Em Tunes, seu quartel-general, a OLP de Yasser Arafat criou uma Casa da Resistência para acolher órfãos de combatentes palestinianos. Este é um lugar de memórias amargas e de alguma esperança. (Ler mais | Read more…)

© Donald McCullin
(The Palestinians, Jonathan Dimbleby, Quartet Books, 1979)
Jamal Ibrahim tem seis anos, mas parece ter apenas metade da sua idade real. O seu rosto é macilento. Os olhos são tristes. O seu corpo franzino tem uma ligeira deformação. Perdeu os pais em Beirute, durante um ataque a um campo de refugiados, onde viviam. Quando for grande, quer ser soldado.
Jamal é um dos 52 filhos adoptivos de Yasser Arafat, que vivem em Beit Somoud (ou Casa da Resistência) em Tunes, um lar para crianças que ficaram órfãs em resultado das várias batalhas travadas pelos palestinianos no Líbano.
Por incrível que possa parecer, a directora do orfanato diz que Arafat visita todas as semanas os seus filhos para lhes dar “afecto e carinho”.
Mas não é a figura do líder da OLP que enche as paredes das camaratas da Casa da Resistência. São páginas de revistas com os rostos de Tom Cruise ou Julia Roberts, de Rob Lowe ou Sabrina, uma cantora italiana.
Um jovem forrou o quarto com posters de cançonetistas egípcias, outro colocou em lugar visível molduras com as fotografias da namorada, outro ainda preferiu afixar um retrato grande do pai, morto em combate.
Os responsáveis pelo orfanato admitem que muitos destes jovens e crianças ficaram marcados pela guerra que domina os seus pesadelos. Talvez as estrelas de cinema e da música ajudem a tornar mais luminosos os seus sonhos.
À cabeceira dos beliches, rádios e gravadores do último modelo transmitem, em alto som, rock e rap. Ao fundo das camas, ténis de marca estão cuidadosamente alinhados junto de várias mochilas.
A arrumação dos quartos sugeria que tudo fora preparado para a visita de um grupo de jornalistas europeus, convidados pelas Nações Unidas.

© Donald McCullin
(The Palestinians, Jonathan Dimbleby, Quartet Books, 1979)
O edifício, de rés-do-chão e primeiro andar, é uma mistura de casa de família e internato: a sala de estar com televisão e sofás, os quartos com colchas às flores para as raparigas e uma decoração mais austera para os rapazes, uma clínica e um pátio para jogos.
Tudo começou em 1976, depois da destruição do campo de refugiados de Tel al-Zaaatar, no sector oriental de Beirute. Para abrigar as crianças que ficaram sem mãe e pai, as lideranças da OLP decidiram fundar a Casa da Resistência para os “órfãos dos mártires”.
Em 1982, depois da invasão israelita e do massacre de centenas de palestinianos nos campos de Sabra e Shatila, em Beirute Ocidental, a instituição, que contava com 450 crianças, foi transferida para a Síria, onde ainda funciona. No mesmo ano, as autoridades tunisinas decidiram acolher alguns destes órfãos, e doaram um edifício em Tunes para esse efeito.
O orfanato é financiado conjuntamente pela OLP e pelo Governo tunisino. São 52 crianças, dos seis aos 18 anos, e para cada grupo de sete há uma “mãe”, geralmente uma enfermeira, que os acompanha até saírem da instituição.
Aqui comem, dormem e vivem. Frequentam a escola al-Qods (Jerusalém), propriedade da OLP, e quando acabam os estudos vão trabalhar para os vários organismos ligados à central palestiniana.
Ao chegarem à idade de casar, a maioria prefere os seus companheiros de infortúnio, perpetuando a herança palestiniana. Umas 20 pessoas, entre empregados, enfermeiros, médicos e psicólogos, constituem a família dos jovens de Beit Somoud. “Tentamos compensá-los do sentimento de perda dos seus pais, da sua terra”, disse a directora do orfanato.
“Um dia, havemos de regressar à Palestina; as pessoas não serão um obstáculo”, cantou, à despedida, uma garota de 16 anos.

© Donald McCullin
(The Palestinians, Jonathan Dimbleby, Quartet Books, 1979)
Este artigo, agora revisto e actualizado, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 5 Novembro 1991 | This article, now revised and updated, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO on November 5, 1991