Quase 60 anos (a 29 de Novembro de 2007) depois que a Assembleia Geral das Nações Unidas recomendou a divisão da Palestina do mandato britânico em dois Estados, judeus e árabes reúnem-se, em Annapolis (EUA), na esperança de fazer avançar o chamado “processo de paz”. Em seis décadas, são incontáveis os contactos secretos e/ou os encontros públicos para solucionar o conflito. Eis algumas histórias. (Ler mais | Read more…)
Faisal e Weizmann

Encontro entre o Emir Feisal I do Iraque (dir.) e Chaim Weizmann (que envergou trajes árabes “em sinal de amizade”), na Síria, onde o filho do rei de Hejaz se encontrava a viver
Em 3 de Janeiro de 1919, numa conferência em Paris, o Emir (príncipe) Feisal I do Iraque, filho do Rei de Hejaz (actual Arábia Saudita), fez um pacto com o presidente da Organização Sionista Mundial, Chaim Weizmann.
Era um acordo que previa um “enclave para os judeus” na Palestina, a mais pobre das antigas províncias do defunto Império Otomano, e uma grande nação árabe no Médio Oriente, mas foi de curta duração. Feisal recusou aceitar a soberania com que Weizmann sonhava.
Golda e Abdullah I
A 17 de Novembro de 1947, a chefe do Departamento Político da Agência Judaica, Golda Meir, foi ao encontro do Rei Abdullah I para lhe fazer uma proposta que o historiador Avi Shlaim descreveu assim: “A Transjordânia não invadiria o futuro Estado de Israel e, como recompensa, poderia anexar o território que a ONU planeava conceder aos palestinianos.”
Os outros países árabes desconfiavam das ambições do monarca hashemita e forçaram-no a entrar na guerra de 15 de Maio de 1948. Num segundo rendez-vous secreto com Golda, cinco dias antes, o soberano justificara-se: “Eu pensava que controlava o meu destino e podia fazer o que estava certo, mas descobri que não.”
Em 7 de Janeiro de 1949, após um cessar-fogo imposto pela ONU, 780 mil dos 1,4 milhões de árabes palestinianos tinham sido expulsos ou fugido das suas casas. Os que permaneceram tornaram-se numa minoria do “Estado dos judeus”, que passou a controlar cerca de 77% da Palestina do mandato britânico.
Dayan e Shehadeh
Em 16 de Abril de 1968, um ano depois da Guerra dos Seis Dias, que conduziu à ocupação da Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, da Faixa de Gaza, da península do Sinai e dos Montes Golã, o ministro israelita da Defesa, Moshe Dayan, recebeu dois emissários palestinianos.
Um deles, o advogado cristão Aziz Shehadeh, de Ramallah, disse-lhe: “Procuramos uma paz verdadeira. Se Israel deseja negociações directas, empreenderemos a tarefa de formar uma delegação para representar os palestinianos da Cisjordânia.
Se chegarmos a acordo, tentaremos obter a bênção dos palestinianos da diáspora e de alguns países árabes. Somos os mais interessados num acordo porque somos os mais afectados pela ocupação israelita.”
Shehadeh apresentou então quatro propostas, para que Dayan escolhesse uma: 1) a formação de um governo palestiniano; 2) o regresso dos palestinianos à Jordânia; 3) uma confederação com a Jordânia ou com Israel, ou com ambos; 4) a anexação da Cisjordânia.
O líder israelita respondeu que, “a título pessoal”, preferia uma confederação. Recusou, todavia, comprometer-se, alegando “divergências entre os membros” do seu governo.
Husseini e Avnery
Em 1 de Fevereiro de 1969, o Conselho Nacional Palestiniano (CNP, parlamento no exílio) reuniu-se no Cairo, para eleger Yasser Arafat líder da OLP.
À margem desta reunião, dois homens que se identificaram apenas como Richard e Gadi, agentes do Shin Bet, serviço de segurança interna israelita, entregaram a Faisal al-Husseini, filho do herói palestiniano Abdel Kader al-Husseini, a seguinte mensagem: “Diga a Arafat que estamos dispostos a negociar quando ele quiser, excepto num país do Leste [da Europa] ou num país árabe.”
Se o chefe da guerrilha tinha intenção de aceitar, Husseini logo o dissuadiu: “Creio que é preciso recuar. Os israelitas querem abrir negociações mas, assim que elas começarem, haverá fugas [de informação] e tornar-se-ão públicas. Se aceitarmos, não estaremos a dar um tiro nos pés, mas na cabeça!”
Husseini terá ficado impressionado com um artigo do israelita Uri Avnery publicado na imprensa hebraica no qual descrevia o cenário de uma ofensiva árabe contra o movimento palestiniano.
Arafat concordou: “Tens razão, seria um suicídio político.” De regresso a Jerusalém, Husseini recebeu dos agentes do Shin Bet um convite para se encontrar com um membro do Governo de Israel. Perguntou a razão. Responderam-lhe: “Não aceitaria um Estado palestiniano?”
Husseini retorquiu: “Não quero falar de um Estado israelita e de um Estado palestiniano, mas de um só Estado palestiniano, secular e democrático.” Os interlocutores corrigiram-no: “Não! Um Estado palestiniano secular ao lado de Israel.” Husseini ripostou: “Não! Um só Estado. Adeus!” Até 1987, não mais teria contactos com os israelitas.
Shaath e Machovere
Em 1969, quando o Egipto de Nasser e a Jordânia de Hussein discutiam um plano do secretário de Estado norte-americano William P. Rogers, que previa a aceitação da resolução 242 da ONU (território em troca de paz, solução de dois Estados), Yasser Arafat decidiu encetar os seus próprios contactos secretos com Israel.
Enviou um conselheiro, Nabil Shaath, para conversações com o professor de Matemática Moshé Machover e com a secretária-geral do Partido Trabalhista, Lola Eliav, conhecidos pelas suas “posições moderadas”. Shaath terá dito: “Se deixarem de pensar em vingança e começarem a falar num país para todos nós, logicamente irão querer ver como é que os judeus vão responder a esta ideia.”
Não havia, porém, hipótese de esta iniciativa ter qualquer impacto em Israel, já que os ataques palestinianos contra civis continuavam. E na Fatah, a maior facção da OLP, havia muitos opositores a um compromisso.
Abu Sharif e George Shultz
Em 1988, no ano em que a aviação israelita foi a Tunes assassinar Abu Jihad, o cérebro da primeira Intifada, e apesar dos clamores de vingança, audíveis desde que Ariel Sharon invadira o Líbano em 1982 e dispersara 8000 fedayin (combatentes) pelo mundo árabe, Yasser Arafat voltou a “testar as águas”.
Serviu-se de um intermediário, Bassam Abu Sharif que, num artigo no jornal The Washington Post, propôs eleições na Cisjordânia e Faixa de Gaza, sob supervisão de observadores estrangeiros, com vista à criação de um Estado palestiniano. A OLP aceitaria os resultados mesmo que os seus candidatos não vencessem. Haveria um período de transição em que os territórios seriam administrados por uma força de paz multinacional.
A OLP reconheceria o direito de Israel existir e aceitaria as resoluções 242 e 338 da ONU como base para negociações directas numa conferência internacional. Em Washington, George Shultz, chefe da diplomacia de Ronald Reagan, deixou uma porta entreaberta: “Se a OLP reconhecer Israel pode pedir a independência, e os Estados Unidos apoiarão o seu direito de pedir isso.” Em 15 de Novembro de 1988, num congresso em Argel, Arafat proclamou um Estado.
Baker e Rabin
Em 1991, a pagar um preço elevado pelo seu apoio a Saddam Hussein após a invasão iraquiana do Kuwait, Arafat foi obrigado por James Baker, secretário de Estado de George Bush, a aceitar uma conferência internacional de paz, em Madrid, sem a sua presença. Isso não o impediu de dar instruções à delegação chefiada por Haidar Abdel Shafi.
Nas dez rondas de negociações que se seguiram, os israelitas, sob o governo nacionalista de Yitzhak Shamir, não ofereciam aos palestinianos mais do que autonomia, ao mesmo tempo que continuavam a expropriar terras e a construir colonatos. Em 1992, Shamir foi derrotado pelo trabalhista Yitzhak Rabin.
Em 1993, depois de uma série de contactos secretos com mediação norueguesa, Rabin e Arafat assinaram os Acordos de Oslo. Não era um tratado de paz, apenas o reconhecimento mútuo.
Abbas e Olmert
Em 1994, Arafat deixou o exílio em Tunes e regressou a Gaza. Outros acordos foram assinados (em Taba, no Cairo, em Sharm el-Sheikh…), mas nem a violência palestiniana nem a colonização judaica cessavam, e o conflito foi-se agudizando. Em 1995, um extremista judeu assassinou Rabin, e o seu sucessor, Shimon Peres, incapaz de travar uma vaga de atentados suicidas do Hamas, foi afastado do poder por Benjamin Netanyahu.
Em 2000, fracassou a cimeira de Camp David entre Arafat, Ehud Barak e Bill Clinton – o “Velho do kaffiyeh” recusou uma “oferta generosa” de Israel e não fez uma contraproposta. A Intifada militarizou-se. Ariel Sharon, o novo homem forte, reocupou a Cisjordânia, em 2002, e retirou-se unilateralmente de Gaza, em 2004, o ano em que Arafat morreu.
O herdeiro deste, Mahmoud Abbas, estará hoje [27 de Novembro de 2007] ao lado de Ehud Olmert, o delfim de Arik, para mais uma tentativa de encontrar a solução para um conflito com 60 anos.
[Novos “parceiros”, Tzipi Livni e Benjamin Netanyahu, por parte de Israel, e novamente o palestiniano Mahmoud Abbas, sob mediação de John Kerry, secretário de Estado norte-americano, voltaram a fracassar na “longa marcha” para uma paz que não prevê justiça. A única progressão visível é a dos colonatos judaicos nos territórios ocupados. ]
Este artigo, agora revisto e actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 27 de Novembro de 2007 | This article, now revised and updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO on November 27, 2007