Acordo histórico com o “grande Satã”

Os EUA, a Europa e o Irão firmaram um compromisso histórico. O analista Karim Sadjadpour comparou-o a um “contrato de noivado”. Até ao “casamento”, em 30 de Junho, há forças que não se calarão para sempre. (Ler mais | Read more…)

Diplomacia é fazer acordos imperfeitos com pessoas de quem não gostamos nem confiamos.

(John Limbert, refém americano durante 444 dias quando a Embaixada dos EUA em Teerão foi ocupada em 1979, autor de obras sobre a cultura persa, casado com uma iraniana e hoje membro do National Iranian American Council/NIAC)

Chinese ambassador Wu Hailong, French Foreign Secretary Laurent Fabius, German Foreign Minister Frank-Walter Steinmeier, EU foreign policy chief Federica Mogherini, Iran's Foreign Minister Javad Zarif, Alexey Karpov, the deputy director of the department for nonproliferation and arms control of the Ministry of Foreign Affairs of Russia, British Foreign Secretary Philip Hammond and U.S. Secretary of State John Kerry (R-L) pose in Lausanne April 2, 2015. Iran and world powers reached a framework on curbing Iran's nuclear programme at marathon talks in Switzerland on Thursday that will allow further negotiations towards a final agreement. © Ruben Sprich |RTR4VXAH | Reuters

Os protagonistas de um “acordo histórico”, da esquerda para a direita: o embaixador chinês na ONU, Wu Hailong; os ministros dos Negócios Estrangeiros da França, Laurent Fabius, e da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier; a chefe da diplomacia da União Europeia, Federica Mogherini, e o seu homólogo iraniano, Javad Zarif; o vice-director do Departamento de Controlo de Armamento e Não Proliferação do MNE da Rússia, Alexei Karpov; e os responsáveis pela política externa do Reino Unido, Philip Hammond, e dos EUA, John Kerry, em Lausanne (Suíça), 2 de Abril de 2015
© Ruben Sprich |Reuters

Nascida em Teerão, onde ainda tem família, Sanam Vakil não ficou espantada quando viu o Presidente, Hassan Rouhani, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, serem acolhidos como salvadores no regresso à pátria, após um “acordo histórico” com os EUA e a Europa, firmado a 2 de Abril em Lausanne, na Suíça.

“Foi como um sopro de ar fresco, depois de anos a viver frustrados, numa nuvem de desespero”, disse-me a autora de Action and Reaction: Women and Politics in the Islamic Republic of Iran. “Agora, as pessoas têm alguma esperança, e isso é tão bom.”

O que, para ela, constituiu “grande surpresa” foi o próprio acordo entre dois países de relações cortadas desde há mais de três décadas.

“Fiquei realmente admirada com o nível de compromisso assumido pela parte iraniana”, acrescentou, numa entrevista por telefone, a partir de Itália, a professora de Estudos do Médio Oriente na Paul H. Nitze School of Advanced International Studies (SAIS), de Washington, divisão da prestigiada universidade John Hopkins. “Creio que tudo é muito positivo. Uma das maiores concessões diz respeito ao reactor de Natanz, e também às inspecções”, mais rígidas.

Igualmente surpreendido ficou Avner Cohen, autor de duas obras fundamentais para entender o programa nuclear israelita – Israel and the Bomb e The Worst-Kept Secret –, professor (e dos maiores peritos) em não proliferação no Middlebury Institute of International Studies em Monterey, na California.

“Creio que a fraseologia usada é muito mais forte e melhor do que eu pensava que iria ser”, diz-nos, também por telefone. “São impostas severas restrições e, embora algumas delas sejam apenas para um período de dez anos, outras vão de 15 a 25. Por exemplo, no que respeita à quantidade de urânio que o Irão pode acumular e percentagem que pode enriquecer. É um esquema complexo. Não é perfeito mas parece o compromisso certo.”

Em Israel, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, que parecia ansioso por uma guerra, não ficou feliz. Denunciou uma capitulação perante um regime que ele compara ao de Hitler, evocando frequentemente o perigo de se repetir o Holocausto. Avner Cohen comentou: “Israel pode não gostar mas terá de viver com este acordo.”

Não é, porém, só em Israel que há forças a tentar sabotar o compromisso que foi longo e difícil de obter. “Há elementos no Irão e nos Estados Unidos que não estão também muito contentes. Ainda é preciso passar pelo Congresso, embora não sendo um tratado, os congressistas não tenham de aprovar o texto. Até de 30 de Junho, data da assinatura, ainda faltam quase três meses – e no Médio Oriente isso é muito tempo.”

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, na janela do seu quarto de hotel com vista para o Lago de Genebra, numa pausa das negociações com o Irão em Lausanne, Switzerland, em 1 de Abril de 2015. Um acordo parecia longínquo mas acabou por ser conseguido no dia 2. © Laurent Gillieron | EPA

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, na janela do seu quarto de hotel com vista para o Lago de Genebra, numa pausa das negociações com o Irão em Lausanne (Suíça), em 1 de Abril de 2015. Um acordo parecia longínquo mas ficou concluído no dia 2
© Laurent Gillieron | EPA

A iraniana Sanam Vakil, que foi investigadora no Projecto Irão do Council on Foreign Relations e consultora para a Divisão do Médio Oriente e Norte de África do Banco Mundial, partilha da opinião de Avner Cohen, de que as sanções internacionais forçaram a República Islâmica a fazer mais cedências do que no passado.

“Foi preciso tempo para deixar claro que só um acordo poderia levantar as sanções, e havia grandes incentivos para aceitar este pacto. Muitos segmentos da sociedade iraniana, que têm sofrido economicamente, até entre os de ‘linha dura’, querem seguir em frente. Há uma nova geração ansiosa por ver o Irão na comunidade das nações.”

“A maioria da população iraniana é moderada e está entusiasmada com a perspectiva de maior apoio do Ocidente”, acrescentou Sanam Vakil. “Naturalmente que haverá sectores que continuarão a opor-se ao acordo, mas é relevante o apoio inequívoco do Ayatollah Ali Khamenei.”

Quando o reformador Mohammad Khatami estava na presidência, o Supremo Líder nunca o abençoou. “Porque ele era considerado demasiado radical para o regime, enquanto Rouhani é visto como a ponte para sarar as feridas, unir as elites e o povo”

Apesar de tudo, Sanam Vakil é cautelosa: “Ainda não temos informação suficiente sobre o levantamento das sanções, mesmo não havendo dúvidas de que será a UE a levantá-las primeiro, em particular as relacionadas com o petróleo e o sistema bancário. Muitas empresas europeias querem já regressar ao mercado iraniano [80 milhões de habitantes carentes de tudo]. As sanções americanas serão as últimas a ser anuladas.”

“Não esperemos para breve a reabertura da Embaixada dos EUA em Teerão”, adverte Sanam Vakil. “O Irão mantém intactos os seus interesses ambições. Aspira a desempenhar um papel fundamental na região, em particular na Síria, apesar da guerra civil.”

No entanto “para isso acontecer é preciso que o Irão seja aceite, e muitos Estados árabes preferem marginalizá-lo do que o legitimar. Enquanto essa marginalização continuar, os conflitos confessionais [sunitas-xiitas] no Médio Oriente não serão eliminados.”

TEHRAN, IRAN - APRIL 3: Iranian Foreign Minister Mohammad Javad Zarif (C) greets people as nuclear negotiating committee arrive at Mehrabat Airport in Tehran on April 3, 2015, after the announcement of an agreement on Iran nuclear talks. Iran and six world powers have agreed on April 2 in Lausanne on the key points of a deal over Iran's controversial nuclear programme. © Fatemeh Bahrami/Anadolu Agency/Getty Images)

3 de Abril de  2015: O chefe da diplomacia iraniana, Mohammad Javad Zarif, é recebido como herói, à chegada a Teerão, após a assinatura de um acordo nuclear preliminar com o grupo P5+1. Alguns compatriotas compararam-no ao primeiro-ministro Mohammad Mossadegh que a CIA derrubou num golpe, em 1953, por ter ousado nacionalizar o petróleo
© Fatemeh Bahrami | Anadolu Agency | Getty Images

Avner Cohen admite que os árabes, e os sauditas em especial, se sentem “atemorizados com a vontade de hegemonia do Irão”, que já influencia países como o Líbano, o Iraque, a Síria, o Iémen e o Bahrain.

Não crê que os EUA abandonem a Casa de Saud, porque é a “credibilidade de um velho aliado” que estará em jogo, mesmo que Obama tenha mudado a doutrina de política externa, retirando o petróleo dos interesses estratégicos.

O que anima Cohen é a possibilidade de o acordo de Lausanne ter retirado a Netanyahu o argumento de que o Irão, mesmo não nuclear, é uma “ameaça existencial” para Israel.

“Estou moderadamente optimista. Se este acordo for para valer, Israel e Netanyahu vão ter de enfrentar a questão da ocupação dos territórios palestinianos, e o Irão deixará de ser tema para desviar atenções.”

Nota final, frisa Cohen: “Embora há muito defenda que Israel tem de pôr fim à opacidade do seu programa nuclear, não creio que esta seja a melhor altura. Primeiro temos de garantir que o Irão cumpre as suas promessas.”

[Para conhecer melhor os bastidores do acordo, recomenda-se a leitura deste artigo do diário britânico The Guardian, da autoria de Julian Borger.]

Os pontos da concórdia

© Chapatte | The New York Times

© Chapatte | International  New York Times

* O número de centrifugadoras– onde é enriquecido o urânio para o fabrico de combustível ou de bombas nucleares – diminuirá das actuais 20.000 para 6.000. Neste processo, o Irão só poderá usar 5.000. Um total de 14.000 instaladas nos últimos dez anos serão desactivadas e colocadas sob apertada vigilância;

* A quantidade de urânio de baixo grau de enriquecimento (3,67%) – o gás que alimenta as centrifugadoras – será reduzida de cerca de 10.000 quilos para 300. Esta cedência, combinada com a do ponto anterior, significa que, mesmo havendo a tentação de “violar” o acordo, o Irão precisará de menos um ano para enriquecer até 20% o urânio suficiente para uma bomba;

* O “núcleo” do reactor de água pesada de Arak, uma estrutura altamente fortificada, será desmantelado, ficando com capacidade de produzir só uma pequena fracção de plutónio – os cerca de oito quilos baixarão para menos de um kg;

* O Irão não construirá mais centrais de reprocessamento que permitam obter plutónio a partir de barras de combustível usadas, que sairão do seu território assim que forem removidas dos reactores;

* As inspecções serão as mais intrusivas de sempre: será possível seguir o rasto do urânio desde que é extraído das minas até ser armazenado em cilindros de gás. Os inspectores internacionais terão acesso a lugares onde nunca antes foram autorizados a entrar;

* Várias restrições ficarão em vigor durante 10 anos, algumas 15 e outras 25, designadamente as inspecções e a proibição de fabricar quaisquer armas nucleares;

* O Irão resistiu à insistência dos EUA de desactivar outros reactores, como o de Fordow, subterrâneo e protegido contra bombas de perfuração de bunkers, mas não poderá aqui produzir material físsil;

* A República Islâmica continuará o enriquecimento de urânio de baixo nível em Natanz, e manterá todas as infra-estruturas para retomar a produção de emergia nuclear civil terminada a década de inspecções;

* A UE levantará de imediato todas as sanções económicas e financeiras relacionadas com um suspeito programa militar e os Estados Unidos farão o mesmo com as sanções financeiras após receber garantias da Agência Internacional de Energia Atómica (AEIA) de que acordo está a ser cumprido pelo Irão;

* Uma nova Resolução do Conselho de Segurança será aprovada para anular as anteriores que penalizavam o Irão, mantendo contudo algumas medidas restritivas durante um período de tempo a definir.

Sem a bênção do Ayatollah Ali Khamenei, o Supremo Líder do Irão, Rouhani e Zafari não poderiam ter negociado o acordo nuclear
© The New Yorker

Irão-América: Uma cronologia

Início do programa nuclear

O Irão inicia um programa nuclear civil, em Março de 1957, sob o reinado do Xá Mohammad Reza Pahlavi e no âmbito do Programa Atoms for Peace, da Administração Eisenhower. Os EUA aceitaram ajudar a construir um “reactor de investigação” em Teerão (que entrou em funcionamento em 1967) e centrais de energia.

March 5, 1957: Iran signs the Iran-United States Agreement for Cooperation Concerning Civil Uses of Atomic Energy, which was part of President Eisenhower’s Atoms for Peace program. Above: President Dwight D. Eisenhower and Shah Mohammed Reza Pahlevi of Iran pose on Dec. 14, 1959 at Marble Palace in Tehran, Iran following Eisenhower's arrival from India on his 11-nation goodwill tour. ©

O Presidente dos EUA  Dwight D. Eisenhower e o Xá Mohammad Reza Pahlavi, em  14 de Dezembro de, 1959, durante um encontro no Palácio de Mármore, em Teerão
© NBC News

Assinatura do TNP

Em 1 de Julho de 1968, o Irão torna-se o 51º Estado signatário do Tratado de Não Proliferação (TNP), comprometendo-se a nunca produzir armas nucleares

A fuga do imperador

O segundo e último “rei dos reis” (Shahanshah) da dinastia Pahlavi foge do Irão em 16 de Janeiro de 1979, depois de o Ayatollah Khomeini pôr fim a 2500 anos de monarquia. Na nova República Islâmica, Shahpour Bakhtiar (que seria assassinado em Paris em 1991) assume a chefia do Governo e, desde logo, cancela um contrato com a América, avaliado em 6200 milhões de dólares, para a construção de duas centrais nucleares no complexo de Bushehr. Os EUA revogam um acordo estabelecido em 1978 e deixam de fornecer urânio enriquecido para o “reactor de investigação” em Teerão. Em 4 de Novembro, estudantes iranianos fazem reféns 63 funcionários da Embaixada dos EUA em Teerão, mantendo 52 deles cativos durante 444 dias, logo após a saída do democrata Jimmy Carter da Casa Branca, derrotado pelo republicano Ronald Reagan

Above: One of the hostages seized when Islamic radicals stormed the U.S. Embassy in Tehran, blindfolded and with his hands bound, is displayed to the crowd outside the U.S. Embassy in Tehran by the Iranian hostage-takers on Nov. 9, 1979. @

Um dos reféns americanos, algemado e vendado, é exibido a uma multidão na capital iraniana por estudantes que, a 9 de Novembro de 1979,  ocuparam a Embaixada dos EUA, classificada pelo novo regime islâmico como “um ninho de espiões”
@ NBC News

Recomeço do programa nuclear

A guerra iniciada pelo Iraque de Saddam Hussein em 1980 e o facto de o ditador de Bagdad (executado em 2006) estar a desenvolver um programa nuclear, com assistência da França, levou o inimigo Khomeini a seguir o exemplo, com ajuda da Alemanha. Em 1984, retomou secretamente as obras para completar a central de Bushehr, destruída durante os bombardeamentos que se prolongaram até ao cessar-fogo em 1988

September 22, 1980: Iraq invades Iran, leaving Iran diplomatically isolated from the West, supporting Iraq, for the better part of the decade. A cease-fire wasn't declared until 1988, after an estimated 1 million lives were lost. Above: Iraqi troops entrenched along the highway connecting Abadan with Khorramshahr on Oct. 19, 1980 while smoke drifting in background comes from an oil refinery near Abadan, which was set by Iraqi artillery bombardment. © NBC News

22 Setembro 1980: O Iraque de Saddam  invade o Irão de  Khomeini. Os EUA ajudam Bagdad a vencer uma guerra que durou oito anos e causou cerca de um milhão de mortos 
© NBC News

Segredos do cientista paquistanês

No final dos anos 1980, Abdul Qadeer Khan,  o “pai” da bomba atómica do Paquistão, vendeu ao Irão, à Coreia do Norte e à Líbia tecnologia para enriquecer urânio. As transacções só são conhecidas em 2005, mas Teerão nega que tenha adquirido o material necessário para ser potência nuclear

Novo Supremo Líder

Em 4 de Junho de 1989, após a morte de Khomeini, um hojatoleslam (grau inferior a ayatollah) que durante oito anos foi Presidente, num cargo meramente protocolar, é promovido ao título máximo de velay-e faqi (Supremo Líder, celestial e terreno), assumindo gradualmente todos os centros de poder

Ali Khamenei (à esquerda, um hojatoleslam - grau abaixo de ayatollah- não foi a primeira escolha de Khomeini (à direita) para sucessor. O herdero designado eta Ali Montazeri que caiu em desgraça por criticar os excessos da nova República Islâmica. © Direitos Reservados | All Rights Reserved

Ali Khamenei (à esq.), um hojatoleslam – grau abaixo de ayatollah – não foi a primeira escolha de Khomeini (à dir.) para lhe suceder como Supremo Líder. O herdeiro designado foi durante muito tempo Hussein-Ali Montazeri, que caiu em desgraça por criticar os excessos revolcuionários da nova República Islâmica

As primeiras sanções

Em Julho de 1996, suspeitando que Teerão estaria a construir a bomba, o Presidente Bill Clinton alarga às companhias estrangeiras as sanções já aplicadas às empresas norte-americanas com investimentos no Irão e na Líbia

Médio Oriente não-nuclear

Com a eleição de um reformador para Presidente, Mohammad Khatami, em 1999, o Irão aproxima-se das monarquias árabes do Golfo, defendendo um Médio Oriente “livre de armas nucleares”

A inesperada eleição, em 1999, de um reformador Mohammad Khatami assustou a linha dura do regime. Para Ali Khamenei, o Presidente que queria abrir o Irão ao mundo "era um radical imprevisível" e tudo fez para sabotar os seus mandatos. © Direitos Reservados | All Rights Reserved

A inesperada eleição, em 1999, de um reformador Mohammad Khatami assustou a linha dura do regime. Para Ali Khamenei, o Presidente que queria abrir o Irão ao mundo “era um radical imprevisível” e tudo fez para sabotar os seus mandatos

Os planos secretos

Em 2002, a organização  Mujahedeen-e Khalq (M.E.K. que quase decapitou a liderança iraniana em vários atentados e perdeu a confiança dos iranianos ao aliar-se a Saddam durante a guerra com o Iraque), divulga documentos revelando um programa nuclear clandestino que a ONU desconhecia. Este programa estaria a ser levado a cabo nas centrais de Natanz e Arak. A América de George W. Bush acusa Teerão de planear o fabrico de “armas de destruição maciça”, mas concentra-se numa nova guerra contra o Iraque de Saddam. O Irão de Khatami aceita inspecções da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), mas não recua num acordo de 800 milhões de dólares com os russos, firmado em 8 de Janeiro de 1995, para concluir (em 2010) a construção de um dos dois reactores de água leve em Bushehr.

Suspensão do programa

Após a invasão do Iraque, em 2003, Khamenei manda suspender o programa nuclear militar, embora mantenha as actividades de enriquecimento de urânio, vestígios do qual são encontrados pelos inspectores da AIEA em Natanz. O Irão aceita uma vigilância mais rigorosa, após pressões da Alemanha, França e Reino Unido

Natanz retoma a produção

Em Janeiro de 2006, com o ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad na Presidência, o Irão recomeça o enriquecimento de urânio em Natanz após o fracasso de negociações com os EUA e a Europa. A AIEA leva ao Conselho de Segurança uma resolução demonstrando “falta de confiança” na garantia iraniana de que o seu programa é apena para “objectivos pacíficos”

O ex-presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, que acelerou o programa de enriquecimento de urânio, durante uma visita à central nuclear de Natanz, em 2008
© president.ir

Um novo reactor

Em 26 de Agosto de 2006, dias antes de ter de suspender o enriquecimento de urânio sob pena de ver adoptadas mais sanções, Ahmadinejad inaugura em Arak, um centro que permitiria fornecer plutónio para armas nucleares

Primeiras sanções da ONU

Em Dezembro de 2006, o Conselho de Segurança da ONU aprova por unanimidade, a primeira série de sanções contra o Irão, doravante impedido de importar e exportar materiais e tecnologia usados no enriquecimento de urânio e produção de mísseis balísticos

Ataques cibernáuticos

Em colaboração com os EUA de Barack Obama, Israel inicia, em 2008, um programa de ataques cibernáuticos, designados Olympic Games (Jogos Olímpicos), infiltrando o vírus Stuxnet nos sistemas de computadores em Natanz. Terão sido danificadas, irreparavelmente, até 2010, “mais de mil centrifugadoras”- um 1/5

Funeral do cientista nuclear iraniano Mostafa Ahmadi Roshan, em 13 de Janeiro de 2012, um dia depois de ter sido assassinado, quando uma bomba magnética fez explodir o seu carro, parado no trânsito caótico de Teerão
© Atta Kenare | AFP | Getty Images

Conversações regulares

Em 8 de Abril de 2009, a secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton aceita participar em conversações com o Irão, iniciadas por iniciativa da Alemanha, China, França, Reino Unido e Rússia. Forma-se assim o grupo P5+1 (os cinco membros do Conselho de Segurança e Berlim)

Mais sanções

Em Junho de 2010, ao aprovar a quarta série de sanções, o Conselho de Segurança reduz as compras militares do Irão, proíbe transacções, comerciais e financeiras levadas a cabo pelos Guardas da Revolução (um dos pilares do regime), que controlam o programa nuclear. A ONU ordena ainda a inspecção da carga de todos os navios e aviões de e para o Irão. Os iranianos são impedidos de investir em centrais de enriquecimento, minas de urânio e tecnologias neste campo de outros países

Bombas contra cientistas

Em 29 de Novembro de 2010, dois cientistas do programa nuclear iraniano são alvos de ataques – um deles, Majid Shahriari, que dirigia “um projecto vital”, é assassinado; o outro, Fereydoon Abbasi, figura mais importante, fica gravemente ferido. Teerão responsabiliza Washington e Telavive. Em 11 de Janeiro de 2012, um bombista mata Mostafa Ahmadi Roshan, outro cientista em Natanz. Israel não confirma nem desmente envolvimento.

Isolamento financeiro

Em Novembro de 2011, as grandes potências ocidentais isolam o Irão do sistema financeiro, com sanções coordenadas visando o seu banco central e bancos comerciais. Os EUA agravam o castigo com sanções às empresas envolvidas nas indústrias nuclear, petrolífera e petroquímica. A AEIA desconfia que o Irão está a desenvolver um engenho nuclear na base militar de Parchin.

Uma série de sanções coordenadas visando o banco central e os bancos comerciais do Irão forçaram a República Islâmica a colocar na mesa das negociações o seu programa nuclear
© AFP

Novas centrifugadoras

Em Março de 2012, o Irão anuncia que está a construir cerca de 3000 centrifugadoras de enriquecimento de urânio em Natanz.

Petróleo e rial em queda livre

Em Julho de 2012, após mais um fracasso negocial, a UE impõe um embargo ao petróleo iraniano. Em Janeiro de 2013, o ministro iraniano responsável por este sector, Rostam Qasemi, reconhece, pela primeira vez, uma queda de 40% nas vendas do produto que é a principal fonte de receitas do seu país, com prejuízos de 4000 milhões a 8000 milhões de dólares por mês. O rial, a moeda iraniana, cai 40%, perdendo metade do seu valor, e fazendo aumentar os preços de bens essenciais em 60%. Ainda em 2012 e depois em 2013, são também agravadas as sanções impostas pelos EUA. Por esta altura, as exportações de petróleo iranianas já estavam a decrescer um milhão de barris/dia, o que não impediu Teerão de anunciar uma nova geração de centrifugadoras, “quatro a seis vezes mais potentes” do que as em funcionamento

A chegada de Rouhani

Em 15 de Junho de 2013, os iranianos elegem, por esmagadora maioria, um teólogo pragmático de 64 anos, Hassan Rouhani, defensor de maior liberdade individual e de maior conciliação em relação ao mundo. Já em 2004, ele desempenhara um papel fundamental na suspensão voluntária, por parte do Irão, do programa de enriquecimento de urânio. Para chegar a um compromisso, o sucessor de Ahmadinejad escolheu Mohammad Javad Zarif, um diplomata formado nos EUA e conhecedor do Ocidente. Afastou as personalidades da “linha dura” que dirigiam as agências de energia atómica iranianas e assumiu, pessoalmente, a responsabilidade pelas negociações com o P5+1

Hassan Rouhani é visto como um pragmático. O Supremo Líder tem permitido alguma margem de manobra ao novo Presidente, poupando-o às críticas da linha dura, porque sabe que só fim das sanções previsto no acordo assinado na Suíça permitirá a sobrevivência do regime. © iranliberty.net

Hassan Rouhani não está à sombra do defunto Khomeini. O novo presidente tem o “benefício da dúvida” do actual Supremo Líder, Ali Khamenei, consciente de que só fim das sanções permitirá a sobrevivência do regime
© iranliberty.net

Em busca de um acordo

Depois de os inspectores da AIEA terem detectado um abrandamento no enriquecimento de urânio, em 19 de Setembro de 2013, Rouhani envia uma carta a Obama afirmando que os iranianos estão empenhados em livrar-se das penosas sanções. O Presidente dos EUA prometeu o alívio pedido se o Irão “cooperasse com a comunidade internacional, cumprisse as suas promessas e abandonasse as posições de ambiguidade”

1º telefonema desde 1979

Em 27 de Setembro de 2013, Obama revela, na Casa Branca, que telefonou a Rouhani – primeiro contacto directo entre os dois líderes desde 1979. Ambos discutiram o programa nuclear iraniano e o Presidente dos EUA disse “estar persuadido de que existe base para um acordo”. Momentos antes, na sua conta no Twitter, Rouhani colocou a seguinte mensagem (entretanto apagada): In a phone conversation b/w #Iranian & #US Presidents just now: @HassanRouhani: “Have a Nice Day!” @BarackObama: “Thank you. Khodahafez

Irão aceita um “Roteiro”

Em 11 de Novembro de 2013, a AIEA anuncia que o Irão aceitou resolver “as questões pendentes”, prometendo acesso dos inspectores internacionais a duas importantes centrais nucleares, excepto a base de Parchin. A 14 de Novembro, a AIEA assegura que o Irão “travou” a sua expansão nuclear, e Obama pede ao Congresso que lhe dê espaço de manobra para concluir um acordo. Depois de várias tentativas, um “guia de parâmetros” foi definido na cidade suíça de Lausanne, em 2 de Abril de 2015. A assinatura do pacto definitivo foi agendada para 30 de Junho.

Sanam Vakil

Avner Cohen

Estes artigos foram publicados originalmente no jornal  EXPRESSO em 11 de Abril de 2015 | These articles were originally published in the Portuguese newspaper EXPRESSO, on April 11, 2015

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