Omã: “Preferimos falar em progresso do que em reformas”

Para Sayyid Badr Al Busaid, membro da família real do sultanato, a democracia ocidental em que “a maioria tem a última palavra” não é adequada ao mundo árabe. “Aqui preferimos o consenso, para acomodar todas as opiniões”. Quanto aos israelitas e palestinianos, deixa um conselho: “Pensar mais no futuro e menos no passado.” (Ler mais | Read more…)

“Em Omã, beneficiamos de uma grande abertura e boas relações com os nossos vizinhos e o resto do mundo. A nossa política é de pragmatismo e franqueza em relação aos outros”, diz Sayyid Badr bin Hamad bin Hamood Al Busaid
© British Vogue

Sayyid Badr bin Hamad bin Hamood Al Busaid é membro da família real de Omã (sayyid é um título de nobreza) e o “número três” da diplomacia de Omã, com o cargo de subsecretário.

Numa singela sala do ministério onde, à entrada, um gigante e luminoso globo terrestre acolhe os visitantes, “sua alteza” aparece, deslumbrante, numa dishdasha branca (a tradicional túnica omanita), um khanjar (adaga) de prata à cintura, a combinar com o castanho das sandálias e do mussar (turbante) de padrão exclusivo.

A biografia oficial, que não revela a sua idade nem o parentesco com o sultão Qaboos bin Said, refere que Sayyid Badr nasceu em Mascate e se formou em Ciência Política e Economia na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Precisa ainda, a título de curiosidade, que ele gosta de música e desporto, sendo o ténis a sua paixão.

A carreira política iniciou-a em 1989, como primeiro secretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a responsabilidade de “desenvolver um Gabinete de Análise Política”.

Em 1990, foi promovido a conselheiro. Cinco anos depois, um decreto real nomeou-o embaixador. Em 2000, ascendeu ao cargo que agora ocupa, representando o país em várias iniciativas regionais e internacionais.

Foi um dos principais dinamizadores, e permanece presidente do conselho executivo, do Centro de Investigação para a Dessalinização do Médio Oriente, instituição criada no âmbito das negociações de paz multilaterais com Israel.

No final da entrevista, sem mais pormenores, diz-nos que, em Londres, alguns membros da sua família têm empregados portugueses.

Como define a actual situação em Omã, face aos acontecimentos que têm marcado a região desde os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos EUA às eleições no Iraque este ano [de 2005]?

Gostamos sempre de fazer uma leitura positiva dos acontecimentos, porque só assim podemos ultrapassar muito do que é negativo. Não devemos ignorar o facto, fundamental e estratégico, de que é do interesse de todos os países desta parte do mundo garantir a segurança e a estabilidade da região, a longo prazo.

Porque não é um simples interesse regional mas global. Aqui, em Omã, beneficiamos de uma grande abertura e boas relações com os nossos vizinhos e o resto do mundo. A nossa política é de pragmatismo e franqueza em relação aos outros.

Alguns analistas dizem que depois do desenvolvimento a prioridade de Omã deve ser agora a democracia. O sultanato já foi pioneiro na introdução de algumas reformas, como o direito de voto e de eleição das mulheres, mas será que este processo é bem aceite pelos sectores mais conservadores da sociedade? Ainda agora foram julgados elementos que procuravam derrubar o governo pela força.

O processo de desenvolvimento em Omã em 1970 [com a ascensão de Qaboos ao poder, depois de forçar o seu pai tirano a abdicar] é um processo contínuo de modernização. Não gostamos da palavra “reforma” porque a sua tradução em árabe é muito enganadora.

Raros protestos – contra o desemprego – em Mascate, a capital de Omã, em Janeiro de 2018
© Middle East Eye

O que significa “reforma” em árabe?

Em árabe, “reforma” é o oposto” de “barbárie”. Dizer que um país precisa de reformas é dizer que o país é bárbaro e atrasado e precisa de ser reformado. Não é este o caso, porque temos muito orgulho no que somos. Temos muito orgulho da nossa cultura. O que precisamos de falar é de desenvolvimento e de progresso.

Eu creio que já atingimos um extraordinário nível de desenvolvimento a todos os níveis, seja na educação ou na saúde, no papel das mulheres, no sistema judicial e nas instituições, na nossa lei básica, uma espécie de Constituição, que garante direitos iguais par todos, sem discriminação ou segregação entre homens e mulheres.

Há liberdade de expressão. Há liberdade de religião. Não devemos nunca impor certos modelos de democracia porque cada sociedade tem as suas especificidades e tradições.

Para dar um exemplo, a shura, que significa “consulta”, já era a base da nossa sociedade muito antes da presente estrutura, o Majlis a’Shura [conselho consultivo]. A consulta faz parte da nossa tradição, entre as famílias, nas aldeias, quando é preciso discutir problemas e encontrar soluções.

Isto é, de certa maneira, muito diferente do que se passa no Ocidente onde existe um sistema em que a maioria tem a última palavra.

Aqui preferimos o conceito de chegar ao consenso, para que não seja só a maioria a impor a sua vontade, mas para acomodar todas as opiniões. Isto é uma evolução. Não temos uma meta final, como numa corrida.

Está preocupado com a instabilidade em países vizinhos como a Arábia Saudita e o Iémen? Teme um impacto negativo em Omã?

Temos preocupações comuns. O que os preocupa a eles preocupa-nos a nós. A instabilidade na nossa região não é do nosso interesse. Sim, estamos inquietos mas acreditamos que todos os acontecimentos actuais [a violência ligada à al-Qaeda] são uma fase, são temporários, e que, a longo prazo, serão resolvidos graças à nossa capacidade e sabedoria.

Penso, sinceramente, que este ciclo de violência e de instabilidade serão superados nos próximos anos. É uma infelicidade a situação no Iraque, com tantas mortes de civis, mas acreditamos que o Iraque conseguirá reerguer-se porque tem poderosos recursos humanos e o apoio da comunidade internacional, para promover e encorajar o processo político – a única solução viável. É uma questão de tempo.

Muito se tem falado do projecto americano do “Grande Médio Oriente” e das pressões que os EUA têm exercido sobre alguns países da região, como o Egipto e a Síria, para adoptarem mudanças. O que pensa deste plano?

Em Omã as nossas mudanças começaram a ser empreendidas a partir do primeiro dia em que o Sultão [Qaboos] subiu ao poder [em 1970], muito antes do 11 de Setembro [de 2001]. Infelizmente há muitos preconceitos em alguns círculos. Muita gente não está a par da dimensão do nosso desenvolvimento.

Muitos americanos e outros chegam a Omã e ficam surpreendidos ao verem as mulheres conduzir ou a exercer cargos no governo. Porque têm ideias pré-concebidas de que os países islâmicos são atrasados. Não os culpamos, porque são ignorantes. Os que vêm cá têm oportunidade de ver a verdade. Nós somos amigos dos americanos.

Estamos ligados aos Estados Unidos por um tratado de amizade que data de 1833. Não sinto qualquer pressão da parte de ninguém para que nós [omanitas] mudemos. Temos uma relação construtiva com os EUA, mas também com a Europa e o Japão. Sabemos que temos de mudar porque se ficarmos parados não há progressos. Acreditamos na cooperação e na parceria.

O Sultão Qaboos  foi o primeiro chefe de Estado árabe a visitar, em Agosto de 2013,o novo Presidente do Irão, Hassan Rouhani: Omã continua a servir de mediador na região.
© Mohammed Mahjoub | AFP | getty Images

[ Qaboos  ofereceu-se como mediador nas negociações entre Washington e Teerão, para facilitar uma aproximação mútua desde a eleição do Presidente iraniano, Hassan Rouhani. O papel de intermediário do monarca já havia sido desempenhado durante a guerra entre o Irão e Iraque (1980-1988) – sendo o sultanato um dos raros países árabes a não tomar o partido de Saddam Hussein. Com esse gesto, serviu depois de facilitador na troca de prisioneiros de guerra.]

Tendo Omã sido um dos primeiros países árabes a abrir as portas ao Estado de Israel  [enviou um representante para Telavive após os Acordos de Oslo de 1993 e recebeu em visita oficial o primeiro-ministro Yitzhak Rabin; o Presidente Shimon Peres também recebeu o chefe da diplomacia omanita em Jerusalém, em 1995], como encara o futuro do processo de paz israelo-palestiniano? Crê que uma solução é possível?

Há uma solução para cada problema. O que é preciso é uma vontade forte e recursos para chegar a um acordo. Os palestinianos têm direitos legítimos reconhecidos pela lei internacional. Já deram passos importantes para terem o seu Estado independente. Nós apoiamo-los, e acreditamos que uma solução é possível através de negociações construtivas e pacíficas com Israel, e não pela força.

Também esperamos que o povo israelita encoraje o seu Governo a aproveitar a oportunidade de paz. Nenhum israelita ou palestiniano quer viver em estado de medo. A paz é o único meio de toda a região prosperar. Sem esquecer as lições do passado, temos de pensar mais no futuro do que no passado. Temos de aproveitar os instrumentos que a globalização nos oferece e aplicá-los para o bem.

A jornalista viajou a convite da representação do Governo de Omã em Lisboa

Em vez de reformas, “preferimos o conceito de chegar ao consenso, para que não seja só a maioria a impor a sua vontade, mas para acomodar todas as opiniões. Isto é uma evolução”, diz Sayyid Badr bin Hamad bin Hamood Al Busaid
© jewelofmuscat.tv

Este artigo, agora revisto e actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 2005 | This article, now revised and updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO in 2005

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