Nem todos apreciarão o misticismo deste libanês-americano, que tem agora mais três livros editados em Portugal. Mas ninguém nega o seu estatuto de ícone da literatura árabe. (Ler mais | Read more..)

Khalil Gibran numa fotografia de Fred Holland Day
© Royal Photographic Society | National Media Museum | Science & Society Picture Library | The New Yorker
Gibran Khalil Gibran não é um escritor consensual. Uns não terão paciência para a espiritualidade que emana dos seus livros. Outros procuram nas obras deste libanês-americano algum conforto para a alma.
Não se pode, porém, negar a imensa influência que exerceu sobre a literatura árabe na primeira metade do século 20, até porque a ele se deve o nascimento do movimento romântico que quebrou com o neoclassicismo.
Embora os melhores livros de Khalil Gibran tenham sido escritos em prosa poética, ele foi capaz de revolucionar a linguagem da poesia, cunhando o que alguns designam de “estilo gibraniano”.
A sua obra-prima O Profeta, 26 ensaios poéticos escritos em 1923 e traduzidos para mais de 20 línguas, garantiu-lhe imortalidade entre várias gerações de leitores, sobretudo nos Estados Unidos, para onde emigrou quando deixou Bisharri, no Líbano, terra que o viu nascer a 6 de Janeiro de 1883.
Em Portugal, a editora VIDA lançou [em Setembro de 2003] mais três livros de Khalil Gibran – Os Deuses da Terra, O Mensageiro e Areia e Espuma.
Todos eles acompanhados de uma breve biografia do autor, com pormenores interessantes, como o facto de o seu pai ter sido preso, em 1891, pelos turcos otomanos que então governavam a “Grande Síria” (Líbano, Síria e Palestina), sob a acusação de desvio dos impostos que colectava.
O exílio começou em 1894, quando Gibran, a mãe, duas irmãs e um meio-irmão, depois de confiscados os seus bens, se fixaram em Boston, onde se concentrava a segunda maior comunidade síria dos EUA, sobrevivendo com o rendimento de uma pequena loja. O pai, responsável pela pobreza familiar, permaneceu no “país do cedro”.

Retrato de Kahlil Gibran
© “Collection of the Telfair Museum of Art | Gift of Mary Haskell Minus”
Em Beirute, quando regressou para prosseguir os seus estudos, em 1897, Khalil Gibran começou a interessar-se pelos principais movimentos da Literatura contemporânea árabe. Terá sido nesta altura que descobriu a vocação para o desenho e pintura – que também acompanham as edições portuguesas das suas obras.
Em 1901, viajou para a Grécia, Itália, Espanha e França, onde desenvolveu o talento de pintor. Escreveu nessa altura Os Espíritos Rebeldes, livro que haveria de ser queimado em praça pública, na capital libanesa, considerado “herético” pelas autoridades maronitas.
Em 1908, Khalil Gibran instalou-se em Paris para frequentar a Escola de Belas Artes. Aqui trabalhou com Rodin e Debussy, por exemplo. Em 1919, voltou definitivamente aos Estados Unidos, para se dedicar à pintura e à poesia.
Depois de uma brilhante carreira, construída em grande parte como autodidacta – foi um padre que lhe ensinou os rudimentos do alfabeto, abrindo-lhe o mundo da história, da ciência e da língua –,Gibran morreu, em Nova Iorque, em 10 de Abril de 1931, no dia em que os cristãos orientais, como ele, celebram a Sexta-Feira Santa.
Duas semanas antes de Khalil Gibran sucumbir a uma dolorosa doença, descrita na autópsia como “cirrose do fígado com tuberculose incipiente num dos pulmões”, foi publicada uma das obras agora postas à venda em Portugal: Deuses da Terra.
No fim da vida, a pátria acolheu-o como um herói numa homenagem jamais dedicada a outro libanês. Afinal, também foi ele – filósofo, ensaísta, romancista, poeta místico e artista – que melhor retratou o seu país:
Infeliz a nação que está cheia de crenças e vazia de religião.
Infeliz a nação que veste a roupa que não teceu, come o pão que não amassou e bebe o vinho que não brota do seu lagar.
Infeliz a nação que aclama o novo governante com trombetas e lhe diz adeus com apupos, só para saudar outro novamente com trombetas.
Infeliz a nação cujos sábios emudeceram com os anos e cujos homens fortes ainda estão no berço.
Infeliz a nação dividida em fragmentos, cada fragmento considerando-se a si próprio uma nação”

Retrato de Khalil Gibran, da autoria de Rose Cecil O’Neill (1914), em exposição no Smithsonian American Art Museum, em Washington
© americanart.si.edu
Este artigo, agora actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em Setembro de 2003 | This article, now updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO on September 2003