Rama Yade, secretária dos Negócios Estrangeiros e Direitos Humanos ou “a Condi Rice de Sarkozy”, não gosta de dirigentes que venham a França “limpar os pés ensanguentados dos seus crimes”. (Ler mais | Read more…)
O “guia da revolução” líbia, habituado a dar ordens às suas 40 amazonas guarda-costas, não estaria à espera que uma bela negra, muçulmana e feminista, de origem senegalesa, o afrontasse publicamente à sua chegada a Paris [em 2007].
Mas foi o que aconteceu, quando Rama Yade, secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e dos Direitos Humanos no Governo de Nicolas Sarkozy, se insurgiu contra a visita a França de Muammar Kadhafi, a primeira nos últimos 34 anos.
“Podemos ter confiança absoluta em alguém que exige ser tratado como qualquer chefe de Estado e que, antes da sua chegada a solo francês, afirma [na cimeira União Europeia-África, em Lisboa] que o terrorismo é legítimo para os fracos?, perguntou Rama Yade em entrevista ao jornal Le Parisien.
“O coronel Kadhafi deve compreender que o nosso país não é um capacho sobre o qual um dirigente, terrorista ou não, pode vir limpar os pés ensanguentados dos seus crimes. A França não deve receber esse beijo da morte.”
E disse mais: Se é certo que o Kadhafi de hoje, que renunciou ao nuclear militar, “não é o mesmo dos tempos de Mitterrand e de Chirac”, sob o seu regime ainda “continua a haver desaparecidos. A imprensa não é livre. Detidos são torturados. A pena de morte foi suprimida para os líbios mas não para os africanos subsarianos”.
E quando ele exige indemnizações da Europa à África pelo passado colonial, Rama Yade, nascida em Dacar, responde-lhe: “Que ele pague também compensações pela escravatura intra-africana, ainda hoje com consequências nas relações entre Estados africanos do Norte e do Sul do Sara.” Sarkozy ficou tão embaraçado, que chamou a “sua Condi Rice” (a expressão é do diário Le Monde) ao palácio do Eliseu.
Se ela suavizou os comentários, minutos antes do rendez-vous com o Presidente, não deixou de sublinhar profunda hostilidade em acolher Kadhafi no simbólico dia internacional dos direitos humanos. Sarko reafirmou posteriormente confiança e amizade na “benjamim” do Executivo, salientando que esta “não se opôs ao princípio da visita”, e que as críticas que fez eram “naturais” dada a natureza do seu cargo.
Certo é que, nessa noite, Rama Yade não compareceu ao jantar oferecido a Kadhafi, após a assinatura de contratos de cerca de dez mil milhões de euros.
Não é a primeira vez Rama Yade enfrenta o “chefe”. Quando Sarkozy foi à China e não a levou, ela proclamou bem alto que ficou ofendida.
Na entrevista ao Parisien, repetiu: “Porquê esconder a secretária de Estado dos Direitos Humanos? Não é preciso virar as costas à diplomacia dos valores.[Assim] arrisco-me a ficar em desemprego técnico.”
Também não gostou que o Presidente felicitasse o homólogo Vladimir Putin pela vitória do partido Rússia Unida em eleições legislativas, e foi ao Senado reclamar que “sejam desfeitas todas as suspeitas de fraude”.
Na Tunísia, enquanto acompanhava o “patrão”, causou polémica ao encontrar-se com opositores políticos do autocrata Ben Ali, sem ter informado a sua própria entourage.
Outro incidente, que lhe mereceu uma reprimenda do primeiro-ministro, por estar a “interferir numa decisão judicial executada por um munícipe”, foi quando Rama Yade se deslocou a Aubervilles para apoiar um grupo de desalojados africanos expulsos pela edilidade comunista.
Posteriormente, no caso da Arca de Zoé, ofuscou o mediático ministro Bernard Kouchner ao acusar esta organização de ter agido de má fé quando tentou transportar ilegalmente 103 crianças do Chade para a França. A sua frase “Acabou-se a África do papá”, em pleno hemiciclo, causou calafrios.
Quem é, afinal, esta “pérola negra”, como a cognominaram os media? Ramatoulaye Yade-Zimet, de seu verdadeiro nome, vai completar amanhã [13 de Dezembro] 31 anos. Filha de um casal de professores – o pai foi conselheiro diplomático do defunto Presidente senegalês Leopold Senghor –, teve uma infância sem privações em Dacar.
A situação complicou-se quando, em 1987, os pais se divorciaram e, ela se mudou com a mãe e as três irmãs para Colombes, a sul de Paris. Foi aqui, dizem os biógrafos, que tomou consciência de que “pertencia a uma minoria discriminada”.
No entanto, recusou vitimização e fez questão de realçar, no lançamento do seu livro Noirs de France – Les Nouveaux Neg’marrons, que “a identidade não se deve reduzir à cor da pele”.

© purepeople.com
Rejeitando a “visão miserabilista que os sociólogos têm dos subúrbios”, Rama Yade empenhou-se na realização pessoal. Formou-se em Ciências Políticas e passou no difícil teste da função pública francesa para obter um posto administrativo no Senado.
No seu percurso inicial, frequentando um colégio católico, foi ajudada pelo Partido Comunista, e “tinha tudo para ser de esquerda”, admite – até o facto de ser casada com Joseph Zimet, um judeu socialista. Ela assumidamente muçulmana – e feminista.
Em 1993, porém, deixou-se seduzir pela personalidade de Sarkozy, quando este era apenas maire de Neuilly e ajudou a resolver uma crise de reféns numa escola.
Em 2005, Rama Yade-Zimet aderiu à União para um Movimento Popular (UMP), porque a direita “oferece respeito e não piedade” quando aborda as questões da integração. Em 19 de Junho de 2007, foi nomeada secretária de Estado.
Nasceu uma estrela.
[Em Novembro de 2008, especulou-se que Rama Yade poderia suceder a Jean-Pierre Jouyet como secretária de Estado para os Assuntos Europeus. No ano seguinte, terá sido convidada para integrar as listas da UMP às eleições para o Parlamento Europeu, mas recusou concorrer, justificando que lhe interessava mais a política interna.
Segundo o diário parisiense ‘Le Monde’, o então Presidente Nicolas Sarkozy ficou muito desapontado, e disse-lhe que perdera a oportunidade de suceder a Jouyet – embora a sua taxa de popularidade entre os franceses fosse “superior a 70 (‘The Independent’, Londres). A 24 de Junho de 2009, Rama Yade assumiu o cargo de secretária de Estado do Desporto – o que foi considerado uma despromoção (‘The Guardian’, Londres).
O posto deu-lhe porém legitimidade para criticar a selecção nacional de futebol por se alojar em hotéis de luxo quando o país e o resto do mundo enfrentavam uma profunda recessão económica. Em 2010, um novo cargo a aguardava: embaixadora da França na UNESCO.
Exerceu funções apenas até Junho de 2011. Em 2012, deixou a UMP e aderiu ao Partido Radical, apoiando primeiro o candidato presidencial Jean-Louis Borloo, dando o seu voto a Sarkozy só depois daquele desistir. Actualmente, dirige o ‘think tank’ Allons Enfants!
Rama mudou-se entretanto com a filha, Jeanne, para os EUA, para trabalhar com o Banco Mundial. O marido, Joseph Zimet, ficou em França, a dirigir a missão do centenário da I Guerra Mundial.]

No seu percurso inicial, frequentando um colégio católico, Rama Yade foi ajudada pelo Partido Comunista, e “tinha tudo para ser de esquerda”, admite – até o facto de ser casada com Joseph Zimet, um judeu socialista. Ela assumidamente muçulmana – e feminista
Este artigo, agora actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em Dezembro de 2007 | This article, now updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO on December 2007