Ao palácio de Abdullah chegaram petições reclamando uma monarquia constitucional. O regime não corre perigo. Mas vai fazendo concessões, talvez para evitar sucumbir às revoltas que abalam os vizinhos. (Ler mais | Read more…)

Em 2019, a Arábia Saudita emitiu uma série de decretos que dão às mulheres mais liberdades pessoais, incluindo o de requerem um passaporte, viajarem, registarem casamento, divórcio e nascimento de filhos sem permissão do “guardião masculino“
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Em 1932, quando convenceu os inquietos chefes tribais e religiosos a aceitarem a entrada do “diabo” – a rádio e o telefone -, na Arábia Saudita, o rei Abd al-Aziz não poderia imaginar que o país seria abalado por “demónios” mais subversivos: o Facebook, o Twitter, o YouTube.
Através das novas redes tecnológicas, os súbditos pedem agora uma monarquia constitucional e mobilizaram-se para um “dia de raiva” [em 10 de Março de 2011].
Há oito décadas, qualquer novidade era recebida com ultraje pelos ultraconservadores fiéis à rígida doutrina islâmica firmada numa aliança, em 1744, entre o fundador do reino, Muhammad al-Saud e o teólogo Muhammad ibn Abd al-Wahhab.
Já tinha sido assim, em 1924, quando os primeiros automóveis, dois Ford modelo T, arrastados por camelos ao longo do deserto até Riade, a capital, desembarcaram na costa do Golfo Pérsico. A resistência só foi vencida quando Abd al-Aziz mostrou aos ulama (ou jurisconsultos) que o telefone facilitava o combate aos “hereges” do Iémen e que a rádio transmitia as palavras do Corão.
Posteriormente, em 1964, um outro soberano, Faisal bin Musaid bin Abdulaziz Al Saud, enfrentou uma contestação mais vigorosa quando a diva egípcia Umm Kulthum se fez ouvir, pela primeira vez na Rádio de Meca.
Perante uma delegação que o foi censurar, o rei justificou-se que Maomé, o profeta do Islão, também se encantara com a voz da poeta Al Khamsa, e deixou o aviso de que, em breve, iriam aparecer mulheres… na televisão.
Em 1965, Faisal inaugurou o primeiro canal televisivo em língua inglesa (o segundo só entraria em funcionamento em 1983). Não aprovava o cinema como forma de recreação, mas achava que a TV seria facilmente controlada pelo governo, para preservar os valores nacionais e, tal como a rádio e o telefone, serviria para manter unido um vasto país. Tomou, por isso, precauções para que não ferir susceptibilidades.
Qualquer cena de romance em filmes, séries e cartoons importados era cortada, incluindo os beijos inocentes do rato Mickey à sua amada. Isto não impediu, que a inovação conduzisse o sucessor de Abd al-Aziz a um destino trágico.
Na cerimónia de abertura da estação, um dos sobrinhos de Faisal, o fanático Khalid ibn Mussaid, tomou de assalto o edifício com um grupo de simpatizantes. Atraído até ao palácio com a promessa de uma audiência com o rei, Khalid seria morto por um polícia, demasiado nervoso. Dez anos depois, um irmão de Khalid assassinaria o soberano num acto de vingança.

Em 2015, as mulheres sauditas foram autorizadas pela primeira vez a votar, em eleições municipais (na foto, uma assembleia em Jidá)
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Faisal era considerado um rei reformista. A sua terceira mulher, e a favorita, Iffat bint Ahmed al-Thunayan, ganhou o título de rainha – insólito na Arábia Saudita.
O seu casamento, em 1932 ou 1933, resultou de uma história de amor, não de um contrato arranjado. E todos os seus filhos – incluindo as raparigas – tiveram direito a estudar nas melhores escolas privadas no estrangeiro, como a Universidade de Princeton, nos EUA.
Tal como Faisal, também Abdullah, visto por muitos como um reformista empenhado em abrir a sociedade, enfrenta agora um dos períodos mais turbulentos da história do país, e o que coloca mais desafios à sua sobrevivência.
“Não há razões para acreditar que os sauditas estão imunes aos protestos que assolam a região”, escreveu Madawi al-Rasheed, professora de Antropologia no King’s College, em Londres, num artigo publicado na revista Foreign Policy e que intitulou Why Saudi Arabia is ripe for revolution.
A sua convicção assenta, em grande medida, nas várias petições que circulam pela Internet e têm sido enviadas a Abdullah – o rei que criou uma universidade onde aboliu a segregação de sexos e integrou no governo a primeira mulher, como ministra-adjunta da Educação.
O reino continua a ser um dos maiores produtores mundiais de petróleo (,que constitui 80% das receitas do Orçamento do Estado, 45% do produto nacional bruto e 90% das exportações), mas a sociedade mudou muito, garantiu a académica saudita.

Em 2018, chegou o direito de as mulheres poderem conduzir veículos automóveis (na foto, a condutora de motorsport Aseel Al Hamad num vídeo do fabricante Jaguar)
© The National
Dos 25,7 milhões de habitantes do país, metade são mulheres e cerca de 60% têm menos de 30 anos. A idade média dos ministros sauditas (alguns a governar há décadas) é de 65 anos; a dos jovens é de 19. Cerca de 40% dos que têm entre 20 e 24 anos estão desempregados.
Todos os anos tentam a entrada no mercado de trabalho 280 mil rapazes e 270 mil raparigas. Os que arranjam emprego ganham cerca de 830 dólares/mês, enquanto cada um dos 8000 príncipes (numa família de 22 mil membros) poder ter um estipêndio mensal superior a 250 mil dólares.
Mais importante: três milhões de sauditas usam as redes sociais da Web – uma subida de 240% em 2010. São jovens cultos que vêem a Al Jazeera e consomem sofregamente notícias sobre as sublevações regionais. Ousam, por isso, fazer perguntas incómodas: quem vai suceder a Abdullah, de 87 anos? [O rei morreu em 2015. Ascendeu ao trono o príncipe herdeiro Salman.]
Uma das petições entregues a Abdullah tem como impulsionadora e signatária Khulood Saleh al-Fahad, empresária divorciada, envolvida numa campanha contra a discriminação das mulheres.
Numa entrevista, por e-mail, esta mãe de 33 anos reconhece que o rei “está a fazer incansáveis esforços para reformar todas as instituições, sociais, económicas e religiosas”. Contudo, ainda que esteja a “tentar ir ao encontro das exigências populares, está longe de o conseguir.”
No regresso de dois meses de convalescença no estrangeiro, o rei prometeu “reformas sociais” no valor de 36 mil milhões de dólares, incluindo um aumento de 15% dos salários da função pública, mas não serenou os ânimos.
As autoridades sentiram-se também obrigadas a libertar um líder religioso, para evitar um alastramento dos protestos na Província Oriental, onde predomina a minoria xiita e se situa a maioria das jazidas de petróleo.
“Queremos uma vida livre e digna, em consonância com outras sociedades mais desenvolvidas do mundo”, disse a organizadora de uma campanha designada O Meu País, para que as mulheres possam concorrer às eleições para os conselhos municipais.
“Se nos compararmos com outros, vemos que temos, de longe, mais recursos humanos e potencial económico, mas não beneficiamos de justiça, liberdade, democracia e respeito pelos direitos humanos. Há uma grande contradição entre aquilo a que aspiramos e o espaço a que nos confinaram.”
“Partilhamos com outros jovens do mundo árabe a ânsia de uma vida decente. Não aceitamos que a energia seja desperdiçada na negligência, no desemprego, na corrupção administrativa, no silêncio.”

Haifaa Al-Mansour, realizadora de Wajda, primeira longa-metragem dirigida por uma mulher num país que proíbe teatros e cinemas. O filme – nomeado para um Óscar e premiado no Festival de Cinema do Dubai – centra-se na história de uma adolescente que tenta ganhar um concurso de récita do Corão para poder comprar uma bicicleta. A autorização para as mulheres andarem de bicicleta – em espaços recreativos segregados – só foi dada após a estreia deste filme, no Festival de Veneza. O filme foi inteiramente rodado em Riade, mas teve de superar diversos obstáculos, como a ausência de agências de casting de actores e a relutância de famílias em permitir a participação dos filhos
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A petição de Khulood, uma das promotoras, tem 14 pontos. Exige medidas radicais, como a criação de empregos e eliminação da pobreza; incentivos à construção e compra de casa; redução dos preços da electricidade, gás, água e transportes; combate à corrupção, por maior transparência, um sistema de controlo das empresas e do investimento e distribuição equitativa da riqueza; criminalização das lutas tribais e sectárias e de todas as formas de violência doméstica; libertação dos “prisioneiros de consciência” (cerca de 8000).
Outra reivindicação é a de conferir às mulheres direitos sociais, económicos e culturais, o direito de se representarem a si próprias sem um guardião masculino, o direito à educação em todos as disciplinas e sectores, sem restrições e condicionalismos.
A petição requer ainda o “desenvolvimento de uma vida cultural”, com a abertura de academias e institutos de arte para aprender música ou representação, mas também de teatros e cinemas (que não existem).
“Acreditamos que as nossas reivindicações só serão satisfeitas num clima de democracia, em colaboração com todos os órgãos do Estados, ministérios e instituições”, vinca Khulood.
“As pessoas precisam de ser livres de criticar e exprimir bem alto os seus interesses. Interessa-nos um sistema de governo que evolua para uma monarquia constitucional, para reforçar o estado de direito e assegurar a separação dos três poderes: legislativo, executivo e judicial”.
E isto, adianta a activista, passa pela “criação de partidos políticos e associações, a participação em órgãos de decisão, a eleição de representantes – homens e mulheres – para o Conselho Shura e a garantia de respeito de todas as normas e convenções internacionais de direitos humanos.”

Em 2012, na primeira edição dos Jogos Olímpicos em que mulheres da Arábia Saudita participaram, Wojdan Ali Seraj Shaherkani destacou-se no judo. Tímida e de grande amadorismo, perdeu logo de início, num combate com a porto-riquenha Melissa Mojica (ambas na foto), na categoria de 78 quilos. Antes, teve de convencer o Comité Olímpico Internacional a deixá-la competir com um hijab de design específico, porque de outro modo, o reino não permitiria a sua presença
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Khulood Saleh al-Fahad, ao contrário de Madawi al-Rasheed, não acredita que a revolução esteja a caminho da Arábia Saudita, na forma como aconteceu na Tunísia, no Egipto ou no vizinho Bahrein, um emirado de maioria xiita governado pela minoria sunita.
“Os que convocaram um “dia de raiva” não me convencem, nem convenceram a maioria dos sauditas. Receio uma manifestação de vandalismo e não de paz. Espero que fracasse. Inquirida sobre informações de que estariam a ser mobilizadas centenas de agentes de segurança para impedir os protestos, Khulood não as confirmou.
“Tudo está calmo, até as manifestações [dos xiitas] em Qatif foram pacíficas. Acredito que o rei Abdullah será capaz de proceder a mudanças, porque as deseja ardentemente.”
Numa outra entrevista, por e-mail, a blogger Eman Al Nafjan, 32 anos, professora e doutoranda em Linguística, destaca que “as duas principais preocupações dos sauditas neste momento são a sucessão e a corrupção, sobretudo no que diz respeito aos recursos e ao Orçamento de Estado”.
Na sua opinião, “o rei continua uma figura popular e as pessoas confiam nele. Ele não é Mubarak ou Ben Ali – está no poder apenas desde 2005. As pessoas só não confiam naqueles que o rodeiam.”
Se estão de acordo em que é necessário clarificar a sucessão e extirpar a corrupção, não há consenso, entre os sauditas, sobre o rumo político a seguir, constata a autora de SaudiWoman’s Weblog.
“Os conservadores querem mais religião; os liberais querem mais liberdade; e as minorias querem mais direitos. Em todo caso, acho que há coerência e unidade em todas as petições”, dos intelectuais, das mulheres, dos jovens, dos xiitas.
Sobre a sucessão, Eman sublinha que “ninguém sabe o que se passa por detrás das portas fechadas” dos palácios. “A monarquia dos Al Saud é famosa pela sua privacidade. O príncipe Alwaleed Bin Talal, meio-irmão do rei, deu a entender, em declarações à BBC, que há fortes divisões internas, e alertou para o ‘inferno’ que será se o rei morrer sem mudar nada.”
“Os sauditas temem que uma transferência de poder dos filhos do defunto Abd al-Aziz [como tem sido tradição] para os seus netos possa causar uma cisão e ganhar potencial de uma guerra civil.”
Neste panorama, qual a força do establishment religioso? “Os líderes religiosos opõem-se a quaisquer protestos e condenaram o povo no Egipto, no Iémen e no Bahrain pelas suas rebeliões”, respondeu Eman. “Esta posição fez com que perdessem muitos seguidores, incluindo no seu meio.” Quanto ao aparelho de segurança, “continua a lidar com a situação da forma habitual, com o bloqueio de sites e prisões políticas.”

Sarah Attar, nascida na Califórnia (EUA), foi a segunda saudita, depois de Wojdan Shaherkani, a participar nos Olímpicos em 2012. Aos 19 anos, competiu na sexta e última série da qualificação para as meias-finais dos 800 metros. Terminou a prova em 8º e último lugar. Ela e Wojdan Shaherkani foram insultadas nas redes sociais por extremistas que as chamaram de “prostitutas”
© The Boston Globe
Eman também não advoga o fim da monarquia, porque é um sistema que garante a coesão de uma sociedade tribal, mas reconheceu: “Não há dúvida que o país é terreno fértil para uma revolução. Receio, porém, que a revolução possa ser sequestrada pelos islamistas [como o recém-criado, e logo dissolvido, Partido Islâmico Umma, que permanece activo online, apesar de os fundadores estarem presos].”
A maioria dos subscritores das petições não tenciona envolver-se nos protestos , confia Eman, que deixou um aviso, depois de o Ministério do Interior ter proibido manifestações.
“As tácticas que as forças de segurança usarem influenciarão muito os manifestantes e os que ficarem em casa. Se for usada desnecessariamente, a violência pode ser a chave de ignição para revoluções como na Tunísia, no Egipto e na Líbia.”
Aconteça o que acontecer, sublinhou Eman, os sauditas, como povo, mudaram para sempre. “Já não vejo discussões abafadas – todos dizem em que acreditam e a que aspiram, abertamente e sem medo.”
F. Gregory Gause III, professor de Ciência Política na Universidade de Vermont (EUA) e um especialista nas monarquias do Golfo, olha para os recentes tumultos em países até agora tranquilos, como o Sultanato de Omã, e admite que a Arábia Saudita também “não está imune”.
No entanto, no meio do turbilhão egípcio e tunisino, ficou surpreendido por, em Jidá, a segunda maior (e mais liberal) cidade do reino, ninguém ter protestado depois de a destruição causada por fortes chuvas ter posto em evidência a inexistência de um sistema de esgotos e, acima de tudo, a ineficácia do Governo.
Não passou despercebido, todavia, o facto de o governador de Meca, príncipe Khalid Al Faisal, ter solicitado os conselhos do blogger Fouad Al Farhan, de 37 anos, que em 2008 esteve na cadeia 127 dias por apelar à libertação de vários activistas pró-reforma.

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Se acontecer uma revolta, disse Gause, também por correio electrónico, será nas áreas xiitas da Província Oriental. “O verdadeiro perigo para o regime é se os protestos alastrarem a Riad – mas vai ser preciso esperar para ver.”
As petições ao rei, refere o académico americano, “não são uma novidade”. “Já houve outras, em círculos reformistas, em 1991/1993 e em 2003. Nos últimos anos, também têm circulado na Internet petições exigindo mudanças políticas, mas sem grande adesão.”
“A questão é saber se as petições levarão o activismo para as ruas. Eu acho que, mesmo havendo protestos, o regime vai ultrapassar os problemas. Porque fará concessões políticas e porque a oposição está fragmentada: liberais, islamistas, sunitas, xiitas…”
Os EUA também não parecem inquietos, e sinal disso é o pedido do Presidente Barack Obama ao Congresso para vender ao reino saudita armas (incluindo 84 caças F-15) no valor de 60 mil milhões de dólares durante os próximos 20 anos.
Os 36 mil milhões de dólares oferecidos por Abdullah, em Fevereiro [de 2011] “poderão apaziguar alguns, mas não os que apelam abertamente a reformas políticas”, conclui Gause. “Precisamos primeiro de saber quantas pessoas eles conseguirão mobilizar. Se os “dias de raiva” forem fracos, então o Reino da Arábia Saudita [Al-Mamlaka al-Arabiyya al-Saudiyya] terá sobrevivido à vaga de revoluções que abala o mundo árabe.”
“As mulheres são desafio e oportunidade”

Robert Lacey, autor de Inside the Kingdom – Kings, Clerics, Modernists, Terrorists and the Struggle for Saudi Arabia, o país que “permanece um enigma” e que, “teoricamente, não devia existir porque a sua sobrevivência desafia as leis da lógica e da história”
Khaled Bahaziq foi um jihadista da Al-Qaeda nas montanhas afegãs até descobrir a sua verdadeira vocação. Hoje é o principal “conselheiro matrimonial” na Arábia Saudita e os seus programas televisivos são um indicador de como algo está a mudar no berço de Osama bin Laden.
Os muçulmanos estão “sempre prontos a morrer, mas não são tão bons quando se trata de viver em paz, aceitar e tolerar as diferenças”, disse Bahaziq a Robert Lacey autor do livro Inside the Kingdom: Kings, Clerics, Modernists, Terrorists and the Struggle for Saudi Arabia (Penguin Books, 2010) um retrato extraordinário do país que “permanece um enigma” e que, “teoricamente, não devia existir porque a sua sobrevivência desafia as leis da lógica e da história”.
O programa de Bahaziq chama-se Procura a Felicidade, e ele explica a Lacey em que consiste: “A minha prioridade é ensinar bons modos – aos homens. As mulheres não precisam. Já têm maneiras. São os sauditas que têm de aprender a cuidar bem das suas mulheres.” Até agora, este esforço não acabou com o que a blogger saudita Eman Al Nafjan renega como “ideologia de controlo”
As mulheres não podem inscrever-se na universidade, abrir uma conta bancária, arranjar um emprego ou sair do país sem autorização escrita do seu mahram (guardião), que tem de ser um familiar directo – pai, avô, irmão, marido ou, no caso de viúvas e divorciadas, o filho (mesmo que menor).
Com ou sem licença do “guardião”, as mulheres ainda não podem conduzir, o que as deixa na situação paradoxal de, embora proibidas de se misturarem com “homens estranhos”, dependerem dos seus motoristas estrangeiros para ir a qualquer lugar.

Daneh Abuahmed, directora do departamento de tecnologia de informação da companhia saudita Rotana, durante uma reunião de trabalho no seu gabinete. Com o apoio do dono da empresa, príncipe Alwaleed bin-Talal, um dos homens mais ricos do reino, ela pode trabalhar ao lado de homens, com ou sem um lenço a cobrir rosto e/ou cabelo. Em 2011, este príncipe alertava, em declarações à BBC: “Há fortes divisões internas” e será “um inferno”, se o rei [Abdullah] morrer sem mudar nada” – uma previsão que se realizou. Com a chegada de Salman ao trono, Alwaleed e outros membros da Casa de Saud foram presos, tal como muitas activistas dos direitos das mulheres
© Kate Brooks | TIME
Apesar destas queixas, Robert Lacey diz-me, por e-mail, que “a maior mudança” que testemunhou no reino aonde voltou, 30 anos depois da primeira edição de Kingdom, para perceber por que eram sauditas 15 dos 19 suicidas do World Trade Center, “foram os progressos das mulheres”.
Os números que ele cita coincidem com os da Unesco: as mulheres são quase 70% dos estudantes universitários, 50 por cento dos licenciados e 40% dos que concluem o doutoramento, embora representem apenas 5% da força activa – a taxa mais baixa de todo o mundo.
“Isto é uma oportunidade e um desafio”, sublinha o jornalista britânico que escreveu o clássico Majesty, biografia de Isabel II. “É obviamente muito bom ter mais mulheres cultas, embora seja imperativo criar postos de trabalho, para acompanhar o ritmo dos que se vão formando nas universidades. De outro modo, a tendência será a de mais tensões e frustrações”. A taxa de desemprego situa-se actualmente nos 12%.
“O rei Abdullah está a fazer um grande esforço, mas a Arábia Saudita continua a ser uma sociedade dominada por homens, muito conservadora”, admite Lacey. “Será preciso esperar muito até que uma maioria de sauditas venha a partilhar as ideias progressistas do seu soberano. O rei quer reformas e progresso social – mas não à custa da ordem social.”
“Recentemente, um vice-ministro admitiu a possibilidade de as mulheres votarem em eleições municipais previstas para este ano. A reacção [dos súbditos] foi tão negativa que o rei adiou o escrutínio por mais dois anos.”
Inquirido sobre se as reformas que o septuagenário Abdullah está a empreender serão irreversíveis quando ele sair de cena, Lacey responde: “Não creio que vá tentar influenciar o rumo que o sucessor quiser seguir, porque ele sempre foi muito respeitador e obediente quando o seu irmão Fahd era rei, ainda que discordasse de muitas das suas políticas. Ele deixará o seu legado ao critério de quem herdar o trono e da sabedoria colectiva da família.”

O rei Abdullah tentou dar mais direitos às mulheres, mas só depois da sua morte, por iniciativa de um novo príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman (MBS) é que têm sido adoptadas algumas reformas com maior impacto
© Faisal Al Nasser | Reuters
Este artigo, agora revisto, actualizado e com outro título, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em Março de 2011 | This article, now revised, updated, and under a different headline was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO in March 2011