Uma manifestação a favor da paz no sector oriental da cidade, conquistado por Israel na guerra de 1967, terminou em violência. Pedras de um lado, balas de borracha e gás lacrimogéneo, do outro. Não foi um incidente excessivamente grave. Mas é premonitório dos perigos de um caminho sinuoso. (Ler mais | Read more…)

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Jerusalém Leste parecia um campo de batalha, evocativo dos primeiros confrontos da Intifada [1987-1994]: civis palestinianos a lançarem pedras e soldados israelitas a disparar cartuchos de pólvora seca, granadas de gás lacrimogéneo e balas de borracha.
Tudo começou com uma manifestação a favor da paz, e ninguém sabe como acabou num acto de violência. Era quase meio-dia, quando dezenas de jovens palestinianos se concentraram na Rua Salah-e-Din [Saladino], em resposta a um convite dos seus líderes para declararem apoio a Yasser Arafat.
Quase simultaneamente, apareceu um jipe com soldados que, com altifalantes, tentou ordenar o tráfego, já caótico, empurrando os transeuntes para os passeios.
De repente, no mesmo momento em que balões coloridos e pombas brancas se cruzavam no céu límpido da “Cidade Santa”, um grupo de rapazes começou a cantar e a gritar, no tejadilho de um carro: “Abu Ammar, Abu Ammar” (referência ao nome de guerra de Arafat); e “Fatah, Fatah” (a maior facção da OLP).
Das janelas de hotéis, turistas tiravam fotografias. Nas lojas, comerciantes interrompiam os seus negócios.
Num abrir e fechar de olhos, erguida por quatro rapazes numa frenética correria, apareceu uma primeira bandeira palestiniana, no meio da multidão. À passagem do largo pano vermelho, verde, preto e branco, os soldados permaneceram imóveis, sem obstruir o caminho – um deles até perdeu a boina.
Depois, à medida que a manifestação ganhava novos adeptos, apareceram outras bandeiras, entoaram-se outros hinos, exibiram-se fotografias de Arafat.

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Da Orient House, uma mansão da família Husseini que serve de sede à delegação de negociadores palestinianos, saiu outra bandeira, ainda maior. Nesta altura, porém, já tinham entrado em cena agentes da temível Polícia de Fronteiras (Border Police) de Israel.
Primeiro, eles usaram bastões para admoestar os manifestantes; em seguida, perante o desafio contínuo dos jovens, dispararam para o ar cartuchos de pólvora seca. Centenas de pessoas enchiam a rua. Ninguém se mostrava amedrontado.
O cortejo seguiu então até à Porta de Damasco, em cuja muralha foi hasteada uma grande bandeira. Os palestinianos aclamaram, mais uma vez, Abu Ammar, a Fatah e também Abu Jihad, o comandante militar da OLP que transformou a Intifada de uma sublevação popular espontânea numa revolta organizada. Foi assassinado em Tunes por um dissidente da organização.
No regresso à Rua Salah-e-Din, tudo se precipitou. Junto à Porta de Herodes, soldados viram-se cercados pela multidão e começaram a lançar granadas de gás lacrimogéneo.
Em poucos segundos, a rua encheu-se de fumo e transformou-se num palco de confrontos, com jovens a lançar pedras e forças de segurança a disparar balas de borracha.
Centenas de pessoas começaram a correr, em busca de abrigo, procurando proteger-se do gás, que irrita os olhos e a boca, e das espingardas, que disparavam em todas as direcções. Registaram-se várias detenções e um número não determinado de feridos.
Pouco mais de uma hora após ter começado, a manifestação chegou ao fim, dispersa por um enorme contingente de polícias e militares.
Jerusalém é uma cidade verdadeiramente estranha. Enquanto ao cimo da rua soldados e civis se digladiavam, a meio da mesma rua, num carro enfeitado com fitas de várias cores, uma noiva palestiniana aguardava, pacientemente, que as barricadas fossem levantadas para se poder casar num hotel nas redondezas.
Ninguém conseguia entender o que correu mal. Uns culparam os manifestantes de terem cercado os soldados que, em pânico, se viram obrigados a disparar para o ar.
Outros acusaram colonos judeus, hostis aos Acordos de Oslo, de terem começado a atirar pedras do cimo das muralhas da Cidade Velha, para provocar os militar e fazê-los cair na tentação de usar armas.
Os nervos estão à flor da pele em Jerusalém. Mas também em Ramallah, na Cisjordânia, onde duas manifestações, uma a favor e outra contra o acordo com OLP, degeneraram em confrontos violentos com o Exército, daí resultando dois mortos e vários feridos.
Disse o pai de um rapaz que perdeu a vida: “O meu filho foi a primeira vítima da paz de Arafat”.
Este artigo, agora revisto e actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO, em 12 de Setembro de 1993 | This article, now revised and updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO on September 13, 1993