autores de The Lobby garantem que as suas carreiras, como membros de uma elite académica (Walt foi, entre 2002 e 2006, reitor da Kennedy School of Government em Harvard), não foram arruinadas.
“É cedo para avaliar o impacto do nosso livro, mas acreditamos que contribuímos para um debate mais livre sobre esta questão importante”, salientou Walt. “Ainda é muito complicado um diálogo crítico sobre a política israelita, as relações EUA-Israel e o próprio lobby.”
“Silenciar o debate, caluniando as pessoas como ‘anti-semitas’, é inconsistente com os princípios da liberdade de expressão e dificulta ainda mais a discussão séria de assuntos vitais. Se não pudermos discutir esses assuntos, os EUA vão provavelmente continuar as suas políticas insensatas no Médio Oriente, em detrimento de todos os envolvidos”.
Estes artigos, agora revistos e actualizados, foram publicados originalmente no jornal PÚBLICO em 2008 | These articles, now revised and updated, were originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO in 2008