Bahman Ghobadi: “Sou obrigado a viver longe do meu país”

O “inventor do cinema curdo” mudou-se das montanhas na fronteira Irão-Iraque para os subterrâneos de Teerão. O regime não gostou das suas bandas de indie rock e heavy metal, e ele está agora underground, como os músicos de No One Knows About Persian Cats. (Ler mais | Read more…)

Bahman Ghobadi não é um realizador que agrade ao regime iraniano; os seus filmes só circulam no mercado negro e o seu irmão Behrouz esteve preso de Novembro de 2012 até Janeiro de 2013, por ser crítico do anterior Presidente, Mahmoud Ahmadinejad. @DR (Direitos Reservados | All Rights Reserved)

Bahman Ghobadi não é um realizador que agrade ao regime iraniano; os seus filmes só circulam no mercado negro e o seu irmão Behrouz esteve preso de Novembro de 2012 até Janeiro de 2013, por ser crítico do presidente Mahmoud Ahmadinejad

O aviso é invulgar: a partir da próxima semana [Outubro de 2009], No One Knows About Persian Cats  (“Os Gatos Persas”, em DVD, em Portugal) pode ser vendido no mercado negro iraniano, em versão original ou em cópias piratas. “Dei esta autorização por escrito, para contrariar a vontade do Governo, que o proibiu”, diz-me o realizador Bahman Ghobadi, numa entrevista por telefone, a partir de Nova Iorque.

Fazer este “falso documentário”, que o DocLisboa passa dia 20 [de Outubro de 2009] na Culturgest, foi um desafio. “Há três anos que preparava um outro filme [iria chamar-se 60 Seconds About Us] mas não obtive autorização. Toda a minha equipa ficou deprimida. Um amigo disse-me que eu não devia ficar assim, porque era isso mesmo o que o Governo queria. Levou-me a um estúdio de gravação clandestino, e fui ver músicos que tocam cheios de energia, sem dinheiro, quase sem instrumentos e sem licença.”

Assim nasceu, “em apenas dez dias, com um pequeno orçamento e nada planeado”, a quarta longa de Ghobadi, depois de “Um Tempo para Cavalos Bêbados” – que lhe valeu o título de “inventor do cinema curdo” –, As Tartarugas Podem Voar e Half Moon – filmes feitos na fronteira do Irão com o Iraque e onde ele narra “a imensa dor e o sofrimento” do seu povo.

A imagem de marca de Os Gatos Persas, já à venda em DVD em Portugal: um filme-documentário centrado num grupo de jovens músicos iranianos de rock-indie, que actua clandestinamente para sobreviver. @DR (Direitos Reservados | All Rights Reserved)

A imagem de marca de Os Gatos Persas: filme-documentário centrado num grupo de jovens músicos iranianos de rock-indie, que actua clandestinamente para sobreviver

Não foi fácil de rodar a história de Ashkan (Koshanejad) e Negar (Shaghaghi), um casal de músicos que tenta formar uma banda de rock/heavy metal e, ao mesmo tempo, conseguir passaportes e vistos ilegais para deixar Teerão em busca de liberdade artística.

A pequena câmara S12K de Ghobadi (o equipamento de 35 mm é propriedade do Estado) segue os dois namorados num frenético sobe e desce de escadas, por caves e telhados da capital iraniana.

Acompanha-os Nader (Behdad), um incansável promotor musical que vive numa casa com periquitos chamados “Monica Bellucci”, “Scarlet” e “Rhett Butler”, e que usa todos os estratagemas para os ajudar.

Hilariante – e reveladora da hipocrisia das autoridades – a cena em que ele tenta convencer um polícia a reduzir-lhe a pena por ter sido apanhado na posse de DVD americanos e bebidas alcoólicas.

“Tentávamos ser rápidos, sempre a mudar de sítio”, conta Ghobadi. “Usávamos motos para ser mais ágeis e algumas vezes usámos o alvará de outros realizadores para poder filmar.” Porque havia um clima de medo, “os músicos que aceitaram participar podem não ser os melhores, mas são bons”.

Em Os Gatos Persas ficamos a saber que, no Irão, “há pelo menos 312 grupos de indie-rock” e “2000 grupos pop” – sejam curdos, khorasanis, lurs ou baluchis. “Estes grupos fazem música e quase ninguém os conhece, às vezes nem os seus próprios pais”, reconhece Ghobadi.

Também essa realidade é mostrada no filme, onde os músicos, arriscando penas até dois anos de cadeia, tocam às escondidas dos agentes da “prevenção do vício” (que os acusam de ser “adoradores do demónio” ou “bebedores de sangue”), mas também dos familiares.

Uma imagem do filme Half Moon, com paisagens do Curdistão iraniano, onde Ghobadi nasceu; chamam ao realizador (proscrito pelo regime) “o pai do cinema curdo”. @DR (Direitos Reservados | All Rights Reserved)

Uma imagem do filme Half Moon, com paisagens do Curdistão iraniano, onde Ghobadi nasceu; chamam ao realizador (proscrito pelo regime) “o pai do cinema curdo”

Em instalações tão improváveis como um curral de vacas ou um telheiro de zinco com o ruído abafado por cobertores, os jovens que Ghobadi dá a conhecer gostam de The Strokes e Joy Division, cantam tear down the fence, my words are not criminal/ there’s no room in your cage for me, perdem-se em labirintos três pisos abaixo do solo em busca de vozes celestiais, e sonham ir à Islândia ver os Sigur Ròs.

Ghobadi está feliz porque arranjou vistos para muitos que queriam deixar o Irão. “Foram para França ou para a Inglaterra. Sei que alguns estão bem, de outros não tenho notícias.”

Para Ghobadi, Os Gatos Persas é uma declaração de amor à música que o regime iraniano há 30 anos tenta silenciar.

“Sempre amei a música, na alegria e na tristeza – a música está presente sempre que faço um filme”, afirma o cineasta que não quis ser “discípulo” de Abbas Kiarostami ou de Mohsen Makhmalbaf, com os quais colaborou – “os trabalhos deles são diferentes dos meus”.

O próximo projecto será novamente uma declaração de amor ao Curdistão. “O meu novo filme, a rodar na Alemanha, será sobre um escritor obrigado a fugir do Irão”, revela. “Eu não fugi do Irão. Obrigaram-me a ir embora. Cada vez que me prendiam, eles diziam: ‘Sai daqui!'”.

“Os meus filmes não são políticos”, vinca, renegando a acusação de fomentar o separatismo curdo. “Os meus filmes são sobre questões sociais, contemporâneas, mas a sociedade está muito politizada.”

“O regime não suporta os meus filmes, porque quer controlar tudo. Não sou uma pessoa triste, por natureza, mas fizeram de mim uma pessoa triste. Venho de um lugar onde há muito sofrimento e dor. Tenho 39 anos, estou fora do meu país.”

“Tenho saudades. Sou obrigado a viver numa terra que não é a minha. Trabalho em condições muito difíceis, fora do meu ambiente natural, o que me entristece.”

Agora que a sua namorada, a jornalista irano-americana Roxana Saberi, foi libertada, após quatro meses na cadeia de Evin, em Teerão, Ghobadi garante que já não pensa em suicídio.

Confessou esse sentimento numa carta aberta em que pediu a sua libertação, mas admite: “Às vezes, a pressão é tanta que o suicídio parece ser a única solução. Enquanto a morte não vier buscar-me, quero continuar a batalhar, mesmo com dificuldades. Com este espírito, ninguém quer morrer”.

A jornalista agradece a preciosa colaboração de Maryam Sanai, que ajudou a traduzir, de farsi para português, a entrevista com Bahman Ghobadi.

Avaz Latif (Agrin), em As tartarugas também voam, um dos filmes mais comoventes de Bahman Ghobadi, que aqui aborda a situação das crianças na fronteira entre a Turquia e o Iraque, antes da invasão liderada pelos Estados Unidos da América para derrubar Saddam Hussein. @DR (Direitos Reservados | All Rights Reserved)

Avaz Latif (Agrin), em As tartarugas também voam, um dos filmes mais comoventes de Bahman Ghobadi, que aqui aborda a situação das crianças na fronteira entre a Turquia e o Iraque, antes da invasão liderada pelos Estados Unidos da América para derrubar Saddam Hussein

Este artigo foi originalmente publicado no jornal PÚBLICO, edição de 16 de Outubro de 2009 | This article was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on October 16, 2009

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