Uma engenheira de 35 anos decidiu salvar a floresta de Khimki, “pulmão de Moscovo”, ameaçada pela construção de uma auto-estrada. Putin é “a maior ameaça”, mas ela “não desiste de mudar a Rússia”. (Ler mais | Read more…)

Em 2012, como reconhecimento pelo seu esforço para salvar o “pulmão de Moscovo”, Evgenia Chirikova foi uma de seis vencedores do prestigiado Goldman Environmental Prize, atribuído numa cerimónia pública na War Memorial Opera House de São Francisco (EUA)
© treehugger.com
No Verão de 2007, grávida da segunda filha, Evgenia Chirikova e o marido, Mikhail Matveev, davam o seu passeio diário por Khimki, uma floresta com 200 anos, onde os czares faziam caçadas e ainda hoje podem ser vistos alces e raposas, mas também borboletas raras. Subitamente, deram-se conta de que muitos dos carvalhos do “pulmão de Moscovo” estavam marcados a vermelho com um “X”, sinal de que iriam ser derrubados.
“Ficámos em estado de choque”, lembra Evgenia, engenheira mecânica, 35 anos, numa entrevista telefónica, conduzida com a ajuda de Mikhail, de 42, que serviu de tradutor.
“Khimki era uma zona protegida devido aos seus singulares ecossistema e biodiversidade; um tampão para preservar mais de 30 espécies de fauna e flora, algumas quase extintas, e para proteger 1,5 milhões de pessoas da poluição da capital. Fomos investigar e ficámos a saber que toda a área, 150 hectares, iria ser arrasada para construir uma auto-estrada.”
Cúmplices desde os tempos de estudantes na Universidade Técnica de Moscovo, onde começaram a namorar em 1994 (casaram-se quatro anos depois — quando se mudaram para Khimki, “o lugar ideal para criar filhos”), Evgenia e Mikhail não perderam tempo. Imprimiram panfletos em casa com o seu número de telefone, para mobilizar os residentes locais.
Poucos meses depois de dar à luz a menina que já completou seis anos (a mais velha tem dez), Evgenia deixou de trabalhar na empresa de engenharia do marido, gestor, e passou a andar pelas ruas, empurrando um carrinho de bebé com uma mão e distribuindo os folhetos com a outra.
“Ficámos espantados com a adesão das pessoas, todas revoltadas, como nós”, disse a mulher que, a 16 de Abril deste ano [2012], foi uma de seis vencedores do prestigiado Goldman Environmental Prize, atribuído numa cerimónia pública na War Memorial Opera House de São Francisco (EUA).

Membros do movimento Defensores de Khimki, um dos mais destemidos grupos da sociedade civil russa. Cativando a nova e a velha gerações, estes activistas desafiaram o Kremlin e o consórcio francês Vinci, ao qual foi adjudicada a construção da auto-estrada: dez faixas com portagem e 150 km de limite de velocidade, para ligar Moscovo a São Petersburgo
© Yuri Timofeyev
Evgenia é agora a líder do movimento Defensores de Khimki, um dos mais destemidos grupos da sociedade civil russa. Cativando a nova e a velha gerações, estes activistas desafiaram o Kremlin e o consórcio francês Vinci, ao qual foi adjudicada a construção da auto- estrada: dez faixas com portagem e 150 km de limite de velocidade, para ligar Moscovo a São Petersburgo.
“Como engenheira, não podia aceitar um projecto que envolve construir uma rodovia numa floresta que não é plana e não permite fluidez de trânsito”, disse Evgenia.
“Havia melhores alternativas — pelo menos 11 —, apresentadas por uma comissão independente. “Uma delas previa a utilização de uma velha linha férrea abandonada, com cabos de alta voltagem já instalados”, especificou Evgenia, por intermédio de Mikhail.
“O importante nunca foi melhorar o sistema de transportes públicos e sim as comissões que muitos no Governo vão receber. Estão aqui em jogo mais de 3000 milhões de dólares — e o mais chocante é que a terra está a ser vendida a estrangeiros por 50 cêntimos o metro quadrado!”
A partir de 2010, quando as escavadoras da Vinci começaram a operar, Evgenia, Mikhail e apoiantes intensificaram as suas campanhas. Acamparam na floresta, colocando panfletos nas árvores.
Desafiaram directamente os trabalhadores no empreendimento, exigindo- lhes as licenças necessárias. Eram escorraçados por “guardas privados”. Quando a polícia vinha, “não era para repor a legalidade”, mas para deter à força os Defensores de Khimki.
As ameaças começaram a fazer vítimas em 2008, quando “Mikhail Beketov, director do jornal regional Khiminskaia Pravda, autor de artigos críticos do regime, foi brutalmente espancado à saída do seu apartamento, em 2008”, disse Mikhail. “Sofreu uma hemorragia cerebral. Não mais poderá andar e falar.”
Em 2009, o ano em que Vladimir Putin, então primeiro-ministro, revogou a lei que salva- guardava Khimki como zona protegida —, o gráfico Sergei Protazanov não sobreviveu a agressões infligidas em plena rua. Em 2010, Oleg Kashin, repórter do Kommersant, quase perdeu a vida à porta de casa. Nenhum dos atacantes foi identificado ou detido.

A partir de 2010, quando as escavadoras do consórcio francês Vinci começaram a operar, Evgenia e apoiantes acamparam na floresta, colocando panfletos nas árvores. Desafiaram directamente os trabalhadores no empreendimento. Eram escorraçados por “guardas privados”. Quando a polícia vinha, “não era para repor a legalidade”, mas para deter à força os Defensores de Khimki
© Ridus-News.lj.ru
Evgenia não escapou à perseguição, apesar de já ser “uma celebridade”. Detiveram-na várias vezes, por dias, embora “a lei impeça que uma mãe de menores fique na prisão mais do que três horas”, observou Mikhail.
A situação mais dramática viveu-a quando agentes chegaram a sua casa — ela transformara a sala de estar em “quartel-general” — com o que o casal considerou ser “documentação falsa” para lhe retirarem as filhas, “alegando maus tratos”.
“Fiquei furiosa e gravei um vídeo que coloquei no YouTube”, recordou a jovem engenheira, com evidente orgulho, depois de já ter conseguido convencer duas instituições internacionais a retirar financiamento ao projecto da Vinci: o Banco Europeu de Investimento (BEI) e o Banco Europeu para a Reconstrução de Desenvolvimento (BERD). As autoridades foram obrigadas a recuar.
Consciente da sua crescente influência, Evgenia escreveu uma “carta convincente” ao presidente Dmitri Medvedev. Numa entrevista por e-mail, o director executivo da Greenpeace-Russia enunciou “várias razões” para o antecessor de Putin ter concordado em suspender as obras.
“O nível dos protestos — agora parecem pequenos ajuntamentos mas chegaram a concentrar-se mais de 5000 pessoas na Praça Vermelha, e isso foi significativo”, enunciou Sergei Tsiplenkov.
“A internacionalização do caso (o boicote do BEID e do BERD; levámos o caso perante uma audiência francesa…); o nível de abusos por parte dos empreendedores; o nível de corrupção (até o procurador-geral concordou que havia opções alternativas e questionou as razões da concessão a companhias estrangeiras)”.

Em 2012, a polícia voltou a deter Evgenia Chirikova durante uma manifestação da oposição, em Moscovo. Três anos depois, a ambientalista que protege a floresta de Khimki mudou-se para a Estónia, com receio de que as suas filhas corressem perigo
© Konstantin Koutsyllo | Reuters
“Há ainda, possivelmente, uma razão mais exótica”, ironizou Tsiplenkov. “Precisamente naquela altura, os U2 — a banda favorita de Medvedev — visitavam a Rússia. Temos bons contactos com Bono [o vocalista] e pedimos- lhe que levantasse a questão numa reunião com o ex-Presidente.”
“Não sei se ele abordou o assunto ou não; mas, depois da decisão do chefe de Estado, começou a circular uma anedota entre os ecologistas russos: ‘Devíamos pedir aos U2 que visitem a Rússia todos os meses porque há muitos problemas ambientais no país para solucionar’.”
O problema é que Putin não é Medvedev. “Uma das várias empresas russas associadas à Vinci pertence a Arkadi Rotemberg, amigo do actual Presidente”, denunciou Mikhail. “Vivemos agora uma nova ditadura. Lembro- me de que, até no tempo da União Soviética, o regime desistiu de destruir uma floresta na Sibéria quando confrontado com a fúria popular. Com Putin, corremos muito mais riscos, mas não temos outra escolha.”
Inquirido sobre se concordava com o elogio do diário The Christian Science Monitor de que Evgenia “pode mudar o curso da História da Rússia”, Mikhail dá uma gargalhada: “Talvez seja um exagero, mas creio que ela está mudar a Rússia, e não desiste.” E o marido, tem ciúmes? “Oh não! Ela é famosa mas também tem as dores de cabeça”, responde.
Quanto às duas filhas, “estão seguras por- que mudaram para um colégio dirigido por amigos”, fora da área de Khimki. Orgulhosas da mãe?
“Nem por isso”, conclui Mikhail, mais tarde, por e-mail. “Elas não acham piada a esta situação. Creio que adoptaram a táctica de Evgenia. Um dia destes, organizaram uma flashmob na nossa cozinha com placards onde escreveram: ‘Acabem com as roupas velhas; queremos vestidos novos.’ Creio que não temos grande poder sobre elas.”
[Em 2015, Evgenia Chirikova decidiu mudar-se para a Estónia (sem aqui pedir asilo político para poder continuar a visitar o sue país), com receio de que as autoridades russas “exercessem chantagem” sobre ela e perdesse as filhas. Em 2012, a ambientalista havia concorrido à presidência da Câmara de Khimka, sem êxito.]
Este artigo, agora actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO, em 20 de Maio de 2012 | This article, now updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on May 20, 2012