Oito magníficas

Apesar do desfecho surpreendente das eleições nos Estados Unidos da América, Hillary Clinton será sempre uma das figuras incontornáveis de 2016.  Mas há outros nomes femininos a levar em conta na altura de fazer o balanço dos momentos e dos rostos mais marcantes. Estas são oito mulheres fabulosas. (Ler mais | Read more…)

Michelle Obama: Depois dela, diz um biógrafo, “o papel de primeira-dama jamais será igual”
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Michele Obama : A presidente ideal

Qual será o legado de Michelle Obama quando deixar a Casa Branca em Janeiro de 2017, três dias antes de completar 53 anos? Há momentos inesquecíveis. O seu karaoke, com Missy Elliott e James Corden, de This is for my Girls, hino de uma iniciativa com que pretende levar para a escola 62 milhões de meninas em todo o mundo.

O seu rap Go to College, com Jay Pharoah, para encorajar os jovens a seguir os estudos, no âmbito do programa Reach Higher. A sua Mom Dancing, com Jimmy Fallon, no manifesto Let’s Move, contra a obesidade infantil. “É sobretudo, este trabalho contra as desigualdades raciais, sociais e económicas que a distingue e que, provavelmente, definirá o que irá fazer” a seguir, diz Peter Slevin, autor de Michelle Obama, A Life.

O papel de primeira dama jamais será igual, acredita o biógrafo. Ela marcou a diferença, e entre os maiores contributos para “mudar a história da América” estão dois discursos memoráveis durante a campanha presidencial.

O primeiro, reflectindo sobre a educação das filhas, Malia e Sasha, numa “casa construída por escravos”, foi uma defesa de Hillary Clinton. O segundo foi um ataque a Donald Trump, orgulhoso dos seus actos de assédio sexual.

“É intolerável! Nenhuma mulher merece ser tratada deste modo. Nenhuma de nós merece este tipo de abuso.”

Que esta advogada afro-americana, formada em Princeton e Harvard, tenha sido a única pessoa que Trump nunca ousou criticar ilustra bem como Michelle LaVaughn Robinson foi mais do que a mulher de Barack Obama. Seria a sucessora “ideal”, não fosse a “candidata impossível”, comentou o diário francês Le Monde.

[Em 2019, segundo uma sondagem YouGov conduzida em 41 países, Michelle Obama foi considerada “a mulher mais admirada do mundo“, seguida de Oprah Winfrey, Angelina Jolie, a rainha Isabel II e  Emma Watson.]

Nadia Murad Basi, antiga escrava sexual do Daesh, recebeu o Prémio Sakharov do Parlamento Europeu (partilhado com Lamiya Aji Bashar, outra vítima do chamado “estado islâmico”) e o Prémio Vaclav Havel
© Getty Images

Nadia Murad Basi : De escrava a embaixadora

Aos 23 anos, Nadia Murad Basi entra na história das Nações Unidas. É a primeira vítima de crimes de guerra distinguida com o cargo de Embaixadora da Boa Vontade. A sua causa será a da Dignidade dos Sobreviventes do Tráfico de Seres Humanos. Será, também, uma luta contra o genocídio da minoria yazidi, etnicamente curda com uma religião que mistura Zoroastrismo, Cristianismo e Sufismo.

O tormento de Nadia começou em Agosto de 2014, quando o “estado islâmico” (Daesh) entrou em Kojo, a sua aldeia, no norte do Iraque. À chegada, os jihadistas fizeram um ultimato: convertam-se ou morrem como hereges.

Porque não capitularam, pelo menos 80 homens foram mortos. Seis eram irmãos de Nadia. As mulheres mais velhas, como a mãe, que ela nunca mais viu, terão tido o mesmo destino. Nadia e outras 150 raparigas, incluindo as irmãs, sobrinhas e primas, foram levadas para Mosul, e aqui reduzidas à condição de escravas sexuais.

Abusada diariamente pelos vários milicianos a quem era vendida, Nadia percebeu qual o objectivo dos carrascos: “A violação destrói as mulheres para sempre. Não se trata de crueldade oportunista, mas sim de um plano deliberado para aniquilar a identidade yazidi.”

Em Novembro de 2014, Nadia conseguiu escapar para um campo de refugiados. A Alemanha ofereceu-lhe asilo. Não foi Nobel da Paz, em Setembro, mas recebeu, em Outubro, dois dos mais prestigiados prémios de direitos humanos: o Prémio Sakharov do Parlamento Europeu (partilhado com Lamiya Aji Bashar, outra ex-escrava do Daesh) e o Prémio Vaclav Havel.

[Em 2018, Nadia Murada e o médico congolês  Denis Mukwege receberam o Prémio Nobel da Paz, pelos “seus esforços para pôr fim ao uso da violência sexual como arma de guerra e conflito armado”.]

A atleta incomparável: “Não sou o próximo Usain Bolt ou Michael Phelps. Sou a primeira Simone Biles”, afirma Simone Biles
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Simone Biles : Atleta perfeita

Ela só é pequena na altura: 1,44m. Na ginástica artística feminina, Simone Biles, 19 anos, é “a melhor do mundo”. Nos Jogos Olímpicos do Rio, ganhou quatro medalhas de ouro e uma de bronze nas cinco finais em que competiu.

A dificuldade e a graciosidade dos seus exercícios – no solo, na trave, no salto de cavalo – são como metáforas da sua vida desde que nasceu em Columbus, Ohio.

A mãe biológica, alcoólica e toxicodependente, não conseguia criar os oito filhos e abdicou dos direitos parentais. Simone, 5 anos, e a irmã Adria, de 3, foram adoptadas pelo avô materno, Ron, e pela segunda mulher, Nellie, que vivem em Houston (Texas). Desde logo, Simone chamou a atenção com saltos constantes por cima dos móveis.

Entrou num ginásio, por acaso, aos 6 anos, quando uma vaga de calor anulou uma visita do seu jardim infantil a um rancho. Ficou maravilhada e encantou Aimee Boorman, a treinadora que, a partir daí, a acompanha.

“O seu corpo compacto parecia ter sido criado para a ginástica”, observa Liz Clarke, no jornal The Washington Post. “A audácia fazia dela uma aluna ambiciosa. E quanto mais convivia com ginastas de elite mais evoluía de acrobata para artista.”

O caminho da perfeição não foi fácil. Para investir nos treinos, teve de desistir dos benefícios de uma escola pública. Enfrentou crises de autoconfiança.

Mas valeu a pena. São de ouro todas as medalhas que, desde 2013, conquistou nos campeonatos do mundo ou dos EUA. É incomparável: “Não sou o próximo Usain Bolt ou Michael Phelps. Sou a primeira Simone Biles.”

Chimamanda Ngozi Adichie: “Sou uma feminista que gosta de lip gloss e usa saltos altos, para si própria – não para os homens”
© The Independent

Chimamanda Ngozi Adichie : Feminista e fashionista

Pode um génio feminista ser o rosto da campanha publicitária de um laboratório de cosméticos? Pode, diz Chimamanda Ngozi Adichie, que, seguindo o caminho inverso do movimento #nomakeup contra “a ditadura da perfeição”, aceitou dar a cara pela Boots Nº7.

“É uma afirmação política, e radical, que uma das maiores marcas britânicas tenha escolhido ser representada por uma nigeriana negra que escreve sobre feminismo e colonialismo”, anotou a revista Elle.

“Adoro maquilhagem e a maravilhosa possibilidade de uma transformação provisória”, explicou Adichie. “Não se trata de estar na moda ou do que ditam as regras. É simplesmente porque eu gosto.”

O contrato com a Boots é, também, uma forma de acabar com os anúncios que “infantilizam as mulheres”, prometendo-lhes “uma fantasia a que devem aspirar”, quando as suas fontes de inspiração já são mulheres reais. Como ela, “feminista que gosta de lip gloss e usa saltos altos, para si própria – não para os homens”.

E, para que não restem dúvidas sobre quem influencia quem, Adichie fez, sobre uma outra parceria, uma revelação tão surpreendente quanto o negócio com a Boots. Sim, ela deu licença a Beyoncé para usar, em ****Flawless, fragmentos da conferência TED Todos devemos ser feministas, mas a cada uma o seu girl power.

O feminismo dela não é meu, porque é do tipo de dar muito espaço à necessidade de homens”, esclareceu a premiada autora de Meio Sol Amarelo e Americanah. “Eu acho os homens adoráveis, mas as mulheres não devem relacionar com homens tudo o que fazem.”

Maria Grazia Chiuri: “A moda tem de se libertar das categorias estereotipadas de ‘masculino/feminino’, ‘jovem e não tão jovem’, ‘razão/emoção’, que são apenas aspectos complementares”
© Julia Hetta | Vogue

Maria Grazia Chiuri : O New Look da Dior

Pela primeira vez em quase 7 décadas de existência, a casa fundada por Christian Dior tem uma directora criativa. A italiana Maria Grazia Chiuri é agora descrita como “a mulher mais poderosa na indústria de moda parisiense desde Coco Chanel”.

E se, em 1947, Dior e o seu New Look – “ombros doces, bustos suaves, cinturas marcadas e saias que explodem em volumes e camadas” – acompanharam as mulheres no regresso ao lar depois da guerra, Chiuri oferece-lhes uma outra revolução.

“A moda tem de corresponder a necessidades que mudam”, afirmou. “Tem de se libertar das categorias estereotipadas de ‘masculino/feminino’, ‘jovem e não tão jovem’, ‘razão/emoção’, que são apenas aspectos complementares.”

Na sua estreia, em Setembro, no desfile da colecção de pronto-a-vestir Primavera-Verão 2017, nos jardins do Museu Rodin, “a sensualidade da silhueta” manteve-se fiel ao espírito Dior.

A peça mais emblemática não foi, porém, um clássico modelo Bar (casaco preto com saia branca) mas sim uma T-shirt com a estampa We should all be feminists, lema de Chimamanda Ngozi Adichie, que aplaudia na primeira fila.

Para Chiuri, 52 anos, chegar ao “trono” da Dior é o ponto alto de uma carreira que começou, em 1989, na Fendi, onde ajudou a lançar, e tornar famosa, a mala Baguette.

Em 2007, antes de se retirar, Valentino foi buscar Chiuri e Pierpaolo Piccioli, formados no Istituto Europeo di Design, em Roma, para o seu departamento de acessórios. No ano seguinte, a dupla assumiria a liderança criativa da marca, salvando-a da obscuridade.

Theresa May é a segunda mulher na chefia do Governo depois da “Dama de Ferro” Margaret Thatcher – foi uma missão atribulada que chegou ao fim de Julho de 2019 com a “eleição” pelos conservadores de Boris Johnson como primeiro-ministro
© Annie Leibovitz | Vogue

Theresa May : Dama de Brexit

David Cameron deixou-lhe uma herança pesada, mas os amigos garantem que Theresa May enfrentará com “nervos de aço” a maior crise política e económica do país desde a II Guerra Mundial. “Brexit é Brexit”, disse ela, depois de 52% dos eleitores terem referendado o abandono (Leave) e não a permanência (Remain) na União Europeia.

Não deu mais explicações, e continua inabalável a segunda mulher na chefia do Governo depois da “Dama de Ferro” Margaret Thatcher. Os mercados alertam para o colapso financeiro nacional, e ela avança para o hard Brexit, saída dura da UE que pode custar aos cofres da nação mais de 65.000 milhões de libras anuais.

A Escócia faz renascer planos de independência, e May desvaloriza o risco de desintegração do Reino Unido. “Ela é uma força de tranquilidade e bom senso no mundo convulso de Westminster”, escreveu Peter Oborne, colunista do Daily Mail, jornal próximo dos Tories, no poder.

“A primeira-ministra, de 60 anos, nunca toma uma decisão até apurar os pormenores e avaliar as consequências.” Outros comentadores são menos elogiosos.

“A relutância da primeira-ministra em dizer o mínimo possível será insustentável e acarretará custos consideráveis”, avisou o deputado conservador Andrew Tyrie. Mesmo sem ela clarificar o rumo, sondagens dão ao seu partido um avanço de dois dígitos (19 pontos percentuais em Outubro) sobre os trabalhistas, liderados por Jeremy Corbyn.

Aos 60 anos, seis deles como ministra do interior, responsável por dossiers espinhosos como imigração e terrorismo, May parece imune às críticas.

[Em 2017, Theresa May antecipou eleições para 8 de Junho – algo que prometera não fazer – para garantir uma maioria parlamentar antes de as consequências do ‘Brexit’ se fazerem sentir. O Tories ficaram em primeiro lugar mas perderam a maioria.  Ela reconheceu a derrota pessoal, que a forçou a firmar uma aliança, envolvendo muitas concessões com o Partido Unionista Democrático/DUP da Irlanda do Norte.

Em 24 de Maio de 2019, incapaz de chegar a um acordo no Parlamento sobre o Brexit, anunciou a sua demissão para entrar em vigor em 7 de Junho.

Em 24 de Julho, abandonou o Nº 10 de Downing Street depois de Boris Johnson, seu antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, ter sido “eleito” primeiro-ministro pelos conservadores.]

Sia Furler: Há pelo menos duas décadas que escreve lírica e melodia para dezenas de super-estrelas pop, de Adele a Kate Perry, de Beyoncé a Rihanna, de Maroon 5 a Shakira
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Sia (Furler) : Mestre pop-indie

Ela foge da fama, ocultando o rosto, mas a Universidade de Adelaide quis mostrar o talento de uma das mais célebres australianas e criou o Sia Furler Institute for Contemporary Music and Media. Este novo centro de estudos é “homenagem à criatividade” da compositora e performer que “inspira jovens em todo o mundo”. Sia agradeceu o reconhecimento.

Há pelo menos duas décadas que escreve lírica e melodia para dezenas de super-estrelas pop, de Adele a Kate Perry, de Beyoncé a Rihanna, de Maroon 5 a Shakira.

A solo, já editou 7 álbuns, e o mais recente, This is Acting, introduz um novo conceito: são canções que clientes rejeitaram. Só um dos temas, One Million bullets, ela reservou para si própria.

Uma voz potente – revelada por David Guetta em Titanium (2011) – deu-lhe o êxito que ela não procurava. Viciou-se em drogas e álcool. Tentou o suicídio. A partir de 2014, depois de uma chuva de prémios cair sobre 100 forms of fear (onde se inclui o sucesso Chandelier), Sia decidiu proteger a privacidade. Todos a ouvem, mas ela esconde-se.

Em entrevistas e festas, vídeos e espectáculos – como o Festival Meo Sudoeste, onde, em Agosto, apareceu com uma peruca preta e loura que já se tornou marca registada. Os fãs aceitam este “anonimato”.

De outro modo, como explicar os milhões de discos vendidos, conseguindo o impossível? Manter uma alma indie apesar das “foleirices” (disse ela à Rolling Stones) que escreve para Celine Dion ou Britney Spears.

Tsai Ing-wen ganhou as eleições presidenciais em Taiwan mas a China não tem facilitado a sua missão desde a sua vitória
© Damir Sagolj | Reuters

Tsai Ing-wen : Uma líder histórica

Foi um triunfo pessoal e uma derrota para China. Em Janeiro, Tsai Ing-wen ganhou mais do que os votos necessários (56%) para ser a primeira mulher na Presidência de Taiwan. E o seu partido independentista, DDP, retirou a maioria no parlamento ao Kuomintang, favorável à reunificação com a China continental.

Pequim, que considera Taiwan uma província rebelde, não escondeu a irritação. Um oficial do Exército apontou falta competência a Tsai, 59 anos, por ser solteira.

“Não carrega o peso emocional do amor, da família e dos filhos, por isso, o seu estilo e estratégias políticas são mais pessoais e extremistas.”

Esta opinião, publicada pela Xinhua, seria retirada do site da agência oficial após uma torrente de críticas. Alguns sinalizaram as bem sucedidas e não casadas Park Geun-hye, Presidente da Coreia do Sul [que perderia o cargo em 2017, impugnada pela Assembleia Nacional, na sequência de um escândalo de corrupção], e Wu Yi, ex-vice-primeira-ministra chinesa.

Tsai queria formar-se em História, mas o negócio do pai exigiu que estudasse Direito. Fez um mestrado em Nova Iorque e o doutoramento em Londres. Foi professora em várias universidades taiwanesas antes de entrar na política. Aqui, as mulheres beneficiam de um sistema de quotas: constituem 1/3 dos deputados.

Em 2010, concorreu a presidente da Câmara de Taipé (a capital) e perdeu. Voltou a ser derrotada nas presidenciais de 2012. Ganhou em 2016.

O amor pelos animais (tem dois gatos e adoptou três cães idosos), reivindicar o direito à existência da democracia taiwanesa e a promessa de que apoiará leis contra a discriminação de género nas empresas terão ajudado à vitória.

© Francois Guillot | AFP | Getty Images

Este artigo, agora actualizado, foi publicado originalmente na revista MÁXIMA, edição de Dezembro de 2016 | This article, now updated, was originally published in the Portuguese magazine MÁXIMA, December 2016 edition

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