Um “arquivo perdido” vai colocar o Corão no “lugar certo da História”

Durante mais de meio século, um arabista alemão manteve escondidos centenas de rolos de fotos de manuscritos antigos do Corão que poderiam ter permitido um estudo crítico semelhante ao da Bíblia. Os actuais investigadores rejeitam um cenário de “Indiana Jones e o Código Da Vinci”. E avisam que não se deve esperar um texto “novo” ou “diferente”. (Ler mais | Read more…) 

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Um total de 450 rolos de microfilmes e fotos de cópias antigas do Corão – quase contemporâneas de Maomé, datam do ano 700, ou seja, muito próximo do texto original – esteve escondido durante mais de meio século em caixas de charutos, tabuleiros de plástico e uma lata de bolachas, em Munique.

Em 1975, o arabista alemão Anton Spitaler lamentava que este arquivo tivesse sido “destruído”, quando o edifício do século XVI da Academia das Ciências e Humanidades da Baviera foi bombardeado pela aviação britânica, na noite de 24 de Abril de 1944, porque tornou “inteiramente impossível” um estudo crítico do livro sagrado dos muçulmanos.

Spitaler morreu em 2003 e hoje, com as imagens reencontradas e guardadas num cofre em Berlim, os investigadores do projecto Corpus Coranicum interrogam-se por que é que ele mentiu.

“É um enigma”, diz-me, numa entrevista por telefone, Michael Marx, o coordenador do projecto lançado em 2007 pela Academia das Ciências e Humanidades de Berlim-Brandenburgo.

No entanto, ao contrário do Wall Street Journal (WSJ), que revelou a história do “arquivo perdido” em primeira página, Marx não relaciona o adiamento de um estudo do Corão semelhante ao processo de exegese da Bíblia com as ligações ao III Reich de alguns académicos da época.

“Não se justifica dizer que os académicos tinham uma agenda nazi (….), ainda que alguns, mas não todos, simpatizassem com os nazis”, assegura Marx num artigo de resposta ao WSJ, que nos enviou e permitiu citar. Ele também não olha para o arquivo que, nos próximos 18 anos, com financiamento do Estado germânico, vai ser estudado por uma equipa de 12 pessoas, como sendo uma colecção de “misteriosos” documentos.

Em seu entender, “parece muito improvável” a hipótese de emergir um “novo texto”, um “texto diferente” ou um “cenário histórico completamente novo da génese do texto”, dada a “escassez de prova material”.

“As pessoas envolvidas nas primeiras investigações, [Gotthelf] Bergsträsser e [Otto] Pretzl morreram cedo, em 1933 e 1941, e os que lhes sucederam em Munique [como Spitaler] não estavam interessados”, diz Marx na conversa telefónica.

“Creio que não foi uma decisão deliberada esconder as fotos dos manuscritos, foi talvez um pouco de ignorância. Eles estavam a investigar outras coisas e não olharam para os textos históricos do Corão.”

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A história, tal como foi contada pelo WSJ, tem os condimentos do que o Asia Times Online designou posteriormente de “mistura de Indiana Jones e Código Da Vinci”, sendo que, aqui, os maus da fita até são nazis embora não haja bilionários e monges homicidas do Opus Dei .

Tudo começa com o linguista Bergsträsser, um dos maiores especialistas em línguas semitas (Aramaico, Hebraico e Árabe) que, no início do século XX, viajou pelo Médio Oriente, Norte de África e Europa, fotografando velhas cópias do Corão com a primeira câmara Leica transportável.

Em 1933, meses depois de Hitler se tornar chanceler, Bergsträsser morreu nos Alpes Bávaros em circunstâncias misteriosas. Era um montanhista experiente e o seu corpo nunca foi autopsiado. Especulou-se que teria sido suicídio ou um crime.

A Bergsträsser sucedeu Otto Pretzl, que, em 1934, partiu para Marrocos, também munido de uma Leica, tendo convencido “desconfiados” teólogos numa biblioteca real a deixá-lo registar um antigo manuscrito do Corão.

Quando Pretzl morreu em 1941 – o avião em que seguia despenhou-se –, foi Spitaler, que também ajudara a recolher algumas fotos, quem ficou como guardião do arquivo, até à sua morte, aos 93 anos.

Ao contrário de Bergsträsser, que era um opositor do regime hitleriano e ajudou a salvar muitos colegas judeus, Pretzl e Spitaler estiveram ao serviço dos nazis. Pretzl trabalhou, segundo o WSJ, nos serviços secretos militares, “interrogando soldados de língua árabe capturados durante a invasão da França”.

Terá sido também enviado numa “missão para provocar uma insurreição árabe contra as tropas britânicas no Iraque.”

Spitaler, por seu turno, terá sido “tradutor no Batalhão de Infantaria Germano-Árabe 845, uma unidade de voluntários árabes da causa nazi”. Quando a guerra acabou, Spitaler regressou ao mundo académico e dedicou-se à elaboração de um Dicionário de Árabe Clássico, que não concluiu, apesar de 50 anos de trabalho.

Em meados da década de 1970, já prestes a reformar-se da universidade em Munique, terá começado a mudar caixotes para uma sala da Academia das Ciências da Baviera.

A última aluna cuja tese de doutoramento orientou, Kathrib Müller, disse ao WSJ que espreitou os caixotes e viu rolos de fotos. Inquirido por ela sobre o que se tratava, o professor recusou responder. Agora, Müller tem “a certeza” de que eram as imagens dos manuscritos do Corão.

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“É claro que um estudo crítico podia ter sido feito há 60 anos, mas estamos a fazê-lo agora”, frisa Michael Marx, na conversa telefónica. “Não creio que tenha sido uma oportunidade perdida, porque o nosso projecto [Corpus Coranicum] está a trabalhar nele.”

Além disso, na resposta ao WSJ, Marx salienta que, “embora forneça uma excelente panorâmica de importantes manuscritos antigos de bibliotecas da Europa e do Médio Oriente, o arquivo de Bergsträsser não pode servir como varinha mágica.

Do material que já foi introduzido numa base de dados [que ficará disponível na Internet, revelou-nos, em 2009], são injustificadas as expectativas de que os velhos manuscritos corânicos (…) incluídos no arquivo ofereçam um texto diferente do Corão”.

Adianta Marx: “É interessante notar que as diferenças ortográficas observadas nos manuscritos do século VIII são variações de pronúncia que uma comparação com edições do Corão do século XX no Paquistão, Egipto, Arábia Saudita, Marrocos e Nigéria mostra ainda existirem.”

“(…) Podemos dizer que a atitude face ao texto de permitir ambiguidade e uma série de leituras é característica da tradição muçulmana desde os primeiros tempos.”

E Marx continua: “Até à data presente, o Corão é recitado de um modo acústico e textual ligeiramente ‘divergente’ em Marrocos e no Egipto.”

“O que [o Corpus Coranicum] procura é um estudo sistemático de todo o material disponível, manuscritos ou fontes sobre diferentes tradições islâmicas de leitura, de modo a estudar o texto do Corão – da mesma maneira que a Bíblia hebraica e o Novo Testamento são estudados – com a devida diligência, conhecimento e precisão.”

Nesta entrevista, Marx precisa: “O estudo crítico da Bíblia não se reduziu ao povo crente, não havia uma contradição com a teologia cristã ou judaica.”

“Pelo contrário, permitiu uma melhor compreensão do texto. No nosso projecto, não podemos responder à questão se o Corão veio ou não de Deus. Não é um estudo metafísico – ninguém pode fazer isso. Está para lá da nossa missão.”

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Este é um projecto “sensível”, admite Marx, mas “não podemos dizer que os muçulmanos se opõem, porque temos muçulmanos a cooperar connosco. Demos palestras, o ano passado, em países islâmicos – em Marrocos, no Irão, na Síria, na Turquia –, para termos discussões científicas.”

“(…) Seja no Médio Oriente ou na Europa, quase todos com quem falámos apoiam o nosso estudo, até Patricia Crone [uma historiadora revisionista, para quem o Corão é um texto falso] e académicos conservadores iranianos.”

Um dos muçulmanos que está a colaborar com o Corpus Coranicum é Islam Dayeh, discípulo de Angelika Neuwirth, reputada especialista em Corão na Universidade Livre de Berlim e actual guardiã dos 450 rolos que Spitaler ocultou.

Em resposta a perguntas enviadas por e-mail, o doutorando Dayeh lembra que o “arquivo perdido” é apenas constituído por fotos e microfilmes de manuscritos recolhidos durante viagens por países muçulmanos.

“Não são as Escrituras do Mar Morto nem o Evangelho de Judas!”, sublinha. “Os manuscritos originais ainda se encontram nos países muçulmanos.”

Além disso, “o arquivo de Bergsträsser e Pretzl não é a única fonte do estudo do Corão, porque muitas bibliotecas contêm manuscritos do Corão, e o maiores tesouros de manuscritos corânicos e literatura islâmica encontram-se em países muçulmanos, como a Turquia, o Egipto, Marrocos e o Iémen”, constatou Dayeh.

O aluno de Angelika Neuwirth, fundadora do Corpus Coranicum, juntamente com Michael Marx e Nicolai Sinai, critica o WSJ por não ter dado aos académicos muçulmanos “o direito de se representarem a si próprios”.

O jornal “não cita, manipula”, segundo Dayeh, Nasr Abu Zayd, um professor egípcio que teve de procurar asilo na Holanda pela “heresia” de descrever o Corão como “texto literário”, Moncef ben Abdeljelil, um tunisino que disse preferir “guardar silêncio” sobre o seu estudo crítico, e Filali Ansary, um marroquino para quem questionar o livro sagrado do islão “é como dizer que Jesus é gay”.

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“Estes académicos muçulmanos são apenas mencionados como confirmação das dificuldades de estudar um texto misterioso, exótico e perigoso chamado Corão”, lamenta Dayeh.

“Abu Zayd é meu professor, e eu conheço as obras dos outros dois académicos [Abdeljelil e Ansary]. Eles não são superficiais como o artigo [do WSJ] os apresenta.”

“Têm publicado sobretudo (mas não só) em árabe, para leitores árabes, e contribuíram com grandes estudos (sofrendo muitas vezes com isso), embora a maior parte da sua obra árabe não seja conhecida no Ocidente, até por académicos famosos.”

“Daí o interesse e a diferença da equipa de Angelika Neuwirth: nós levamos a sério o trabalho académico dos muçulmanos e envolvemo-nos com eles. Um texto não existe sem a sua comunidade.”

Bergsträsser, recorda Dayeh, “visitou o Egipto e encontrou-se com grandes estudiosos do Corão na Universidade de al-Azhar. Ficou fascinado com os seus progressos e falou positivamente do conhecimento deles. Respeitava-os e queria cooperar com eles.”

“Também Spitaler foi um grande orientalista e o seu trabalho na filologia árabe permanece importante. O modo como o WSJ o apresenta é claramente tendencioso. Por que foi necessário ligar a carreira de Spitaler aos nazis neste contexto? O Corão não era o seu único interesse académico. (…) Acho esta campanha contra ele muito bizarra.”

Inquirido sobre se o estudo crítico do Corão não poderá ser rejeitado pelo mundo islâmico como um risco existencial, Dayeh replica: “A história dos estudos bíblicos mostra como é difícil analisar os cânones religiosos (…), mas as comunidades evoluem e as suas preocupações políticas e religiosas evoluem com elas. (…)”

“A diversidade das tendências políticas e intelectuais mostra que os árabes estão a colocar questões e estão a rever de forma crítica o seu passado. (…) Ao colocarmos o texto no seu contexto histórico, estamos a permitir que ele nos fale tal como se dirigiu à sua audiência original. Significa que estamos a colocar o texto no lugar certo da História das religiões e das ideias.”

Angelika Neuwirth, a professor of Arabic studies at Freie Universität Berlin, was granted an honorary doctorate from Yale University’s Department of Religious Studies. She was selected for this award as she is one of the world’s leading scholars of the Koran. The honorary degree was presented by Richard C. Levin, the president of Yale University, during a ceremony in New Haven. Last year Neuwirth was named an honorary member of the American Academy of Arts and Sciences. @DR

Angelika Neuwirth, que dirige o projecto Corpus Coranicum, é professora de Estudos Árabes na Freie Universität Berlin (Alemanha). Em 2012, a Universidade de Yale atribuiu-lhe um doutoramento honorário, reconhecendo-a como “uma das maiores especialistas na exegese do Corão”. Em 2011, tornou-se membro de honra da American Academy of Arts and Sciences

O Islão visto numa perspectiva europeia

Ao estudarem o “arquivo perdido” em Munique, uma das prioridades dos investigadores do Corpus Coranicum, na Academia das Ciências e Humanidades de Berlim-Brandenburgo, é “mostrar que o Corão pode ser visto também como um texto europeu”, afirma Michael Marx, coordenador  do projecto, em entrevista que me deu.

“Vamos tentar perceber como é que o Corão está interligado com antigas tradições judaicas, cristãs e árabes, para entender como é que evoluiu este texto”, explica Marx, por telefone. “Na Europa, há a ideia de que Judaísmo e Cristianismo são religiões fortes para a identidade europeia,embora sejam do Médio Oriente.

Então, por que não incluir o Islão e os seus primeiros textos numa perspectiva europeia? Poderemos integrá-lo na Europa, e é esse, em parte, o nosso objectivo.”

“Queremos oferecer uma leitura europeia do Corão e acomodar o islão com as outras duas religiões [monoteístas]”, adianta Marx.

“Pretendemos colocar o Islão na História, de modo a entender que tipo de mensagem quis transmitir. Para perceber a comunicação é preciso reconstruir o contexto à volta, e é isso que tencionamos fazer.”

“O estudo da Bíblia, mais do que revolucionário, foi um passo necessário, e queremos agir de igual modo com o Corão. Temos de o colocar na mesma mesa que o Antigo e o Novo Testamentos, do ponto de vista académico, no Oriente e no Ocidente.”

“Não é uma revolução – ainda que algumas pessoas perguntem se estudar o Corão significa participar numa guerra. Tem de ser feito. E este é o tempo para o fazer”, concluiu Marx.

  Olhares críticos sobre um livro sagrado

Os Mu’tzalitas

A doutrina dos Mut’zalitas, síntese ente razão e revelação, prevaleceu durante o Califado Abássida de al-Ma’mun (813-833), mas a controvérsia que gerou, com a repressão violenta dos conservadores fiéis à teoria da eternidade, acabou por ser responsável pela sua queda, no final do século X. A partir daqui, foi instituída a doutrina do i’jaz ou “inimitabilidade” do Corão (só o texto árabe é reconhecido), o que muitos consideram ser “um ponto de viragem na história islâmica”.

Theodor Nöldeke

Académie des Inscriptions et Belles-Lettres de Paris lançou em 1857 um concurso para a “melhor história crítica do Corão” e Theodor Nöldeke ganhou, tornando-se desde logo uma referência para muitos orientalistas, sobretudo quando, no ano seguinte, a reescreveu para alemão, Geschichte des Korans.

Embora a obra deste linguista nascido em Hamburgo seja vasta e variada, ela centra-se sobretudo no estudo das línguas semitas (Árabe e Aramaico) – de que é considerado um dos maiores especialistas do século XIX– e na história da civilização do Islão.

Um dos seus discípulos foi Gotthelf Bergsträsser, o especialista em línguas semitas que começou a formar o “arquivo perdido” que o Wall Street Journal noticiou. Embora contestado por alguns académicos muçulmanos, Nöldeke é visto como tendo sido o que lançou no Ocidente as bases da investigação da história do Corão.

Patrica Crone e Michael Cook

Autores do livro Hagarism: The Making of the Islamic World, publicado em 1977, Patricia Crone e Michael Cook, na altura investigadores na School of Oriental and African Studies (SOAS) de Londres, causaram polémica ao pôr em dúvida tudo o que até então se sabia sobre o Corão.

Baseando-se em provas arqueológicas e documentos contemporâneos escritos em árabe, arménio, copa, grego, Hebraico, Aramaico, Latim e Síriaco, a obra de Crone e Cook refere, designadamente, que o livro sagrado dos muçulmanos “não apareceu antes da última década do século VII” e que as conquistas árabes precederam a institucionalização do islão.

A provocação destes historiadores ficou evidente quando eles se identificaram como “infiéis dirigindo-se a infiéis”.

Hoje, ambos reconhecem que não subscreveriam algumas das teorias que publicaram, por exemplo, a de que o profeta Maomé viveu mais dois anos do que atesta a tradição islâmica.

Em todo o caso, Crone, hoje académica do Institute for Advanced Study, em Princeton (New Jersey), continua ser vista como uma “revisionista”, convicta, como ela própria disse num artigo, de que “elucidar passagens problemáticas do Corão só será possível quando for abandonado o relato convencional de como o Corão apareceu”.

John Wansbrough

Americano (1928-2002), John Edward Wansbrough é uma das referências académicas de Gerd Puin e de Patricia Crone, embora estudiosos muçulmanos ataquem o arcaísmo da sua obra – há quem a considere profundamente ofensiva sobre as origens do Islão –, redigida nos anos 1970, quando leccionava na School of Oriental and African Studies (SOAS), de Londres.

Ele terá adaptado ao texto corânico todos os “instrumentos e técnicas” do estudo crítico da Bíblia (na forma, na fonte, na redacção), para concluir que o Corão apareceu gradualmente “nos séculos VII e VIII”, como a “adaptação árabe de escrituras judaico-cristãs”.

Também a figura de Maomé é apresentada por Wansbrough como “um mito fabricado para fornecer às tribos árabes uma versão própria dos profetas judeo-cristãos”.

Gerd-Rüdiger Puin

mais importante autoridade mundial em paleografia corânica, o alemão Gerd-Rüdiger Puin, professor na Universidade do Sarre, anda desde 1979 a estudar “mais de 15 mil fragmentos” de manuscritos do Corão – talvez os mais antigos que se conhecem.

Foram encontrados por operários, sete anos antes, numa vala da Grande Mesquita de Sanaa, no Iémen, quando o edifício estava a ser restaurado. Algumas das páginas remontarão aos séculos VII e VIII d.C., ou seja, aos primeiros dois séculos do islão.

Financiada pelo Governo germânico, a primeira investigação de Puin ao material agora guardado na Casa de Manuscritos do Iémen, indica “uma ordenação dos versículos não convencional, variações de texto e estilos raros de ortografia que divergem da versão posteriormente autorizada, o que refuta a certeza de que o Corão é a palavra de Deus, perfeita, intemporal e inalterada”.

Além de Puin, só outro académico, H.C. Graf von Bothmer, historiador de arte islâmica, também da Universidade do Sarre, foram autorizados a consultar os fragmentos iemenitas.

Em 1997, Von Bothmer finalizou 35.000 microfilmes destes fragmentos e levou-os para um estudo mais aprofundado na Alemanha. “Até agora, o Corão tem estado fora da discussão”, disse Puin, citado num artigo do Atlantic Monthly.

“A única maneira de penetrar está parede é provar que o Corão [tal como a Bíblia] também tem uma história, e os fragmentos de Sanaa vão ajudar-nos a fazer isso. […] A minha ideia é que o Corão é uma espécie de cocktail de textos que não foram todos compreendidos no tempo de Maomé.”

“Muitos deles podem até ser 100 anos mais antigos do que o próprio Islão. Mesmo no âmbito das tradições islâmicas há uma grande parcela de informação contraditória, incluindo um significativo substracto cristão.”

“[…] O Corão clama ser mubeen, ou limpo,  mas se olharmos para ele veremos que cerca de uma em cada cinco frases não faz sentido. Muitos muçulmanos – e orientalistas –dirão obviamente o contrário.. No entanto, a verdade é que 1/5 do texto corânico é incompreensível. Foi isso que causou a tradicional ansiedade face à tradução.”

“Se o Corão não pode sequer ser entendido em árabe, por isso não pode ser traduzido para outra língua. É disso que os muçulmanos têm medo. Dado que o Islão assegura que é claro, mas não é, há uma dúvida e séria contradição. Algo se passa.”

Os manuscritos corânicos de Puin irão ser integrados num “futuro próximo”, no projecto Corpus Coranicum, disse-nos o seu coordenador, Michael Marx.

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Este artigo foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 27 de Janeiro de 2008 | This article was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on January 27, 2008

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