O mundo está cada vez mais global para o fluxo de bens e capitais, mas as fronteiras ganham extensas barreiras e vedações. Não são erguidas apenas contra terroristas ou narcotraficantes. São, sobretudo, fortificações contra imigrantes pobres. Entrevista com o académico Reece Jones, da Associação dos Geógrafos Americanos. (Ler mais | Read more…)
No final da II Guerra Mundial havia menos de cinco muros em todo o mundo. Hoje, há cerca de 50 – e “aproximadamente ¾” foram construídos desde a queda do de Berlim.
Para Reece Jones, o geógrafo norte-americano que compilou estas estatísticas, “nunca como agora se viveu um período da História tão globalizado e com mais restrições fronteiriças”.
“É globalizado porque bens de consumo, indivíduos ricos e capitais se movem com mais facilidade em todo o mundo”, explicou-nos, em entrevista por e-mail, o autor de Border Walls: Security and the War on Terror in the United States, India and Israel.
“Tem mais fronteiras porque há mais muros do que em qualquer outra era. De igual modo, o montante de financiamento para a segurança fronteiriça e o número de agentes mobilizados para este fim aumentou dramaticamente”.
Vejamos o exemplo dos Estados Unidos: em 1990, havia 3.555 agentes da Border Patrol ou Polícia de Fronteira; actualmente, este número é superior a 21.000.
Os EUA gastam mais dinheiro na Polícia de Imigração (o equivalente a 14.000 milhões de euros) do que no conjunto de todas as outras polícias federais: FBI, serviços secretos, a Drug Enforcement Administration (DEA, combate ao narcotráfico) e agências anti-contrabando de álcool, tabaco e armas de fogo.
A justificação para murar as fronteiras tem sido “o medo de ameaças externas, como a infiltração de terroristas, propagação da violência do narcotráfico ou insurreições”, segundo Jones, professor no Departamento de Geografia da University of Hawai`i, Mānoa (Honolulu), um dos directores da revista Political Geography and Geopolitics e presidente do Political Geography Specialty Group da Association of American Geographers.
O terror não é, porém, a única razão. “O indicador que melhor faz prever onde um muro será edificado é a presença, numa fronteira, de uma acentuada descontinuidade de riqueza. A causa principal é a prevenção da migração económica.

Monumento aos que morreram tentado atravessar a fronteira entre o México e os Estados Unidos, entre Tijuana e San Diego. Cada caixão representa um ano e o número de mortos
“Um imigrante pobre que, há uma geração, poderia atravessar sem problemas uma área urbana densamente povoada na fronteira dos EUA, hoje é forçado a seguir para um deserto árido onde muita gente morre”, realçou Jones.
“Outras alternativas são usar túneis de contrabandistas (mais de 30 foram encontrados na última década) ou viajar escondidos em veículos ou contentores (igualmente com recurso a contrabandistas)”.
Também na Europa, a maioria dos imigrantes arrisca a perigosa travessia do Mediterrâneo, onde se estima que 20 mil pessoas tenham morrido nos últimos 20 anos. Um muro não trava a imigração mas torna-a mais difícil. “Quem beneficia são os contrabandistas, contratados pelos imigrantes perante o encerramento de vias outrora mais simples”, crê Jones.
Outros beneficiários são políticos em busca de popularidade, ao justificarem os muros como garantia de emprego e protecção das suas circunscrições, e “um lobby das empresas de defesa”, para as quais os muros são como “outlet de escoamento de armas e equipamento de vigilância usados em guerras”.
A informação recolhida por Reece Jones sobre os actuais muros é impressionante, em particular no que diz respeito ao existente na fronteira EUA-México. Esta tinha uma vedação de apenas 100 quilómetros quando foi delimitada no século XIX. Agora, estende-se ao longo de 3.169 km, a maioria construída a partir dos anos 1990. Só existe “controlo efectivo” em cerca de 1120 km (ou seja 35%).

As restrições à imigração na Europa vistas por Patrick © Chappatte, suíço de cidadania e antepassados libaneses. Nasceu no Paquistão, em 1967, e viveu também em Singapura
Em 2010, segundo o Pew Research – Hispanic Trends Project, o número de “imigrantes indocumentados” nos EUA totalizava 11,2 milhões – um aumento de 33% face a 2000 (8,4 milhões) e de 300% em comparação com 1990, quando a estimativa era de 3,5 milhões.
Todas as obras para murar a fronteira foram entregues a empreiteiros privados, o que elevou os custos da vedação da zona pedonal de quase cerca de 3 milhões de euros por cada 1,6 km, em 2007, para 5 milhões, no ano seguinte, segundo o US Government Accountability Office (equivalente a um Tribunal de Contas).
Este organismo calculou ainda que o custo de instalar, operar e manter a vedação durante 20 anos ascenderá a 5.000 milhões de euros.
O preço em vidas é ainda mais chocante: a morgue de Tucson, no estado do Arizona, recebia uma média anual de 18 cadáveres de imigrantes nos anos 1990; em 2005 esse número escalou até 160 por ano. Em 2010, a Border Patrol encontrou 250 corpos em Tucson – “o número mais elevado de sempre”.
A fronteira EUA-México estará a ser mais mortífera do que a que separava as repúblicas Democrática e Federal da Alemanha, e que levou o americano Ronald Reagan a exortar o soviético Mikhail Gorbatchov, em 1987: “Open this gate [Brandeburgo], tear down this wall [Berlim]”. O Centro de Investigação Histórica Contemporânea, em Potsdam, confirmou recentemente que 125 (e não 268) pessoas foram mortas ou morreram, em circunstâncias diversas (desde acidentes a suicídios), ao tentar saltar o “muro da vergonha”, entre 1961, ano da inauguração, e 1989, ano da sua destruição.

Reece Jones é um dos directores da revista Political Geography and Geopolitics e presidente do Political Geography Specialty Group da Association of American Geographers
Este artigo, com outro título, foi originalmente publicado na revista SÁBADO, em 25 de Outubro de 2014 | This article, under a different headline, was originally published in the Portuguese news magazine SÁBADO, on October 25, 2014