“O maior pecado dos papas foi a ânsia do poder”

João XII foi assassinado “quando se encontrava na cama com uma mulher casada”. Bento IX era suspeito de “violações, adultérios e outros actos indizíveis”. Alexandre VI foi “amante das próprias filhas, com as quais teve vários filhos”. Na Roma dos imperadores, os escândalos não eram silenciados, reconhece um sacerdote e historiador. Os crentes distinguiam entre pontificado e pontífice. Aceitavam uma Igreja Católica de santos e pecadores. (Ler mais | Read more…)

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Juan María Laboa Gallego, biógrafo dos 268 papas dos últimos 20 séculos, não dá resposta à sua própria pergunta: A Igreja Católica teria menos pecadores se o pescador Simão, que Jesus chamou Pedro e encarregou de dirigir a primeira comunidade de cristãos, tivesse ficado em Jerusalém e não fosse, acompanhado da sua mulher, evangelizar Roma?

Simão/Pedro era um homem casado, que vivia em Cafarnaun e pescava no lago de Tiberíades, na Galileia. “Não era um intelectual, não era padre nem sonhava ser padre”, diz-nos o sacerdote e académico Laboa Gallego, a propósito da primeira figura da sua História dos Papas – Entre o Reino de Deus e o Poder Terreno (Esfera dos Livros), que veio apresentar em Lisboa.

“Vamos imaginar que Pedro permanecia em Jerusalém e que os papas viviam em Jerusalém. Seria a Igreja diferente? A realidade é que, para o bem e para o mal, em Roma estava o poder. Estava uma maneira própria de governar de imperadores e famílias políticas. Essa maneira de governar era muito pecaminosa.”

“Quem são os que ficaram em Jerusalém? Os pobres, os cristãos palestinianos, os perseguidos, os que estão constantemente sob pressão de outras religiões”, pergunta e responde Gallego, que nasceu em San Sebastían, no Norte de Espanha, mas durante 12 anos viveu e ensinou na Universidade de Roma e, há quatro décadas, estuda a cidade e os seus papas.

“É como se a coroa de espinhos, o sofrimento de Cristo, tivesse ficado em Jerusalém, enquanto a tiara, glória e poder da Igreja, ficaram em Roma”, afirmou.

“Não saberemos se a história seria diferente em Jerusalém”, admite Laboa Gallego. “Certo é que a Igreja dos três primeiros séculos, a das perseguições, é uma igreja muito pobre, muito mais simples, mais caritativa. Porque tem um maior sentido de comunidade. Nos primeiros três séculos, os cristãos são perseguidos [Pedro é martirizado em Roma] mas depois, quando eles próprios perseguem os pagãos, já estão a copiar o Império Romano.”

“As dioceses já eram províncias romanas antes de pertencerem aos bispos. Jesus tem uma frase muito poderosa: ‘Não deveis agir como o resto do mundo’. Isto é, com poder, com ambição. Mas esta é uma tentação de todos os cristãos. Não apenas dos papas.”

“Em Jerusalém, era mais difícil essa tentação. Em Roma, era muito mais fácil, porque os papas eram, de certo modo, os herdeiros dos imperadores. Isso ajuda a explicar que haja vários papas indignos.

Foto 2-Papa João XII

João XII, O libertino

Recuemos então à primeira parte do século X, a uma época caracterizada por Juan María Laboa Gallego como de “revoltas permanentes, intrigas e violência crónica”, com repercussões directas na “dignidade da Igreja”.

É neste tempo, em que Teofilacto, administrador e controlador das finanças do pontificado, cônsul e comandante de milícia, domina a vida política de Roma, através da sua mulher, Teodora, e das filhas Marózia e Teodora II, que aparece como “um dos piores papas”: Octaviano ou João XII (955-964).

“O papado foi o joguete e o instrumento das paixões de três mulheres intrigantes e descaradas que profanaram ainda mais o significado religioso do pontificado, não tanto pela sua obscenidade ou porque o transformassem num bordel, mas porque o converteram em algo insignificante”, reprova Gallego.

A cortesã Marózia foi amante do Papa Sérgio III (904-911), “uma personagem anódina, mesmo cruel e sanguinária, ao ponto de assassinar os seus dois predecessores”.

Foi também Marózia, ostentando o “título inédito de senadora e patrícia”, que mandou prender e matar (asfixiado com uma almofada) o Papa João X (914-928), por desconfiar que ele queria libertar-se da tutela da poderosa família Túsculo.

Outra “criatura” de Marózia terá sido Estêvão VII (928-931), aparentemente, também assassinado. Gallego nota que a passagem deste pelo trono “teve tão escassa relevância que alguns historiadores da sua época nem sequer o citam, passando directamente de João X para João XI.

Este, cujo pontificado durou de 931 a 935, era filho de Marózia e de Sérgio III. Foi papa aos 20 anos, por exigência da mãe, cujo terceiro casamento (com Hugo, rei de Itália) ele próprio celebrou.

Hugo ousou criticar publicamente Alberico II, filho do primeiro matrimónio de Marózia, e o enteado, beneficiando de apoio popular, mandou prender a mãe e o meio-irmão João XI.

Governou depois como “senador dos romanos”, elegendo quatro papas (Leão VII, Estêvão VIII, Marinho II e Agapito II), que se “dedicaram exclusivamente às suas atribuições espirituais”.

A decadência voltou à cidade quando o moribundo Alberico obrigou o clero e a nobreza a jurarem que o seu filho Octaviano, de 17 anos, seria o Sumo Pontífice. Assim em 955, “sem estudos eclesiásticos nem predisposição pessoal”, Octaviano tornou-se João XII (955-964) ou, como o define Laboa Gallego, “um pobre homem, preguiçoso, ímpio, de vida escandalosa, simoníaco” (aquele que compra incumbências, instituições ou bens espirituais).

Em 960, para se livrar da ameaça que representava Berengário, soberano da Itália Setentrional, o novo papa corou imperador Otão I da Alemanha, mas esta decisão retirou-lhe autoridade, tendo sido forçado a fugir de Roma para a Córsega.

Furioso por João XII se ter aliado ao filho de Berengário, seu inimigo, Otão I convocou um concílio romano onde condenou o Papa por “traição, apostasia e vida imoral”, substituindo-o por Leão VIII. Este não foi aceite pelos romanos, que abominavam os germânicos.

Quando o imperador deixou a cidade, João XII regressou e impôs o terror, mas acabou “assassinado enquanto se encontrava na cama com uma mulher casada, provavelmente pela mão do marido enganado”.

 Apesar de João XII merecer o seu desdém como Papa, Laboa Gallego considera que as nomeações de Otão I, II e III foram de “transcendência histórica”. Ao romperem com a “submissão total do papado a famílias absolutamente nefastas”, conferiram à Igreja uma “ideia de universalidade”, então inexistente, com decisões que não se limitavam a Roma, mas a Portugal e a Espanha, à Inglaterra e à Alemanha.

“É tristíssimo o período dominado por Marózia e Teodora II, uma família que não tem qualquer ideia de Igreja”, lamenta o espanhol Gallego. “Os que governavam Roma só queriam que os papas fossem seus servos.”

Foto 3-Papa Bento IX

Bento IX, O escandaloso

No catálogo dos papas “sem atracção nem força interior, oportunistas, manipuladores do seu cargo, simoníacos, alheios a qualquer vontade de reforma”, Laboa Gallego inclui também Bento IX, eleito em Outubro de 1032, supostamente, graças a pressões do seu pai, Alberico III, conde de Túsculo.

A Enciclopédia Católica, caracterizando-o como “desgraça na cadeira de Pedro” (praticaria sexo com animais na residência papal em Latrão, e “comandaria assaltos a peregrinos, ricos e idólatras”, nos cemitérios romanos), refere que teria entre 18 e 20 anos. Outras fontes sugerem 11 ou 12 anos de idade. Laboa Gallego apenas atesta que, durante os primeiros 12 anos do seu mandato, Bento IX levou “ uma vida dissoluta e escandalosa”.

Acusado pelo bispo Benno de Piacenza de “múltiplos e vis adultérios e assassínios”, e pelo Papa Vítor III de “violações, assassínios e outros actos indizíveis”, que o tornaram uma figura “abominável e execrável”, Bento IX foi obrigado a abandonar Roma depois de a cidade se cansar da sua “imoralidade” e das “tropelias da família tusculana”, confirma Laboa Gallego.

Em 1045, um outro pontífice, Silvestre II, ocupou o lugar deixado vago por Bento IX, mas este, que não se resignara à perda, regressou 49 dias depois para o expulsar.

No entanto, não ficou muito tempo no trono. Em menos de dois meses, em Julho de 1046, este sobrinho dos papas Bento VIII e João XIX abdicou a favor do padrinho, João Graciano, que adoptou o nome de Gregório VI.

Laboa Gallego desconhece as causas que levaram Bento IX a abdicar (alguns mencionam que queria casar-se com uma irmã), mas não nega que o padrinho lhe ofereceu “uma enorme soma em dinheiro”.

Os dois foram chamados a comparecer perante um sínodo reformador, em Sutri, perto de Roma, “a fim de esclarecer se tinham acedido aos seus cargos por simonia”.

Silvestre, que voltara a ser bispo de Sabina, faltou à chamada e não foi castigado, porque se mantivera distante de tudo. Bento IX também não compareceu, mas foi deposto formalmente. Gregório, o único presente, foi forçado pelo rei Henrique III e pelos bispos a reconhecer-se culpado e a renunciar.

Para retirar o controlo do papado às famílias romanas, o rei elegeu Clemente II (1046-1047), o primeiro alemão na cadeira de Pedro. Em 1048, porém, oito meses após a sua morte, Bento IX regressou à cidade e ao seu antigo posto, que ocupou por breves instantes até voltar a ser expulso, por ordem imperial.

Morreu em 1056, nas suas terras tusculanas, mas nunca reconheceu o sucessor, Dâmaso II. Também este teve um pontificado curto: morreu ao fim de 23 dias, provavelmente de malária.

No seu livro, Laboa Gallego explica: “Apesar da ínfima qualidade humana e moral de muitos destes papas, o que contava para o cristianismo era a instituição como tal, não a personalidade deste ou daquele papa, que para os contemporâneos tinha um escasso interesse. Manteve-se o princípio que distinguia entre o cargo e a pessoa que o exercia.”

“Somente se tivermos em consideração a mentalidade medieval, segundo a qual os critérios de valoração subjectiva tinham muito menos importância que no nosso tempo, é que podemos compreender que a imoralidade de muitos destes papas apresentasse menos consequências negativas para a instituição do papado do que poderíamos imaginar nos nossos dias.”

“Esta distinção era feita pelas pessoas mais simples”, sublinha o historiador, na entrevista. “Todos sabiam se um padre ou um papa era pecador, mas nunca punham em dúvida os sacramentos da Igreja. Agora, enfrentamos uma situação muito mais complexa. Hoje, crentes e não crentes exigem mais coerência: se queres que os outros sejam bons, deves tu começar por ser bom.”

Foto 4-Inocêncio VIII

Inocêncio VIII, O ganancioso

Bento IX pertence à Roma que Laboa Gallego designa por “pecadora, humilhada e violada”, mas Inocêncio VIII (1484-1492), incluído no capítulo da “Roma criadora, magnífica, rejeitada, penitente”, não foi de modo algum um papa virtuoso.

A eleição deste homem que se chamava João Baptista Cibo “foi comprada a ouro”, segundo algumas fontes; “graças a favores sexuais”, segundo outras.

“Casou o seu filho Franceschetto com uma filha de Lourenço de Medici [O Magnífico, de Florença], no Vaticano, numa cerimónia que escandalizou muitos, já que era a primeira vez que um papa apresentava ostensivamente os seus filhos e filhas.”

Mais tarde, o Papa elevou a cardeal outro filho de Lourenço, João de Medici, que tinha apenas 14 anos de idade, satisfazendo os objectivos políticos de uma família poderosa.

Ávido por dinheiro, Inocêncio “vendeu descaradamente os cargos da Cúria”, que se tornou “um grande mercado de vaidades, ambições e despropósitos”, critica Laboa Gallego. “Os que tinham comprado os postos procuravam amortizá-los quanto antes e, naturalmente, o bem da Igreja não constava nos seus projectos.”

A necessidade de dinheiro levou-o a organizar uma cruzada contra os turcos mas como os príncipes cristãos recusaram financiá-la, Inocêncio VIII acabou por firmar “o primeiro acordo diplomático com os infiéis”. Neste caso, com o sultão Bayaceto II, em 1489.

No âmbito deste pacto, o Papa acolhia em Roma o irmão e rival do sultão em troca de um tributo de 40 mil ducados anuais.

Foto 5 Alex Bórgia VI

Alexandre VI, O incestuoso

Depois de Inocêncio VIII chegou à Cúria Rodrigo de Borja y Borja, que adoptou o nome de Alexandre VI (1492-1503) e ganhou fama “não pelos seus valores religiosos, mas pela forma de vida sensual, pelo modo desinibido de utilizar o poder, pela personalidade frequentemente escandalosa dos seus filhos, e pelas lendas e calúnias elaboradas durante o seu pontificado”, observa Laboa Gallego.

O historiador atenua ser difícil distinguir “as acusações falsas contra um dos papas mais caluniados da história, obra dos seus inumeráveis inimigos tanto do mundo político como do eclesiástico, do cúmulo de actuações imorais, prepotentes e desmedidas” de Alexandre e da sua família.

Das várias lendas que envolvem Alexandre VI estão as de que “comprou o papado” e foi “amante das próprias filhas, com as quais teve vários filhos”; que teria participado na “orgia mais depravada de todos os tempos na residência papal”; e a de que envenenou muitos cardeais ricos da Europa depois de deliberar que após a morte destes a Igreja herdaria as suas fortunas.

O sucessor de Inocêncio VIII era “amante do luxo e do fausto” e a sua vida era abertamente licenciosa”, não duvida Laboa Gallego. Alexandre VI teve pelo menos nove filhos, entre os quais se destacaram os da sua amante Vannozza Catanei: João (o predilecto, foi assassinado e atirado ao rio Tibre), César (talvez o mais beneficiado, com inúmeros privilégios e territórios da Igreja), Lucrécia e Jofre. Como papa, teve outra amante oficial, Júlia Farnese, e uma outra desconhecida de quem teve mais dois filhos.

Gallego é implacável na avaliação de Alexandre/Borja: “Conseguiu o papado graças às divisões fratricidas existentes entre os cardeais e, sobretudo, às atractivas e generosíssimas promessas feitas a quem votasse nele.

Necessitou com frequência de dinheiro e utilizou todos os meios para o conseguir, quer vendendo o cardinalato, quer esfolando os judeus abastados, quer ameaçando ou abençoando.”

Em 1497, quando o filho João foi morto, Alexandre anunciou aos príncipes da cristandade que ia mudar a Igreja e o Vaticano. Uma bula, elaborada por uma “comissão de reforma”, proibia os cardeais de possuírem mais do que um bispado e benefícios superiores a 6000 ducados.

Também ficariam interditos de participar em “diversões mundanas – como o teatro, os torneios e os jogos de carnaval”. Teriam de residir na Cúria e “ser austeros nos gastos”, incluindo os da própria sepultura. Os que não cumprissem seriam severamente punidos.

A bula não chegou, porém, a ser aplicada, e Alexandre voltou à sua vida de “sensualidade, hedonismo e frivolidade”.

Gallego conclui: “Não foi edificante, na verdade, este papa, embora ainda hoje seja difícil distinguir entre os dados objectivos e a feroz lenda negra que o perseguiu, a ele e aos seus filhos, mas não há dúvida de que ficou na história não só pelos seus deslizes morais, mas também porque representa como poucos os vícios, a falta de valores e as características do Renascimento.”

 “Antigamente, as pessoas aceitavam que a Igreja fosse, ao mesmo tempo, santa e pecadora”, justifica o historiador dos papas. “O cristão era olhado sempre como um pecador. Nós, pelo contrário, adoptámos uma postura boa na teoria, mas impraticável: víamos os sacerdotes todos como santos.”

“Achávamos que a Igreja era santa. Mas isso não é verdade. Os sacerdotes têm mais responsabilidades, mas nós somos homens. Somos todos pecadores! Uma coisa é certa: depois do que passámos [dos escândalos de pedofilia no clero], vamos passar a ser muito mais humildes.”

“Há 40-50 anos, a sociedade guardava todos os seus segredos”, lembra Gallego. “Uma família, por exemplo, tinha um filho com síndroma de Down e ocultava-o. Porque achava, talvez, que era uma vergonha. Até podia cuidar dele, gostar dele, mas escondia-o em casa.”

“Hoje, somos muito mais livres e mais exigentes no que diz respeito à honradez exterior. Há 40 anos, quando um padre engravidava uma mulher, ela ficava para trás e ele mudava de paróquia. Porquê? Para não escandalizar. Isso correspondia a uma época.”

© lifesitenews.com

“Temos de procurar a santidade, mas tenhamos consciência de que somos pecadores”, frisa Laboa Gallego. “Esta é a grande lição dos tempos actuais. Temos de aceitar, não digo com tranquilidade, mas sim com humildade, as debilidades dos cristãos, dos clérigos e da Igreja. S. Paulo dizia: ‘Quero o bem e muitas vezes faço o mal’.

Ora, o que eu aprendi nestes 40 anos que dedico à história da Igreja e dos cristãos é que, na vida de cada um e na da Igreja, o pecado e a graça de Deus estão muito misturados. No século XX, muitos escritores abordaram esta questão.”

“O inglês Graham Greene, em O poder e a Glória, conta como um padre no México, bêbado e mulherengo, se vê ameaçado de morte em plena revolução”, exemplifica Laboa Gallego.

“Os revolucionários exigem que ele abandone, publicamente, o sacerdócio se quiser salvar a vida. Ele, que era pecador, responde: ‘Não posso desiludir a minha gente. Não posso fugir às minhas responsabilidades na Igreja.’ Mataram-no. Na vida da Igreja mistura-se muito o pecado e a graça.”

“Hoje, descobrimos os padres pederastas, mas não falamos dos milhares de monjas, sacerdotes e cristãos laicos que estão ao lado dos marginais, dos mais pobres, dos anciãos, das crianças abandonadas”, lamenta o historiador.

“O governo de Madrid, que é socialista e anticlerical, já reconheceu que as paróquias que se situam nas áreas mais carenciadas são as que conseguem manter a paz social.”

“Sim, esta é uma Igreja de pecado – isso já ficou demonstrado. Muitos cristãos, e não apenas sacerdotes, que têm a obrigação de ser honrados são pecadores”, aceita Laboa Gallego. O que tem de fazer Bento XVI?

“Por um lado, tomar consciência de que não se pode tolerar nem ocultar o pecado na Igreja. Temos também de ensinar aos cristãos que todos somos débeis. Que só Cristo não peca, porque é Deus.”

“Em vez de nos escandalizarmos com os pecados dos outros, devemos perguntar o que devemos fazer por um mundo melhor”, recomenda o teólogo e historiador.

“Não temos a obrigação de ser santos, mas temos de imprimir um sentido de optimismo. No Antigo Testamento, Deus diz a Moisés: ‘Vou destruir essa cidade porque está cheia de pecado’. Moisés implora: ‘Senhor, e se há 40, 30, 20 justos?’ Deus anui: ‘Bem, então irei salvá-los’.”

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“O facto de os padres e os papas pecarem não quer dizer que não tenham medo do Inferno”, ironiza Laboa Gallego. “O problema é que o pecado é mais forte do que eles. Muitos terão sentido terror, mas eram muito fracos.”

“A Igreja tem de se limpar destes pecados da pedofilia. Não podemos, todavia, esperar que todos sejamos puros. Temos de procurar que estes pecados não se repitam. Temos de ser mais transparentes na Igreja, mas temos de aceitar que somos fracos.”

“Só há um pecado fundamental: a ânsia de dominar e de poder”, vinca Laboa Gallego. “Jesus disse: ‘Eu vim para servir e não para ser servido’. Ele ensinou que, na Igreja, quem governa deve servir.”

“O grande pecado não é o sexo, que é uma consequência. O grande pecado é a ânsia de poder, de dominar. Este é mais forte. Em muitos pecados, incluindo o da pederastia, pior do que o sexo é o desejo de dominar – dominar uma criança, dominar uma mulher.”

Se querem perceber porque o “maior pecado” da Igreja Católica não é o sexo mas a ânsia de poder, vejam o filme Irmão Sol, Irmã Lua, do italiano Franco Zefirelli, recomenda Laboa Gallego que, na História dos Papas, reconstrói a cena em que Inocêncio III recebe Francisco de Assis.

“Numa majestosa sala de audiências, Inocêncio está rodeado pela sua brilhante corte de cardeais e curiais, todos envergando trajes luxuosos. Do pináculo da sua glória, o Papa vê confusamente um grupo apinhado de frades: não os distingue. Não capta o seu sentido. Levanta-se do trono e decide descer.”

“À medida que se aproxima, vão-lhe deslizando a capa magna e vão caindo as vestes sobrepostas, a mitra, as jóias, os anéis e as cruzes. Ao mesmo tempo descobre, cada vez mais nitidamente, os rostos de Francisco e dos seus irmãos andrajosos. Quando chega ao nível destes, cobre-o apenas a alva branca – mas vê, ouve, interpreta (…) e produz-se uma sintonia real entre ambos.”

De regresso ao trono, “numa lenta marcha-atrás, Inocêncio vai subindo de costas os escalões, caem sobre ele as gemas e os luxos, até o cobrirem, e vai perdendo em igual medida a visibilidade, até que de novo só percebe vagamente Francisco”.

Esta cena mostra, que “uma Igreja rica e poderosa pode mover-se pouco, adaptar-se menos, mal pode evangelizar”.

Juan María Laboa Gallego

Este artigo, agora revisto, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 9 de Maio de 2010 | This article, now revised, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on May 9, 2010

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