O livro Dispatches from Palestine é uma colecção de reportagens, entrevistas e análises políticas de um dos mais respeitados repórteres no Médio Oriente. Ele é uma testemunha que dá voz aos que “lutam contra o esquecimento'”. (Ler mais | Read more…)

Graham Usher foi dar aulas de Inglês em Gaza e, depois, tornou-se num dos repórteres mais brilhantes, mas nunca neutral – o que ele sempre assumiu – na Palestina
Em 1993, no dia em que o general Yitzhak Rabin anunciou o seu primeiro compromisso com o guerreiro Yasser Arafat, o pescador Abu Musa estava a descansar em casa, no campo de refugiados de Nuseirat, Faixa de Gaza.
Aos 60 anos, nem islamista barbudo nem rapazinho da Intifada, não era o tipo de palestiniano procurado por repórteres estrangeiros. Nasceu na árabe Majdal, agora a hebraica Ashkelon, e “perdeu tudo” quando o Estado de Israel foi fundado em 1948, depois de já ter vivido sob domínio britânico e egípcio.
Foi em Nuseirat, campo de refugiados na Faixa de Gaza, que o jornalista Graham Usher encontrou Abu Musa no dia em que foi oficializada a opção “Gaza/Jericó primeiro“. Inquirido sobre este acordo que abriu caminho à limitada autonomia palestiniana nos territórios ocupados, o pescador fixou o visitante e retorquiu:
“Sinto-me como um homem que perdeu um milhão de dólares e a quem apenas deram dez. Mas, repare, eu perdi dez milhões de dólares há muito tempo. Por isso vou ficar com os dez. Não podemos continuar assim. Eu aceito, eu aceito, eu aceito. Depois de tanto banho de sangue, eu aceito. Mas, por favor, não pergunte como eu me sinto”.
A história de Amu Musa é uma de muitas que Usher, correspondente em Jerusalém, seleccionou para incluir no seu livro Dispatches from Palestine: The Rise and Fall of the Oslo Peace Process.

“Se a História é escrita pelos seus vencedores (israelitas), então os jornalistas que alinham com os derrotados (palestinianos) devem escrever com a convicção de que os últimos deverão ser os primeiros”, dizia Graham Usher. “Até que o encontro com a vitória chegue, a nossa tarefa é ser testemunha e dar voz – porque ‘a luta de um povo contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento’”
© The Forward
É uma colecção de reportagens, entrevistas e análises políticas que desde 1993 enviou para The Economist, Middle East International, Journal of Palestine Studies, Al-Ahram e outras publicações que fizeram dele um dos mais aclamados especialistas de questões palestinianas.
Neste livro, há “personagens” simples, como Abu Musa, e gente influente, como o deputado Azmi Bishara, o primeiro árabe a disputar a chefia do Governo israelita; Yossi Beilin, o artífice do reconhecimento da OLP; Marwan Barghouti, o incorruptível activista da Fatah que muitos gostariam de ver suceder a Yasser Arafat; ou Illan Pappé, um dos “novos historiadores” israelitas que defende não um “Estado judaico” mas um “Estado de todos os seus cidadãos”.
São, porém, as conversas com os deserdados mais do que as audiências com os poderosos que cativam o leitor interessado no Médio Oriente.
Numa passagem pelo campo de Jabalya, em Gaza, na semana de 1998 em que Israel comemorava 50 anos de existência e os palestinianos cinco décadas da Nakba (tragédia), Usher reencontrou-se com o refugiado Ahmed Abdallah e deixou-o no seu artigo em discurso directo: “Nasci numa aldeia chamada Khaliyat…”
Como Abu Musa, também Abdallah aceitou a paz de Arafat e Rabin, embora um céptico Usher esteja convencido que “reconhecimento mútuo não signifique reconciliação”.
“Um refugiado nunca é tratado como um ser humano”, lamentou-se o morador de Jabalya, berço da revolta das pedras.
“O meu pai tinha 100 hectares de terra em Khaliyat. Eu estou disposto a desistir de 99. Mas preciso de ter um hectare, para poder construir uma casa na terra onde a minha mãe viveu, os meus irmãos nasceram e o meu pai está sepultado”.
Foi Ahmed Abdallah que diplomou Graham Usher, um orgulhoso discípulo de Gramsci, como advogado da causa palestiniana.
A empatia deu-se quando se conheceram em 1985, era o jornalista um simples professor de Inglês, ateu e anti-thatcherista [contra Margaret Thatcher, primeira-ministra britânica entre 1979 e 1990;], que trocou o East End de Londres para dar aulas a refugiados em Gaza.

“Israel criou, sem dúvida, um paraíso para as minorias judaicas perseguidas”, afirmava Graham Usher. “Mas, por causa dessa ambição colonizadora e mais tarde messiânica, despojou os palestinianos de uma terra que clama exclusivamente como sua ou concentrou os que restaram em cantões. Esta é, essencialmente, a lógica do apartheid”
© middleeastmonitor.com
Usher assume a “parcialidade” na introdução do seu livro editado pela Pluto Press: “Uma leitura superficial da minha primeira à última peça deixa bem claro onde estão as minhas simpatias. Nem sequer tento esconder o facto de este ser o trabalho de um anti-sionista. Para mim, o sionismo continua a ser uma ideologia colonialista, embora peculiar.”
“Israel criou, sem dúvida, um paraíso para as minorias judaicas perseguidas. Mas, por causa dessa ambição colonizadora e mais tarde messiânica, despojou os palestinianos de uma terra que clama exclusivamente como sua ou concentrou os que restaram em cantões. Esta é, essencialmente, a lógica do apartheid”.
“Se a História é escrita pelos seus vencedores”, conclui, “então os jornalistas que alinham com os derrotados devem escrever com a convicção de que os últimos deverão ser os primeiros. Até que o encontro com a vitória chegue, a nossa tarefa é ser testemunha e dar voz – porque ‘a luta de um povo contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento'”.
[Graham Usher morreu em Nova Iorque, a 8 de Agosto de 2013, devido aos efeitos da doença de Creutzfeldt-Jakob, que destrói as células do cérebro. Tinha 54 anos.]
Este artigo, agora actualizado e com um título novo, foi originalmente publicado no jornal PÚBLICO em 22 de Agosto de 1999 | This article, now updated and under a new headline, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO on August 22, 1999