E “Condi” sobreviveu a George W.

Ao contrário de Rumsfeld, Rove e Gonzales, a poderosa secretária de Estado americana não sucumbiu aos críticos nem saiu de cena antes de 2009. Condoleezza Rice ficou até ao fim do mandato. Era essa a sua determinação mesmo que só restasse ela e o cão Barney. (Ler mais | Read more…)

Sobre Condoleezza Rice, escreveu Glenn Kessler, um dos seus jornalistas favoritos e que a acompanhou em muitas viagens como secretária de Estado: “É uma pessoa inteligente e sofisticada, com muito charme, graça e nervos de aço. Mas não é reflectiva, e raramente questiona se o seu juízo de valor ou o caminho por que enveredou são correctos” @Albert Watson | Fortune-CNN

Sobre Condoleezza Rice, escreveu o jornalista Glenn Kessler: “É uma pessoa inteligente e sofisticada, com muito charme, graça e nervos de aço. Mas não é reflectiva, e raramente questiona se o seu juízo de valor ou o caminho por que enveredou são correctos”
© Albert Watson | CNN

Dos tempos de segregação racial nos subúrbios do Alabama, onde nasceu, Condoleezza Rice guardou um ensinamento dos pais: “Poderás não conseguir comer um hambúrguer no Woolworth’s, mas podes vir a ser Presidente dos Estados Unidos” (Newsweek).

Há relativamente pouco tempo, essa era uma possibilidade que entusiasmava admiradores e adversários. Seria a chefe da diplomacia de Washington capaz de derrotar a senadora Hillary Clinton em eleições, e tornar-se na primeira mulher e primeira negra a exercer um cargo que sempre foi de homens e brancos?

A filha única do reverendo/reitor John Wesley e da professora de música Angelena continua a ser uma figura poderosa em Washington e no resto do mundo, mas uma biografia publicada este mês [Setembro de 2007], The Confidante – Condoleezza Rice and the Creation of Bush Legacy, de Glenn Kessler, jornalista do Washington Post, desfere um duro golpe à sua carreira e ambições políticas.

“Ela foi uma das mais fracas conselheiras de segurança nacional na história dos Estados Unidos”, diz o livro, curiosamente escrito com a ajuda de Condi, que inclui Kessler entre os seus repórteres favoritos com quem percorreu o globo.

“A sua inexperiência e os seus erros no cargo moldaram o mundo e mancharam as opções que ela tinha de fazer como secretária de Estado (…) A invasão do Iraque, a oportunidade perdida com o Irão, a fissura nas relações com a Europa, a fúria dos árabes perante o que entendiam como parcialidade [a favor de Israel] face aos palestinianos – todos estes problemas foram resultado directo das decisões que ela ajudou a tomar na Casa Branca”.

Condi- Photo 2

Com a mãe, Angelena Rice, que morreu de cancro de mama, em Agosto de 1985, aos 61 anos. Em Julho de 1989, o pai, John Wesley Rice, casou-se com Clara Bailey e a união manteve-se até ele morrer, em 2000

Numa conversa por e-mail, Kessler reconhece que Rice “tentou resolver os problemas que criou” durante o primeiro mandato de Bush, e que “tem os atributos para ser uma boa secretária de Estado, sobretudo o facto de estar próxima do Presidente”.

No entanto, acrescenta, “as suas escolhas e oportunidades continuaram limitadas pela performance como conselheira de segurança nacional.”

Quanto à expectativa de que a republicana Condoleezza Rice poderia disputar as presidenciais de 2008 com a democrata Hillary Clinton, Kessler desvalorizou-a: “Essa conversa não passou de uma criação dos conselheiros de media [da secretária de Estado], num esforço de a tentarem mostrar como uma líder forte”.

Para Kessler a estrelinha da sorte de Rice começou a empalidecer quando, na Cisjordânia e Faixa de Gaza, em 2006 o Hamas ganhou as eleições que ela insistiu em que fossem realizadas contrariando todas as advertências de que os islamistas poderiam sair vitoriosos sobre os nacionalistas da Fatah.

“Esse foi o ponto de viragem, e depois foi a guerra do Líbano [de Israel contra o Hebollah, no Verão de 2006], quando ficou claro que os acontecimentos se viravam contra os Estados Unidos.”

Condoleeza Rice stands in front of the White House as a girl.

Condoleezza Rice, em frente à Casa Branca, durante uma visita da família a Washington. Dos tempos de segregação racial no Alabama, onde nasceu, guardou um ensinamento dos pais: “Poderás não conseguir comer um hambúrguer no Woolworth’s, mas podes vir a ser Presidente dos Estados Unidos” (Newsweek).
© NPR

Outros reveses, segundo Kessler, foram o teste atómico norte-coreano, o programa de enriquecimento de urânio do Irão, o fracasso na criação de um Estado palestiniano e, “obviamente, o Iraque”.

Dos raros êxitos, o jornalista do WPost, premiado com dois Pulitzer colectivos, cita a gradual “melhoria dos laços com a Europa e o acordo nuclear com a Índia”, ainda que não consolidados.

O legado de Rice “vai demorar décadas a ser definido”, crê o biógrafo. “Ela não vai conseguir a paz, mas se os passos dados [ainda em funções] forem mais tarde considerados cruciais para o estabelecimento de um Estado palestiniano, então ela ficará melhor nos livros de História, apear de o Iraque ser sempre um borrão.”

Em todo o caso, Kessler não via [e acertou no prognóstico] Rice a deixar a Administração Bush, como fizeram o chefe do Pentágono, Donald Rumsfeld, o principal estratega político, Karl Rove, e o attorney-general (equivalente a ministro da Justiça), Alberto Gonzales. “Ela ficará até ao fim”, assegurou. “Será só ela e Barney (o cão)!”

A sombra de Condoleezza Rice na Sala Oval da Casa Branca enquanto George W. Bush fala ao telefone com outro líder mundial
© Christopher Morris VII

Sobre o futuro, a partir de 2009, Kessler convenceu-se de que Rice, sempre elegante nos seus tailleurs e sapatos italianos, iria regressar à Universidade de Stanford onde esteve quase duas décadas e foi provost (espécie de directora).

Não seria um retorno pacífico. O jornal dos alunos, Stanford Daily, recebia, no seu site, inúmeras mensagens a recomendar-lhe outro emprego.

“Condoleezza Rice serviu um governo que maltratou os valores académicos básicos: a razão, a ciência, o talento e a honestidade, e Stanford não a devia acolher de volta”, escreveu Don Ormstein, professor emérito de Matemática numa carta citada pelo New York Times. Outro internauta, identificado apenas como Jon Wu, sentenciou: “Não queremos ninguém a ensinar na nossa escola que seja responsável pelo massacre de uma nação”.

Embora a sua previsão fosse a do regresso da “princesa guerreira” a Stanford, Kessler admitiu que não seria permanente.

“Ela pode concorrer a governador da Califórnia ou então entrar na gestão desportiva, dirigindo uma grande equipa, tal como Bush fez antes de ser governador do Texas.”

Condi “é uma pessoa inteligente e sofisticada, com muito charme, graça e nervos de aço, mas não é reflectiva, e raramente questiona se o seu juízo de valor ou o caminho por que enveredou são correctos”, diz o seu biógrafo
© panorama.am

Em várias entrevistas, a própria secretária de Estado confessou que o futebol americano é a sua obsessão. Os domingos à tarde, “único momento de descanso”, continuam a ser ocupados a “ver jogos, depois de ir à missa”. Desde os 3 anos que se habituou a torcer pela sua equipa favorita, os Cleveland Browns.

Na festa de Acção de Graças, ela e o seu pai (falecido em 2004) também costumavam jogar no jardim da residência familiar o que ambos chamavam de Rice Bowl. Uma referência à Superbowl, a que ela assiste sempre desde a primeira, em 1967 – mesmo que isso implique acordar de madrugada ou ter de reprogramar encontros, quando está em visita ao estrangeiro.

Se o futebol é obsessão, herança de um pai que foi treinador de liceu, a ambição, confirma a própria Rice, é ser comissária (cargo de topo) da National Football League (NFL), a mais poderosa liga desportiva nos EUA, onde os clubes são como membros de uma cadeia de franchising.

“Se por alguma razão vou perder um jogo da NFL na televisão, tento gravá-lo”, contou à NBC a antiga patinadora artística e bailarina.

“Não me importo de os ver depois, mesmo conhecendo o resultado. Gosto de analisar os jogos da perspectiva da estratégia. Adoro, e realmente adoro, uma batalha defensiva, provavelmente mais do que jogos com muita pontuação”.

Condi - Photo 6

Tal como o pai, que foi durante a sua vida treinador de basquetebol e futebol americano, Condi é uma adepta deste desporto e de outro. Em  2012, tornou-se a primeira de duas mulheres (a outra é a financeira Darla Moore) a ser admitida como membro do até então exclusivamente masculino Augusta National Golf Club
© Golf Magazine

O futebol (americano, não o europeu [soccer], que ela “não entende”) acaba por ser um “quebra-gelo” nas relações com os colegas de trabalho, apesar de o Presidente [George W. Bush] preferir o basebol.

Rice também se interessa por golfe. Começou a praticar e já reatou o contacto com um antigo aluno de Stanford, Tiger Woods.

De resto, à medida que se aproximava dos 53 anos de idade (a 14 de Novembro de 2007), todas as manhãs passa-as a fazer exercício físico, 40-45 minutos, no ginásio do Departamento de Estado, com um personal trainer que foi marine, ou em casa, onde tem uma bicicleta elíptica.

Sobre este ser prodigioso, a quem os pais deram, aos 15 anos, um piano Steinway quando ingressou na Universidade de Denver, onde concluiu, aos 19, uma licenciatura em Ciência Política, para mais tarde se tornar “reputada sovietóloga”, sem falar russo, diz-nos o biógrafo Kessler:

-“É uma pessoa inteligente e sofisticada, com muito charme, graça e nervos de aço. Mas não é reflectiva, e raramente questiona se o seu juízo de valor ou o caminho por que enveredou são correctos”.

Glenn Kessler, jornalista do jornal The Washington Post e autor da biografia The Confidante : Condoleezza Rice and the Creations of Bush © Legacybrownalumnimagazine.com

Este artigo, agora revisto e actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em Setembro de 2007 | This article, now revised and updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO on September 2007

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