A pasionaria do sionismo teve um amante palestiniano, banqueiro que deixou mulher e filhos em Beirute para viver um amor impossível. O romance é verídico, garante o autor, o “judeu e árabe” Sélim Nassib. (Ler mais | Read more…)

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Em Março de 1969, quando Golda Meir se tornou primeira-ministra de Israel, uma das suas primeiras declarações, ao Sunday Times, foi: “O que chamam de povo palestiniano não existe.”
A frase ficou na História e, por isso, é com algum cepticismo (mas grande prazer) que se lê a história de amor entre a pasionaria do sionismo e o banqueiro Albert Pharaon – Um amante na Palestina (Ed. Teorema, 2005, pp. 2008) – escrita por Sélim Nassib.
Nascido em Beirute em 1946, Nassib define-se como “judeu e árabe”, conhecedor da “visão subjectiva” dos dois povos.
Esse conhecimento faz com que, no seu livro, os protagonistas lhe mereçam igual respeito e ele evite tomar partido.
O antigo repórter do diário Libération, que vive em Paris desde 1969 e, em 1990, abandonou o jornalismo para se tornar escritor a tempo inteiro, garante a veracidade do romance de Golda e Albert.
No site da sua editora francesa, revela que teve conhecimento do affair através de um “velho amigo” Fouad, neto de Albert. De início, a relação pareceu-lhe “inverosímil”, confessou, e decidiu investigar.
“Parti para Israel onde os dois filhos de Golda Meir me disseram desconhecer completamente este episódio da vida da sua mãe”, conta Nassib.
“No Egipto, encontrei finalmente a sobrinha preferida de Albert Pharaon, sua única confidente. Ele visitava-a sempre que passava pelo Cairo e ele falava-lhe de Golda porque não podia falar dela a ninguém.”
“O resto da família preferia nada saber. Semana após semana, mês após mês, esta sobrinha seguiu a crónica desta história de amor impossível, os seus pormenores e suas repercussões.”

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A sobrinha é Nina, também personagem da obra de Nassib, jovem obrigada a casar, para desgosto do tio, com um milionário egípcio, e assim salvar a família da falência.
A história de Um amante na Palestina começa em 1923 no Kibbutz Merhavia, onde Golda escolheu viver depois de ter deixado Milwaukee, a América do exílio, e Kiev, a Ucrânia natal.
Em 1929, quando se conheceram, Albert tinha 35 anos e Golda 29. Golda já era casada com Morris Myerson, o que não a impediu de ter “amantes judeus”, segundo Nassib. Foi aliás, a semelhança física com um defunto namorado judeu, Noam Pinski, que aproximou Golda de Albert.
O primeiro rendez-vous ocorreu numa festa na casa do alto-comissário britânico em Jerusalém. O momento oferece ao autor a oportunidade de começar a fazer desfilar as figuras centrais do que se tornaria o principal conflito do Médio Oriente: David Ben Gurion ou Hajj Amin al-Husseini; Ze’ev Jabotinski ou Ezzedin al-Qassem.
Oportunidade, também, para conhecermos melhor os “pecados” de governados e governantes. Por exemplo, os de Jacques Krayam, pai de Nina, que “perdeu ao jogo as 37 aldeias que possuía na Palestina e todas as terras que delas dependem [mas que] nunca poderia realizar e delapidar tantos fundos se os judeus não pagassem a pronto e a preços altos”.
Os dos mandatários britânicos que “compraram” os dois principais clãs árabes, os Husseini e os Nashashibi, para controlarem o “poder” e a “oposição” na sociedade palestiniana. Albert e Golda são colocados por Nassib acima desta mesquinhez, fazendo ressaltar neles um amor proibido e inconciliáveis convicções.
Diz Khawâja (senhor) Albert: “Ninguém pode acreditar a sério que vão fazer nascer um Estado judaico na Palestina. Mas a vossa ficção desempenhará um papel que nem podem imaginar. Vão-nos atirar para a modernidade, como a lavagantes para água a ferver.”
“Sem querer, vão despertar – e talvez fazer explodir – a sociedade tradicional, absolutamente atabafante, a que pertenço. (…)”
“Por que diabo é que a Grã-Bretanha tinha necessidade de prometer aos judeus um ‘lar nacional’ num país árabe? (…) Os judeus nem sequer representam dez por cento dos habitantes da Palestina. Os britânicos vão provocar o rancor duma nação muito numerosa em proveito duma hipotética nação que há-de nascer.”
Diz Golda: “Os árabes cortejam os britânicos, mas isso não lhes serve de nada. Estão perdidos. Não sabem em que situação se encontram nem o que devem fazer. Os ingleses sorriem-nos, mas até a maneira como gostam de nós é anti-semita. (…) Nós [judeus] viemos aqui para não depender de mais ninguém. Não há outros, a não ser nós!”

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Não podendo haver “outros”, a paixão de Golda e Albert tinha de ser clandestina. Só um encontro foi público, em Chipre, onde “passeiam na aldeia agarrados pela cintura”.
De regresso à “casa cor-de-rosa”, em Haifa, onde se instalou desde que abandonara a mulher e filhos em Beirute, em 1928, ele descobre a razão da felicidade dela: os ingleses tinham anulado o Livro Branco que limitava a imigração de judeus para a Palestina.
Não discutiram o assunto, porque haviam previamente combinado não levar a política para a cama. Quando o fizeram a discussão azedou. Em 1929, fora cometido um massacre de 67 judeus em Hebron.
Albert testemunhou mas recusava classificar o sucedido de pogrom, como Golda lhe gritava aos ouvidos: “Sessenta e sete! Sessenta e sete!… Como te atreves a contá-los? E, na tua opinião, a partir de que número é um pogrom? (…)”
“Todos os mortos foram enterrados numa vala comum, todos os sobreviventes foram evacuados de urgência, não há um só judeu nesta cidade, onde estavam enraizados há oitocentos anos. Que nome dás tu a isso?”
Albert defendeu-se: “Havia árabes deitados na rua, assassinados por terem querido impedir os amotinados de atacar os judeus. (…) Tu não conheces a sociedade palestiniana. É pobre, com três quartos de analfabetos. Não compreende nada do que lhe acontece. As suas terras são ocupadas e os camponeses transformados em fantasmas assombram as ruas de Haifa e doutros sítios. (…)”
“Durante dez anos, os palestinianos confiaram nos seus dirigentes, sem perceber que eram impotentes ou cúmplices.”
“E quando o perceberam, alguns enlouqueceram e reagiram selvaticamente a essa violência inalcançável que os tinha escolhido por alvo. É um horror. Mas vocês estão nesta terra, no meio desta gente. Não têm alternativa. São obrigados a viver connosco.”

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Antes dos últimos encontros, em Haifa, em 1937, quando Golda o vai avisar que “isto se pode tornar muito perigoso”, depois de a ONU ter decidido dividir a Palestina em dois Estados, um árabe e um judaico, e em 1948 (não se viam há 11 anos), quando a cidade “acaba de cair” e os palestinianos têm de decidir se ficam ou fogem, Albert faz entrar na sua vida uma outra mulher: Ada.
Judia como Golda, mas não sionista, Ada era casada com Emil Stein. Ele construía cenários teatrais em Munique. Ela era professora de dança.
Formavam um casal que deixou a Alemanha para enfrentar um dilema: “Lá, censuravam-nos por sermos judeus, aqui [em Israel] é-se obrigado a sê-lo.
Não existe nenhuma solução. Ora, tem de haver alguma, forçosamente.” A solução favorita, mas irrealizável, era a de um Estado binacional. Ada partiu. Albert ficou.
Duas frases que Nassib usa para ilustrar “a ligação impossível” de Golda e Albert servem na perfeição para caracterizar a relação actual entre israelitas e palestinianos: “A atracção que sentem um pelo outro é como que doentia.”
“Semana após semana, estreitam-se e repelem-se num mesmo movimento, magoados, arrebatados, recomeçando outra vez. (….) É uma guerra de morte entre dois corpos, uma guerra amarga, sem misericórdia, onde nada em qualquer momento os pode saciar.”

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“Ela tinha uma vida sexual muito activa”
“Toda a gente sabe em Israel que Golda Meir tinha muitos namorados judeus”, diz Sélim Nassib, o autor de Um amante na Palestina, numa entrevista telefónica a partir de Paris, onde reside. “Ela tinha uma vida sexual muito activa, envolveu-se com vários líderes sionistas e dessas relações foi buscar muito do seu imenso poder”.
Em Israel, também se diz que ela “dormiu umas duas ou três noites” com o rei Abdullah I da Transjordânia, mas todos negam o romance com o palestiniano Albert Pharaon, refere Nassib.
A veracidade do affair é, porém, confirmada pelo escritor, que diz ter feito “quatro anos de investigação histórica” e demorado um ano a completar a obra que inicialmente tinha 600 páginas.
“Eu conheci Fouad, o neto de Albert”, explica Nassib. “Ele vivia em Beirute e contou-me várias vezes a história do amor do seu avô por Golda. Foi ele que me deu o contacto de Nina, a sobrinha favorita de Albert, uma velha e simpática senhora com quem fui falar ao Cairo.”
“Ela confirmou tudo. Depois fui a Israel perguntar à filha e ao filho de Golda se conheciam o caso. Negaram tudo. Também o resto da família de Albert queria que isto permanecesse um segredo”.
Com os relatos de Fouad e Nina, Nassib decidiu revelar o que aprendeu. “Descobri muito sobre o período antes de 1948 [criação de Israel]”, disse.
“Só a parte da Declaração Balfour, os detalhes de como é que um pequeno grupo de judeus impôs ao mundo a sua pátria, ocupava 40 páginas no primeiro rascunho. Mas eu não queria um documentário, e então limitei-me a escrever um romance, mistura de realidade e ficção.”
Nassib orgulha-se de ter retratado Golda e Albert “sem uma visão distorcida”, sem os julgar. “Eu queria que os árabes dissessem ‘isto é que eu sinto’ e que os judeus dissessem ‘isto é o que eu sinto’.”
“E por eu ser judeu-árabe [filho de uma família hebraica nascido no Líbano], creio que sei exactamente o que eles sentem. Eu não pertenço a nenhuma comunidade de sangue, não tomo o partido de ninguém, mas conheço a visão subjectiva dos dois povos da região.”
Na descrição da Palestina e do Líbano antes de Israel, Nassib constata que “não havia simetrias entre judeus e árabes – os primeiros eram determinados, os segundos estavam adormecidos”.
A falecida primeira-ministra de Israel é retratada como uma mulher atraente – o autor inspirou-se nas fotografias do livro de Ralph G. Martin, Golda, The Romantic Years.
“Foi mais difícil compor a personagem dela, por ser muito conhecida, do que de Albert, que me deu mais liberdade de criação”, confessa. “Ele era um aristocrata, que gostava de cavalos e detestava a família.”
No livro e nesta entrevista percebe-se que Nassib teria gostado que o amor da israelita e do palestiniano tivesse resultado. Não recrimina um nem outro, mas inventou “uma história” para se vingar da decepção que a sua protagonista lhe causou.
“Golda era linda mas a partir do momento em que disse ‘o povo palestiniano não existe’, nasceu-lhe um bigode e tornou-se feia”, ironizou o ex-repórter do Libération que abandonou o jornalismo em 1990 para se dedicar exclusivamente à literatura.
Este artigo foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO, em 14 de Maio de 2005 | This article was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO on May 14, 2005