A queda do último Xá Pahlavi em 1979 foi comparada, em magnitude, às revoluções francesa, no século XVIII, e russa em 1917. Como os jacobinos e os bolcheviques, Khomeini pôs fim a uma monarquia decadente. Mas ao contrário de outros revolucionários contemporâneos, como Mao ou Nasser, não ofereceu aos iranianos um Estado secular ou socialista. Instaurou uma República Islâmica que tem resistido a todos os prognósticos de colapso iminente. (Ler mais | Read more…)

Teerão, 1980: Uma fotografia do Ayatollah Khomeini enfeita armas dos Pasdaran, ou Guardas da Revolução, hoje um dos principais pilares do regime
© Abbas | Magnum Photos
Roya S.* tinha 29 anos quando Ruhollah Khomeini derrubou Mohammad Reza Pahlavi e mais de dois milénios de monarquia. Simin M.** tem hoje 29 anos e não conhece outro sistema de governo que o dos mullahs, dos pasdaran e dos basijis.
Os pais de Simin foram dos primeiros a aderir à revolução que, em 1979, transformou o Irão na primeira República Islâmica. Roya, pelo contrário, recusou-se desde o início a participar nas greves e protestos que contribuíram para a queda do Shahanshah (“Rei dos reis”).
“Os meus pais não suportavam a ditadura do imperador, mas [quatro décadas depois] estão desiludidos, porque o regime actual é pior”, diz-me Simin, numa entrevista por WhatsApp, implorando que apaguemos as mensagens trocadas imediatamente após serem recebidas.
É maior o desencanto de Roya. “Perdi tudo, destruíram a minha vida e a da minha família, forçaram-me a abandonar a pátria”, conta-me, por telefone. “Fomos banidos por sermos Bahá’ís [uma minoria perseguida pela fidelidade a Bahá’u’lláh, um nobre persa que, no século XIX, fundou uma religião monoteísta posterior à de Maomé].
Simin M. nasceu depois da guerra Irão-Iraque (1980-1988), que causou cerca de um milhão de mortos. Num país onde todas as famílias têm um “mártir”, também a sua mãe perdeu um irmão neste brutal conflito.
“As pessoas protestam porque as sanções são cada vez mais penosas e nós queremos que o regime se abra ao mundo. Apesar de viver “num inferno”, Simin continua em Shiraz, capital da província de Fars, no sudoeste, berço e túmulo de dois dos mais venerados poetas persas, Hafez e Saadi. Licenciou-se em Geologia, mas tem de ganhar a vida a promover o património local, não na sua área de formação. Porque, apesar de mais de 60% dos estudantes universitários serem mulheres, estas representam menos de 20% da força activa.

Teerão, 1978: Manifestação contra o Xá Mohammad Reza Pahlavi, no ano anterior à a revolução, que, para muitos activistas, fez regredir os direitos das mulheres
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Em Teerão, onde era jornalista numa rádio estatal, casada e com uma filha, Roya pertencia à classe média e nada lhe faltava. “Eu esperava um futuro estável, mas, assim que os revolucionários ocuparam o poder, não mais me deixaram exercer as minhas funções”, lastima-se. “Primeiro, desterraram-me para a biblioteca, sem contacto com ninguém. Depois fui aconselhada a não mais voltar.”
Vitoriosa a revolução de Khomeini em 1979 e ambos desempregados, Roya e o marido pegaram no que restava das suas poupanças e, no ano seguinte, compraram uma loja no Khuzestão natal, na fronteira com o Iraque.
Em 1980, quando Saddam Hussein iniciou a invasão, tudo ficou em ruínas. A família tentou reunir-se em Inglaterra, mas depois da ocupação da Embaixada dos Estados Unidos em Teerão, em 4 de Novembro de 1979, não os deixaram entrar. Vieram para Portugal, que não exigia vistos aos iranianos, e aqui ficaram. Apenas com a roupa que traziam no corpo e na mala.
Hoje, Roya e o marido são comerciantes e figuras respeitadas da comunidade Bahá’í portuguesa. Um dos maiores desgostos dos últimos 40 anos? “Quase esqueci a minha bela língua farsi”.
Simin e os pais, ao contrário de Roya, não deixaram Shiraz, a 600 quilómetros de Ahvaz, capital do Khuzestão. Roya está convencida de que a teocracia não tem salvação. Simin acredita que o regime “ainda tem potencial para se reformar, em termos de política interna e externa, desde que haja uma separação do Estado e da religião”.

Teerão, 1979: Milicianos armados junto à Embaixada dos EUA, onde 52 diplomatas americanos ficariam reféns durante 444 dias, de 4 de Novembro de 1979 até 20 de Janeiro de 1981
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“Por que é que um país que tinha em marcha um dos mais rápidos projectos de industrialização, um país que anualmente registava um aumento de 20% do seu produto nacional bruto (PNB), optou subitamente por uma revolução e escolheu como líder um teólogo que rejeitava a modernidade e a modernização como perniciosa conspiração colonial?”, pergunta o historiador iraniano Abbas Milani, na sua monumental obra The Shah.
“Por que é que uma revolução, liderada de facto pela classe média e ocorrendo na crista do que tem sido designado por Terceira Vaga de democratização [inaugurada pelo 25 de Abril português], resultou num despotismo clerical e não numa democracia?”
Nos 37 anos de poder do Xá, constata Milani, director do Programa de Estudos Iranianos na Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), houve “quatro paradigmas concorrentes de modernidade”:
1) Os nacionalistas seculares queriam democracia, estado de Direito, sociedade civil forte e economia de mercado. 2) Os religiosos a favor da modernização queriam “um mínimo de democracia, no contexto de um xiismo que oferecesse à sociedade firmeza moral e uma economia de mercado.” 3) Os marxistas radicais tinham um projecto de modernização que passava por “uma economia planificada e uma aproximação à Rússia”. 4) O Xá achava que a mudança no Irão “necessitava de uma concentração de poder autoritário nas suas mãos”; que a democracia era “um obstáculo”; que os “maiores inimigos” eram os comunistas, os democratas e os nacionalistas seculares, enquanto o clero xiita moderado era o seu “aliado ideológico e estratégico”.
“O paradoxo” da queda da dinastia Pahlavi, salienta Milani, reside na “estranha realidade de que todos os defensores da modernidade acabaram por formar uma aliança contra o Xá e escolheram como líder o maior inimigo da modernidade” – o Ayatollah Khomeini.
Os planos de modernização do Xá passavam por libertar os camponeses do feudalismo, emancipar as mulheres, reforçar a classe média (que incluía os influentes comerciantes do bazar), os tecnocratas e os novos industriais. O “clero moderado” serviria de “cimento moral” contra os comunistas. O Exército e a polícia secreta SAVAK garantiriam a segurança.

Teerão, 1980: Durante as celebrações do primeiro aniversário da revolução, em 11 de Fevereiro, um jovem desmaia e é carregado em ombros por uma multidão compacta
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Para Mohammad Reza, a prosperidade económica oferecida pelas receitas do petróleo “era suficiente para satisfazer as aspirações políticas do povo”. A sua única solução para a dissidência era a repressão. Não tolerava a mínima crítica. Os conselheiros garantiam-lhe que era amado por todos.
Alheado de tudo no seu palácio, com um linfoma em fase terminal (morreria em 1980), o homem a quem a CIA devolvera o Trono do Pavão em 1953, quando derrubou o popular primeiro-ministro Mohammad Mossadegh, ficou atónito com a “revolta da sociedade contra o Estado”, como a definiu outro historiador iraniano, Homa Katouzian.
Alguns dizem que o Xá caiu porque enveredou por um desenvolvimento muito rápido e “submisso ao imperialismo ocidental”. Outros culpam o “ostensivo secularismo” do imperador, “insensível aos valores tradicionais” iranianos. Abbas Milani acha que um dos grandes erros do Xá foi ter usado a religião como “antídoto ao marxismo”, eliminando outras formas de organização cívica.
Em 1977, com os preços do petróleo a caírem a pique e a subirem as críticas da Administração Carter às violações dos direitos humanos no Irão, as forças mais bem organizadas para desafiarem um imperador em perda de aliados eram as de Khomeini.

Teerão, 1979: Numa manifestação a favor do Xá Mohammad Reza Pahlavi, no Estádio Amjadiyeh, uma apoiante exibe uma nota com a foto do deposto imperador
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No dia 16 de Janeiro de 1979, o Xá abandonaria para sempre o país. A 1 de Fevereiro, Khomeini regressou do exílio em França, acolhido em triunfo por “mais de cinco milhões” de iranianos, segundo a BBC. No final de Março, num referendo, 97% de iranianos disseram “sim” a uma república islâmica.
Em Maio, foi criado o Corpo de Guardas da Revolução (Sepah-e Pasdaran), para servir de contrapeso ao antigo exército do Xá e complementar os gangues de rua Hezbollah (Partido de Deus), mais tarde reforçados pelos milicianos basijis. As riquíssimas propriedades da Fundação Pahlavi foram transferidas para as novas Bonyad-e Mostazefin (Fundação para os Oprimidos).
No Outono, quase todas as outras ideologias – liberais, democratas, nacionalistas, comunistas e até figuras religiosas reverenciadas como o Ayatollah Shariatmadari – tinham sido marginalizadas ou silenciadas. Milhares de activistas foram presos, torturados e executados sumariamente às ordens de tribunais revolucionários. Mais de dois milhões de iranianos fugiram do país.
A imagem do Irão, como escreve Robin Wright em In The Name of God: The Khomeini Decade, ficaria doravante associada à de sequestradores (52 diplomatas americanos reféns durante 444 dias), bombistas suicidas, mulheres de chador negro, cânticos de “Morte à América e a Israel”, crianças usadas como limpa-minas em campos de batalha…
Em 1979, “o que se sobrepôs foi uma visão particular de islamismo, centrada na ideia de uma liderança clerical, que eliminou física e/ou politicamente indivíduos e grupos identificados com outras ideologias”, diz-me a analista iraniana Farideh Farhi, professora de Ciência Política na Universidade do Hawai, em Manoa.
“No entanto, as ideias e visões dos outros grupos não morreram – foram até incorporadas, na maior parte das vezes por acaso, na antagónica estrutura da República Islâmica”, acrescenta a autora de States and Urban-Based Revolutions in Iran and Nicaragua.
“Por exemplo, as mulheres perderam direitos no seio da instituição familiar, mas os seus direitos políticos e sociais foram reconhecidos. Também a busca pela justiça social permanece uma componente central da República Islâmica, apesar da contínua supressão dos direitos dos trabalhadores.”
Retrospectivamente, observa a académica iraniana, “é fácil perceber por que ganharam os islamistas: porque integravam redes mais bem organizadas e achavam que tinham um ‘direito justo’ de governar. Invocando esse ‘direito justo’, não tiveram escrúpulos em usar de violência contra os rivais. Apesar do cariz islâmico, não é uma história diferente da de outras revoluções.”

Teerão, 1979: Uma mulher envergando o chador e erguendo uma metralhadora Uzi controla uma manifestação contra o Iraque de Saddam Hussein, que, em 1980, iniciou uma guerra que só terminou oito anos depois. No cartaz lê-se: “Os amigos de ontem são os inimigos de hoje”
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O que torna diferente a Revolução Islâmica – por muitos comparada na sua magnitude à Revolução Francesa no século XVIII e à Revolução Russa em 1917 – é que ela “fez cair por terra certas ideias que as pessoas tinham do Médio Oriente”, diz-me, em entrevista por telefone, Michael Axworthy, autor de dois livros de referência, Revolutionary Iran e Empire of the Mind: A History of Iran.
“O resto do mundo achava que todas as revoluções deveriam conduzir a instituições democráticas semelhantes às do Ocidente”, explica o antigo diplomata britânico em Teerão e hoje director do Centro de Estudos Iranianos e Persas na Universidade de Exeter, no Reino Unido. A revolução de Khomeini era “conservadora e religiosa”.
Khomeini era olhado como “uma aberração” e a sua ideologia era vista como “obsoleta”, adianta Robin Wright, investigadora no Wilson Center, em Washington. “A sua revolução não era burguesa nem proletária. Pretendendo restaurar a glória e os valores do império islâmico do século VII, estava longe do espírito da era moderna.”
O septuagenário ayatollah também “não encaixava, política e fisicamente, nos moldes revolucionários” de figuras do século XX como Mao, na China, Fidel, em Cuba, Ben Bella, na Argélia, ou Nasser, no Egipto, que instauraram regimes “seculares e socialistas”.
Esperava Michael Axworthy que a República Islâmica durasse 40 anos? “Poucos previam esta longevidade”, responde, mas a teocracia “sobreviveu a múltiplos desafios – o maior dos quais a guerra Irão-Iraque; anos e anos de sanções americanas; relações hostis com a única superpotência; uma guerra civil em Teerão entre Khomeini e os Mujahedin-e Khalq [protegidos de Saddam]. Num país onde o Islão xiita mantém uma grande força política, acho que o regime sobreviverá enquanto retiver lealdade e autoridade religiosa”.
Os oito anos de conflito com o Iraque, um ameaçador inimigo externo, “foi uma oportunidade dourada para o novo governo solidificar o seu poder, mas a verdade é que Teerão sempre tem demonstrado resiliência e flexibilidade no modo como lida com os desafios sócio-políticos e com as mudanças”, destaca, por seu turno, o académico iraniano Alam Saleh, numa conversa por e-mail.
“A República Islâmica sempre se mostrou pragmática, disposta até a prejudicar os seus próprios interesses e ideologia para se proteger [como quando assinou um acordo sobre o seu programa nuclear em 2015]”, adianta Saleh, professor do Política do Médio Oriente na Universidade de Lancaster (Reino Unido).
Ou como diz o iraniano Karim Sadjadpour, do think-tank americano Carnegie Endowment for International Peace, “este regime pode ser homicida mas não é suicida.”

Teerão, 1977: A corte do imperador Mohammad Reza Pahlavi saúda-o, durante a cerimónia comemorativa do seu 58º aniversário, no Palácio de Golestan
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Michael Axworthy e Alam Saleh concordam que os mullahs cumpriram a promessa de salvaguardar a independência nacional, mas falharam outras, como a liberdade, a justiça, a igualdade social, o combate à corrupção – algumas das razões que conduziram à queda do Xá em 1979.
Poderá um regime que se vem distanciando do legado de Khomeini sobreviver às crescentes pressões internas (protestos e manifestações de sectores que apoiaram a revolução de 1979) e externas (duras sanções impostas pela Administração Trump; ataques de separatistas em regiões com minorias árabes sunitas; planos para uma nova guerra por parte de sauditas e israelitas, para quem as intervenções iranianas na Síria, no Iraque, no Líbano e no Iémen são “planos de expansão hegemónica” (e não mecanismos de “protecção existencial”, como alega Teerão)?
O regime “continua desconfiado das liberdades políticas, a corrupção ameaça a sua legitimidade”, anota Axworthy. “A economia está num caos. O desemprego sobe, e com ele aumenta o abuso de drogas, a prostituição, doenças mentais. Ao contrário do tempo do Xá, porém, o Estado hoje é forte e a oposição, fragmentada, não tem um chefe carismático. O sucessor do Supremo Líder, Ayatollah Ali Khamenei, poderá emergir dos Guardas da Revolução.”
Alam Saleh chama a atenção para o sistema de segurança, “único e complexo”, que tem impedido uma sublevação popular. “Ao contrário de outros países, o Irão tem de facto dois exércitos, um equilibrando o outro: o exército regular e os Guardas da Revolução – que são um império militar, ideológico, económico e cultural. Há ainda 12 serviços de espionagem que vigiam o povo e se vigiam entre si.”
“Este sistema multifacetado assegura um plano de segurança caso a população se revolte”, avalia Saleh. “Qualquer mudança será maciça e súbita. O regime está consciente de que terá de aceitar uma maior abertura dos chamados valores islâmicos, porque os iranianos estão cada vez mais a caminhar numa direcção oposta.”
A professora Farideh Farhi constata que a República Islâmica “está prestes a enfrentar um desafio fundacional devido à idade avançada dos seus líderes revolucionários”, mas alerta que o ritmo das mudanças poderá acelerar “não necessariamente na direcção política e económica desejada pelos que se sentem infelizes com a actua situação”.
“Apesar dos esforços concertados dos EUA e seus aliados na região para, através de uma guerra económica, encorajarem os iranianos a sublevarem-se e reduzir a influência regional do Irão, a liderança em Teerão sabe que a população, vendo o resultado de desastrosas intervenções estrangeiras no Iraque e na Síria, não está em modo revolucionário [como em 1979], mesmo que continue a resmungar em voz alta e a tentar mudar a situação a partir de dentro.”
No exílio em Portugal, Roya não perde a esperança. “Acredito que haverá um futuro glorioso para o Irão, ainda que mudar o rumo da História possa significar muito sofrimento.”
*Roya S. e **Simin M. são nomes fictícios, a pedido das entrevistadas, por temerem pela sua segurança.
O iraniano Abbas Attar, conhecido apenas pelo seu primeiro nome, cobriu várias revoluções e guerras, no seu país natal e noutras partes do Médio Oriente, no Vietname, no Biafra, no Bangladesh, no Chile e em Cuba. Documentou também a África do Sul do apartheid. Trabalhou para a agência Sipa, de 1971 a 1973, para a Gamma, de 1974 a 1980, e para a Magnum, a partir de 1981. As fotografias aqui partilhadas constam do seu livro Iran Diary: 1971-2001, uma “interpretação crítica” da revolução que derrubou a dinastia Pahlavi para a substituir pela teocracia islâmica de Khomeini. Abbas morreu, aos 74 anos, em 25 de Abril de 2018
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Dias de Fúria
1977
JANEIRO-JULHO:
Jornalistas, intelectuais, advogados e activistas políticos publicam uma série de cartas abertas criticando a acumulação de poder nas mãos do Xá Mohammad Reza Pahlavi.
NOVEMBRO:
No dia 15, uma manifestação de iranianos contra o Xá, durante uma audiência na Casa Branca, em Washington, é dispersada pela polícia com gás lacrimogéneo.
DEZEMBRO: No dia 31, uma breve visita a Teerão, o Presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, elogia o Irão da dinastia Pahlavi como “uma ilha de estabilidade numa das regiões mais problemáticas do mundo”.
1978
JANEIRO:
No dia 6, o jornal iraniano Ettela’t publica, na primeira página, um editorial insultuoso para com o Ayatollah Khomeini supostamente escrito por ordem do Xá. No dia 9, o maior bazar na cidade de Qom, onde se localizam os principais seminários, fecha portas em protesto contra “a difamação de Khomeini”. Milhares de manifestantes atacam símbolos da monarquia. Agentes de segurança matam pelo menos cinco pessoas. Em várias cidades iranianas repete-se o ciclo protestos-repressão-violência-rituais fúnebres.
JUNHO:
No dia 7, o Xá substitui o general Nematollah Nassiri, chefe da temível polícia política SAVAK. A primeira decisão do sucessor foi libertar cerca de 300 religiosos xiitas que estavam presos.
Agosto: A detenção de um líder religioso provoca tumultos em Isfahan que rapidamente se espalham a Shiraz, Qazvin, Tabriz, Abadan e Ahvaz, nos dias 9 e 10. Cerca de 100 pessoas são mortas. No dia 19, num fogo posto no Cinema Rex, em Abadan, 477 iranianos perdem a vida. A oposição culpa a SAVAK; depois da revolução de 1979, um islamista confessou o crime e foi condenado.
SETEMBRO:
No dia 8, forças de segurança disparam sobre uma multidão na Praça Jaleh em Teerão. Pelo menos 100 pessoas são mortas nesta “Sexta-Feira Negra”.
OUTUBRO:
No dia 3, pedido do Xá, o Governo iraquiano deporta Khomeini. Impedido de entrar no Kuwait, o ayatollah instala-se em Neuphle-le-Château, um subúrbio parisiense, onde atrai os media estrangeiros e de onde faz sair as cassetes com as prédicas que mobilizam os revolucionários nas mesquitas iranianas.
NOVEMBRO:
No dia 6, Khomeini impede a formação de um governo de unidade nacional com a oposição. Num discurso à nação, Mohammad Reza Pahlavi promete não repetir os erros do passado: “Ouvi a voz da vossa revolução.”
DEZEMBRO:
Em 10 e11, depois de Carter ter dado a entender que os EUA deixariam cair Mohammad Reza Pahlavi, milhões de iranianos manifestam-se por todo o país exigindo a destituição do Xá e o regresso de Khomeini. No dia 29, imperador nomeia para a chefia do governo um dos seus maiores críticos, o nacionalista Shapour Bakhtiar, confirmado pelo Parlamento duas semanas depois.
1979
Janeiro: No dia 12, em Paris, Khomeini forma um Conselho Revolucionário para coordenar a transição de poder. No dia 16, Xá e a família real partem “de férias” para o Egipto. O imperador diz a Bakhtiar: “Deixo o Irão nas tuas mãos e nas de Deus.”
Fevereiro:
No dia 1, Khomeini regressa ao Irão e as ruas de Teerão enchem-se de milhares de manifestantes. No dia 4, Khomeini nomeia Mehdi Bazargan primeiro-ministro de um Governo interino. Bakhtiar insiste em que é o primeiro-primeiro legítimo. No dia 10, Bakhtiar impõe a lei marcial e o recolher obrigatório. Khomeini apela a uma revolução nacional. No dia 11, as Forças Armadas declaram a sua neutralidade e cai o que resta do governo do Xá. Bakhtiar foge para França (onde é assassinado, em 1991, por agentes iranianos). No dia 14, a Embaixada dos EUA em Teerão é ocupada por estudantes revolucionários, 52 diplomatas ficam reféns durante 444 dias.
Março: No dia 8, dezenas de milhares de mulheres iranianas protestam contra a obrigatoriedade de usar o véu (hijab), como exige Khomeini. Nos dias 30 e 31, num referendo nacional sobre se o Irão deveria ser uma república islâmica, o “sim” ganha quase por unanimidade.
1980
JULHO:
No dia 27, o Xá morre, de cancro, no Cairo.
Setembro:
No dia 22, o Iraque de Saddam Hussein invade o Irão, desencadeando uma guerra que durari oito anos e causaria cerca de um milhão de mortos em ambos os campos.
Fonte: Brookings Institution

Teerão, 8 de Março de 1979: Mais de cem mil iranianas aproveitaram o Dia Internacional da Mulher para protestar contra a lei que tornaria obrigatório o uso do hijab. A autora desta imagem foi uma das primeiras fotógrafas iranianas
© Hengameh Golestan | The Guardian
Sociedade em números
População:
Em 1980, no ano seguinte à Revolução Islâmica, o Irão tinha cerca de 39 milhões de habitantes; em 2018 este número mais do duplicou para cerca de 83 milhões.
Esperança de Vida:
Em 1980, a esperança de vida dos homens no Irão era de 50 anos e a das mulheres de 59; em 2016, a primeira subiu para 77 e a segunda para 75.
Educação:
Em 1976, a taxa de literacia dos adultos no Irão era de 37%; em 2015, aumentou para 86%. O ensino primário é obrigatório e gratuito em todo país. Nas mais de 50 universidades públicas não se paga propinas.
Urbanização:
Em 1979, menos de metade da população vivia em cidades. Em 2017, cerca de ¾ residiam em áreas urbanas.
Fonte: “The Iran Primer”, United States Institute of Peace

Dias depois de me dar a entrevista incluída neste artigo, Michael Axworthy morreu, de cancro, em 16 de Março de 2019, em Roma

Farideh Farhi, Professora de Ciência Política na Universidade do Havai, em Manoa, e uma das maiores especialistas no Irão, onde nasceu

Alam Saleh é professor do Política do Médio Oriente na Universidade de Lancaster
Este artigo foi publicado originalmente na revista ALÉM-MAR, edição de Março de 2019 | This article was originally published in the Portuguese news magazine ALÉM-MAR, March 2019 edition