Tributo a um amor proibido

No dia do funeral de Fadime Sahindal, morta pelo pai, curdo da Turquia que não aceitou o namoro da filha com um sueco, Unni Wikan decidiu escrever um livro sobre os chamados “crimes de honra”. (Ler mais | Read more…)

A vida de Fadime Sahindal ficou com os dias contados quando decidiu tornar público o seu amor pelo sueco Patrik Lindesjö, fez queixa do pai e do irmão, e estes foram acusados e condenados. “A incriminação oficial foi a humilhação final – prova de que os homens perderam o controlo”. © Direitos reservados | All Rights Reserved

A vida de Fadime Sahindal ficou com os dias contados quando decidiu tornar público o seu amor pelo sueco Patrik Lindesjö, fez queixa do pai e do irmão, e estes foram acusados e condenados. “A incriminação oficial foi a humilhação final – prova de que os homens perderam o controlo”
© memini.co

Em Fevereiro de 2002, entre as 2000 pessoas que encheram a antiga catedral da cidade de Uppsala, na Suécia, e outras 2000 que esperaram ao frio e à chuva para lhe prestar homenagem, estavam a princesa Vitória, herdeira do trono, o presidente do Parlamento, os ministros da Integração e da Justiça, e outros dignitários. Também lá estavam 250 membros da família, cujo “chefe” ordenou o seu assassínio.

Fadime Sahindal, 25 anos, foi morta pelo pai, um curdo da Turquia que vivia na Suécia há duas décadas mas foi incapaz de aceitar que a filha namorasse com o sueco Patrik Lindesjö. A sua história é contada pela norueguesa Unni Wikan, professora de Antropologia Social na Universidade de Oslo, no livro In Honour of Fadime: Murder and Shame.

O assassino de Fadime, que Wikan descreve como “obcecado com as noções de honra e desonra”, já havia ameaçado matar a filha várias vezes. Em 1998, pai e irmão espancaram-na. Ela fez queixa à polícia e os dois homens foram condenados. Um segundo ataque do irmão valeu a este cinco meses de cadeia.

“Fadime receava constantemente pela vida”, escreve Wikan no seu livro, onde deixa bem claro que “os crimes de “’honra’ pressupõem uma audiência que os aprova, um grupo de pessoas que recompensará o assassino – é isto que os distingue” dos crimes passionais ou de ciúmes.

“O sentimento de vergonha pode, é certo, ser profundo, sem os ‘outros’ saberem”, adianta Wikan a quem a Noruega atribuiu em 2004 o Prémio Liberdade de Expressão. “É verdade que se pode sofrer em segredo com insultos e humilhações. Mas no contexto das tradições em causa, só se pode ficar ‘limpo’ depois da vergonha ser conhecida. (…) A vergonha depende da desonra se ter tornado um facto para os de fora.”

A história de Fadime Sahindal é contada pela norueguesa Unni Wikan, professora de Antropologia Social na Universidade de Oslo, no livro In Honour of Fadime: Murder and Shame
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A vida de Fadime ficou com os dias contados a partir do momento em que ela decidiu tornar público o seu amor por Patrik, fez queixa do pai e do irmão, e estes foram acusados e condenados. “Isso atiçou as chamas da raiva familiar em ebulição. A incriminação oficial foi a humilhação final – a prova de que os homens perderam o controlo.”

Para Unni Wikan, o pai de Fadime, membro do clã Sahindal, poderoso e influente na Turquia, também é “vítima de uma cultura que lhe exige não aceitar qualquer desafio à sua honra”, uma cultura onde “o grupo estrangula o indivíduo”.

Os problemas de Fadime começaram quando o pai, depois de a ver na rua com Patrik, em 3 de Setembro de 1997, lhe fez um ultimato: ou se separava de Patrick ou da família. Ela escolheu Patrick. Mas Patrik morreu num desastre de automóvel (não suspeito) a 3 de Julho de 1998, o dia em que ambos iam morar juntos.

Apesar da perda, a jovem manteve-se determinada, reclamando “os direitos de quem vive num país livre”. Em 11 de Setembro de 2001, regressou de Nova Iorque em estado de choque depois dos atentados da al-Qaeda. Pediu aos amigos que, se algo lhe acontecesse, queria ser enterrada no mesmo lugar onde sepultaram o namorado.

Em 2002, a menina que chegou a Suécia aos 7 anos de idade, foi morta pelo pai, aos gritos de “sua prostituta!”, com um tiro no rosto e outro na nuca, à queima-roupa.

No dia do funeral, rompendo as tradições que dão aos homens o exclusivo de carregar os caixões, o de Fadime foi erguido por seis mulheres vestidas de negro e cabeça destapada.

Perante um funeral “quase de Estado”, transmitido em directo pela televisão nacional sueca, a família (“não muçulmana”, dizem uns, “muçulmana mas não praticante”, dizem outros), teve de aceitar que, até na morte, Fadime Sahindal quebrou tabus. Jaz ao lado de Patrick no cemitério de uma catedral
© sverigesradio.se

Perante um funeral “quase de Estado”,  transmitido em directo pela televisão nacional sueca, a família (“não muçulmana”, dizem uns, “muçulmana mas não praticante”, dizem outros), não teve outro remédio senão aceitar que, até na morte, Fadime quebrasse tabus. Jaz ao lado de Patrick no cemitério de uma catedral.

Outros casos posteriores na Escandinávia e na Grã-Bretanha, em 2002, impeliram Unni Wikan a “tentar explicar ao grande público e aos políticos o que está em jogo: quantas raparigas na Europa se arriscam a ser mortas pelas suas próprias famílias por escolherem um modo de vida independente ou por motivos triviais.”

“Eu posso falar com autoridade porque tenho um sólido percurso profissional, nacional e internacional, e sou fluente em árabe. Esta língua permite-me entender os muçulmanos”, disse-nos a antropóloga, por e-mail.

“Acho que tenho o direito cívico de usar o meu conhecimento de diversas culturas e sociedades para, ainda que com possibilidades limitadas, melhorar o mundo. Dou imensas entrevistas a rádios, televisões e jornais, faço numerosas palestras por ano para todos os tipos de audiências, escrevo artigos de opinião, sou chamada como antropóloga em sessões de tribunal – umas vezes a pedido da defesa, outras da acusação.”

Em 2002, Fadime Sahindal, a menina que chegou a Suécia aos 7 anos de idade, foi morta pelo pai, aos gritos de “sua prostituta!”, com um tiro no rosto e outro na nuca, à queima-roupa
© nettavisen.no

Este artigo foi publicado originalmente pelo jornal PÚBLICO  em 18 de Abril de 2009| This article was originally published in Portuguese newspaper PÚBLICO, on April 18, 2009

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