Quando os homens têm de “lutar pelos seus direitos”

Marcando a diferença entre os outros monarcas árabes do Golfo Pérsico, o sultão de Omã fez eleger mulheres para o Conselho Consultivo, designou-as para o Conselho de Estado, integrou-as no Governo como ministras e nomeou embaixadoras. A sociedade, conservadora e religiosa, começou a habituar-se ao convívio entre o turbante e o lenço nos centros de poder. (Ler mais | Read more…)

Shukor Al-Ghammary foi, em 1994, uma de duas mulheres – as primeiras – eleitas para o Majlis a’Shura (Conselho Consultivo) criado em 1991 por decreto do Sultão Qabbos bin Said al Said @DAVID CLIFFORD

Shukor Al-Ghammary foi, em 1994, uma de duas mulheres – as primeiras – eleitas para o Majlis a’Shura (Conselho Consultivo) criado em 1991 por um decreto do Sultão Qabbos
© David Clifford

É com um sorriso humilde, mas simultaneamente vitorioso, que a omanita Shukor Al-Ghammary, 57 anos, evoca os tempos em que os homens a olhavam com “desconfiança e desconforto” quando, em 1994, ela e uma outra mulher foram eleitas para o Majlis a’ Shura.

Este Conselho Consultivo, criado em 1991 por decreto do sultão Qaboos bin Said Al Said, era até então um espaço exclusivamente masculino.

Os mussar (turbantes) não se misturavam com os hijab (lenços). Cumpridos seis anos de mandato, esta mãe de três filhos, licenciada em Química, integra agora, desde 2000, o Majlis al-Dawla, Conselho de Estado, cujos membros são designados pelo Sultão Qabbos bin Said al Said.

“Os homens aprenderam a valorizar o nosso trabalho depois de verem o que somos capazes de fazer”, diz Shukor com assumido orgulho, na ampla e luminosa sala onde recebe os jornalistas. “Eles perceberam que é tudo uma questão de educação e de competência, e não há competição mas colaboração”.

Shukor esbanja autoconfiança. Elegantemente vestida, com um casaco Channel sobre uma saia comprida, o sorriso e os olhos desvelados pela écharpe de seda que lhe oculta todo o cabelo, anel de diamantes num dedo, sapatos de plataforma e telemóvel de última geração, ela é o centro das atenções.

Ninguém diria que tem 57 anos – nasceu no ano da primeira guerra israelo-árabe (1948), em Mascate. Não envelheceu e conserva a beleza de há uma década quando “invadiu” o círculo restrito do Majlis a’Shura.

Uns cinco funcionários estão presentes ou entram e saem, para atender qualquer pedido de Shukor Al-Ghammary. Trazem-lhe café e halwah, um doce tradicional confeccionado com açúcar, água de rosas, cardamomo e açafrão, que ela oferece aos seus convidados.

Se o sultão merece toda a gratidão por lhe ter aberto as portas do poder, ainda que relativo, à família ela reserva toda a sua admiração.

Em primeiro lugar ao pai – “muito bom em aritmética” –, já falecido, um dos raros omanitas a completar os estudos na única escola primária que, no seu tempo, existia em Mascate, a capital – actualmente há mais de mil e o ensino é gratuito, do jardim escola à faculdade.

Uma omanita regista as suas impressões digitais antes de votar para o conselho Shura, nas eleições de 15 de Outubro de 2011 – um longo caminho tem sido percorrido desde 1994
© Said Bahri | Reuters | The National

Foi o pai de Shukor, homem de negócios, que encorajou as sete filhas e os dois filhos a ler muito e a frequentar a universidade. Ela sentia um apelo especial pela Medicina mas acabou por se formar em Química no Cairo, em 1975. Não seguiu a profissão porque o seu primeiro emprego foi no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Quando nasceu o seu primeiro filho, agora com 25 anos, optou por lhe dedicar exclusiva atenção porque era deficiente. Mas não ficou em casa. “Formei uma associação de pais para apoio a crianças com deficiências físicas e mentais, e foi nesta actividade que ganhei a influência que me permitiu chegar ao Majlis”, explica.

O facto de o pai ter quebrado as barreiras da segregação – ela frequentou escolas mistas não só no Egipto como no Bahrain –facilitou a sua integração quando teve de se sentar entre dois homens após a sua primeira eleição há 11 anos. Shukor tem noção de que fez história.

“As mulheres no Kuwait ou noutros países árabes, perguntam-me como consegui chegar aqui, e eu respondo que tudo depende de termos líderes visionários e da nossa própria vontade de empreender mudanças”, afirma.

O marido de Shukor, um empresário também lhe facilitou a carreira. São ambos dedicados aos filhos, mas quando ela viaja a tarefa de cuidar deles cabe-lhe exclusivamente a ele, o que, reconhece, “não é comum” entre os casais árabes. “Ele sabe que o meu trabalho é reconhecido e tem gosto nisso”, exulta.

Com um lar “muito feliz”, a conselheira do Sultão optou por centrar a sua actividade na defesa dos direitos da família. De tudo o que conseguiu até agora, realça os benefícios obtidos para as mulheres trabalhadoras, como a licença de parto ou os projectos para formação profissional de jovens licenciados.

“Cheguei mais longe do que a minha mãe, que era uma simples dona de casa, e isso deixa-me muito satisfeita”, sublinha.

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Al-Ghammary esbanja autoconfiança. Elegantemente vestida, o sorriso e os olhos desvelados por uma écharpe de seda sobre o cabelo, sapatos de plataforma e telemóvel de última geração, ela é o centro das atenções
© David Clifford

Dez anos depois de Shukor ter entrado no “parlamento” – quando o sultão conferiu direito de voto e candidatura à metade da população que permanecia nos bastidores – , outras mulheres ocupam agora lugares-chave na política omanita.

São oito (num total de 55) no Majlis al-Dawla. São duas (num total de 83) no Majlis a’Shura. Tudo começou em 1988, quando foi designada a primeira subsecretária de um ministério – estreia absoluta em todos os Estados árabes do Golfo Pérsico.

Um ano depois, outra mulher foi eleita para a junta directiva da câmara de Comércio e Indústria de Omã. Em 1999, a primeira embaixadora foi acreditada em Haia, na Holanda. [Em 2005, Hunaina Al-Mughairy ascenderia a embaixadora em Washington – o mais importante posto diplomático no exterior.] Em 2003, tomou posse a primeira titular de um ministério.

Face à imparável ascensão feminina, Saeed Al-Marjiby, director de relações públicas do Majlis a’Shura, diz aos seus convidados, meio a brincar meio a sério: “Elas são muito boas, e agora somos nós, os homens, que temos de lutar pelos nossos direitos”.

O ministro omanita do Interior, Hamoud bin Faisal Al Busaidi (centro), sela uma urna numa das principais secções de voto, em Mascate, em 25 de Outubro de 2015. Tal como em 2011, só uma mulher foi eleita para o Majlis a’ Shura
© AFP | The National

A jornalista viajou a convite da representação do Governo de Omã em Lisboa

Este artigo, agora revisto e actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 2005 | This article, now revised and updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO in 2005

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