Os Homens do Xá – O golpe no Irão e as origens do terrorismo no Médio Oriente, de Stephen Kinzer, é um livro genial. Até a CIA, que ele ataca, o elogiou. (Ler mais | Read more…)

O presidente dos EUA Harry Truman (à esq.) e o primeiro-ministro do Irão Mohammad Mosaddegh, juntos em 23 de Outubro de 1951. O golpe para derrubar o líder nacionalista, dois anos depois, foi orquestrado pela CIA – e agora é oficial, depois de terem sido desclassificados documentos anteriormente confidenciais
© Abbie Rowe
Cada capítulo de Os Homens do Xá – O golpe no Irão e as origens do terrorismo no Médio Oriente (Ed. Tinta da China) é uma teia de histórias carregada de História.
Stephen Kinzer, jornalista do diário The New York Times, reconstrói de forma brilhante a Operação Ajax que conduziu ao derrube do democrata Mohammad Mosaddegh, em 1953, para colocar no poder um ditador (Reza Pahlavi), por sua vez deposto por um teocrata (Ruhollah Khomeini).
O autor deixou-se fascinar pelo protagonista ainda antes de começar o livro (dedicado “ao povo do Irão”), e a paixão é evidente e contagiante em cada uma das suas 350 páginas. As fotos que acompanham o texto são um fabuloso complemento para quem não tenha memória daqueles tempos conturbados.
Podemos ver não só retratos do primeiro-ministro Mosaddegh como os de todos os conspiradores, designadamente, Kermit Roosevelt, o artífice da operação, Loy Anderson e Sir Francis Shepherd, embaixadores dos EUA e da Grã-Bretanha em Teerão, os irmãos John Foster e Allen Dulles [sobre os quais Kinzer publicou recentemente uma biografia, “The Brothers“], que chefiavam a diplomacia e os serviços secretos de Washington; a princesa Ashraf, sinistra irmã do imperador; e o Ayatollah Abulqasim Kashani, “comprado” pela CIA com dez mil dólares.
Nada é deixado ao acaso nesta obra imprescindível a quem quiser compreender o ressentimento que, hoje, afasta os iranianos dos americanos, mas também a convicção no Médio Oriente de que os EUA continuam mais interessados em salvaguardar os seus interesses do que em democratizar a região.

Uma foto de 1950 de Kermit Roosevelt Jr., neto do presidente dos EUA Theodore Roosevelt, o operacional da CIA que foi o artífice da Operação Ajax para derrubar Mossadegh
© Associated Press | NPR
Mossadegh foi uma vítima da ganância da Anglo-Iranian Oil Company, que, não aceitando a sua expropriação, manipulou Churchill e Eisenhower para que se livrassem de um obstinado nacionalista, invocando o temor de que, com ele, o Irão ficaria sob domínio soviético.
Nada mais falso: Mosaddegh era um aristocrata descendente da dinastia Qajar, partilhava os valores dos EUA, e quando os comunistas do Tudeh, pró-URSS, lhe pediram armas para o apoiar nas ruas, ele respondeu: “Que Deus me corte o braço direito se alguma vez concordar em armar um partido político!”
Na sua narrativa, que é um louvor a uma grande civilização (viajamos da era dos persas à dos xiitas, de Ciro I a Ali), Kinzer fornece minuciosos detalhes e preciosas curiosidades.
Desde a proveniência do Trono do Pavão ao papel na conjura de uma bizarra figura, o “Desmiolado”, que instigava as massas contra Mosaddegh, com uma arma em cada coxa, e a quem o “rei dos reis” ofereceu um Cadillac como recompensa.
Os Homens do Xá, seleccionado como um dos melhores livros de 2003 pelo jornal The Washington Post e pela revista The Economist, foi igualmente elogiado por historiadores da CIA, como David S. Robarge, que escreveu no site da agência: “Kinzer atinge o melhor do jornalismo quando – pegando em fontes publicadas, documentos desclassificados, entrevistas e uma cópia contrabandeada da operação – desmonta toda a gestão diária da TPAJAX” (o código oficial).
Kinzer [que chefiou as delegações do NYT em in Manágua/Nicarágua, Bona e Berlim/Alemanha e em Istanbul; e antes foi correspondente do “Boston Globe” na América Latina]. também escreveu um livro sobre o golpe seguinte da CIA (Bitter Fruit: The Story of the American Coup in Guatemala), é implacável na avaliação final da conspiração contra Mosaddegh:
– “É difícil imaginar (…) uma situação que tivesse produzido tanta dor e horror nos cerca de 50 anos que se seguiram. (…) Desde as ruas fervilhantes de Teerão e de outras capitais islâmicas até às cenas de ataques terroristas um pouco por todo o mundo, deixou um legado terrível e aterrorizador.”

Mohammad Reza Pahlavi, o Xá do Irão (deposto em 1979 pela Revolução Islâmica) e o presidente dos EUA Harry Truman (à dir.), quando o imperador iraniano chegou a Washington para uma visita de Estado, em Novembro de 1949
© Associated Press
Este artigo, agora revisto e actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 2007 | This article, now revised and updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO in 2007