Entre as nomeações mais emblemáticas que Salman fez após a morte de Abdullah está a de Mohammed bin Nayef, príncipe herdeiro adjunto. Pela primeira vez na história do país, um neto e não um dos filhos do primeiro monarca tem lugar na linha de sucessão ao trono. (Ler mais | Read more…)

22 Novembro de 2010: à esquerda, o rei defunto, Abdullah; à direita, o então príncipe herdeiro e actual monarca, Salman. A reestruturação governamental que afastou ministros e dois filhos do soberano que morreu aos 90 anos deixa à vista as divisões na Casa de Saud
© Saudi Press Agency| AP
O director executivo do Centro para a Democracia e os Direitos Humanos na Arábia Saudita (CDHR), Ali H. Alyami não guarda boas memórias de Abdullah nem deposita grandes esperanças em Salman, o anterior e o actual reis do maior exportador de petróleo e berço do Islão.
Abdullah ibn Abdulaziz al-Saud morreu aos 90 anos, no dia 23 [Janeiro 2015], aparentemente devido a uma pneumonia. Subiu ao torno em 1995 quando o predecessor, o meio-irmão Fahd, sofreu uma fatal embolia cerebral. Era monarca absoluto há duas décadas.
Anunciado o óbito, os principais aliados forem céleres nos elogios. Adularam-no como “reformador” e “fonte de moderação”. Esta lisonja irritou o fundador (em 2004) do CDHR, com sede em Washington. “O legado de Abdullah foi mais ilusão do que realidade”, disse Alyami, por e-mail.
“Uma coisa que fez e teve algum impacto psicológico duradouro foi, admito, permitir que alguns sauditas possam votar e concorrer a cargos, organizar campanhas, como as iniciativas em relação às lojas de cosméticos [onde só trabalhavam homens] e um maior acesso às eleições municipais de 2005.”
“Outro legado, social e psicológico, que deixou foi ter designado 30 mulheres pro-statu quo, cuidadosamente seleccionadas, para um Conselho da Shura inútil e impotente.”

Príncipe herdeiro adjunto e “protegido do Ocidente” pelas suas “políticas antiterrrorismo”, Mohammed bin Nayef (aqui de visita a uma base das Forças Especiais Sauditas em Riad, a capital) é o primeiro neto do rei fundador com possibilidade de chegar ao trono
© Reuters
Quanto aos fracassos de Abdullah, “são numerosos”, sublinhou Alyami. “Enganou-nos ao prometer incluir as pessoas no processo político mas fez tudo para assegurar que tal não aconteceria. Sob o seu reinado, foram aprovadas mais leis proibitivas e mais reformistas foram presos do que sob a liderança de qualquer um dos seus antecessores.”
Não é muito diferente o parecer de Murtaza Hussain, analista e comentador do website The Intercept, criado por Glenn Greenwald, jornalista que revelou as escutas secretas da National Security Agency (NSA) expostas por Edward Snowden.
“Abdullah tentou fazer progredir a sociedade, atribuindo mais direitos mulheres e construindo escolas, por exemplo”, afirmou Hussain, numa entrevista, também por e-mail. “Mas não cessaram actos como decapitações e leis humilhantes [como a do “guardião masculino”].”
“Objectivamente, o reino continuou a ser muito repressivo. Não houve qualquer reforma na política externa. Com Abdullah, a Casa de Saud causou imensa destruição em todo o mundo.”
Hussain disse que “não ficaria surpreendido se a maioria dos sauditas se sentisse relativamente satisfeita com o seu sistema”. Porquê? “Olham para os vizinhos em tumulto, enquanto eles gozam de estabilidade e prosperidade.”
“É inegável que muitos sauditas viajam e vivem no estrangeiro, e regressam ao país com planos de o reformar – mas não creio que arrisquem envolver-se numa revolução! A Arábia Saudita irá reformar-se, só que a um ritmo vagaroso.”
Para melhor entender este país onde a doutrina wahhabita despertou para o terrorismo com Osama bin Laden e a maioria dos bombistas suicidas do 11 de Setembro, pedimos um retrato a Ali H. Alyami, natural da região agrícola de Najran, no Sudoeste, antigo funcionário da Aramco, o consórcio petrolífero que lhe deu trabalho, em 1958, na Província Oriental, onde se situam as principais jazidas e vive a maioria da população xiita.
As suas ideias políticas tornaram-no impopular aos olhos dos patrões (que lhe haviam oferecido uma bolsa de estudos) e do regime, mas ele poupou o suficiente para completar um mestrado e um doutoramento em universidades americanas. Optou por ficar em Washington, “por ser mais fácil continuar a luta pelos direitos humanos.”
“Estamos a travar uma batalha de ideias saudável”, disse Alyami. “Os ‘sauditas’ são o único povo definido por uma família no poder. A Arábia Saudita é um país atrasado, social, política, religiosa, académica e – mais importante – cientificamente.”
“Nas redes sociais, há uma geração jovem que se compara com outros povos e vê um fosso gigante. Interroga-se sobre as razões e os responsáveis pela sua má sorte. A evolução mais promissora e extraordinária é a ascensão das mulheres, que reivindicam mais justiça e igualdade. Elas estão a mudar este país para melhor, sobretudo na luta contra os extremistas religiosos.”

Mohammed bin Salman, 35 anos, filho do actual soberano, é agora um símbolo da nova geração. Ministro da Defesa, continua a chefiar a Casa Real e vai também dirigir um novo Conselho para os Assuntos Económicos e de Desenvolvimento
© Associated Press
No que diz respeito ao novo rei, o director do CDHR, empenhado na sua “missão” apesar de receber “várias ameaças, verbais e físicas”, não lhe dá o benefício da dúvida.
“Salman é um zelota assumido para quem o wahhabismo é o verdadeiro Islão. Estou seguro de que os direitos humanos serão violados no seu reinado. É muito vulnerável a pressões estrangeiras, porque lhe falta apoio interno, e devido à incapacidade militar para proteger a família e o reino.”
Como observou Bruce Riedel, antigo agente da CIA, no passado de Salman incluem-se uma colaboração muito estreita com os teólogos wahhabitas e o financiamento de extremistas. Um deles, Abdul Rasul Sayyaf, foi mentor de Bin Laden e artífice dos atentados de 11 de Setembro.
O novo rei ofereceria “20 a 25 milhões de dólares por mês” a antigos mjuhaedin nas batalhas que forçaram a retirada dos invasores russos do Afeganistão, em 1989. Também terá aberto os cofres (cerca de 600 milhões de dólares) aos combatentes muçulmanos bósnios nos anos 1990, durante a guerra na antiga Jugoslávia.
Prognósticos de Alyami: O sucessor de Abdullah poderá tentar reconciliar-se com a Irmandade Muçulmana egípcia e, talvez, com o Irão, que negoceia um acordo nuclear com os EUA, cobiça o Bahrain – de maioria xiita e para onde a Arábia Saudita enviou 1200 soldados –, e tem aliados a controlar capitais árabes como Sanaa, onde o movimento iemenita Houthi é agora dominante, Beirute, Damasco e Bagdad.
“Os governantes sauditas sempre dependeram de potências estrangeiras para se protegerem e, agora mais do que nunca, Salman necessita da América.”
“Ao suceder a Abdullah, Salman disse que daria continuidade às políticas delineadas pelo seu pai [Abdulaziz] – não ao legado de Abdullah, que sempre tentou boicotar”, concluiu o director do CDHR.
“Salman considera que o país pertencerá eternamente à sua família. Sendo um homem doente [alegadamente com Alzheimer], muitas das decisões de política interna e externa serão tomadas pelos seus filhos”, em especial o favorito, o actual ministro da Defesa Mohammed bin Salman, de 35 anos, que acumulará este cargo com o de chefe da Casa real.
Mas, sobretudo, pelo príncipe herdeiro adjunto, Mohammed bin Nayef, de 55, o primeiro neto do rei fundador a ganhar um lugar na linha de sucessão ao trono.
Conhecido pelos amigos como MBN, Bin Nayef tem, segundo o diário britânico The Guardian, “a reputação de ser um modernizador e conhecedor do Ocidente”, admirado por Washington e Londres no desempenho das suas funções como ministro do Interior. Declarou guerra à Al-Qaeda, e esta quase o assassinou numa operação suicida, em 2009.
[Depois de ascender ao trono, Salam emitiu vários decretos, afectando 13 ministérios. Uma mudança importante: o chefe dos serviços de espionagem, príncipe Khalid bin Bandar bin Abdulaziz Al Saud (o primeiro neto do rei fundador a governar Riade, a capital), foi substituído pelo general Khalid bin Ali bin Abdullah al-Humaidan.
De grande relevância foi ainda o afastamento de dois filhos de Abdullah: os príncipes Turki e Mishaal. Um outro príncipe, Faisal bin Bandar, sucede a Turki como governador de Riade. Mishaal deixa de governar Meca, tendo sido transferido para al-Qassim, região menos importante do que a província que é dos maiores santuários do Islão.]

© John Moore | AP
O petróleo ainda é uma “arma”
Os preços do petróleo estão a cair há vários meses, prejudicando países como Angola, que deverá, este ano, perder mais de 10 mil milhões de dólares de receitas. A Arábia Saudita, maior exportador mundial, não parece, contudo, disposta a mudar de estratégia agora que tem um novo rei.
[Na remodelação que fez após a morte de Abdullah, em 30 de Janeiro, Salman manteve como responsável pelo Petróleo e Recursos Naturais o ministro Ali Al-Naimi.]
“Os líderes sauditas não estão preocupados porque o reino tem gigantescas reservas financeiras [750 mil milhões de dólares] que servem de amortecedor”, observou o analista Murtaza Hussain, na entrevista que me deu.
Uma das explicações para não reduzir a produção, o que aumentaria o preço do barril/dia (este já ultrapassou os 120 dólares e agora está a menos de 50) “talvez seja uma tentativa de aniquilar a emergente indústria norte-americana de shale oil [petróleo de xisto], que não será economicamente lucrativa caso se mantenham os preços baixos.”
Este argumento ganhou consistência depois de o próprio director executivo da Saudi Aramco, a petrolífera estatal, ter dado conta, recentemente, de uma subida para 9,8 milhões de barris/dia extracção de petróleo. Um dos objectivos é o de recuperar receitas que iam para os cofres dos que não pertencem à OPEP, como os EUA e a Rússia.
Em Novembro, o cartel, por insistência da Casa de Saud, concordou em manter inalterável a produção de 30 milhões de barris/dia. Com isso gerou uma descida acentuada nos preços, que têm afectado duramente países dependentes da renda petrolífera – como a Rússia e a Venezuela.

© Fortune
Estes dois artigos, agora actualizados, foram publicados originalmente no jornal EXPRESSO, em 31 de Janeiro de 2015 | These two articles, now updated, were originally published in the Portuguese newspaper EXPRESSO, on January 31, 2015