“Esta é uma guerra contra civis, não uma guerra civil”

Após um terceiro veto da Rússia na ONU para salvar Bashar al-Assad, o investigador e politólogo Salam Kawakibi quer acreditar que “Moscovo não só perdeu a Síria como todo o Médio Oriente”.  (Ler mais | Read more…)

© Getty Images | metro.co.uk

Uma explosão que quase decapitou a liderança síria [em 18 de Julho de 2012], “não anunciou a morte do regime, mas marca o fim da sua legitimidade, porque a barreira do medo caiu”, disse-nos, por e-mail, o investigador Salam Kawakibi.

“Foi um ponto de viragem muito importante na evolução dos acontecimentos”, acrescentou o director em exercício da Arab Reform Initiative, rede de institutos árabes independentes que com o apoio dos EUA e Europa, tem sede em Paris.

“É inegável que o regime ainda possui forças, reais e imaginárias, que pode vir a usar” para continuar a reprimir revolta popular desencadeada há 16 meses, reconheceu o sírio Kawakibi, que é também cientista político na Universidade de Amesterdão (Holanda).

O Presidente, Bashar al-Assad, “está ainda a ser apoiado pelos russos [que, com a China, vetaram hoje mais sanções a Damasco na ONU] e pelos iranianos. Também não há dúvida de que tentará aproveitar-se do medo que o mundo tem da instabilidade regional”.

As mortes de várias figuras centrais do círculo restrito de Assad, no coração de Damasco, incluindo o seu poderoso cunhado, Assaf Shawkat, foram um duro golpe, mas “o regime sírio foi concebido para que ninguém seja insubstituível”, salientou Kawakibi, próximo da oposição.

“O ministro da Defesa Daoud Rajiha, por exemplo, era um cristão escolhido só para aprofundar a fissura no tecido social – um processo empreendido desde o início da sublevação com a finalidade de estigmatizar as comunidades e semear o terror entre as minorias.”

© Muzaffar Salman | Reuters

© Muzaffar Salman | Reuters

Desde a ascensão de Hafez al-Assad ao poder, em 1970, notou kawakibi, “a pasta da Defesa tem sido meramente protocolar – porque o pai de Bashar sabia que foi como ministro da Defesa, poderoso e influente, que conseguiu fazer um golpe de Estado. Desde então, tornou o cargo irrelevante.”

Quanto ao ministro do Interior, Mohammad Ibrahim al-Shaar [que ficou ferido mas sobreviveu] era, era sobretudo conhecido, segundo Kawakibi, “pelos seus actos cruéis contra civis”.

A morte mais significativa, referiu, foi a de Assef Shawkat, cunhado de Bashar e um homem implacável, encarregado de vários dossiers muito importantes [como as relações com o Irão e o Hezbollah], desde há vários anos, e era um dos responsáveis mais discretos e ‘eficazes’ na máquina de opressão.”

Sobre o receio de uma espiral de ataques sectários, na sequência do que aconteceu às portas do palácio presidencial, Kawakibi é peremptório, desvalorizando a nova classificação dado ao conflito pela Cruz Vermelha Internacional: “A guerra na Síria é uma guerra contra civis – não é uma guerra civil! O regime sequestrou as minorias como reféns, fazendo crer às que nele queriam acreditar que era o seu protector.”

“Desde o início dos confrontos e da sucessão de massacres cometidos contra povoações civis, em nome da comunidade alauita, só raramente se têm registado represálias com bases confessionais”, assegurou Kawakibi. “Os sírios, de todos os credos religiosos, estão conscientes de que o regime quer dividi-los, mas eles serão capazes de gerir a transição sem vingança. Um sistema de justiça num período de transição é fundamental para garantir a segurança da Síria no futuro.”

©DIMITAR DILKOFFDIMITAR

© Dimitar Dilkoffdimitar | AFP

Inquirido sobre o Exército Livre Sírio, composto na sua maioria por desertores das forças armadas, Kawakibi justifica assim a união e audácia dos rebeldes face às fracturas que paralisam os grupos de dissidentes no exílio: “Os sírios não se têm envolvido em actividades políticas normais desde há 50 anos. É compreensível ver divergências. Em todo o caso, a visão e os objectivos são os mesmos entre todas as tendências [do Movimento Nacional Sírio, principal movimento da oposição].”

No entender do investigador sírio, “falar de unificação da oposição tem sido o pretexto por excelência do Ocidente, para evitar intervir e para abandonar os sírios à sua sorte.”

Kawakibi garante que “já existem projectos para aplicar no dia seguinte” à queda de Assad. “Especialistas em vários sectores têm trabalhado intensamente para redigirem textos técnicos no que concerne a reformas necessárias à economia, à Constituição, às leis eleitorais, à justiça, à segurança…”

Quanto a Moscovo, que acaba de usar – pela terceira vez – o seu direito de veto no Conselho de Segurança em defesa de Assad, Kawakibi não hesita na avaliação: “A Rússia perdeu toda a sua credibilidade. E não perdeu apenas a Síria [seu último aliado no Médio Oriente], mas também toda a região.”

Os libaneses, por outro lado, “observam com muita inquietação o que se está a passar em Damasco; enquanto os iranianos ainda usam o trunfo sírio para reforçar a posição negocial com o Ocidente quanto ao seu programa nuclear.”

O que estamos a assistir na Síria, concluiu o director interino da Arab Reform Initiative, “é uma nova guerra fria com múltiplas frentes.”

Salam Kawakibi @Arab Reform Initiative

Salam Kawakibi
© Arab Reform Initiative

Este artigo foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 19 de Julho de 2012 | This article was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on July 19, 2012

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.