Em A minha vida é uma arma, o jornalista e historiador alemão Christoph Reuter tenta explicar o fenómeno dos modernos bombistas suicidas e as razões por que, para eles, “morrer é tão importante como matar”. (Ler mais | Read more…)

Nova Iorque, 11 de Setembro de 2001
© Spencer Platt | Getty Images | National Geographic
Foi na década de 1990 do século passado que Christoph Reuter, jornalista da Stern e historiador do mundo islâmico, iniciou a sua investigação sobre os atentados suicidas. O facto de haver pessoas dispostas a morrer matando outros “é algo que atemoriza e perturba”, reconhece logo no início do seu livro A minha vida é uma arma (Ed. Antígona, 2003, pp. 342).
Quando se fala em atentados suicidas as pessoas associam imediatamente estas acções a Israel, onde têm sido mais frequentes. Mas eles também chegaram aos Estados Unidos (11 de Setembro 2001), a Bali, na Indonésia (2002), Casablanca, em Marrocos (2003), Madrid, Espanha (11 de Março de 2004), Amã, na Jordânia e Londres (em 2005).
As explosões de bombas humanas tornaram-se quase banais [e mais ainda depois da entrada em cena do autoproclamado “estado islâmico” ou Daesh].
Reuter lembra-nos que, “há 2000 anos, já havia pessoas que iam para a batalha com o objectivo específico de morrer – foi o caso dos sicários (judeus) na Antiguidade, dos Assassinos, mais tarde na Idade Média, dos combatentes muçulmanos que participaram nas revoltas do século XVIII contra as potências colonizadoras na costa de Malabar, no Sudoeste da Índia, na Samatra Setentrional e no Sul das Filipinas”.
Quando se esperava que o fenómeno se havia extinguido com o fim das missões dos kamikazes japoneses, eis que nos últimos 20 anos o fenómeno reaparece e se propaga.
Na actualidade, os “mártires” não são apenas religiosos e também não são exclusivamente muçulmanos. “O que leva certos grupos sem laços com o Islão como o PKK [Partido dos Trabalhadores do Curdistão] na Turquia, laico, ou os separatistas no Sri Lanka Tigres Tâmil (a maioria dos quais hindus) a adoptar o suicídio como arma?”
Reuter também constata que o Grupo Islâmico Armado (GIA), na Argélia, que degolava centenas de aldeões numa só noite não tinha bombistas suicidas embora fosse igualmente “etiquetado como terrorista” à semelhança do Hamas palestiniano ou do Hezbollah libanês.

Bali, Indonésia, 12 Outubro de 2002
© The Australian
Para ajudar a interpretar (não a justificar) os vários factores que se relacionam com os atentados suicidas, Reuter remonta ao início década de 1980, nos campos de batalha da guerra Irão-Iraque, durante a qual “dezenas de milhares de jovens iranianos, levando presa ao pescoço uma pequenina chave que lhes dava acesso ao paraíso, investiam contra as posições da máquina de guerra iraquiana em nome de Deus e do Ayatollah Khomeini”.
O velho sábio xiita de Qom tinha sabido despertar “o conceito de auto-sacrifício como arma de guerra” – um conceito que custou milhares de vidas sem apesar de Saddam Hussein ter vencido a guerra.
O facto de não ter havido ganhos militares não impediu que o conceito fosse exportado. O Exército dos Guardas da Revolução (Pasdaran) iranianos levou-o, com êxito, para o Líbano, onde ajudaram os seus irmãos de fé xiitas a formar o Partido de Deus.”
“Os iranianos “prepararam o terreno” para os atentados suicidas mas foi o Hezbollah que os “aperfeiçoou enquanto instrumento de combate”.
Foi o Hezbollah, salienta ainda o historiador alemão, o primeiro a imprimir a “marca registada” de “operações mártires”, em 1982 e 1983, logo após a invasão israelita.
“Os guerrilheiros de todo o mundo ficaram a saber que cinco pessoas dispostas a sacrificar-se, cinco camiões, algumas toneladas de explosivos e uma preparação cuidadosa bastavam para que um pequeno movimento conseguisse fazer frente a superpotências mundiais”.

Madrid, 11 de Março de 2004
© Paul White | nbcnews.com
A eficácia dos atentados do Hezbollah forçou, primeiro a retirada total das tropas francesas e americanas e o recuo dos invasores israelitas para uma “faixa de segurança” junto à fronteira. Em 2000, a persistência dessas operações na zona-tampão contribuiu para a evacuação unilateral do exército do israelita, em 2000.
A partir do início da década de 1990, os atentados suicidas já não assumiam apenas um carácter religioso. Os Tigres Tâmil, no Sri Lanka, nacionalistas que combatem pela autonomia do seu grupo étnico, recorreram a acções de “martírio” contra o Governo central de Colombo.
O objectivo de quem comanda estes actos é infligir medo ao inimigo. Como diz a al-Qaeda, de Osama bin Laden: “Nós amamos a morte mais do que vocês amam a vida”.
No plano militar convencional, o inimigo pode ser mais forte, mas “num plano existencial ou espiritual”, os predispostos ao auto-sacrifício “estão convictos de que o adversário é mais fraco”.
Reuter esmiuça com seriedade e profundidade este mundo complexo, recorrendo a todo o tipo de especialistas, de politólogos a psicólogos, para perceber, por exemplo, o que levou filhos de famílias abastadas de classe média a lançarem-se sobre as Torres Gémeas de Nova Iorque em 2001.
Não foi certamente a crença de que 72 virgens os aguardavam na outra dimensão, diz, até porque um deles, Mohammed Atta, não suportava a ideia de uma mulher se aproximar dele. A miséria também não é justificação, de outro modo, metade dos habitantes da Somália já se teria feito explodir.
Com o aparecimento da al-Qaeda, “os ataques suicidas deixaram de ter que ver com conflitos locais e regionais, com programas e objectivos políticos: ela une apoiantes de mais de uma dezena de nações que, não tendo sequer uma língua comum, partilham uma ideologia messiânica de destruição”, observou Reuter.
O facto da al-Qaeda “nada de tangível ter a ganhar com as suas operações – não pratica uma guerra convencional com vista a conquistar um território – não constitui uma desvantagem. Pelo contrário, torna-a virtualmente inexpugnável. A rede está em toda a parte e em parte nenhuma”.

Londres, 7 de Julho de 2005
© julyseventh.co.uk
Este artigo foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 2005 | This article was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO in 2005